ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
25 de Junho de 1998 (1)
«Transferências de resíduos destinados a aproveitamento Princípios da
auto-suficiência e da proximidade»
No processo C-203/96,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do
artigo 177.° do Tratado CE, pelo Nederlandse Raad van State, destinado a obter,
no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Chemische Afvalstoffen Dusseldorp BV e o.
e
Minister van Volkshuisvesting, Ruimtelijke Ordening en Milieubeheer,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 34.°, 86.°, 90.° e
130.°-T do Tratado CE, da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de
1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), na redacção dada
pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32),
bem como do Regulamento (CEE) n.° 259/93 do Conselho, de 1 de Fevereiro de
1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior,
à entrada e à saída da Comunidade (JO L 30, p. 1),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
composto por: H. Ragnemalm (relator), presidente de secção, G. F. Mancini,
P. J. G. Kapteyn, J. L. Murray e G. Hirsch, juízes,
advogado-geral: F. G. Jacobs,
secretário: H. A. Rühl, administrador principal,
vistas as observações escritas apresentadas:
em representação da Chemische Afvalstoffen Dusseldorp BV e o., por
B. J. M. Veldhoven, advogado no foro da Haia, O. W. Brouwer, advogado
no foro de Amesterdão, e F. P. Louis, advogado no foro de Bruxelas,
em representação do Governo neerlandês, por J. G. Lammers, consultor
jurídico substituto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de
agente,
em representação do Governo francês, por C. de Salins, subdirectora na
Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros,
e R. Nadal, secretário adjunto dos Negócios Estrangeiros na mesma
direcção, na qualidade de agentes,
em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. van
Vliet e M. Condou, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações da Chemische Afvalstoffen Dusseldorp BV e o., representada
por O. W. Brouwer e F. P. Louis, do Governo neerlandês, representado por
J. S. van den Oosterkamp, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios
Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo dinamarquês, representado por
P. Biering, chefe de direcção no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade
de agente, e da Comissão, representado por H. van Vliet, na audiência de 3 de
Julho de 1997,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 23 de
Outubro de 1997,
profere o presente
Acórdão
- 1.
- Por decisão de 23 de Abril de 1996, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de
Justiça em 14 de Junho seguinte, o Nederlandse Raad van State submeteu, nos
termos do artigo 177.° do Tratado CE, quatro questões prejudiciais relativas à
interpretação dos artigos 34.°, 86.°, 90.° e 130.°-T do Tratado CE da Directiva
75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos
(JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), na redacção dada pela Directiva 91/156/CEE
do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32, a seguir «directiva»), bem
como do Regulamento (CEE) n.° 259/93 do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993,
relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à
entrada e à saída da Comunidade (JO L 30, p. 1, a seguir «regulamento»).
- 2.
- Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio entre, por um lado,
Chemische Afvalstoffen Dusseldorp BV (a seguir «Dusseldorp»), Factron Technik
GmbH (a seguir «Factron») e Dusseldorp Lichtenvoorde BV (a seguir
«Dusseldorp») e, por outro, o Minister van Volkshuisvsting, Ruimtelijke ordening
en Milieubeheer (Ministro da Habitação, do Ordenamento do Território e do
Ambiente neerlandês, a seguir «ministro»), relativamente à exportação para a
Alemanha de resíduos destinados a aí serem aproveitados.
A regulamentação comunitária
A directiva
- 3.
- O artigo 1.° da directiva define, por um lado, as operações de eliminação dos
resíduos e, por outro, as operações de aproveitamento dos resíduos, remetendo,
respectivamente, para os anexos II A e II B, que contêm, ambos, uma lista precisa
das operações em causa.
- 4.
- Os artigos 3.°, 4.° e 5.° da directiva estabelecem os seguintes objectivos: antes de
mais, a prevenção, redução, aproveitamento e utilização dos resíduos; em seguida,
a protecção da saúde humana e do ambiente no tratamento dos resíduos, quer se
destinem a ser eliminados ou a ser aproveitados, e, por último, a criação, a nível
comunitário e se possível a nível nacional, de uma rede integrada de eliminação
dos resíduos
- 5.
- Assim, o artigo 5.° da directiva estabelece:
«1. Em cooperação com outros Estados-Membros, e sempre que tal se afigurar
necessário ou conveniente, os Estados-Membros tomarão as medidas adequadas
para a constituição de uma rede integrada e adequada de instalações de eliminação
tendo em conta as melhores tecnologias disponíveis que não acarretem custos
excessivos. Esta rede deverá permitir que a Comunidade no seu conjunto se torne
auto-suficiente em matéria de eliminação de resíduos e que os Estados-Membros
tendam para esse objectivo cada um por si, tendo em conta as circunstâncias
geográficas ou a necessidade de instalações especializadas para certos tipos de
resíduos.
