Language of document : ECLI:EU:C:1998:316

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

25 de Junho de 1998 (1)

«Transferências de resíduos destinados a aproveitamento — Princípios da auto-suficiência e da proximidade»

No processo C-203/96,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE, pelo Nederlandse Raad van State, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Chemische Afvalstoffen Dusseldorp BV e o.

e

Minister van Volkshuisvesting, Ruimtelijke Ordening en Milieubeheer,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 34.°, 86.°, 90.° e 130.°-T do Tratado CE, da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), na redacção dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32), bem como do Regulamento (CEE) n.° 259/93 do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade (JO L 30, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: H. Ragnemalm (relator), presidente de secção, G. F. Mancini, P. J. G. Kapteyn, J. L. Murray e G. Hirsch, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,


secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

—    em representação da Chemische Afvalstoffen Dusseldorp BV e o., por B. J. M. Veldhoven, advogado no foro da Haia, O. W. Brouwer, advogado no foro de Amesterdão, e F. P. Louis, advogado no foro de Bruxelas,

—    em representação do Governo neerlandês, por J. G. Lammers, consultor jurídico substituto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

—    em representação do Governo francês, por C. de Salins, subdirectora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e R. Nadal, secretário adjunto dos Negócios Estrangeiros na mesma direcção, na qualidade de agentes,

—     em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. van Vliet e M. Condou, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Chemische Afvalstoffen Dusseldorp BV e o., representada por O. W. Brouwer e F. P. Louis, do Governo neerlandês, representado por J. S. van den Oosterkamp, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo dinamarquês, representado por P. Biering, chefe de direcção no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e da Comissão, representado por H. van Vliet, na audiência de 3 de Julho de 1997,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 23 de Outubro de 1997,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por decisão de 23 de Abril de 1996, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de Junho seguinte, o Nederlandse Raad van State submeteu, nos

termos do artigo 177.° do Tratado CE, quatro questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 34.°, 86.°, 90.° e 130.°-T do Tratado CE da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), na redacção dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32, a seguir «directiva»), bem como do Regulamento (CEE) n.° 259/93 do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade (JO L 30, p. 1, a seguir «regulamento»).

2.
    Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio entre, por um lado, Chemische Afvalstoffen Dusseldorp BV (a seguir «Dusseldorp»), Factron Technik GmbH (a seguir «Factron») e Dusseldorp Lichtenvoorde BV (a seguir «Dusseldorp») e, por outro, o Minister van Volkshuisvsting, Ruimtelijke ordening en Milieubeheer (Ministro da Habitação, do Ordenamento do Território e do Ambiente neerlandês, a seguir «ministro»), relativamente à exportação para a Alemanha de resíduos destinados a aí serem aproveitados.

A regulamentação comunitária

A directiva

3.
    O artigo 1.° da directiva define, por um lado, as operações de eliminação dos resíduos e, por outro, as operações de aproveitamento dos resíduos, remetendo, respectivamente, para os anexos II A e II B, que contêm, ambos, uma lista precisa das operações em causa.

4.
    Os artigos 3.°, 4.° e 5.° da directiva estabelecem os seguintes objectivos: antes de mais, a prevenção, redução, aproveitamento e utilização dos resíduos; em seguida, a protecção da saúde humana e do ambiente no tratamento dos resíduos, quer se destinem a ser eliminados ou a ser aproveitados, e, por último, a criação, a nível comunitário e se possível a nível nacional, de uma rede integrada de eliminação dos resíduos

5.
    Assim, o artigo 5.° da directiva estabelece:

«1. Em cooperação com outros Estados-Membros, e sempre que tal se afigurar necessário ou conveniente, os Estados-Membros tomarão as medidas adequadas para a constituição de uma rede integrada e adequada de instalações de eliminação tendo em conta as melhores tecnologias disponíveis que não acarretem custos excessivos. Esta rede deverá permitir que a Comunidade no seu conjunto se torne auto-suficiente em matéria de eliminação de resíduos e que os Estados-Membros tendam para esse objectivo cada um por si, tendo em conta as circunstâncias geográficas ou a necessidade de instalações especializadas para certos tipos de resíduos.

