ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
1 de Outubro de 1998 (1)
«Concorrência Artigo 85.° do Tratado CE Contratos de compra exclusiva
de gelados Carta administrativa de arquivamento Proibição de celebrar no
futuro contratos de exclusividade»
No processo C-279/95 P,
Langnese-Iglo GmbH, sociedade de direito alemão, com sede em Hamburgo
(Alemanha), representada por Martin Heidenhain, Bernhard M. Maassen e Horst
Satzky, advogados em Frankfurt-am-Main, com domicílio escolhido no Luxemburgo
no escritório de Jean Hoss, 2, place Winston Churchill,
que tem por objecto um recurso em que se pede a anulação parcial do acórdão
proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias
(Segunda Secção Alargada) em 8 de Junho de 1995, Langnese Iglo/Comissão
(T-7/93, Colect., p. II-1533), em que foram partes a Langnese Iglo GmbH e a
Comissão das Comunidades Europeias
sendo a outra parte no processo a
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Wouter Wils, membro
do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Alexander Bölke,
advogado em Frankfurt-am-Main, com domicílio escolhido no Luxemburgo no
gabinete de Carlos Gómez de La Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre
Wagner, Kirchberg, apoiada por
Mars GmbH, sociedade de direito alemão, com sede em Viersen (Alemanha),
representada por Jochim Sedemund, advogado em Berlim, e John E. Pheasant,
solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Michel Molitor,
55, boulevard de la Pétrusse,
interveniente na primeira instância,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: C. Gulmann, presidente de secção, M. Wathelet, J. C. Moitinho de
Almeida, P. Jann e L. Sevón (relator), juízes,
advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer
secretário: R. Grass,
visto o relatório do juiz-relator,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de
Novembro de 1997,
profere o presente
Acórdão
- 1.
- Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Agosto de 1995,
a Langnese-Iglo GmbH (a seguir «Langnese-Iglo») interpôs, ao abrigo do artigo
49.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, recurso do acórdão do Tribunal de
Primeira Instância, de 8 de Junho de 1995, Langnese-Iglo/Comissão (T-7/93,
Colect., p. II-1533, a seguir o «acórdão recorrido»), no qual este julgou
improcedente o seu recurso destinado a obter a anulação da Decisão 93/406/CEE
da Comissão, de 23 de Dezembro de 1992, relativa a um processo de aplicação do
artigo 85.° do Tratado CEE contra a Langnese-Iglo GmbH (Processo IV/34.072)
(JO L 183, p. 19, a seguir a «decisão impugnada»).
- 2.
- Quanto aos factos que estão na origem do presente recurso, resulta do acórdão
recorrido:
«1 Por carta de 6 de Dezembro de 1984, a Bundesverband der deutschen
Süsszwarenindustrie eV Fachsparte Eiskrem (Associação nacional da
indústria alemã de confeitaria sector dos gelados, a seguir 'Associação)
solicitou à Comissão que lhe enviasse uma 'declaração formal sobre a
compatibilidade com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, dos contratos
exclusivos celebrados entre os produtores alemães de gelados e os seus
clientes. Por carta de 16 de Janeiro de 1985, a Comissão comunicou à
Associação que entendia não poder deferir o pedido de tomar uma decisão
aplicável a todo o sector.
2 A empresa alemã Schöller Lebensmittel GmbH & Co. KG (a seguir
'Schöller), por carta de 7 de Maio de 1985, notificou à Comissão um
'contrato-tipo de fornecimento que rege as suas relações com os
distribuidores retalhistas. Em 20 de Setembro de 1985, a Direcção-Geral da
Concorrência da Comissão enviou ao advogado da Schöller uma carta
administrativa de classificação (a seguir 'carta administrativa), na qual se
pode ler:
'Foi solicitado, em 2 de Maio de 1985, em nome da sociedade Schöller
Lebensmittel GmbH & Co. KG, nos termos do artigo 2.° do Regulamento
n.° 17, a emissão de um certificado negativo relativamente a um 'acordo de
fornecimento de gelados'.
Nos termos do artigo 4.° do mesmo regulamento, e a título preventivo, foi
também notificado o contrato. Posteriormente, por carta de 25 de Junho de
1985, foi fornecido um contrato-tipo que deveria servir de referência aos
contratos que no futuro a sociedade Schöller celebrará.
Em carta de 23 de Agosto de 1985 foi claramente referido que a obrigação
de compra exclusiva imposta ao cliente no contrato-tipo notificado,
acompanhada da proibição de concorrência, pode ser rescindida pela
primeira vez com o pré-aviso mínimo de seis meses no final do segundo ano
de contrato, e em seguida com idêntico pré-aviso no final de cada ano.
Resulta dos elementos de que a Comissão tem conhecimento e que, no
essencial, se baseiam no que foi referido no pedido, que a duração fixa dos
contratos a celebrar no futuro não ultrapassará dois anos. A duração média
da totalidade dos 'acordos de fornecimento de gelados' da sua cliente estará
assim bem abaixo do período de cinco anos, condição prevista no
Regulamento (CEE) n.° 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983 (JO
L 173 de 30.6.1983, p. 5; EE 08 F02 p. 114), para isenção por categoria dos
acordos de compra exclusiva.
Estes elementos mostram bem que os 'acordos de fornecimento de gelados'
celebrados pela Schöller, mesmo tendo em conta o número de acordos de
idêntica natureza, não têm, designadamente, como efeito eliminar a
concorrência no que toca a uma parte substancial dos produtos em causa.
Continua garantido o acesso de empresas terceiras ao sector do comércio
a retalho.
Os 'acordos de fornecimento de gelados' da Schöller que foram notificados
são, por isso, compatíveis com as regras de concorrência do Tratado CEE.
Assim, a Comissão não tem que intervir relativamente aos contratos
notificados pela sua cliente.
Todavia, a Comissão reserva-se o direito de reabrir o processo se se
alterarem sensivelmente determinados elementos de direito ou de facto
sobre os quais se baseia a presente apreciação.