2. Esta rede deverá além disso permitir a eliminação de resíduos numa das
instalações adequadas mais próxima, graças à utilização dos métodos e das
tecnologias mais adequadas para assegurar um nível elevado de protecção do
ambiente e da saúde pública.»
- 6.
- Em seguida, o artigo 7.° da directiva obriga os Estados-Membros a estabelecerem
planos de gestão de resíduos para a realização dos objectivos referidos nos artigos
3.°, 4.° e 5.°, autorizando-os a tomar medidas para impedir a circulação de resíduos
não conformes com esses planos.
O Regulamento
- 7.
- O regulamento trata da transferência dos resíduos designadamente entre
Estados-Membros.
- 8.
- O Título II do regulamento, intitulado «Transferência de resíduos entre
Estados-Membros», contém dois capítulos distintos que se ocupam respectivamente
do processo aplicável aos resíduos destinados a eliminação (capítulo A) e do
processo aplicável às transferências de resíduos destinados a aproveitamento
(capítulo B). O processo previsto para esta segunda categoria de resíduos é menos
limitativo do que o aplicável à primeira.
- 9.
- O artigo 4.°, n.° 3, alínea a), subalínea i), que faz parte do capítulo A, relativo às
transferências de resíduos destinados a eliminação, estabelece:
«i) Para aplicar os princípios da proximidade, da prioridade da aproveitamento
e da auto-suficiência a nível comunitário e nacional, em conformidade com
a Directiva 75/442/CEE, os Estados-membros podem adoptar disposições,
de acordo com o Tratado, para proibir de um modo geral ou parcial as
transferências de resíduos ou levantar sistematicamente objecções a essas
transferências. Essas medidas serão imediatamente notificadas à Comissão,
que desse facto dará conhecimento aos outros Estados-membros.»
- 10.
- Pelo contrário, o capítulo B, relativo às transferências de resíduos destinados a
aproveitamento, não refere os princípios da auto-suficiência e da proximidade.
- 11.
- O artigo 7.°, n.os 2 e 4, alínea a), que faz parte do capítulo B, prevê:
«2. As autoridades competentes de destino, de expedição e de trânsito disporão
de 30 dias a contar do envio do aviso de recepção para levantar objecções
à transferência. Essas objecções devem-se basear no n.° 4. Todas as
objecções devem ser apresentadas por escrito ao notificador e às restantes
autoridades competentes interessadas num prazo de 30 dias.
...
4. a) As autoridades competentes de destino e de expedição podem levantar
objecções fundamentadas à transferência prevista:
de acordo com a Directiva 75/442/CEE, em especial com o seu artigo
7.°, ou
se a transferência não respeitar as disposições legislativas e
regulamentares nacionais relativas à protecção do ambiente, à ordem
pública, à segurança pública ou à protecção da saúde
...»
A regulamentação nacional
- 12.
- O plano plurianual neerlandês de eliminação dos resíduos perigosos de Junho de
1993 (a seguir «plano plurianual») refere, no quinto parágrafo do n.° 6:
«Quando existir técnica de tratamento de melhor qualidade no estrangeiro ou
quando a capacidade de tratamento de determinado resíduo for insuficiente nos
Países Baixos, será autorizada a exportação, excepto de tal impedir a realização nos
Países Baixos de uma eliminação pelo menos equivalente. Em tal caso,
recorrer-se-á à armazenagem enquanto se aguarda a eliminação.»
- 13.
- O plano sectorial 19 da segunda parte do plano plurianual precisa, relativamente
aos filtros de óleo, que as exportações não serão autorizadas caso o tratamento de
tais filtros no estrangeiro não seja de qualidade superior ao praticado nos Países
Baixos.
- 14.
- O plano sectorial 10 da segunda parte do plano plurianual, relativo aos resíduos a
incinerar, prevê, com base no princípio da auto-suficiência, que a exportação dos
resíduos perigosos a incinerar deverá, na medida do possível, ser limitada,
designadamente porque as exigências em matéria de emissão em caso de
incineração são menos rigorosas no estrangeiro do que nos Países Baixos.
- 15.