2. Esta rede deverá além disso permitir a eliminação de resíduos numa das instalações adequadas mais próxima, graças à utilização dos métodos e das tecnologias mais adequadas para assegurar um nível elevado de protecção do ambiente e da saúde pública.»

6.
    Em seguida, o artigo 7.° da directiva obriga os Estados-Membros a estabelecerem planos de gestão de resíduos para a realização dos objectivos referidos nos artigos 3.°, 4.° e 5.°, autorizando-os a tomar medidas para impedir a circulação de resíduos não conformes com esses planos.

O Regulamento

7.
    O regulamento trata da transferência dos resíduos designadamente entre Estados-Membros.

8.
    O Título II do regulamento, intitulado «Transferência de resíduos entre Estados-Membros», contém dois capítulos distintos que se ocupam respectivamente do processo aplicável aos resíduos destinados a eliminação (capítulo A) e do processo aplicável às transferências de resíduos destinados a aproveitamento (capítulo B). O processo previsto para esta segunda categoria de resíduos é menos limitativo do que o aplicável à primeira.

9.
    O artigo 4.°, n.° 3, alínea a), subalínea i), que faz parte do capítulo A, relativo às transferências de resíduos destinados a eliminação, estabelece:

«i)    Para aplicar os princípios da proximidade, da prioridade da aproveitamento e da auto-suficiência a nível comunitário e nacional, em conformidade com a Directiva 75/442/CEE, os Estados-membros podem adoptar disposições, de acordo com o Tratado, para proibir de um modo geral ou parcial as transferências de resíduos ou levantar sistematicamente objecções a essas transferências. Essas medidas serão imediatamente notificadas à Comissão, que desse facto dará conhecimento aos outros Estados-membros.»

10.
    Pelo contrário, o capítulo B, relativo às transferências de resíduos destinados a aproveitamento, não refere os princípios da auto-suficiência e da proximidade.

11.
    O artigo 7.°, n.os 2 e 4, alínea a), que faz parte do capítulo B, prevê:

«2.    As autoridades competentes de destino, de expedição e de trânsito disporão de 30 dias a contar do envio do aviso de recepção para levantar objecções à transferência. Essas objecções devem-se basear no n.° 4. Todas as objecções devem ser apresentadas por escrito ao notificador e às restantes autoridades competentes interessadas num prazo de 30 dias.

...

4.    a) As autoridades competentes de destino e de expedição podem levantar objecções fundamentadas à transferência prevista:

    —    de acordo com a Directiva 75/442/CEE, em especial com o seu artigo 7.°, ou

    —    se a transferência não respeitar as disposições legislativas e regulamentares nacionais relativas à protecção do ambiente, à ordem pública, à segurança pública ou à protecção da saúde

...»

A regulamentação nacional

12.
    O plano plurianual neerlandês de eliminação dos resíduos perigosos de Junho de 1993 (a seguir «plano plurianual») refere, no quinto parágrafo do n.° 6:

«Quando existir técnica de tratamento de melhor qualidade no estrangeiro ou quando a capacidade de tratamento de determinado resíduo for insuficiente nos Países Baixos, será autorizada a exportação, excepto de tal impedir a realização nos Países Baixos de uma eliminação pelo menos equivalente. Em tal caso, recorrer-se-á à armazenagem enquanto se aguarda a eliminação.»

13.
    O plano sectorial 19 da segunda parte do plano plurianual precisa, relativamente aos filtros de óleo, que as exportações não serão autorizadas caso o tratamento de tais filtros no estrangeiro não seja de qualidade superior ao praticado nos Países Baixos.

14.
    O plano sectorial 10 da segunda parte do plano plurianual, relativo aos resíduos a incinerar, prevê, com base no princípio da auto-suficiência, que a exportação dos resíduos perigosos a incinerar deverá, na medida do possível, ser limitada, designadamente porque as exigências em matéria de emissão em caso de incineração são menos rigorosas no estrangeiro do que nos Países Baixos.

15.
    Neste plano sectorial, é também posta em prática a procura de uma forma de eliminação tão eficaz quanto possível pela atribuição à AVR Chemie CV (a seguir «AVR Chemie») de uma função dita de «gestão dos resíduos». A AVR Chemie é, dessa forma, designada como único operador final para a incineração dos resíduos perigosos num forno rotativo de alta eficácia. Os resíduos que devem ser incinerados nesse forno apenas podem ser exportados pela AVR Chemie, cuja licença contém condições reguladoras destinadas a evitar altas de preço indesejáveis.

