Language of document : ECLI:EU:C:1998:447

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

1 de Outubro de 1998 (1)

«Concorrência — Artigo 85.° do Tratado CE — Contratos de compra exclusiva de gelados — Carta administrativa de arquivamento — Proibição de celebrar no futuro contratos de exclusividade»

No processo C-279/95 P,

Langnese-Iglo GmbH, sociedade de direito alemão, com sede em Hamburgo (Alemanha), representada por Martin Heidenhain, Bernhard M. Maassen e Horst Satzky, advogados em Frankfurt-am-Main, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Jean Hoss, 2, place Winston Churchill,

recorrente,

que tem por objecto um recurso em que se pede a anulação parcial do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Segunda Secção Alargada) em 8 de Junho de 1995, Langnese Iglo/Comissão (T-7/93, Colect., p. II-1533), em que foram partes a Langnese Iglo GmbH e a Comissão das Comunidades Europeias

sendo a outra parte no processo a

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Wouter Wils, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Alexander Bölke,

advogado em Frankfurt-am-Main, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de La Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg, apoiada por

Mars GmbH, sociedade de direito alemão, com sede em Viersen (Alemanha), representada por Jochim Sedemund, advogado em Berlim, e John E. Pheasant, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Michel Molitor, 55, boulevard de la Pétrusse,

interveniente na primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: C. Gulmann, presidente de secção, M. Wathelet, J. C. Moitinho de Almeida, P. Jann e L. Sevón (relator), juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer


secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Novembro de 1997,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Agosto de 1995, a Langnese-Iglo GmbH (a seguir «Langnese-Iglo») interpôs, ao abrigo do artigo 49.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 8 de Junho de 1995, Langnese-Iglo/Comissão (T-7/93, Colect., p. II-1533, a seguir o «acórdão recorrido»), no qual este julgou improcedente o seu recurso destinado a obter a anulação da Decisão 93/406/CEE da Comissão, de 23 de Dezembro de 1992, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE contra a Langnese-Iglo GmbH (Processo IV/34.072) (JO L 183, p. 19, a seguir a «decisão impugnada»).

2.
    Quanto aos factos que estão na origem do presente recurso, resulta do acórdão recorrido:

«1    Por carta de 6 de Dezembro de 1984, a Bundesverband der deutschen Süsszwarenindustrie eV — Fachsparte Eiskrem (Associação nacional da

indústria alemã de confeitaria — sector dos gelados, a seguir 'Associação‘) solicitou à Comissão que lhe enviasse uma 'declaração formal‘ sobre a compatibilidade com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, dos contratos exclusivos celebrados entre os produtores alemães de gelados e os seus clientes. Por carta de 16 de Janeiro de 1985, a Comissão comunicou à Associação que entendia não poder deferir o pedido de tomar uma decisão aplicável a todo o sector.

2    A empresa alemã Schöller Lebensmittel GmbH & Co. KG (a seguir 'Schöller‘), por carta de 7 de Maio de 1985, notificou à Comissão um 'contrato-tipo de fornecimento‘ que rege as suas relações com os distribuidores retalhistas. Em 20 de Setembro de 1985, a Direcção-Geral da Concorrência da Comissão enviou ao advogado da Schöller uma carta administrativa de classificação (a seguir 'carta administrativa‘), na qual se pode ler:

    'Foi solicitado, em 2 de Maio de 1985, em nome da sociedade Schöller Lebensmittel GmbH & Co. KG, nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 17, a emissão de um certificado negativo relativamente a um 'acordo de fornecimento de gelados'.

    Nos termos do artigo 4.° do mesmo regulamento, e a título preventivo, foi também notificado o contrato. Posteriormente, por carta de 25 de Junho de 1985, foi fornecido um contrato-tipo que deveria servir de referência aos contratos que no futuro a sociedade Schöller celebrará.