- Neste plano sectorial, é também posta em prática a procura de uma forma de
eliminação tão eficaz quanto possível pela atribuição à AVR Chemie CV (a seguir
«AVR Chemie») de uma função dita de «gestão dos resíduos». A AVR Chemie
é, dessa forma, designada como único operador final para a incineração dos
resíduos perigosos num forno rotativo de alta eficácia. Os resíduos que devem ser
incinerados nesse forno apenas podem ser exportados pela AVR Chemie, cuja
licença contém condições reguladoras destinadas a evitar altas de preço
indesejáveis.
- 16.
- A AVR Chemie tem a forma de uma sociedade em comandita, cujos sócios são o
Estado Neerlandês, a comuna de Roterdão, bem como oito empresas industriais,
entre elas a Akzo Nobel Nederland. O Estado neerlandês e a comuna de Roterdão
detêm, em conjunto, uma participação de 55% na AVR Chemie.
- 17.
- O director da direcção dos resíduos do Ministério do Ambiente é também o
representante do Estado Neerlandês no conselho fiscal da AVR Chemie. A
referida direcção está encarregada de definir a política neerlandesa em matéria de
exportação de resíduos, decidindo, concretamente, se determinada exportação pode
ser autorizada ou deve ser recusada.
Os factos no processo principal
- 18.
- Em 1994, a Dusseldorp solicitou autorização para exportar para a Alemanha doislotes de filtros de óleo e resíduos similares, pesando respectivamente 2 000 e 60
toneladas, para aí serem tratadas pela Factron.
- 19.
- Por duas decisões de 22 de Agosto de 1994, o ministro, nos termos das disposições
conjugadas do plano plurianual e do artigo 7.°, n.os 2 e 4, alínea a), do regulamento,
pôs objecções a tal exportação.
- 20.
- Em 13 de Dezembro de 1994, a Dusseldorp, a Factron e a Dusseldorp
Lichtenvoorde apresentaram reclamação daquelas duas decisões.
- 21.
- Na sequência de uma visita às instalações da Factron efectuada por dois
funcionários do Ministério do Ambiente neerlandês, o ministro declarou
improcedentes, por nova decisão de 8 de Dezembro de 1994, as acusações dos
interessados, com o fundamento de o tratamento aplicado pela Factron não ser
mais eficaz do que o aplicado pela empresa neerlandesa de transformação e gestão
de resíduos AVR Chemie.
- 22.
- Por petição de 18 de Janeiro de 1995, a Dusseldorp, a Factron e a Dusseldorp
Lichtenvoorde interpuseram recurso para o Nederlandse Raad van State pedindo
a anulação da decisão do ministro de 8 de Dezembro de 1994 que, em sua opinião,
não é compatível com a regulamentação comunitária.
As questões prejudiciais
- 23.
- Tendo dúvidas quanto à resposta a dar à questão de saber se os princípios da
auto-suficiência e da proximidade, tal como aplicados no plano plurianual, podem
ser aplicados às transferências e resíduos destinados a aproveitamento, o órgão
jurisdicional nacional submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes quatro questões
prejudiciais:
«1) a) Os princípios da auto-suficiência e da proximidade, considerados em
conjugação e tendo em conta a sistemática do Regulamento (CEE)
n.° 259/93 do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização
e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída
da Comunidade, e da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho
de 1975, relativa aos resíduos (na redacção que lhe foi dada pela Directiva
91/156/CEE), são aplicáveis às transferências entre Estados-Membros
apenas de resíduos destinados a eliminação ou também de resíduos
destinados a aproveitamento?
b) Caso o Tribunal de Justiça considere que os princípios da auto-suficiência
e da proximidade, enunciados no Regulamento (CEE) n.° 259/93 e da
Directiva 75/442/CEE, não podem aplicar-se às transferências entre
Estados-Membros de resíduos destinados a aproveitamento, pode o artigo
130.°-T do Tratado CE oferecer uma base jurídica para um regime como
o que consta nesta matéria no Meerjarenplan verwijdering gevaarlijke
afvalstoffen [plano plurianual de eliminação de resíduos perigosos] de Junho
de 1993, estabelecido pelo Governo neerlandês?
2) No referido plano plurianual, os princípios da auto-suficiência e da
proximidade são concretizados através do objectivo de conseguir a melhor
forma possível de eliminação (incluindo o aproveitamento) e a continuidade
na eliminação. Constitui isto uma adequada prossecução dos referidos
princípios?