16.
    A AVR Chemie tem a forma de uma sociedade em comandita, cujos sócios são o Estado Neerlandês, a comuna de Roterdão, bem como oito empresas industriais,

entre elas a Akzo Nobel Nederland. O Estado neerlandês e a comuna de Roterdão detêm, em conjunto, uma participação de 55% na AVR Chemie.

17.
    O director da direcção dos resíduos do Ministério do Ambiente é também o representante do Estado Neerlandês no conselho fiscal da AVR Chemie. A referida direcção está encarregada de definir a política neerlandesa em matéria de exportação de resíduos, decidindo, concretamente, se determinada exportação pode ser autorizada ou deve ser recusada.

Os factos no processo principal

18.
    Em 1994, a Dusseldorp solicitou autorização para exportar para a Alemanha doislotes de filtros de óleo e resíduos similares, pesando respectivamente 2 000 e 60 toneladas, para aí serem tratadas pela Factron.

19.
    Por duas decisões de 22 de Agosto de 1994, o ministro, nos termos das disposições conjugadas do plano plurianual e do artigo 7.°, n.os 2 e 4, alínea a), do regulamento, pôs objecções a tal exportação.

20.
    Em 13 de Dezembro de 1994, a Dusseldorp, a Factron e a Dusseldorp Lichtenvoorde apresentaram reclamação daquelas duas decisões.

21.
    Na sequência de uma visita às instalações da Factron efectuada por dois funcionários do Ministério do Ambiente neerlandês, o ministro declarou improcedentes, por nova decisão de 8 de Dezembro de 1994, as acusações dos interessados, com o fundamento de o tratamento aplicado pela Factron não ser mais eficaz do que o aplicado pela empresa neerlandesa de transformação e gestão de resíduos AVR Chemie.

22.
    Por petição de 18 de Janeiro de 1995, a Dusseldorp, a Factron e a Dusseldorp Lichtenvoorde interpuseram recurso para o Nederlandse Raad van State pedindo a anulação da decisão do ministro de 8 de Dezembro de 1994 que, em sua opinião, não é compatível com a regulamentação comunitária.

As questões prejudiciais

23.
    Tendo dúvidas quanto à resposta a dar à questão de saber se os princípios da auto-suficiência e da proximidade, tal como aplicados no plano plurianual, podem ser aplicados às transferências e resíduos destinados a aproveitamento, o órgão jurisdicional nacional submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes quatro questões prejudiciais:

«1) a)    Os princípios da auto-suficiência e da proximidade, considerados em conjugação e tendo em conta a sistemática do Regulamento (CEE) n.° 259/93 do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída

da Comunidade, e da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (na redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/156/CEE), são aplicáveis às transferências entre Estados-Membros apenas de resíduos destinados a eliminação ou também de resíduos destinados a aproveitamento?

b)    Caso o Tribunal de Justiça considere que os princípios da auto-suficiência e da proximidade, enunciados no Regulamento (CEE) n.° 259/93 e da Directiva 75/442/CEE, não podem aplicar-se às transferências entre Estados-Membros de resíduos destinados a aproveitamento, pode o artigo 130.°-T do Tratado CE oferecer uma base jurídica para um regime como o que consta nesta matéria no Meerjarenplan verwijdering gevaarlijke afvalstoffen [plano plurianual de eliminação de resíduos perigosos] de Junho de 1993, estabelecido pelo Governo neerlandês?

2)    No referido plano plurianual, os princípios da auto-suficiência e da proximidade são concretizados através do objectivo de conseguir a melhor forma possível de eliminação (incluindo o aproveitamento) e a continuidade na eliminação. Constitui isto uma adequada prossecução dos referidos princípios?

3) a)    Na medida em que, em si mesmos, sejam admissíveis os critérios fixados no plano plurianual para levantar objecções à exportação de resíduos destinados a aproveitamento, estamos aqui em presença da medida de efeito equivalente a que se refere o artigo 34.° do Tratado CE e deve esta considerar-se justificada?

b)    A este respeito, existe alguma diferença consoante os princípios da auto-suficiência e da proximidade, caso sejam aplicáveis ao resíduos destinados a aproveitamento, sejam aplicados a título principal no quadro da Comunidade no seu conjunto ou exclusivamente a nível nacional?