    Em carta de 23 de Agosto de 1985 foi claramente referido que a obrigação de compra exclusiva imposta ao cliente no contrato-tipo notificado, acompanhada da proibição de concorrência, pode ser rescindida pela primeira vez com o pré-aviso mínimo de seis meses no final do segundo ano de contrato, e em seguida com idêntico pré-aviso no final de cada ano.

    Resulta dos elementos de que a Comissão tem conhecimento e que, no essencial, se baseiam no que foi referido no pedido, que a duração fixa dos contratos a celebrar no futuro não ultrapassará dois anos. A duração média da totalidade dos 'acordos de fornecimento de gelados' da sua cliente estará assim bem abaixo do período de cinco anos, condição prevista no Regulamento (CEE) n.° 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983 (JO L 173 de 30.6.1983, p. 5; EE 08 F02 p. 114), para isenção por categoria dos acordos de compra exclusiva.

    Estes elementos mostram bem que os 'acordos de fornecimento de gelados' celebrados pela Schöller, mesmo tendo em conta o número de acordos de idêntica natureza, não têm, designadamente, como efeito eliminar a concorrência no que toca a uma parte substancial dos produtos em causa.

Continua garantido o acesso de empresas terceiras ao sector do comércio a retalho.

    Os 'acordos de fornecimento de gelados' da Schöller que foram notificados são, por isso, compatíveis com as regras de concorrência do Tratado CEE. Assim, a Comissão não tem que intervir relativamente aos contratos notificados pela sua cliente.

    Todavia, a Comissão reserva-se o direito de reabrir o processo se se alterarem sensivelmente determinados elementos de direito ou de facto sobre os quais se baseia a presente apreciação.

    Desejamos ainda informar a sua cliente de que os 'acordos de fornecimento de gelados' já existentes estão sujeitos a uma apreciação semelhante e que, por isso, não é necessário notificá-los se a duração fixa de tais acordos não ultrapassar dois anos a partir de 31 de Dezembro de 1986 e se forem em seguida rescindíveis mediante pré-aviso de, no máximo, seis meses no final de cada ano.

    ...»

3    Em 18 de Setembro de 1991, a Mars GmbH (a seguir 'Mars‘) apresentou à Comissão uma queixa contra a recorrente e a Schöller, por infracção dos artigos 85.° e 86.° do Tratado, e solicitou a adopção de medidas provisórias a fim de evitar o prejuízo grave e irreparável que, em seu entender, resultaria do facto de a venda dos seus gelados ser fortemente prejudicada na Alemanha pela aplicação de acordos contrários às regras de concorrência que a recorrente e a Schöller celebraram com um grande número de retalhistas.

4    Por decisão de 25 de Março de 1992, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/34.072 — Mars/Langnese e Schöller — Medidas provisórias) (a seguir 'decisão de 25 de Março de 1992‘), a Comissão, no essencial, proibiu a recorrente e a Schöller, a título de medida provisória, de invocarem os direitos contratuais que resultam dos acordos celebrados por estas sociedades ou a seu favor, na parte em que os retalhistas se comprometiam a comprar, a oferecer para venda e/ou a vender exclusivamente gelados destes produtores, em relação a produtos de gelados 'Mars‘, 'Snickers‘, 'Milky Way‘ e 'Bounty‘, quando estes são oferecidos ao consumidor final em doses individuais. Além disso, a Comissão retirou o benefício da aplicação do Regulamento (CEE) n.° 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de compra exclusiva (JO L 173, p. 5, rectificativo JO 1984, L 79, p. 38; EE 08 F2 p. 114, a seguir 'Regulamento n.° 1984/83‘), aos acordos de

exclusividade celebrados pela recorrente, na medida necessária à aplicação da proibição acima referida.