3) a) Na medida em que, em si mesmos, sejam admissíveis os critérios fixados no
plano plurianual para levantar objecções à exportação de resíduos
destinados a aproveitamento, estamos aqui em presença da medida de
efeito equivalente a que se refere o artigo 34.° do Tratado CE e deve esta
considerar-se justificada?
b) A este respeito, existe alguma diferença consoante os princípios da
auto-suficiência e da proximidade, caso sejam aplicáveis ao resíduos
destinados a aproveitamento, sejam aplicados a título principal no quadro
da Comunidade no seu conjunto ou exclusivamente a nível nacional?
4) São compatíveis com os n.os 1 e 2 do artigo 90.°, em conjugação com o
artigo 86.° do Tratado CE, os direitos exclusivos do tipo dos concedidos
pelas autoridades neerlandesas, no plano sectorial 10 da Parte II do plano
plurianual, à AVR Chimie CV para a incineração de resíduos perigosos,
tendo em conta a fundamentação que para tal é dada no referido plano?»
Quanto à primeira questão
- 24.
- Pela primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta, no essencial, se a
directiva e o regulamento devem ser interpretados no sentido de que os princípios
da auto-suficiência e da proximidade são aplicáveis às transferências de resíduos
destinados a aproveitamento. Para a hipótese de resposta negativa, pergunta se o
artigo 130.°T autoriza os Estados a ampliarem a aplicação desses princípios a tais
resíduos.
Quanto à interpretação da directiva e do regulamento
- 25.
- Os Governos neerlandês e dinamarquês consideram que a não referência expressa,
na directiva e no regulamento, aos princípios da auto-suficiência e da proximidade
relativamente aos resíduos destinados a aproveitamento não impede que tais
princípios possam ser aplicados a tal tipo de resíduos. Com efeito, o artigo 7.° da
directiva procede a uma enumeração não exaustiva dos dados que devem ser
incluídos nos planos de gestão dos resíduos.
- 26.
- A Dusseldorp, o Governo francês e a Comissão entendem, pelo contrário, que da
não referência expressa aos princípios da auto-suficiência e da proximidade,
relativamente aos resíduos destinados a aproveitamento, na directiva e no
regulamento, bem como da economia deste, resulta que os referidos princípios não
podem ser tomados em consideração no que se refere aos resíduos destinados a
aproveitamento.
- 27.
- A este respeito, cabe salientar, em primeiro lugar, que o artigo 7.° da directiva
dispõe que os Estados-Membros devem estabelecer planos de gestão dos resíduos,
designadamente para realizar os objectivos referidos nos artigos 3.°, 4.° e 5.° Destas
disposições, só o artigo 5.° refere os princípios da auto-suficiência e da
proximidade, e exclusivamente quanto aos resíduos destinados a eliminação. Da
mesma forma, o sétimo considerando, que alude a tais princípios, diz
exclusivamente respeito a esta categoria de resíduos.
- 28.
- Em segundo lugar, o regulamento apenas menciona expressamente tais princípios
no décimo considerando, que os associa exclusivamente aos resíduos destinados a
eliminação, e no artigo 4.°, n.° 3, alínea a), subalínea i), e alínea b), que define o
tipo de medidas que os Estados-Membros podem adoptar, bem como as
autoridades competentes de expedição e de destino para lhes dar execução. Esta
disposição, que faz parte do capítulo A do título II do regulamento, diz
exclusivamente respeito à transferência dos resíduos destinados a eliminação.
- 29.
- O artigo 7.° do regulamento, que consta do capítulo B, relativo aos resíduos
destinados a aproveitamento e corresponde ao referido artigo 4.°, não prevê a
possibilidade de adopção de medidas no que se refere à aplicação dos princípios
da auto-suficiência e da proximidade.
- 30.
- Resulta assim das disposições da directiva e do regulamento, bem como da
economia deste, que nenhum desses diplomas prevê a aplicação dos princípios da
auto-suficiência e da proximidade aos resíduos destinados a aproveitamento.
- 31.
- Esta conclusão é confirmada pela resolução do Conselho, de 7 de Maio de 1990,
sobre a política em matéria de resíduos (JO C 122, p. 2), referida no segundo
considerando da directiva. Com efeito, o Conselho precisa nessa resolução que o
objectivo de auto-suficiência em matéria de resíduos não é aplicável à reciclagem.
- 32.