Desejamos ainda informar a sua cliente de que os 'acordos de fornecimento
de gelados' já existentes estão sujeitos a uma apreciação semelhante e que,
por isso, não é necessário notificá-los se a duração fixa de tais acordos não
ultrapassar dois anos a partir de 31 de Dezembro de 1986 e se forem em
seguida rescindíveis mediante pré-aviso de, no máximo, seis meses no final
de cada ano.
...»
3 Em 18 de Setembro de 1991, a Mars GmbH (a seguir 'Mars) apresentou
à Comissão uma queixa contra a recorrente e a Schöller, por infracção dos
artigos 85.° e 86.° do Tratado, e solicitou a adopção de medidas provisórias
a fim de evitar o prejuízo grave e irreparável que, em seu entender,
resultaria do facto de a venda dos seus gelados ser fortemente prejudicada
na Alemanha pela aplicação de acordos contrários às regras de concorrência
que a recorrente e a Schöller celebraram com um grande número de
retalhistas.
4 Por decisão de 25 de Março de 1992, relativa a um processo de aplicação
do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/34.072 Mars/Langnese e Schöller
Medidas provisórias) (a seguir 'decisão de 25 de Março de 1992), a
Comissão, no essencial, proibiu a recorrente e a Schöller, a título de medida
provisória, de invocarem os direitos contratuais que resultam dos acordos
celebrados por estas sociedades ou a seu favor, na parte em que os
retalhistas se comprometiam a comprar, a oferecer para venda e/ou a
vender exclusivamente gelados destes produtores, em relação a produtos de
gelados 'Mars, 'Snickers, 'Milky Way e 'Bounty, quando estes são
oferecidos ao consumidor final em doses individuais. Além disso, a
Comissão retirou o benefício da aplicação do Regulamento (CEE)
n.° 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do
n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de compra
exclusiva (JO L 173, p. 5, rectificativo JO 1984, L 79, p. 38;
EE 08 F2 p. 114, a seguir 'Regulamento n.° 1984/83), aos acordos de
exclusividade celebrados pela recorrente, na medida necessária à aplicação
da proibição acima referida.
5 Foi nestas circunstâncias que, na sequência da decisão de 25 de Março de
1992, e a fim de adoptar uma decisão definitiva sobre os 'acordos de
fornecimento em causa, que a Comissão adoptou, em 23 de Dezembro de
1992, a Decisão 93/406/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo
85.° do Tratado (IV/34.072 contra a Langnese-Iglo GmbH JO 1993, L 183,
p. 19 a seguir 'decisão), cuja parte dispositiva é a seguinte:
'Artigo 1.°
Os acordos concluídos pela Langnese-Iglo GmbH, nos termos dos quais os
retalhistas sediados na Alemanha estão vinculados a adquirir,
exclusivamente à referida empresa, gelados em pequenas embalagens para
revenda (exclusividade dos locais de venda), infringem o disposto no n.° 1
do artigo 85.° do Tratado CEE.
Artigo 2.°
Na medida em que os acordos referidos no artigo 1.° preenchem as
condições para a isenção por categoria previstas no Regulamento (CEE)
n.° 1984/83, é-lhes retirado, pela presente decisão, o benefício da aplicação
desse regulamento.
Artigo 3.°
A Langnese-Iglo GmbH é obrigada a comunicar o teor dos artigos 1.° e 2.°
aos revendedores com os quais tenha concluído acordos do tipo referido no
artigo 1.° que ainda vigorem, no prazo de três meses a contar da notificação
da presente decisão, informando-os da invalidação dos referidos acordos.
Artigo 4.°
A Langnese-Iglo GmbH fica proibida, até 31 de Dezembro de 1997, de
concluir acordos do tipo referido no artigo 1.°
...»
- 3.
- Em 23 de Dezembro de 1992, a Comissão proferiu igualmente a Decisão
93/405/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE
contra a Schöller Lebensmittel GmbH & Co. KG (Processos IV/31.533 e IV/34.072)
(JO L 183, p. 1). Esta decisão, em particular nos seus artigos 1.°, 3.° e 4.°, é, no
essencial, idêntica à decisão impugnada.
- 4.
- Em 19 de Janeiro de 1993, a Langnese-Iglo interpôs recurso no Tribunal de
Primeira Instância, destinado a obter a anulação da decisão impugnada.
- 5.
- Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, em 4
de Fevereiro de 1993, a Mars solicitou a sua admissão como interveniente no
processo, em apoio dos pedidos da Comissão. Por despacho de 12 de Julho de
1993, o presidente da Primeira Secção do Tribunal admitiu a intervenção.
- 6.
- Por esse mesmo despacho e por despacho de 9 de Novembro de 1994, do
presidente da Segunda Secção Alargada do Tribunal de Primeira Instância, foi
deferido o pedido de confidencialidade apresentado pela Langnese-Iglo, nos termos
do artigo 116.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira
Instância.
- 7.
- Em apoio do recurso, a recorrente invoca cinco fundamentos assentes, em primeiro
lugar, em notificação irregular da decisão, na medida em que a Comissão omitiu
a notificação de determinados anexos; em segundo lugar, em violação do princípio
da protecção da confiança legítima, na medida em que a Comissão não respeitou
a posição adoptada na carta administrativa; em terceiro lugar, em violação do
artigo 85.°, n.° 1, do Tratado; em quarto lugar, em violação do artigo 85.°, n.° 3, do
Tratado e do princípio da proporcionalidade, na medida em que a Comissão
retirou o benefício da isenção por categoria prevista no Regulamento n.° 1984/83
à totalidade dos acordos de fornecimento em litígio, e, em quinto lugar, em
violação do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de
1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO
1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).
- 8.
- A Comissão, apoiada pela Mars, concluía pedindo que o recurso fosse julgado
improcedente.
- 9.