5    Foi nestas circunstâncias que, na sequência da decisão de 25 de Março de 1992, e a fim de adoptar uma decisão definitiva sobre os 'acordos de fornecimento‘ em causa, que a Comissão adoptou, em 23 de Dezembro de 1992, a Decisão 93/406/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado (IV/34.072 contra a Langnese-Iglo GmbH — JO 1993, L 183, p. 19 a seguir 'decisão‘), cuja parte dispositiva é a seguinte:

    'Artigo 1.°

    Os acordos concluídos pela Langnese-Iglo GmbH, nos termos dos quais os retalhistas sediados na Alemanha estão vinculados a adquirir, exclusivamente à referida empresa, gelados em pequenas embalagens para revenda (exclusividade dos locais de venda), infringem o disposto no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CEE.

    Artigo 2.°

    Na medida em que os acordos referidos no artigo 1.° preenchem as condições para a isenção por categoria previstas no Regulamento (CEE) n.° 1984/83, é-lhes retirado, pela presente decisão, o benefício da aplicação desse regulamento.

    Artigo 3.°

    A Langnese-Iglo GmbH é obrigada a comunicar o teor dos artigos 1.° e 2.° aos revendedores com os quais tenha concluído acordos do tipo referido no artigo 1.° que ainda vigorem, no prazo de três meses a contar da notificação da presente decisão, informando-os da invalidação dos referidos acordos.

    Artigo 4.°

    A Langnese-Iglo GmbH fica proibida, até 31 de Dezembro de 1997, de concluir acordos do tipo referido no artigo 1.°

    ...»

3.
    Em 23 de Dezembro de 1992, a Comissão proferiu igualmente a Decisão 93/405/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE contra a Schöller Lebensmittel GmbH & Co. KG (Processos IV/31.533 e IV/34.072) (JO L 183, p. 1). Esta decisão, em particular nos seus artigos 1.°, 3.° e 4.°, é, no essencial, idêntica à decisão impugnada.

4.
    Em 19 de Janeiro de 1993, a Langnese-Iglo interpôs recurso no Tribunal de Primeira Instância, destinado a obter a anulação da decisão impugnada.

5.
    Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, em 4 de Fevereiro de 1993, a Mars solicitou a sua admissão como interveniente no processo, em apoio dos pedidos da Comissão. Por despacho de 12 de Julho de 1993, o presidente da Primeira Secção do Tribunal admitiu a intervenção.

6.
    Por esse mesmo despacho e por despacho de 9 de Novembro de 1994, do presidente da Segunda Secção Alargada do Tribunal de Primeira Instância, foi deferido o pedido de confidencialidade apresentado pela Langnese-Iglo, nos termos do artigo 116.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

7.
    Em apoio do recurso, a recorrente invoca cinco fundamentos assentes, em primeiro lugar, em notificação irregular da decisão, na medida em que a Comissão omitiu a notificação de determinados anexos; em segundo lugar, em violação do princípio da protecção da confiança legítima, na medida em que a Comissão não respeitou a posição adoptada na carta administrativa; em terceiro lugar, em violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado; em quarto lugar, em violação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado e do princípio da proporcionalidade, na medida em que a Comissão retirou o benefício da isenção por categoria prevista no Regulamento n.° 1984/83 à totalidade dos acordos de fornecimento em litígio, e, em quinto lugar, em violação do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).

8.
    A Comissão, apoiada pela Mars, concluía pedindo que o recurso fosse julgado improcedente.

9.
    Pelo acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância anulou o artigo 4.° da decisão impugnada e negou provimento ao recurso quanto ao restante. Além disso, condenou a Langnese-Iglo na totalidade das despesas do processo, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias (ver despacho do presidente do Tribunal, de 19 de Fevereiro de 1993, Langnese-Iglo e Schöller/Comissão, T-7/93 R e T-9/93 R, Colect., p. II-131) e as da Mars, com excepção de um quarto das despesas da Comissão. Esta suportou, portanto, um quarto das suas próprias despesas.

10.
    Também a Shöller interpôs, para o Tribunal de Primeira Instância, recurso contra a Decisão 93/405, proferida em seu desfavor. Por acórdão de 8 de Junho de 1995, Schöller/Comissão (T-9/93, Colect., p. II-1611), o Tribunal, tal como no acórdão recorrido, anulou o artigo 4.° da referida decisão e negou provimento ao recurso quanto ao restante. A Schöller não recorreu deste acórdão.