- Além disso, na fundamentação da proposta de regulamento inicial [COM(90) 415
final SYN 305 de 26 de Outubro de 1990], menciona-se que o critério de
proximidade era susceptível de justificar a intervenção das autoridades em matéria
de resíduos a eliminar. Tal critério não é referido quanto aos resíduos destinados
a aproveitamento; relativamente a estes últimos, só caberia aplicar o critério de
gestão ecologicamente racional.
- 33.
- Por último, cabe sublinhar que a diferença de tratamento entre os resíduos
destinados a eliminação e os destinados a aproveitamento reflecte a diferença entre
os papéis que cada um desses dois tipos de resíduos é chamado a representar no
desenvolvimento da política ambiental da Comunidade. Por definição, só os
resíduos destinados a aproveitamento podem contribuir para dar execução ao
princípio da prioridade do aproveitamento enunciado no n.° 3 do artigo 4.° do
regulamento. Foi para estimular tal aproveitamento no conjunto da Comunidade,
designadamente pelo aparecimento de técnicas mais eficazes, que o legislador
comunitário previu que os resíduos desse tipo deviam poder circular livremente
entre os Estados-Membros para aí serem tratados, na medida em que o respectivo
transporte não criasse perigo para o ambiente. Adoptou assim um processo mais
flexível para o transporte transfronteiriço de tais resíduos, ao qual se opõem os
princípios da auto-suficiência e da proximidade.
- 34.
- À luz das considerações precedentes, cabe concluir que o regulamento e a directiva
devem ser interpretados no sentido de que os princípios da auto-suficiência e da
proximidade não são aplicáveis aos resíduos destinados a aproveitamento.
Quanto à interpretação do artigo 130.°T do Tratado
- 35.
- Para a Dusseldorp e a Comissão, o regulamento procedeu a uma harmonização
completa das normas relativas às transferências de resíduos entre os
Estados-Membros, pelo que estes apenas podem, em princípio, opor-se às
transferências de resíduos com base no referido regulamento. Além disso, o artigo
130.°-T do Tratado apenas autoriza os Estados a procederem a uma
regulamentação caso esta seja compatível, designadamente, com os artigos 30.° e
seguintes do Tratado. Ora, para a Dusseldorp e a Comissão, o plano plurianual
contém medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à exportação
proibidas pelo artigo 34.° do Tratado, que não se justificam nem por exigências
imperativas atinentes à protecção do ambiente, nem à luz do artigo 36.° do Tratado
CE.
- 36.
- Para o Governo neerlandês, pode deduzir-se da letra e economia do regulamento,
bem como do artigo 13O.°-T do Tratado, que as medidas adoptadas nos termos do
artigo 130.°-S constituem uma harmonização mínima. Em tais condições, nada
impede os Estados de visarem um nível de protecção mais elevado com base no
artigo 130.°-T. Além disso, o plano plurianual não é contrário ao Tratado e, em
particular, não contém qualquer proibição de exportação. A título subsidiário, o
Governo neerlandês sustenta que, caso se entenda que o plano plurianual contém
uma proibição de exportação na acepção do artigo 34.°, tal proibição justifica-se,
nos termos do artigo 36.° do Tratado, pela procura de uma forma de eliminação
dos resíduos mais eficaz e de uma continuidade na eliminação, que visam proteger
a saúde e vida das pessoas.
- 37.
- Cabe constatar que a directiva e o regulamento foram adoptados com base no
artigo 130.°S do Tratado, a que faz referência o seu artigo 130.°-T.
- 38.
- O artigo 130.°-T do Tratado dispõe:
«As medidas de protecção adoptadas por força do artigo 130.°S não obstam a que
cada Estado-Membro mantenha ou introduza medidas de protecção reforçadas.
Essas medidas devem ser compatíveis com o presente Tratado e serão notificadas
à Comissão.»
- 39.
- Há, pois, que examinar se, de acordo com esta disposição, medidas como as
previstas no plano plurianual para aplicação dos princípios da auto-suficiência e da
proximidade aos resíduos destinados a aproveitamento são compatíveis com o
artigo 34.° do Tratado.
- 40.
- Esta disposições proíbe as restrições quantitativas à exportação, bem como todas
as medidas de efeito equivalente. De acordo com jurisprudência constante do
Tribunal de Justiça, tal disposição visa as medidas nacionais que tenham por
objectivo ou por efeito restringir especificamente as correntes de exportação e criar
assim uma diferença de tratamento entre o comércio interno de um
Estado-Membro e o seu comércio de exportação, por forma a garantir um
benefício especial à produção nacional ou ao mercado interno do Estado
interessado (acórdão de 14 de Julho de 1981, Oebel, 155/80, Recueil, p. 1993,
n.° 15).