4)    São compatíveis com os n.os 1 e 2 do artigo 90.°, em conjugação com o artigo 86.° do Tratado CE, os direitos exclusivos do tipo dos concedidos pelas autoridades neerlandesas, no plano sectorial 10 da Parte II do plano plurianual, à AVR Chimie CV para a incineração de resíduos perigosos, tendo em conta a fundamentação que para tal é dada no referido plano?»

Quanto à primeira questão

24.
    Pela primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta, no essencial, se a directiva e o regulamento devem ser interpretados no sentido de que os princípios da auto-suficiência e da proximidade são aplicáveis às transferências de resíduos destinados a aproveitamento. Para a hipótese de resposta negativa, pergunta se o

artigo 130.°T autoriza os Estados a ampliarem a aplicação desses princípios a tais resíduos.

Quanto à interpretação da directiva e do regulamento

25.
    Os Governos neerlandês e dinamarquês consideram que a não referência expressa, na directiva e no regulamento, aos princípios da auto-suficiência e da proximidade relativamente aos resíduos destinados a aproveitamento não impede que tais princípios possam ser aplicados a tal tipo de resíduos. Com efeito, o artigo 7.° da directiva procede a uma enumeração não exaustiva dos dados que devem ser incluídos nos planos de gestão dos resíduos.

26.
    A Dusseldorp, o Governo francês e a Comissão entendem, pelo contrário, que da não referência expressa aos princípios da auto-suficiência e da proximidade, relativamente aos resíduos destinados a aproveitamento, na directiva e no regulamento, bem como da economia deste, resulta que os referidos princípios não podem ser tomados em consideração no que se refere aos resíduos destinados a aproveitamento.

27.
    A este respeito, cabe salientar, em primeiro lugar, que o artigo 7.° da directiva dispõe que os Estados-Membros devem estabelecer planos de gestão dos resíduos, designadamente para realizar os objectivos referidos nos artigos 3.°, 4.° e 5.° Destas disposições, só o artigo 5.° refere os princípios da auto-suficiência e da proximidade, e exclusivamente quanto aos resíduos destinados a eliminação. Da mesma forma, o sétimo considerando, que alude a tais princípios, diz exclusivamente respeito a esta categoria de resíduos.

28.
    Em segundo lugar, o regulamento apenas menciona expressamente tais princípios no décimo considerando, que os associa exclusivamente aos resíduos destinados a eliminação, e no artigo 4.°, n.° 3, alínea a), subalínea i), e alínea b), que define o tipo de medidas que os Estados-Membros podem adoptar, bem como as autoridades competentes de expedição e de destino para lhes dar execução. Esta disposição, que faz parte do capítulo A do título II do regulamento, diz exclusivamente respeito à transferência dos resíduos destinados a eliminação.

29.
    O artigo 7.° do regulamento, que consta do capítulo B, relativo aos resíduos destinados a aproveitamento e corresponde ao referido artigo 4.°, não prevê a possibilidade de adopção de medidas no que se refere à aplicação dos princípios da auto-suficiência e da proximidade.

30.
    Resulta assim das disposições da directiva e do regulamento, bem como da economia deste, que nenhum desses diplomas prevê a aplicação dos princípios da auto-suficiência e da proximidade aos resíduos destinados a aproveitamento.

31.
    Esta conclusão é confirmada pela resolução do Conselho, de 7 de Maio de 1990, sobre a política em matéria de resíduos (JO C 122, p. 2), referida no segundo

considerando da directiva. Com efeito, o Conselho precisa nessa resolução que o objectivo de auto-suficiência em matéria de resíduos não é aplicável à reciclagem.

32.
    Além disso, na fundamentação da proposta de regulamento inicial [COM(90) 415 final — SYN 305 de 26 de Outubro de 1990], menciona-se que o critério de proximidade era susceptível de justificar a intervenção das autoridades em matéria de resíduos a eliminar. Tal critério não é referido quanto aos resíduos destinados a aproveitamento; relativamente a estes últimos, só caberia aplicar o critério de gestão ecologicamente racional.