11.
    No seu recurso, a Langnese-Iglo pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, na parte em que negou provimento ao seu recurso, que anule os artigos 1.°, 2.° e 3.° da decisão impugnada e que condene a Comissão nas despesas, tanto do processo que correu perante o Tribunal de Primeira Instância, como do presente recurso. A Langnese-Iglo pede ainda, a título subsidiário, que o litígio seja devolvido ao Tribunal de Primeira Instância.

12.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne julgar o recurso improcedente, anular o acórdão recorrido na parte em que deferiu o pedido da Langnese-Iglo e anulou o artigo 4.° da decisão impugnada e negar provimento ao pedido da recorrente. Além disso, pede a condenação da Langnese-Iglo nas despesas.

13.
    A Mars pede que o recurso seja julgado improcedente e anulado o acórdão recorrido na parte em que anulou o artigo 4.° da decisão impugnada.

14.
    Por despacho de 20 de Março de 1996, o presidente do Tribunal de Justiça , ao abrigo dos artigos 93.° n.° 3, segunda frase, e 118.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, deferiu um pedido de confidencialidade apresentado pela Langnese-Iglo. Este despacho concede tratamento confidencial a certas informações reveladoras do grau de dependência. O presente acórdão não contém por conseguinte nenhuma menção a esses dados.

15.
    Como suporte do seu recurso, a Langnese-Iglo invoca três fundamentos, a saber:

-    violação do princípio da protecção da confiança legítima;

-    violação do artigo 85., n.° 1, do Tratado — efeito dos contratos de compra exclusiva no jogo da concorrência;

-    violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento;

16.
    Como fundamento do seu recurso subordinado, a Comissão, apoiada pela Mars, alega que a anulação do artigo 4.° da decisão impugnada viola o artigo 3.° do Regulamento n.° 17.

17.
    Por carta dirigida ao Tribunal em 27 de Março de 1998, a Langnese-Iglo pede que o Tribunal de Justiça declare formalmente extinta a instância relativamente ao recurso subordinado da Comissão. Esta última, bem como a Mars, opõem-se.

Acerca do recurso principal

Acerca do primeiro fundamento

18.
    O primeiro fundamento refere-se aos n.os 35 a 42 do acórdão recorrido, que dizem respeito à violação do princípio da protecção da confiança legítima.

19.
    Perante o Tribunal de Primeira Instância, a Langnese-Iglo sustentou que a Comissão se encontrava vinculada à posição que adoptou na carta administrativa, tendo em conta que não estava em condições de provar que a referida carta tinha sido obtida com base em informações inexactas ou incompletas, nem que as circunstâncias de direito ou de facto que caracterizavam o mercado de gelados se tivessem alterado sensivelmente depois da sua emissão (n.os 28 a 30 do acórdão recorrido).

20.
    Além disso, a Langnese-Iglo alegou que, embora a carta administrativa fosse dirigida à Schöller, a Comissão e os participantes no processo iniciado pela carta da Associação, de 6 de Dezembro de 1984 — entre os quais a recorrente — estavam, porém, de acordo em que a notificação feita pela Schöller em Maio de 1985, que se referia aos acordos de fornecimento de gelados por ela celebrados, e o pedido simultâneo de emissão de um certificado negativo, eram igualmente válidos para todos os membros da Associação. A carta administrativa abrangia, por isso, a totalidade dos contratos de exclusividade existentes no mercado de gelados (n.° 31 do acórdão recorrido).

21.
    No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou, a título liminar, no n.° 35, que não era necessário analisar a questão de saber se a recorrente podia legitimamente esperar que a apreciação levada a cabo pela Comissão na carta administrativa dirigida à Schöller se aplicasse também à sua situação jurídica, nem proceder a uma audição de testemunhas sobre a questão, como a Langnese-Iglo tinha proposto. Segundo o Tribunal, bastava verificar que, em qualquer dos casos, a referida carta administrativa não impedia que a Comissão pudesse analisar a queixa apresentada pela Mars.