- Pelo acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância anulou o artigo 4.° da
decisão impugnada e negou provimento ao recurso quanto ao restante. Além disso,
condenou a Langnese-Iglo na totalidade das despesas do processo, incluindo as
relativas ao processo de medidas provisórias (ver despacho do presidente do
Tribunal, de 19 de Fevereiro de 1993, Langnese-Iglo e Schöller/Comissão, T-7/93 R
e T-9/93 R, Colect., p. II-131) e as da Mars, com excepção de um quarto das
despesas da Comissão. Esta suportou, portanto, um quarto das suas próprias
despesas.
- 10.
- Também a Shöller interpôs, para o Tribunal de Primeira Instância, recurso contra
a Decisão 93/405, proferida em seu desfavor. Por acórdão de 8 de Junho de 1995,
Schöller/Comissão (T-9/93, Colect., p. II-1611), o Tribunal, tal como no acórdão
recorrido, anulou o artigo 4.° da referida decisão e negou provimento ao recurso
quanto ao restante. A Schöller não recorreu deste acórdão.
- 11.
- No seu recurso, a Langnese-Iglo pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão
recorrido, na parte em que negou provimento ao seu recurso, que anule os artigos
1.°, 2.° e 3.° da decisão impugnada e que condene a Comissão nas despesas, tanto
do processo que correu perante o Tribunal de Primeira Instância, como do
presente recurso. A Langnese-Iglo pede ainda, a título subsidiário, que o litígio seja
devolvido ao Tribunal de Primeira Instância.
- 12.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne julgar o recurso
improcedente, anular o acórdão recorrido na parte em que deferiu o pedido da
Langnese-Iglo e anulou o artigo 4.° da decisão impugnada e negar provimento ao
pedido da recorrente. Além disso, pede a condenação da Langnese-Iglo nas
despesas.
- 13.
- A Mars pede que o recurso seja julgado improcedente e anulado o acórdão
recorrido na parte em que anulou o artigo 4.° da decisão impugnada.
- 14.
- Por despacho de 20 de Março de 1996, o presidente do Tribunal de Justiça , ao
abrigo dos artigos 93.° n.° 3, segunda frase, e 118.° do Regulamento de Processo do
Tribunal de Justiça, deferiu um pedido de confidencialidade apresentado pela
Langnese-Iglo. Este despacho concede tratamento confidencial a certas informações
reveladoras do grau de dependência. O presente acórdão não contém por
conseguinte nenhuma menção a esses dados.
- 15.
- Como suporte do seu recurso, a Langnese-Iglo invoca três fundamentos, a saber:
- violação do princípio da protecção da confiança legítima;
- violação do artigo 85., n.° 1, do Tratado efeito dos contratos de compra
exclusiva no jogo da concorrência;
- violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento;
- 16.
- Como fundamento do seu recurso subordinado, a Comissão, apoiada pela Mars,
alega que a anulação do artigo 4.° da decisão impugnada viola o artigo 3.° do
Regulamento n.° 17.
- 17.
- Por carta dirigida ao Tribunal em 27 de Março de 1998, a Langnese-Iglo pede que
o Tribunal de Justiça declare formalmente extinta a instância relativamente ao
recurso subordinado da Comissão. Esta última, bem como a Mars, opõem-se.
Acerca do recurso principal
Acerca do primeiro fundamento
- 18.
- O primeiro fundamento refere-se aos n.os 35 a 42 do acórdão recorrido, que dizem
respeito à violação do princípio da protecção da confiança legítima.
- 19.
- Perante o Tribunal de Primeira Instância, a Langnese-Iglo sustentou que a
Comissão se encontrava vinculada à posição que adoptou na carta administrativa,
tendo em conta que não estava em condições de provar que a referida carta tinha
sido obtida com base em informações inexactas ou incompletas, nem que as
circunstâncias de direito ou de facto que caracterizavam o mercado de gelados se
tivessem alterado sensivelmente depois da sua emissão (n.os 28 a 30 do acórdão
recorrido).
- 20.
- Além disso, a Langnese-Iglo alegou que, embora a carta administrativa fosse
dirigida à Schöller, a Comissão e os participantes no processo iniciado pela carta
da Associação, de 6 de Dezembro de 1984 entre os quais a recorrente estavam,
porém, de acordo em que a notificação feita pela Schöller em Maio de 1985, que
se referia aos acordos de fornecimento de gelados por ela celebrados, e o pedido
simultâneo de emissão de um certificado negativo, eram igualmente válidos para
todos os membros da Associação. A carta administrativa abrangia, por isso, a
totalidade dos contratos de exclusividade existentes no mercado de gelados (n.° 31
do acórdão recorrido).
- 21.
- No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou, a título liminar,
no n.° 35, que não era necessário analisar a questão de saber se a recorrente podia
legitimamente esperar que a apreciação levada a cabo pela Comissão na carta
administrativa dirigida à Schöller se aplicasse também à sua situação jurídica, nem
proceder a uma audição de testemunhas sobre a questão, como a Langnese-Iglo
tinha proposto. Segundo o Tribunal, bastava verificar que, em qualquer dos casos,
a referida carta administrativa não impedia que a Comissão pudesse analisar a
queixa apresentada pela Mars.
- 22.
- A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância lembrou, no n.° 36, que resulta
da jurisprudência (acórdãos de 10 de Julho de 1980, Giry e Guerlain e o., 253/78
e 1/79 a 3/79, Recueil, p. 2327; Marty, 37/79, Recueil, p. 2481; Lancôme e
Cosparfrance, 99/79, Recueil, p. 2511, e de 11 de Dezembro de 1980, L'Oréal,
31/80, Recueil p. 3775), que uma carta administrativa não constitui, nem uma
decisão de certificação negativa, nem uma decisão de aplicação do artigo 85.°, n.° 3,
do Tratado, na acepção dos artigos 2.° e 6.° do Regulamento n.° 17, dado a carta
administrativa não ter sido emitida em conformidade com as disposições do
referido regulamento. O Tribunal de Primeira Instância salientou em seguida, no
n.° 37, que se tratava de uma carta administrativa que levou ao conhecimento da
empresa interessada, ou seja, a Schöller, a opinião da Comissão de que não tinha
que intervir relativamente aos contratos em causa, tendo em conta as circunstâncias
do caso. Por último, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 38, que a
Comissão apenas tinha procedido, nessa época, a uma análise provisória das
condições do mercado e se reservava o direito, na carta administrativa, de reabrir
o processo se determinados elementos de direito ou de facto em que baseou a sua
apreciação se viessem a alterar de modo sensível.