33.
    Por último, cabe sublinhar que a diferença de tratamento entre os resíduos destinados a eliminação e os destinados a aproveitamento reflecte a diferença entre os papéis que cada um desses dois tipos de resíduos é chamado a representar no desenvolvimento da política ambiental da Comunidade. Por definição, só os resíduos destinados a aproveitamento podem contribuir para dar execução ao princípio da prioridade do aproveitamento enunciado no n.° 3 do artigo 4.° do regulamento. Foi para estimular tal aproveitamento no conjunto da Comunidade, designadamente pelo aparecimento de técnicas mais eficazes, que o legislador comunitário previu que os resíduos desse tipo deviam poder circular livremente entre os Estados-Membros para aí serem tratados, na medida em que o respectivo transporte não criasse perigo para o ambiente. Adoptou assim um processo mais flexível para o transporte transfronteiriço de tais resíduos, ao qual se opõem os princípios da auto-suficiência e da proximidade.

34.
    À luz das considerações precedentes, cabe concluir que o regulamento e a directiva devem ser interpretados no sentido de que os princípios da auto-suficiência e da proximidade não são aplicáveis aos resíduos destinados a aproveitamento.

Quanto à interpretação do artigo 130.°T do Tratado

35.
    Para a Dusseldorp e a Comissão, o regulamento procedeu a uma harmonização completa das normas relativas às transferências de resíduos entre os Estados-Membros, pelo que estes apenas podem, em princípio, opor-se às transferências de resíduos com base no referido regulamento. Além disso, o artigo 130.°-T do Tratado apenas autoriza os Estados a procederem a uma regulamentação caso esta seja compatível, designadamente, com os artigos 30.° e seguintes do Tratado. Ora, para a Dusseldorp e a Comissão, o plano plurianual contém medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à exportação proibidas pelo artigo 34.° do Tratado, que não se justificam nem por exigências imperativas atinentes à protecção do ambiente, nem à luz do artigo 36.° do Tratado CE.

36.
    Para o Governo neerlandês, pode deduzir-se da letra e economia do regulamento, bem como do artigo 13O.°-T do Tratado, que as medidas adoptadas nos termos do artigo 130.°-S constituem uma harmonização mínima. Em tais condições, nada

impede os Estados de visarem um nível de protecção mais elevado com base no artigo 130.°-T. Além disso, o plano plurianual não é contrário ao Tratado e, em particular, não contém qualquer proibição de exportação. A título subsidiário, o Governo neerlandês sustenta que, caso se entenda que o plano plurianual contém uma proibição de exportação na acepção do artigo 34.°, tal proibição justifica-se, nos termos do artigo 36.° do Tratado, pela procura de uma forma de eliminação dos resíduos mais eficaz e de uma continuidade na eliminação, que visam proteger a saúde e vida das pessoas.

37.
    Cabe constatar que a directiva e o regulamento foram adoptados com base no artigo 130.°S do Tratado, a que faz referência o seu artigo 130.°-T.

38.
    O artigo 130.°-T do Tratado dispõe:

«As medidas de protecção adoptadas por força do artigo 130.°S não obstam a que cada Estado-Membro mantenha ou introduza medidas de protecção reforçadas. Essas medidas devem ser compatíveis com o presente Tratado e serão notificadas à Comissão.»

39.
    Há, pois, que examinar se, de acordo com esta disposição, medidas como as previstas no plano plurianual para aplicação dos princípios da auto-suficiência e da proximidade aos resíduos destinados a aproveitamento são compatíveis com o artigo 34.° do Tratado.

40.
    Esta disposições proíbe as restrições quantitativas à exportação, bem como todas as medidas de efeito equivalente. De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tal disposição visa as medidas nacionais que tenham por objectivo ou por efeito restringir especificamente as correntes de exportação e criar assim uma diferença de tratamento entre o comércio interno de um Estado-Membro e o seu comércio de exportação, por forma a garantir um benefício especial à produção nacional ou ao mercado interno do Estado interessado (acórdão de 14 de Julho de 1981, Oebel, 155/80, Recueil, p. 1993, n.° 15).