22.
    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância lembrou, no n.° 36, que resulta da jurisprudência (acórdãos de 10 de Julho de 1980, Giry e Guerlain e o., 253/78 e 1/79 a 3/79, Recueil, p. 2327; Marty, 37/79, Recueil, p. 2481; Lancôme e Cosparfrance, 99/79, Recueil, p. 2511, e de 11 de Dezembro de 1980, L'Oréal, 31/80, Recueil p. 3775), que uma carta administrativa não constitui, nem uma decisão de certificação negativa, nem uma decisão de aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, na acepção dos artigos 2.° e 6.° do Regulamento n.° 17, dado a carta administrativa não ter sido emitida em conformidade com as disposições do referido regulamento. O Tribunal de Primeira Instância salientou em seguida, no n.° 37, que se tratava de uma carta administrativa que levou ao conhecimento da empresa interessada, ou seja, a Schöller, a opinião da Comissão de que não tinha que intervir relativamente aos contratos em causa, tendo em conta as circunstâncias do caso. Por último, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 38, que a Comissão apenas tinha procedido, nessa época, a uma análise provisória das condições do mercado e se reservava o direito, na carta administrativa, de reabrir

o processo se determinados elementos de direito ou de facto em que baseou a sua apreciação se viessem a alterar de modo sensível.

23.
    No n.° 39 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou, por um lado, que dois novos concorrentes, a Mars e a Jacobs Suchard, tinham feito, após emissão da carta administrativa, a sua entrada no mercado e que, por outro lado, após a entrega da queixa da Mars, a Comissão tivera conhecimento da existência de obstáculos adicionais ao acesso ao mercado. Entendeu, no n.° 40, que estes elementos constituíam circunstâncias novas que justificavam, designadamente à luz dos problemas concretos com que a interveniente se defrontou, uma análise mais aprofundada e mais precisa das condições que regem o acesso ao mercado do que a que foi efectuada aquando da emissão da carta administrativa. Consequentemente, esta carta não impedia a Comissão de reabrir o processo, a fim de apreciar, no caso concreto, a compatibilidade dos acordos de fornecimento litigiosos com as regras da concorrência. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância, baseou-se igualmente, no n.° 41, na obrigação da Comissão de examinar as denúncias.

24.
    No seu recurso, a Langnese-Iglo defende que a Comissão não estava autorizada a afastar-se do conteúdo da carta administrativa e a proibir a rede de contratos de compra exclusiva celebrados pela recorrente, salvo se da análise resultasse que os elementos de direito e de facto sobre o mercado de gelados se tinham alterado sensivelmente. Ora, a Langnese-Iglo contesta as conclusões a que chegou o Tribunal de Primeira Instância no que respeita às alterações de facto ocorridas no mercado.

25.
    Além disso, critica o acórdão recorrido na parte em que este salienta que, antes de emitir a carta administrativa, a Comissão tinha apenas procedido a uma análise provisória das condições de mercado. Aliás, mesmo que esta constatação tivesse fundamento, era, segundo a Langnese-Iglo, irrelevante. Com efeito, as empresas interessadas devem poder confiar em que a emissão de uma carta administrativa seja baseada numa verificação objectiva das condições de facto e de direito dos mercados em causa.

26.
    A este respeito, deve recordar-se antes de mais que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância só pode, por força do artigo 168.°-A do Tratado CE e do artigo 51.°, primeiro parágrafo, do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, ter como fundamento a violação de normas jurídicas e não qualquer apreciação dos factos (v., designadamente, acórdão de 1 de Outubro de 1991, Vidrányi/Comissão, C-283/90 P, Colect., p. I-4339, n.° 12, e despacho de 17 de Setembro de 1996, San Marco/Comissão, C-19/95 P, Colect., p. I-4435, n.os 36 e 39, e acórdão de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão, C-7/95 P, ainda não publicado, n.os 18 e 21).