- 41.
- O plano sectorial 19 da segunda parte do plano plurianual prevê que as
exportações não serão autorizadas excepto se o tratamento dos filtros de óleo no
estrangeiro se revelar de qualidade superior ao aplicado nos Países Baixos.
- 42.
- Forçoso é constatar que tal disposição tem por objectivo e efeito restringir a
exportação e garantir um benefício especial à produção nacional.
- 43.
- Contudo, o Governo neerlandês argumenta, em primeiro lugar, que a referida
disposição do plano plurianual pode justificar-se por uma exigência imperativa
atinente à protecção do ambiente. Em sua opinião, as medidas em causa são
necessárias para permitir que a AVR Chemie funcione de forma rentável, tendo
matéria suficiente para eliminar, bem como para lhe garantir fornecimentos
suficientes de filtros de óleo, para utilização como combustível. Em caso de
aprovisionamento insuficiente, a AVR Chemie ver-se-ia obrigada a utilizar um
combustível menos respeitador do ambiente ou obter outros combustíveis
igualmente respeitadores do ambiente, que, porém, gerariam custos suplementares.
- 44.
- Ainda que se admita que a medida nacional em causa pode justificar-se por razões
atinentes à protecção do ambiente, basta constatar que os argumentos
apresentados pelo Governo neerlandês, relativos à rentabilidade da empresa
nacional AVR Chemie e os custos a que deve fazer face são de ordem económica.
Ora, o Tribunal de Justiça julgou que objectivos de natureza puramente económica
não podem justificar um entrave ao princípio fundamental da livre circulação de
mercadorias (acórdão de 28 de Abril de 1998, Decker, C-120/95, ainda não
publicado na Colectânea, n.° 39).
- 45.
- O Governo neerlandês entende, em segundo lugar, que a disposição controvertida
do plano plurianual se justifica pela derrogação prevista no artigo 36.° do Tratado
relativa à protecção da saúde e da vida das pessoas.
- 46.
- Saliente-se que tal justificação seria pertinente se o tratamento dos filtros de óleo
nos outros Estados-Membros e o respectivo transporte numa maior distância, em
consequência da exportação, constituíssem perigo para a saúde e para a vida das
pessoas.
- 47.
- Não decorre contudo do processo que seja esse o caso. Por um lado, o próprio
Governo neerlandês admitiu que o tratamento dos filtros na Alemanha era
comparável ao praticado pela AVR Chemie. Por outro lado, não provou que o
transporte dos filtros de óleo constituísse perigo para o ambiente ou para a vida
e a saúde das pessoas.
- 48.
- Daqui resulta que restrições à exportação de resíduos destinados a aproveitamento,
como as estabelecidas na regulamentação neerlandesa, não eram necessárias para
a protecção da saúde e da vida das pessoas nos termos do artigo 36.° do Tratado.
- 49.
- Cabe, pois, concluir que a aplicação dos princípios da auto-suficiência e da
proximidade a resíduos destinados a aproveitamento, como sejam os filtros de óleo,
tem por objectivo e efeito restringir as exportações desses resíduos, sem se
justificar, num caso com o do processo principal, por exigências imperativas
atinentes à protecção do ambiente ou pela preocupação de proteger a saúde e a
vida das pessoas, nos termos do artigo 36.° do Tratado. Em consequência, os
Estados não podem invocar o artigo 130.°-T do Tratado para aplicarem os
princípios da auto-suficiência e da proximidade a tais resíduos.
- 50.
- Nestas condições, cabe responder à primeira questão suscitada que a directiva e
o regulamento não podem ser interpretados no sentido de que os princípios da
auto-suficiência e da proximidade são aplicáveis às transferências de resíduos
destinados a aproveitamento. O artigo 130.°-T do Tratado não autoriza os
Estados-Membros a ampliarem a aplicação de tais princípios a esses resíduos
quando se verificar que constituem entrave às exportações, não justificado nem por
uma medida imperativa atinente à protecção da saúde, nem por uma das
derrogações previstas no artigo 36.° do Tratado.
Quanto às segunda e terceira questões
- 51.
- As segunda e terceira questões foram colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio
unicamente para a hipótese de o Tribunal de Justiça julgar que os princípios da
auto-suficiência e da proximidade são aplicáveis aos resíduos destinados a
aproveitamento, quer por força da directiva e do regulamento, quer por força do
artigo 130.°-T do Tratado.