- 23.
- No n.° 39 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou, por um
lado, que dois novos concorrentes, a Mars e a Jacobs Suchard, tinham feito, após
emissão da carta administrativa, a sua entrada no mercado e que, por outro lado,
após a entrega da queixa da Mars, a Comissão tivera conhecimento da existência
de obstáculos adicionais ao acesso ao mercado. Entendeu, no n.° 40, que estes
elementos constituíam circunstâncias novas que justificavam, designadamente à luz
dos problemas concretos com que a interveniente se defrontou, uma análise mais
aprofundada e mais precisa das condições que regem o acesso ao mercado do que
a que foi efectuada aquando da emissão da carta administrativa.
Consequentemente, esta carta não impedia a Comissão de reabrir o processo, a fim
de apreciar, no caso concreto, a compatibilidade dos acordos de fornecimento
litigiosos com as regras da concorrência. A este respeito, o Tribunal de Primeira
Instância, baseou-se igualmente, no n.° 41, na obrigação da Comissão de examinar
as denúncias.
- 24.
- No seu recurso, a Langnese-Iglo defende que a Comissão não estava autorizada a
afastar-se do conteúdo da carta administrativa e a proibir a rede de contratos de
compra exclusiva celebrados pela recorrente, salvo se da análise resultasse que os
elementos de direito e de facto sobre o mercado de gelados se tinham alterado
sensivelmente. Ora, a Langnese-Iglo contesta as conclusões a que chegou o
Tribunal de Primeira Instância no que respeita às alterações de facto ocorridas no
mercado.
- 25.
- Além disso, critica o acórdão recorrido na parte em que este salienta que, antes de
emitir a carta administrativa, a Comissão tinha apenas procedido a uma análise
provisória das condições de mercado. Aliás, mesmo que esta constatação tivesse
fundamento, era, segundo a Langnese-Iglo, irrelevante. Com efeito, as empresas
interessadas devem poder confiar em que a emissão de uma carta administrativa
seja baseada numa verificação objectiva das condições de facto e de direito dos
mercados em causa.
- 26.
- A este respeito, deve recordar-se antes de mais que, segundo jurisprudência
constante do Tribunal de Justiça, o recurso de uma decisão do Tribunal de
Primeira Instância só pode, por força do artigo 168.°-A do Tratado CE e do artigo
51.°, primeiro parágrafo, do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, ter como
fundamento a violação de normas jurídicas e não qualquer apreciação dos factos
(v., designadamente, acórdão de 1 de Outubro de 1991, Vidrányi/Comissão,
C-283/90 P, Colect., p. I-4339, n.° 12, e despacho de 17 de Setembro de 1996, San
Marco/Comissão, C-19/95 P, Colect., p. I-4435, n.os 36 e 39, e acórdão de 28 de
Maio de 1998, Deere/Comissão, C-7/95 P, ainda não publicado, n.os 18 e 21).
- 27.
- Ora, ao contestar as novas circunstâncias, salientadas pelo Tribunal de Primeira
Instância, relativas ao aparecimento de novos concorrentes no mercado, bem como
à existência de obstáculos adicionais ao acesso ao mercado, das quais a Comissão
teve conhecimento após entrega da queixa da Mars, a Langnese-Iglo põe em causa
a apreciação da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal de Primeira
Instância. Esta argumentação é, por conseguinte, inadmissível no contexto de um
recurso. O mesmo se passa com a alegação da Langnese-Iglo relativa à constatação
feita pelo Tribunal de Primeira Instância de que a Comissão apenas procedeu a
uma análise provisória das condições de mercado.
- 28.
- A argumentação da Langnese-Iglo deve ser igualmente entendida como uma
acusação ao Tribunal de Primeira Instância por ter considerado que a Comissão
podia afastar-se da posição que adoptou na carta administrativa, não só em virtude
de alterações de facto e de direito ocorridas após a emissão dessa carta, mas
também com base em novas circunstâncias de que, embora já existentes
anteriormente, a Comissão só teve conhecimento após o envio dessa carta.
- 29.
- A este respeito, há que remeter para os fundamentos apresentados pelo Tribunal
de Primeira Instância, primeiro quanto à natureza jurídica de uma carta
administrativa (n.os 36 e 37 do acórdão recorrido), depois, à menção, nessa carta,
nomeadamente, de que a Comissão se reservava entretanto o direito de reabrir o
processo, se determinados elementos de direito ou de facto sobre os quais baseara
a sua apreciação se alterassem sensivelmente (n.° 38 do acórdão recorrido) e, por
fim, à obrigação da Comissão de examinar atentamente as denúncias (n.° 41 do
acórdão recorrido).
- 30.
- Resulta dos considerandos feitos pelo Tribunal de Primeira Instância, contra os
quais a Langnese-Iglo não apresenta, aliás, qualquer argumento específico no seu
recurso, que o envio de uma carta administrativa não pode ter como efeito que a
Comissão deixe de estar autorizada a tomar em conta um elemento de facto já
existente antes do envio da carta administrativa, mas de que só teve conhecimento
mais tarde, nomeadamente no âmbito de uma denúncia apresentada
posteriormente.
- 31.
- Daí decorre que o primeiro fundamento é, em parte, inadmissível e é, parcialmente
improcedente, devendo por isso ser afastado.
Acerca do segundo fundamento
- 32.