27.
    Ora, ao contestar as novas circunstâncias, salientadas pelo Tribunal de Primeira Instância, relativas ao aparecimento de novos concorrentes no mercado, bem como à existência de obstáculos adicionais ao acesso ao mercado, das quais a Comissão teve conhecimento após entrega da queixa da Mars, a Langnese-Iglo põe em causa a apreciação da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal de Primeira Instância. Esta argumentação é, por conseguinte, inadmissível no contexto de um recurso. O mesmo se passa com a alegação da Langnese-Iglo relativa à constatação feita pelo Tribunal de Primeira Instância de que a Comissão apenas procedeu a uma análise provisória das condições de mercado.

28.
    A argumentação da Langnese-Iglo deve ser igualmente entendida como uma acusação ao Tribunal de Primeira Instância por ter considerado que a Comissão podia afastar-se da posição que adoptou na carta administrativa, não só em virtude de alterações de facto e de direito ocorridas após a emissão dessa carta, mas também com base em novas circunstâncias de que, embora já existentes anteriormente, a Comissão só teve conhecimento após o envio dessa carta.

29.
    A este respeito, há que remeter para os fundamentos apresentados pelo Tribunal de Primeira Instância, primeiro quanto à natureza jurídica de uma carta administrativa (n.os 36 e 37 do acórdão recorrido), depois, à menção, nessa carta, nomeadamente, de que a Comissão se reservava entretanto o direito de reabrir o processo, se determinados elementos de direito ou de facto sobre os quais baseara a sua apreciação se alterassem sensivelmente (n.° 38 do acórdão recorrido) e, por fim, à obrigação da Comissão de examinar atentamente as denúncias (n.° 41 do acórdão recorrido).

30.
    Resulta dos considerandos feitos pelo Tribunal de Primeira Instância, contra os quais a Langnese-Iglo não apresenta, aliás, qualquer argumento específico no seu recurso, que o envio de uma carta administrativa não pode ter como efeito que a Comissão deixe de estar autorizada a tomar em conta um elemento de facto já existente antes do envio da carta administrativa, mas de que só teve conhecimento mais tarde, nomeadamente no âmbito de uma denúncia apresentada posteriormente.

31.
    Daí decorre que o primeiro fundamento é, em parte, inadmissível e é, parcialmente improcedente, devendo por isso ser afastado.

Acerca do segundo fundamento

32.
    Com o seu segundo fundamento, a Langnese-Iglo contesta a conclusão do Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 94 a 114, de que a Comissão considerou, a justotítulo, que os contratos de compra exclusiva celebrados pela recorrente implicam uma restrição sensível à concorrência no mercado de referência, sendo, por isso, incompatíveis com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

33.
    Segundo a Langnese-Iglo, esta conclusão do Tribunal, por um lado, assenta em vários elementos que não resultam dos documentos do processo e, por outro lado, baseia-se numa incorrecta apreciação jurídica da situação de facto.

34.
    Em apoio da sua tese, a Langnese-Iglo afirma, em primeiro lugar, que os documentos do processo não permitiam ao Tribunal concluir, no n.° 105, que as redes de contratos de compra exclusiva postas a funcionar por ela e pela Schöller tinham provocado um grau de dependência acumulado superior a 30%. Segundo a recorrente, resulta do processo que esse grau de dependência era inferior a 30%, percentagem considerada aceitável pela Comissão na carta administrativa, bem como no Décimo Quinto Relatório sobre a Política de Concorrência, de 1985.