41.
    O plano sectorial 19 da segunda parte do plano plurianual prevê que as exportações não serão autorizadas excepto se o tratamento dos filtros de óleo no estrangeiro se revelar de qualidade superior ao aplicado nos Países Baixos.

42.
    Forçoso é constatar que tal disposição tem por objectivo e efeito restringir a exportação e garantir um benefício especial à produção nacional.

43.
    Contudo, o Governo neerlandês argumenta, em primeiro lugar, que a referida disposição do plano plurianual pode justificar-se por uma exigência imperativa atinente à protecção do ambiente. Em sua opinião, as medidas em causa são necessárias para permitir que a AVR Chemie funcione de forma rentável, tendo matéria suficiente para eliminar, bem como para lhe garantir fornecimentos

suficientes de filtros de óleo, para utilização como combustível. Em caso de aprovisionamento insuficiente, a AVR Chemie ver-se-ia obrigada a utilizar um combustível menos respeitador do ambiente ou obter outros combustíveis igualmente respeitadores do ambiente, que, porém, gerariam custos suplementares.

44.
    Ainda que se admita que a medida nacional em causa pode justificar-se por razões atinentes à protecção do ambiente, basta constatar que os argumentos apresentados pelo Governo neerlandês, relativos à rentabilidade da empresa nacional AVR Chemie e os custos a que deve fazer face são de ordem económica. Ora, o Tribunal de Justiça julgou que objectivos de natureza puramente económica não podem justificar um entrave ao princípio fundamental da livre circulação de mercadorias (acórdão de 28 de Abril de 1998, Decker, C-120/95, ainda não publicado na Colectânea, n.° 39).

45.
    O Governo neerlandês entende, em segundo lugar, que a disposição controvertida do plano plurianual se justifica pela derrogação prevista no artigo 36.° do Tratado relativa à protecção da saúde e da vida das pessoas.

46.
    Saliente-se que tal justificação seria pertinente se o tratamento dos filtros de óleo nos outros Estados-Membros e o respectivo transporte numa maior distância, em consequência da exportação, constituíssem perigo para a saúde e para a vida das pessoas.

47.
    Não decorre contudo do processo que seja esse o caso. Por um lado, o próprio Governo neerlandês admitiu que o tratamento dos filtros na Alemanha era comparável ao praticado pela AVR Chemie. Por outro lado, não provou que o transporte dos filtros de óleo constituísse perigo para o ambiente ou para a vida e a saúde das pessoas.

48.
    Daqui resulta que restrições à exportação de resíduos destinados a aproveitamento, como as estabelecidas na regulamentação neerlandesa, não eram necessárias para a protecção da saúde e da vida das pessoas nos termos do artigo 36.° do Tratado.

49.
    Cabe, pois, concluir que a aplicação dos princípios da auto-suficiência e da proximidade a resíduos destinados a aproveitamento, como sejam os filtros de óleo, tem por objectivo e efeito restringir as exportações desses resíduos, sem se justificar, num caso com o do processo principal, por exigências imperativas atinentes à protecção do ambiente ou pela preocupação de proteger a saúde e a vida das pessoas, nos termos do artigo 36.° do Tratado. Em consequência, os Estados não podem invocar o artigo 130.°-T do Tratado para aplicarem os princípios da auto-suficiência e da proximidade a tais resíduos.

50.
    Nestas condições, cabe responder à primeira questão suscitada que a directiva e o regulamento não podem ser interpretados no sentido de que os princípios da auto-suficiência e da proximidade são aplicáveis às transferências de resíduos

destinados a aproveitamento. O artigo 130.°-T do Tratado não autoriza os Estados-Membros a ampliarem a aplicação de tais princípios a esses resíduos quando se verificar que constituem entrave às exportações, não justificado nem por uma medida imperativa atinente à protecção da saúde, nem por uma das derrogações previstas no artigo 36.° do Tratado.

Quanto às segunda e terceira questões

51.
    As segunda e terceira questões foram colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio unicamente para a hipótese de o Tribunal de Justiça julgar que os princípios da auto-suficiência e da proximidade são aplicáveis aos resíduos destinados a aproveitamento, quer por força da directiva e do regulamento, quer por força do artigo 130.°-T do Tratado.