- Com o seu segundo fundamento, a Langnese-Iglo contesta a conclusão do Tribunal
de Primeira Instância, nos n.os 94 a 114, de que a Comissão considerou, a justotítulo, que os contratos de compra exclusiva celebrados pela recorrente implicam
uma restrição sensível à concorrência no mercado de referência, sendo, por isso,
incompatíveis com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.
- 33.
- Segundo a Langnese-Iglo, esta conclusão do Tribunal, por um lado, assenta em
vários elementos que não resultam dos documentos do processo e, por outro lado,
baseia-se numa incorrecta apreciação jurídica da situação de facto.
- 34.
- Em apoio da sua tese, a Langnese-Iglo afirma, em primeiro lugar, que os
documentos do processo não permitiam ao Tribunal concluir, no n.° 105, que as
redes de contratos de compra exclusiva postas a funcionar por ela e pela Schöller
tinham provocado um grau de dependência acumulado superior a 30%. Segundo
a recorrente, resulta do processo que esse grau de dependência era inferior a 30%,
percentagem considerada aceitável pela Comissão na carta administrativa, bem
como no Décimo Quinto Relatório sobre a Política de Concorrência, de 1985.
- 35.
- Em segundo lugar, a Langnese-Iglo alega que a conclusão do Tribunal acerca do
sistema de comodato de grande número de arcas congeladoras (n.os 107 e 108), que
ela punha à disposição dos retalhistas na condição de estes as utilizarem
exclusivamente para armazenarem os seus produtos, mais não é do que a repetição
de uma afirmação produzida pela Comissão, mas contestada pela Langnese-Iglo
perante o Tribunal. O mesmo se passa no que respeita aos bónus concedidos pela
Langnese-Iglo para garantir uma determinada percentagem de vendas de gelados
em embalagem individual (n.° 109 do acórdão recorrido). Segundo esta, a Comissão
não provou as suas afirmações, embora o Tribunal tivesse salientado, no n.° 95, que
cabia à Comissão fazer prova da existência dos alegados obstáculos ao acesso ao
mercado.
- 36.
- Em terceiro lugar, a Langnese-Iglo defende que, mesmo supondo que o grau de
dependência no mercado de referência para os gelados de consumo se situasse
entre o valor por ela declarado e o considerado pelo Tribunal, de modo a ser
ligeiramente superior ou inferior a 30%, os elementos de facto, tal como foram
regularmente determinados pelo Tribunal, não permitem daí concluir que o acesso
ao mercado em causa era entravado de maneira sensível, ou até mesmo fechado.
- 37.
- Primeiramente, há que constatar que, com os seus argumentos, a Langnese-Iglo
contesta diferentes elementos de facto que o Tribunal estabeleceu. Tal como foi
salientado no n.° 26 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça não tem
competência para apreciar factos, no contexto de um recurso.
- 38.
- Quanto, mais concretamente, à apreciação de provas, há que recordar que é ao
Tribunal de Primeira Instância que cabe apreciar soberanamente o valor a atribuir
aos elementos de prova que lhe são apresentados, sob reserva da eventual
desvirtuação desses elementos (v., a este respeito, despacho San Marco/Comissão,
já referido, n.° 40 e acórdãos de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão, C-53/92 P,
Colect., p. I-667, n.° 42, e Deere/Comissão, já referido, n.° 22). Ora, a recorrente
não apresenta qualquer argumento sério para sustentar que o Tribunal tenha
desvirtuado elementos de prova.
- 39.
- Quanto à terceira acusação do presente fundamento, verifica-se que a
Langnese-Iglo critica de forma global a conclusão que o Tribunal de Primeira
Instância retirou dos elementos de facto que lhe foi dado apreciar, sublinhando,
nomeadamente, que um grau de dependência ligeiramente superior ou inferior a
30% não entrava de maneira sensível o acesso ao mercado, em especial quando
este se encontra em plena expansão.
- 40.
- A este respeito, impõe-se constatar que a Langnese-Iglo não especifica os erros de
direito que o Tribunal de Primeira Instância cometeu na apreciação das questões
de direito e que a sua fundamentação coloca em causa os factos considerados
provados pelo Tribunal. Nestas condições, esta parte do fundamento é igualmente
inadmissível.
- 41.
- Resulta destas considerações que o segundo fundamento é, no seu conjunto,
inadmissível.
Acerca do terceiro fundamento
- 42.
- O terceiro fundamento decompõe-se em duas partes, baseadas em pretensa
violação, por um lado, do princípio da proporcionalidade e, por outro lado, do
princípio da igualdade de tratamento.
Acerca da primeira parte do terceiro fundamento
- 43.
- A Langnese-Iglo alega que o Tribunal infringiu o princípio da proporcionalidade,
uma vez que entendeu que a Comissão não tinha cometido qualquer falta ao
retirar o benefício da isenção por categoria, previsto no Regulamento n.° 1984/83,
e ao proibir a totalidade dos contratos de compra exclusiva celebrados pela
Langnese-Iglo, sem lhe ter, previamente, indicado em que medida uma rede de
contratos de compra exclusiva é compatível com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e,
portanto, sem lhe dar oportunidade de adaptar a rede às exigências dessa
disposição.
- 44.
- Como suporte deste tese, a Langnese-Iglo pretende que o raciocínio do Tribunal
de Primeira Instância está marcado por uma contradição. Assim, o Tribunal
entendeu, por um lado, no n.° 31, que uma rede de contratos semelhantes, como
os contratos de compra exclusiva da Langnese-Iglo, deve ser apreciada no seu
conjunto e que, por conseguinte, foi a justo título que a Comissão não procedeu
a uma separação dos contratos e, por outro lado, no n.° 193, que, num processo de
aplicação do artigo 85.° do Tratado, a Comissão não é obrigada a indicar os
acordos que só contribuem de modo não significativo para o eventual efeito
cumulativo produzido por acordos semelhantes no mercado. Estas considerações
do Tribunal de Primeira Instância estão em contradição com a que desenvolve nos
n.os 207 e 208, segundo a qual o artigo 85.°, n.° 1, não se opõe, regra geral, à
celebração de contratos de compra exclusiva, desde que isso não contribua de
maneira significativa para a compartimentação do mercado, e a Comissão não tem
competência para, através de uma decisão individual, restringir ou limitar os efeitos
de um acto normativo como o Regulamento n.° 1984/93.