35.
    Em segundo lugar, a Langnese-Iglo alega que a conclusão do Tribunal acerca do sistema de comodato de grande número de arcas congeladoras (n.os 107 e 108), que ela punha à disposição dos retalhistas na condição de estes as utilizarem exclusivamente para armazenarem os seus produtos, mais não é do que a repetição de uma afirmação produzida pela Comissão, mas contestada pela Langnese-Iglo perante o Tribunal. O mesmo se passa no que respeita aos bónus concedidos pela Langnese-Iglo para garantir uma determinada percentagem de vendas de gelados em embalagem individual (n.° 109 do acórdão recorrido). Segundo esta, a Comissão não provou as suas afirmações, embora o Tribunal tivesse salientado, no n.° 95, que cabia à Comissão fazer prova da existência dos alegados obstáculos ao acesso ao mercado.

36.
    Em terceiro lugar, a Langnese-Iglo defende que, mesmo supondo que o grau de dependência no mercado de referência para os gelados de consumo se situasse entre o valor por ela declarado e o considerado pelo Tribunal, de modo a ser ligeiramente superior ou inferior a 30%, os elementos de facto, tal como foram regularmente determinados pelo Tribunal, não permitem daí concluir que o acesso ao mercado em causa era entravado de maneira sensível, ou até mesmo fechado.

37.
    Primeiramente, há que constatar que, com os seus argumentos, a Langnese-Iglo contesta diferentes elementos de facto que o Tribunal estabeleceu. Tal como foi salientado no n.° 26 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça não tem competência para apreciar factos, no contexto de um recurso.

38.
    Quanto, mais concretamente, à apreciação de provas, há que recordar que é ao Tribunal de Primeira Instância que cabe apreciar soberanamente o valor a atribuir aos elementos de prova que lhe são apresentados, sob reserva da eventual desvirtuação desses elementos (v., a este respeito, despacho San Marco/Comissão, já referido, n.° 40 e acórdãos de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão, C-53/92 P, Colect., p. I-667, n.° 42, e Deere/Comissão, já referido, n.° 22). Ora, a recorrente não apresenta qualquer argumento sério para sustentar que o Tribunal tenha desvirtuado elementos de prova.

39.
    Quanto à terceira acusação do presente fundamento, verifica-se que a Langnese-Iglo critica de forma global a conclusão que o Tribunal de Primeira Instância retirou dos elementos de facto que lhe foi dado apreciar, sublinhando, nomeadamente, que um grau de dependência ligeiramente superior ou inferior a 30% não entrava de maneira sensível o acesso ao mercado, em especial quando este se encontra em plena expansão.

40.
    A este respeito, impõe-se constatar que a Langnese-Iglo não especifica os erros de direito que o Tribunal de Primeira Instância cometeu na apreciação das questões de direito e que a sua fundamentação coloca em causa os factos considerados provados pelo Tribunal. Nestas condições, esta parte do fundamento é igualmente inadmissível.

41.
    Resulta destas considerações que o segundo fundamento é, no seu conjunto, inadmissível.

Acerca do terceiro fundamento

42.
    O terceiro fundamento decompõe-se em duas partes, baseadas em pretensa violação, por um lado, do princípio da proporcionalidade e, por outro lado, do princípio da igualdade de tratamento.

Acerca da primeira parte do terceiro fundamento

43.
    A Langnese-Iglo alega que o Tribunal infringiu o princípio da proporcionalidade, uma vez que entendeu que a Comissão não tinha cometido qualquer falta ao retirar o benefício da isenção por categoria, previsto no Regulamento n.° 1984/83, e ao proibir a totalidade dos contratos de compra exclusiva celebrados pela Langnese-Iglo, sem lhe ter, previamente, indicado em que medida uma rede de contratos de compra exclusiva é compatível com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e, portanto, sem lhe dar oportunidade de adaptar a rede às exigências dessa disposição.