52.
    Atendendo à resposta dada à primeira questão, não há que responder a estas questões.

Quanto à quarta questão

53.
    Pela quarta questão, o órgão jurisdicional nacional interroga-se sobre a compatibilidade com as normas de concorrência contidas nos artigos 90.° e 96.° do Tratado de direitos exclusivos como os atribuídos à AVR Chemie no âmbito da política instituída nos termos do plano plurianual. Como salienta o advogado-geral no n.° 97 das suas conclusões, os direitos exclusivos a que se refere o órgão jurisdicional nacional devem ser entendidos como incluindo simultaneamente o exclusivo geral concedido para a incineração e qualquer exclusivo decorrente da disposição controvertida. Este último diz respeito à proibição de exportação dos filtros de óleo, a menos que o tratamento no estrangeiro seja mais eficaz do que o praticado nos Países Baixos.

54.
    O órgão jurisdicional nacional pergunta, pois, no essencial, se o artigo 90.° do Tratado, conjugado com o artigo 86.°, se opõe a uma regulamentação, como o plano plurianual, nos termos da qual um Estado-Membro obriga as empresas a confiarem os seus resíduos destinados a aproveitamento, tais como os filtros de óleo, a uma empresa nacional à qual concedeu o direito exclusivo de incinerar os resíduos perigosos, a menos que o tratamento dos seus resíduos noutro Estado-Membro seja mais eficaz do que o praticado por essa empresa.

55.
    O Governo neerlandês entende que a AVR Chemie não dispõe de direitos exclusivos, pelo que o artigo 90.° não é aplicável ao caso em análise no processo principal.

56.
    A Dusseldorp entende, por seu lado, que os direitos exclusivos concedidos pelas autoridades neerlandesas à AVR Chemie são incompatíveis com o n.° 1 do artigo 90.° do Tratado, conjugado com o artigo 86.° Além disso, tais direitos não podem justificar-se à luz do n.° 2 do artigo 90.° do Tratado, dado que a manutenção da

estrutura de eliminação neerlandesa pode ser assegurada por medidas que afectem em menor grau a concorrência e a livre circulação das mercadorias.

57.
    A Comissão recorda que o facto de um Estado-Membro conceder autorização de tratamento de determinados resíduos a uma única empresa estabelecida no seu território não é, enquanto tal, incompatível com o artigo 90.° do Tratado, conjugado com o artigo 86.°

58.
    Decorre do processo que a AVR Chemie foi designada como único operador final para a incineração dos resíduos perigosos. Pode pois entender-se que essa empresa dispõe de um direito exclusivo, na acepção do n.° 1 do artigo 90.° do Tratado.

59.
    Esta disposição determina que os Estados não tomem nem mantenham qualquer medida contrária ao disposto no Tratado, nomeadamente em matéria de concorrência.

60.
    A este respeito, saliente-se que a concessão de direitos exclusivos para a incineração dos resíduos perigosos da totalidade do território de um Estado-Membro deve ser entendida como a atribuição à empresa beneficiária de uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum (v., neste sentido, acórdão de 18 de Junho de 1991, ERT, C-260/89, Colect., p. I-2925, n.° 31).

61.
    Embora o mero facto de criar uma posição dominante não seja, enquanto tal, incompatível com o artigo 86.° do Tratado, os Estados-Membros violam as proibições contidas no artigo 90.°, conjugado com o artigo 86.°, caso adoptem medidas legislativas, regulamentares ou administrativas que conduzam as empresas a que concedam direitos exclusivos a abusarem da respectiva posição dominante (v., neste sentido, acórdão de 13 de Dezembro de 1991, GB-Inno-BM, C-18/88, Colect., p. I-5941, n.° 20).

62.
    A este respeito, resulta do processo que, com base no plano plurianual, o Governo neerlandês proibiu a recorrente no processo principal de exportar e, ao fazê-lo, impôs-lhe, na prática, a obrigação de confiar os filtros de óleo, resíduos destinados a aproveitamento, à empresa nacional detentora do direito exclusivo de incinerar os resíduos perigosos, sendo que a qualidade do tratamento oferecido noutro Estado-Membro era comparável ao da empresa nacional.