- 45.
- Tal como o advogado-geral sublinhou no ponto 27 das suas conclusões, a
Langnese-Iglo estabelece esta pretensa contradição a partir de considerações
retiradas de contextos diferentes do acórdão recorrido, não tomando em conta o
facto de o Tribunal de Primeira Instância fazer uma clara distinção entre, por um
lado, a aplicação do artigo 85.°, n.° 1, aos acordos existentes e, por outro lado, os
efeitos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 nos acordos de compra exclusiva que
a Langnese-Iglo poderia vir a concluir no futuro.
- 46.
- Contrariamente ao que defende a Langnese-Iglo, o raciocínio do Tribunal de
Primeira Instância não contém, a este respeito, nenhuma contradição.
- 47.
- Quanto ao restante, há que constatar que a Langnese-Iglo não indica de modo
suficientemente preciso os elementos contestados do acórdão recorrido. Com
efeito, a sua fundamentação visa elementos que se encontram, tanto nos n.os 129
a 132 do acórdão recorrido, respeitantes à parte do fundamento relativa à pretensa
obrigação da Comissão de separar os contratos individuais, de maneira a que uma
parte deles não seja abrangida pela proibição do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado,
como nos n.os 192 a 195 do acórdão recorrido, respeitantes à parte do fundamento
relativa à questão de saber se a proibição total dos acordos de fornecimento é
contrária ao princípio da proporcionalidade.
- 48.
- Perante esta falta de precisão, que, aliás, foi sublinhada pela Comissão, o Tribunal
de Justiça não está em condições de se pronunciar sobre o mérito desta parte do
presente fundamento. A este respeito, é importante recordar que um recurso de
uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar de modo preciso os
elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os
argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido (v.,
nomeadamente, despacho San Marco/Comissão, já referido, n.° 37, e acórdão
Deere/Comissão, já referido, n.° 19).
- 49.
- A primeira parte do terceiro fundamento é, por conseguinte, inadmissível.
Acerca da segunda parte do terceiro fundamento
- 50.
- A Langnese-Iglo alega que a proibição da totalidade dos seus contratos de compra
exclusiva viola também o princípio da igualdade de tratamento. A este respeito,
salienta que o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 209 do acórdão
recorrido, que o artigo 4.° da decisão impugnada viola esse princípio pelo facto de
excluir determinadas empresas do benefício, para o futuro, do Regulamento
n.° 1984/83, enquanto os concorrentes da Langnese-Iglo podem continuar a
explorar o benefício concedido por esse regulamento.
- 51.
- Segundo a Langnese-Iglo, o princípio da igualdade de tratamento deve ser
aplicado, da mesma forma, no que respeita ao passado. Argumenta que não pode
aceitar-se que a Comissão proíba a totalidade dos contratos de compra exclusiva
independentemente da questão de saber se estão abrangidos pelo artigo 85.°, n.° 1,
do Tratado ou se beneficiam de isenção ao abrigo do Regulamento n.° 1984/83,
enquanto os concorrentes podem manter e celebrar contratos de compra exclusiva
semelhantes.
- 52.
- Quanto à referência ao n.° 209 do acórdão recorrido, importa frisar que a
Langnese-Iglo se apoia, para criticar a proibição da totalidade dos contratos
existentes, numa consideração do Tribunal de Primeira Instância que só respeita
aos contratos futuros. Essa invocação não é, por conseguinte, nessa medida,
pertinente.
- 53.
- Por outro lado, há que constatar que a Langnese-Iglo não deduziu perante o
Tribunal de Primeira Instância qualquer fundamento baseado em pretensa violação,
por parte da Comissão, do princípio da igualdade de tratamento no que respeita
à proibição da totalidade dos contratos de compra exclusiva existentes.
- 54.
- A este respeito, importa, antes de mais, recordar que, por força do artigo 48.°,
n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, é proibido
deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem
em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.
- 55.
- Permitir a uma parte invocar perante o Tribunal de Justiça, pela primeira vez,
fundamentos não apresentados no Tribunal de Primeira Instância traduzir-se-ia em
permitir-lhe levar o Tribunal de Justiça, cuja competência para julgar recursos em
segunda instância é limitada, a conhecer de um litígio mais lato do que aquele que
o Tribunal de Primeira Instância teve que decidir. No âmbito dos recursos em
segunda instância, a competência do Tribunal de Justiça encontra-se limitada à
apreciação da solução legal dada aos fundamentos debatidos na primeira instância
(v., neste sentido, acórdão de 1 de Junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o.,
C-136/92, Colect., p. I-1981, n.° 59).
- 56.
- Esta parte do terceiro fundamento é, por isso, inadmissível.
- 57.
- O terceiro fundamento é portanto inadmissível na sua totalidade e deve, por
conseguinte, ser julgado improcedente.
- 58.
- Resulta dos considerandos anteriores que os fundamentos aduzidos pela
Langnese-Iglo como suporte do seu recurso são em parte inadmissíveis e em parte
improcedentes. O recurso da Langnese-Iglo deve, pois, ser julgado improcedente
na sua totalidade.
Acerca do recurso subordinado
O acórdão recorrido e a argumentação das partes
- 59.
- Pelo acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância anulou o artigo 4.° da
decisão impugnada nos termos do qual «A Langnese-Iglo GmbH fica proibida, até
31 de Dezembro de 1997, de concluir acordos do tipo referido no artigo 1.°»
- 60.
- Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância entendeu, no n.° 205, que o artigo 3.°
do regulamento n.° 17, segundo o qual, «Se a Comissão verificar... uma infracção
ao disposto no artigo 85.° ou no artigo 86.° do Tratado, pode, através de decisão,
obrigar as empresas e associações de empresas em causa a pôr termo a essa
infracção» apenas confere à Comissão competência para proibir contratos de
exclusividade existentes incompatíveis com as regras de concorrência.
- 61.
- A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância salienta, em primeiro lugar, que
resulta do acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis (C-234/89, Colect.,
p. I-935, n.os 23 e 24), que os contratos de compra exclusiva de um fornecedor cuja
contribuição para um efeito cumulativo seja insignificante não caem no âmbito da
proibição do artigo 85.°, n.° 1. Segundo o Tribunal, daí decorre que, regra geral,
esta disposição não se opõe à celebração de contratos de compra exclusiva, desde
que não contribua de forma significativa para a compartimentação do mercado.
Neste contexto, o Tribunal rejeitou o argumento da Comissão, segundo o qual a
proibição de celebração de qualquer contrato futuro se justifica pela necessidade
de impedir qualquer tentativa de, através do Regulamento n.° 1984/83, contornar
a proibição dos contratos existentes, constante do artigo 1.° da decisão impugnada
(n.os 206 e 207 do acórdão recorrido).
- 62.
- Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância entendeu, no n.° 208, que o
Regulamento n.° 1984/83, como acto normativo de alcance geral, não inclui
qualquer base legal que permita retirar, através de uma decisão individual, o
benefício de isenção por categoria a acordos futuros.
- 63.
- Em terceiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 209, que
seria contrário ao princípio da igualdade de tratamento excluir determinadas
empresas do benefício, para o futuro, de um regulamento de isenção por categoria,
enquanto outras empresas poderiam continuar a celebrar contratos de compra
exclusiva do mesmo tipo dos proibidos pela decisão impugnada.
- 64.
- A Comissão, apoiada pela Mars, defendeu que a interpretação dada pelo Tribunal
de Primeira Instância ao artigo 3.° do Regulamento está juridicamente errada.
Segundo ela, esta disposição autoriza a Comissão a impedir que se prossiga o
comportamento reconhecido como infracção às disposições sobre concorrência.
Não se trata, portanto, de uma forma de punir as infracções existentes, mas de
prevenir a sua continuação no futuro. A Comissão entende que, sem o artigo 4.°
da decisão impugnada, a Langnese-Iglo poderia, através do Regulamento
n.° 1984/93, gozar do benefício da isenção por categoria para novos contratos de
exclusividade. Como tal, a interdição estabelecida no artigo 4.° destina-se a garantir
o respeito dos artigos 1.° e 2.° da decisão impugnada.
- 65.
- Perante o Tribunal de Justiça, a Comissão precisou a sua posição acerca da
interpretação do artigo 4.° da decisão impugnada, declarando que já não mantinha
a afirmação feita perante o Tribunal de Primeira Instância, segundo a qual aquela
disposição inclui igualmente a proibição de celebrar qualquer contrato de compra
exclusiva com novos revendedores. Explica que o seu recurso subordinado só
contesta o acórdão recorrido na parte em que anula o artigo 4.° da decisão,
interpretado de forma restritiva, a saber, na parte em que esse artigo proíbe a
Langnese-Iglo de repor em funcionamento a rede de contratos de compra exclusiva
que pusera em funcionamento anteriormente.
- 66.
- A Langnese-Iglo alega, em contrapartida, que o artigo 4.° da decisão impugnada
deve ser entendido no sentido de que a proíbe de celebrar todo e qualquer
contrato de exclusividade com os retalhistas, tendo por objecto a revenda de
gelados em embalagem individual. Este dispositivo não faz distinção entre a
hipótese da celebração de contrato com um parceiro que, à data da decisão
impugnada, estivesse vinculado à Langnese-Iglo por um contrato de exclusividade
e a da celebração de contrato com um cliente que só fosse contactado após essa
data. Além disso, o artigo 4.° proíbe a celebração de qualquer contrato de
exclusividade até 31 de Dezembro de 1997, independentemente da questão de
saber o número de contratos de exclusividade celebrados até essa data e se, e em
que medida o contrato em questão, considerado individualmente ou em conjunto
com outros contratos da recorrente e dos seus concorrentes, é abrangido pelo
artigo 85.°, n.° 1, ou beneficia de isenção ao abrigo do Regulamento n.° 1984/83.
Segundo a Langnese-Iglo, o referido artigo 4.° também não é indispensável para
impedir qualquer tentativa de contornar a proibição prevista no artigo 1.° da
decisão impugnada.
- 67.
- A Langnese-Iglo acrescenta que o artigo 4.° da decisão impugnada é diferente da
disposição correspondente de outras decisões pelas quais, no passado, a Comissão
obrigou, ao abrigo do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, as empresas envolvidas a
porem termo à infracção ao artigo 85.° do Tratado constatada. Nessas decisões, a
Comissão obrigou as empresas envolvidas a absterem-se de celebrar no futuro
contratos com «um objecto ou efeito idêntico ou semelhante» aos contratos
proibidos.
- 68.
- Por fim, a Langnese-Iglo alega que o deferimento do pedido da Comissão viola o
princípio da igualdade de tratamento uma vez que nem a Comissão nem a Mars
interpuseram recurso do acórdão Schöller/Comissão, já referido.
Acerca da excepção de inutilidade superveniente da lide
- 69.
- Atendendo a que a data de 31 de Dezembro de 1997, estabelecida no artigo 4.° da
decisão impugnada, já passou, a Langnese-Iglo alega que o recurso subordinado
ficou sem objecto. Daqui resulta que o Tribunal de Justiça deve julgar extinto o
recurso subordinado. A este respeito, a Langnese-Iglo baseia-se no acórdão de 5
de Outubro de 1998, Brother Industries/Comissão (56/85, Colect., p. 5655).
- 70.