- 52.
- Atendendo à resposta dada à primeira questão, não há que responder a estas
questões.
Quanto à quarta questão
- 53.
- Pela quarta questão, o órgão jurisdicional nacional interroga-se sobre a
compatibilidade com as normas de concorrência contidas nos artigos 90.° e 96.° do
Tratado de direitos exclusivos como os atribuídos à AVR Chemie no âmbito da
política instituída nos termos do plano plurianual. Como salienta o advogado-geral
no n.° 97 das suas conclusões, os direitos exclusivos a que se refere o órgão
jurisdicional nacional devem ser entendidos como incluindo simultaneamente o
exclusivo geral concedido para a incineração e qualquer exclusivo decorrente da
disposição controvertida. Este último diz respeito à proibição de exportação dos
filtros de óleo, a menos que o tratamento no estrangeiro seja mais eficaz do que
o praticado nos Países Baixos.
- 54.
- O órgão jurisdicional nacional pergunta, pois, no essencial, se o artigo 90.° do
Tratado, conjugado com o artigo 86.°, se opõe a uma regulamentação, como o
plano plurianual, nos termos da qual um Estado-Membro obriga as empresas a
confiarem os seus resíduos destinados a aproveitamento, tais como os filtros de
óleo, a uma empresa nacional à qual concedeu o direito exclusivo de incinerar os
resíduos perigosos, a menos que o tratamento dos seus resíduos noutro
Estado-Membro seja mais eficaz do que o praticado por essa empresa.
- 55.
- O Governo neerlandês entende que a AVR Chemie não dispõe de direitos
exclusivos, pelo que o artigo 90.° não é aplicável ao caso em análise no processo
principal.
- 56.
- A Dusseldorp entende, por seu lado, que os direitos exclusivos concedidos pelas
autoridades neerlandesas à AVR Chemie são incompatíveis com o n.° 1 do artigo
90.° do Tratado, conjugado com o artigo 86.° Além disso, tais direitos não podem
justificar-se à luz do n.° 2 do artigo 90.° do Tratado, dado que a manutenção da
estrutura de eliminação neerlandesa pode ser assegurada por medidas que afectem
em menor grau a concorrência e a livre circulação das mercadorias.
- 57.
- A Comissão recorda que o facto de um Estado-Membro conceder autorização de
tratamento de determinados resíduos a uma única empresa estabelecida no seu
território não é, enquanto tal, incompatível com o artigo 90.° do Tratado,
conjugado com o artigo 86.°
- 58.
- Decorre do processo que a AVR Chemie foi designada como único operador final
para a incineração dos resíduos perigosos. Pode pois entender-se que essa empresa
dispõe de um direito exclusivo, na acepção do n.° 1 do artigo 90.° do Tratado.
- 59.
- Esta disposição determina que os Estados não tomem nem mantenham qualquer
medida contrária ao disposto no Tratado, nomeadamente em matéria de
concorrência.
- 60.
- A este respeito, saliente-se que a concessão de direitos exclusivos para a
incineração dos resíduos perigosos da totalidade do território de um
Estado-Membro deve ser entendida como a atribuição à empresa beneficiária de
uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum (v., neste
sentido, acórdão de 18 de Junho de 1991, ERT, C-260/89, Colect., p. I-2925, n.° 31).
- 61.
- Embora o mero facto de criar uma posição dominante não seja, enquanto tal,
incompatível com o artigo 86.° do Tratado, os Estados-Membros violam as
proibições contidas no artigo 90.°, conjugado com o artigo 86.°, caso adoptem
medidas legislativas, regulamentares ou administrativas que conduzam as empresas
a que concedam direitos exclusivos a abusarem da respectiva posição dominante
(v., neste sentido, acórdão de 13 de Dezembro de 1991, GB-Inno-BM, C-18/88,
Colect., p. I-5941, n.° 20).
- 62.
- A este respeito, resulta do processo que, com base no plano plurianual, o Governo
neerlandês proibiu a recorrente no processo principal de exportar e, ao fazê-lo,
impôs-lhe, na prática, a obrigação de confiar os filtros de óleo, resíduos destinados
a aproveitamento, à empresa nacional detentora do direito exclusivo de incinerar
os resíduos perigosos, sendo que a qualidade do tratamento oferecido noutro
Estado-Membro era comparável ao da empresa nacional.
- 63.