63.
    Tal obrigação tem por efeito favorecer a empresa nacional, permitindo-lhe tratar resíduos que se destinavam a ser tratados por outra empresa. Tem, pois, por consequência limitar o mercado de forma contrária ao n.° 1 do artigo 90.° do Tratado, conjugado com o artigo 86.°

64.
    Cabe contudo examinar se tal obrigação pode justificar-se por uma missão de interesse económico geral, na acepção do n.° 2 do artigo 90.° do Tratado.

65.
    Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que tal disposição pode ser invocada para justificar uma medida contrária ao artigo 86.° do Tratado adoptada em benefício de uma empresa a que o Estado concedeu direitos exclusivos se tal medida for necessária para permitir que a empresa cumpra a missão particular que lhe foi confiada e caso não afecte o desenvolvimento das trocas comerciais de maneira que contrarie os interesses da Comunidade (v., neste sentido, acórdãos de 19 de Maio de 1993, Corbeau, C-320/91, Colect., p. I-2533, n.° 14, e de 23 de Outubro de 1997, Comissão/França, C-159/94, Colect., p. I-5815, n.° 49).

66.
    A este respeito, o Governo neerlandês argumenta que a regulamentação controvertida visa reduzir os custos da empresa encarregada da incineração dos resíduos perigosos e permitir-lhe, assim, ser economicamente viável.

67.
    Ora, ainda que a missão confiada a essa empresa possa constituir uma missão de interesse económico geral, competia ao Governo neerlandês, como salienta o advogado-geral no n.° 108 das suas conclusões, demonstrar, de forma satisfatória para o órgão jurisdicional nacional, que tal objectivo não pode ser atingido por outros meios. Assim, o n.° 2 do artigo 90.° do Tratado apenas pode aplicar-se caso seja demonstrado que, na ausência da medida controvertida, a empresa em causa seria incapaz de cumprir a missão que lhe foi confiada.

68.
    Nestas circunstâncias, cabe responder à quarta questão prejudicial que o artigo 90.° do Tratado, conjugado com o artigo 86.°, se opõe a uma regulamentação, como o plano plurianual, nos termos da qual um Estado-Membro obriga as empresas a confiarem os respectivos resíduos destinados a aproveitamento, tais como os filtros de óleo, a uma empresa nacional à qual concedeu o direito exclusivo de incinerar os resíduos perigosos, a menos que o tratamento desses resíduos noutroEstado-Membro seja mais eficaz do que o praticado por essa empresa, quando tal regulamentação conduza, sem razão objectiva e sem que tal seja necessário para o cumprimento de uma missão de interesse geral, a beneficiar a empresa nacional e a aumentar a sua posição dominante.

Quanto às despesas

69.
    As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês, dinamarquês e francês e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Nederlandse Raad van State, por decisão de 23 de Abril de 1996, declara:

1.
    A Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos, na redacção da Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991, e o Regulamento (CEE) n.° 259/93 do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade, não podem ser interpretados no sentido de que os princípios da auto-suficiência e da proximidade são aplicáveis às transferências de resíduos destinados a aproveitamento. O artigo 130.°-T do Tratado CE não autoriza os Estados-Membros a ampliarem a aplicação de tais princípios a esses resíduos quando se verificar que constituem entrave às exportações não justificado nem por uma medida imperativa atinente à protecção da saúde nem por uma das derrogações previstas no artigo 36.° do referido Tratado.

2.
    O artigo 90.° do Tratado CE, conjugado com o artigo 86.°, opõe-se a uma regulamentação, como o plano plurianual, nos termos da qual um Estado-Membro obriga as empresas a confiarem os respectivos resíduos destinados a aproveitamento, como sejam os filtros de óleo, a uma empresa nacional à qual concedeu o direito exclusivo de incinerar os resíduos perigosos, a menos que o tratamento desses resíduos noutro Estado-Membro seja mais eficaz do que o praticado por essa empresa, quando tal regulamentação conduza, sem razão objectiva e sem que tal seja necessário para o cumprimento de uma missão de interesse geral, a beneficiar a empresa nacional e a aumentar a sua posição dominante.

Ragnemalm
Mancini
Kapteyn

Murray

Hirsch

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Junho de 1998.

O secretário

O presidente da Sexta Secção

R. Grass

H. Ragnemalm


1: Língua do processo: neerlandês.