- A Comissão entende, em contrapartida, que a questão da legalidade do artigo 4.°
da decisão impugnada, na sua interpretação restritiva, se mantém na íntegra, tanto
em princípio como na prática. A importância prática resulta do facto de a
Langnese-Iglo ter infringido, na sequência do acórdão recorrido, o artigo 4.° da
decisão impugnada interpretado de forma restritiva. Sobre esta matéria, a Mars
acrescenta que a decisão sobre o recurso subordinado condiciona, nomeadamente,
a questão de saber se os contratos celebrados pela Langnese-Iglo com diversos
estabelecimentos durante o período anterior a 31 de Dezembro de 1997 são válidos
e se os concorrentes podem, eventualmente, pedir uma indemnização por perdas
e juros, por violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.
- 71.
- É certo que, na hipótese de o recurso subordinado levar à anulação do acórdão
recorrido na parte em este anulou o artigo 4.° da decisão impugnada, a proibição
baseada nesta disposição não teria incidência prática no presente, uma vez que só
estava prevista até 31 de Dezembro de 1997. Em todo o caso, tal como sublinhou
a Comissão e a Mars, esta constatação não faz todavia desaparecer o interesse em
julgar definitivamente a questão da legalidade e do alcance do artigo 4.° da decisão
impugnada, com vista a determinar os respectivos efeitos jurídicos durante o
período precedente à data fixada.
- 72.
- A este respeito, há que acrescentar que a apreciação feita no acórdão Brother
Industries/Comissão, já referido, na qual se apoia a Langnese-Iglo, não pode ser
transposta para o presente processo. Com efeito, as duas situações não são
comparáveis, desde logo porque, no primeiro caso, o recurso contra um
regulamento ficou sem objecto pelo facto de o regulamento ter sido substituído no
decurso da instância por um outro regulamento, igualmente impugnado pelo
mesmo recorrente.
- 73.
- Deve, por isso, entender-se que o recurso subordinado não ficou sem objecto,
devendo a excepção da inutilidade superveniente da lide deduzida pela
Langnese-Iglo ser julgada improcedente.
Acerca do mérito da causa
- 74.
- Em primeiro lugar, há que constatar que, perante os fundamentos aduzidos nos
n.os 205 a 209 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância entendeu
correctamente que a Comissão não tinha o direito de impor à Langnese-Iglo a
proibição de celebrar todo e qualquer contrato futuro de compra exclusiva. A
apreciação efectuada pelo Tribunal está, além disso, em conformidade com a
jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual a aplicação do artigo 3.° do
Regulamento n.° 17 deve ser feita em função da natureza da infracção verificada
(v. acórdãos de 6 de Março de 1974, Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73,
Colect., p. 119, e de 6 de Abril de 1995, RTP e ITP/Comissão, C-241/91 P e
C-242/91 P, Colect., p. I-743, n.° 90).
- 75.
- Em seguida, há que salientar que, perante o Tribunal de Justiça, a Comissão
declarou expressamente que não contestava essa apreciação do Tribunal de
Primeira Instância. Argumenta todavia que o artigo 4.° da decisão impugnada tem
como único objectivo impedir a Langnese-Iglo de repor em funcionamento a
mesma rede de contratos de compra exclusiva com os seus distribuidores
retalhistas, mas que não a impede de celebrar novos contratos de compra exclusiva
com outros distribuidores retalhistas. Sobre esta questão, o acórdão do Tribunal de
Primeira Instância baseou-se numa interpretação errada do alcance do artigo 4.°
da decisão impugnada.
- 76.
- Esta mudança de opinião da Comissão não conduz todavia à conclusão de que o
Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito.
- 77.
- Com efeito, tal como o advogado-geral salientou no ponto 40 das suas conclusões,
o teor do artigo 4.° da decisão impugnada e o n.° 154 da mesma decisão induzem
a que se atribua ao referido artigo o alcance considerado pelo Tribunal de Primeira
Instância e defendido pela Langnese-Iglo. A apreciação do Tribunal pode ainda
menos ser contestada face à atitude da Comissão, sobre esta questão, perante o
Tribunal de Primeira Instância.
- 78.
- Por outro lado, há que observar que o princípio da segurança jurídica exige que
qualquer acto administrativo que produza efeitos jurídicos seja claro e preciso, a
fim de que o interessado possa conhecer sem ambiguidade os seus direitos e
obrigações e agir em conformidade (ver, neste sentido, relativamente aos actos
normativos de alcance geral, acórdão de 22 de Fevereiro de 1989, Comissão/França
e Reino-Unido, 92/87 e 93/87, Colect., p. 405, n.° 22).
- 79.
- Nestas condições, não é necessário examinar o recurso subordinado, uma vez que
se baseia na hipótese de a legalidade do artigo 4.° da decisão impugnada dever ser
apreciada dando a esse dispositivo o alcance preconizado pela Comissão perante
o Tribunal de Justiça.
- 80.
- Por consequência, o recurso subordinado deve ser julgado inadmissível.
Quanto às despesas
- 81.
- Por força do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é
condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Langnese-Iglo sido
vencida no seu recurso e tendo a Comissão sido vencida no seu recurso
subordinado, há que condená-las a suportar as suas próprias despesas com a
presente instância. Quanto à Mars, que interveio em apoio da Comissão, tanto no
recurso principal, como no recurso subordinado, há que, nos termos do n.° 4 do
artigo 69.°, do Regulamento de Processo, condená-la a suportar as suas próprias
despesas com a presente instância.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
decide:
- 1.
- O recurso da Langnese-Iglo GmbH é julgado improcedente.
- 2.
- O recurso subordinado da Comissão das Comunidades Europeias é julgado
improcedente.
- 3.
- A Langnese-Iglo GmbH, a Comissão das Comunidades Europeias e a Mars
GmbH suportarão as suas próprias despesas.
GulmannWathelet
Moitinho de Almeida
Jann Sevón
|
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de Outubro de 1998.
O secretário
O presidente da Quinta Secção
R. Grass
C. Gulmann