- Tal obrigação tem por efeito favorecer a empresa nacional, permitindo-lhe tratar
resíduos que se destinavam a ser tratados por outra empresa. Tem, pois, por
consequência limitar o mercado de forma contrária ao n.° 1 do artigo 90.° do
Tratado, conjugado com o artigo 86.°
- 64.
- Cabe contudo examinar se tal obrigação pode justificar-se por uma missão de
interesse económico geral, na acepção do n.° 2 do artigo 90.° do Tratado.
- 65.
- Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que tal disposição pode ser
invocada para justificar uma medida contrária ao artigo 86.° do Tratado adoptada
em benefício de uma empresa a que o Estado concedeu direitos exclusivos se tal
medida for necessária para permitir que a empresa cumpra a missão particular que
lhe foi confiada e caso não afecte o desenvolvimento das trocas comerciais de
maneira que contrarie os interesses da Comunidade (v., neste sentido, acórdãos de
19 de Maio de 1993, Corbeau, C-320/91, Colect., p. I-2533, n.° 14, e de 23 de
Outubro de 1997, Comissão/França, C-159/94, Colect., p. I-5815, n.° 49).
- 66.
- A este respeito, o Governo neerlandês argumenta que a regulamentação
controvertida visa reduzir os custos da empresa encarregada da incineração dos
resíduos perigosos e permitir-lhe, assim, ser economicamente viável.
- 67.
- Ora, ainda que a missão confiada a essa empresa possa constituir uma missão de
interesse económico geral, competia ao Governo neerlandês, como salienta o
advogado-geral no n.° 108 das suas conclusões, demonstrar, de forma satisfatória
para o órgão jurisdicional nacional, que tal objectivo não pode ser atingido por
outros meios. Assim, o n.° 2 do artigo 90.° do Tratado apenas pode aplicar-se caso
seja demonstrado que, na ausência da medida controvertida, a empresa em causa
seria incapaz de cumprir a missão que lhe foi confiada.
- 68.
- Nestas circunstâncias, cabe responder à quarta questão prejudicial que o artigo 90.°
do Tratado, conjugado com o artigo 86.°, se opõe a uma regulamentação, como o
plano plurianual, nos termos da qual um Estado-Membro obriga as empresas a
confiarem os respectivos resíduos destinados a aproveitamento, tais como os filtros
de óleo, a uma empresa nacional à qual concedeu o direito exclusivo de incinerar
os resíduos perigosos, a menos que o tratamento desses resíduos noutroEstado-Membro seja mais eficaz do que o praticado por essa empresa, quando tal
regulamentação conduza, sem razão objectiva e sem que tal seja necessário para
o cumprimento de uma missão de interesse geral, a beneficiar a empresa nacional
e a aumentar a sua posição dominante.
Quanto às despesas
- 69.
- As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês, dinamarquês e francês e pela
Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis.
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente
suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às
despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Nederlandse Raad van State,
por decisão de 23 de Abril de 1996, declara:
- 1.
- A Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos
resíduos, na redacção da Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de
Março de 1991, e o Regulamento (CEE) n.° 259/93 do Conselho, de 1 de
Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências
de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade, não podem ser
interpretados no sentido de que os princípios da auto-suficiência e da
proximidade são aplicáveis às transferências de resíduos destinados a
aproveitamento. O artigo 130.°-T do Tratado CE não autoriza os
Estados-Membros a ampliarem a aplicação de tais princípios a esses
resíduos quando se verificar que constituem entrave às exportações não
justificado nem por uma medida imperativa atinente à protecção da saúde
nem por uma das derrogações previstas no artigo 36.° do referido Tratado.
- 2.
- O artigo 90.° do Tratado CE, conjugado com o artigo 86.°, opõe-se a uma
regulamentação, como o plano plurianual, nos termos da qual um
Estado-Membro obriga as empresas a confiarem os respectivos resíduos
destinados a aproveitamento, como sejam os filtros de óleo, a uma empresa
nacional à qual concedeu o direito exclusivo de incinerar os resíduos
perigosos, a menos que o tratamento desses resíduos noutro
Estado-Membro seja mais eficaz do que o praticado por essa empresa,
quando tal regulamentação conduza, sem razão objectiva e sem que tal seja
necessário para o cumprimento de uma missão de interesse geral, a
beneficiar a empresa nacional e a aumentar a sua posição dominante.
RagnemalmMancini
Kapteyn
Murray Hirsch
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Junho de 1998.
O secretário
O presidente da Sexta Secção
R. Grass
H. Ragnemalm