44.
    Como suporte deste tese, a Langnese-Iglo pretende que o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância está marcado por uma contradição. Assim, o Tribunal entendeu, por um lado, no n.° 31, que uma rede de contratos semelhantes, como os contratos de compra exclusiva da Langnese-Iglo, deve ser apreciada no seu conjunto e que, por conseguinte, foi a justo título que a Comissão não procedeu a uma separação dos contratos e, por outro lado, no n.° 193, que, num processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado, a Comissão não é obrigada a indicar os acordos que só contribuem de modo não significativo para o eventual efeito cumulativo produzido por acordos semelhantes no mercado. Estas considerações do Tribunal de Primeira Instância estão em contradição com a que desenvolve nos n.os 207 e 208, segundo a qual o artigo 85.°, n.° 1, não se opõe, regra geral, à celebração de contratos de compra exclusiva, desde que isso não contribua de maneira significativa para a compartimentação do mercado, e a Comissão não tem

competência para, através de uma decisão individual, restringir ou limitar os efeitos de um acto normativo como o Regulamento n.° 1984/93.

45.
    Tal como o advogado-geral sublinhou no ponto 27 das suas conclusões, a Langnese-Iglo estabelece esta pretensa contradição a partir de considerações retiradas de contextos diferentes do acórdão recorrido, não tomando em conta o facto de o Tribunal de Primeira Instância fazer uma clara distinção entre, por um lado, a aplicação do artigo 85.°, n.° 1, aos acordos existentes e, por outro lado, os efeitos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 nos acordos de compra exclusiva que a Langnese-Iglo poderia vir a concluir no futuro.

46.
    Contrariamente ao que defende a Langnese-Iglo, o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância não contém, a este respeito, nenhuma contradição.

47.
    Quanto ao restante, há que constatar que a Langnese-Iglo não indica de modo suficientemente preciso os elementos contestados do acórdão recorrido. Com efeito, a sua fundamentação visa elementos que se encontram, tanto nos n.os 129 a 132 do acórdão recorrido, respeitantes à parte do fundamento relativa à pretensa obrigação da Comissão de separar os contratos individuais, de maneira a que uma parte deles não seja abrangida pela proibição do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, como nos n.os 192 a 195 do acórdão recorrido, respeitantes à parte do fundamento relativa à questão de saber se a proibição total dos acordos de fornecimento é contrária ao princípio da proporcionalidade.

48.
    Perante esta falta de precisão, que, aliás, foi sublinhada pela Comissão, o Tribunal de Justiça não está em condições de se pronunciar sobre o mérito desta parte do presente fundamento. A este respeito, é importante recordar que um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido (v., nomeadamente, despacho San Marco/Comissão, já referido, n.° 37, e acórdão Deere/Comissão, já referido, n.° 19).

49.
    A primeira parte do terceiro fundamento é, por conseguinte, inadmissível.

Acerca da segunda parte do terceiro fundamento

50.
    A Langnese-Iglo alega que a proibição da totalidade dos seus contratos de compra exclusiva viola também o princípio da igualdade de tratamento. A este respeito, salienta que o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 209 do acórdão recorrido, que o artigo 4.° da decisão impugnada viola esse princípio pelo facto de excluir determinadas empresas do benefício, para o futuro, do Regulamento n.° 1984/83, enquanto os concorrentes da Langnese-Iglo podem continuar a explorar o benefício concedido por esse regulamento.

51.
    Segundo a Langnese-Iglo, o princípio da igualdade de tratamento deve ser aplicado, da mesma forma, no que respeita ao passado. Argumenta que não pode aceitar-se que a Comissão proíba a totalidade dos contratos de compra exclusiva independentemente da questão de saber se estão abrangidos pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ou se beneficiam de isenção ao abrigo do Regulamento n.° 1984/83, enquanto os concorrentes podem manter e celebrar contratos de compra exclusiva semelhantes.

52.
    Quanto à referência ao n.° 209 do acórdão recorrido, importa frisar que a Langnese-Iglo se apoia, para criticar a proibição da totalidade dos contratos existentes, numa consideração do Tribunal de Primeira Instância que só respeita aos contratos futuros. Essa invocação não é, por conseguinte, nessa medida, pertinente.

53.
    Por outro lado, há que constatar que a Langnese-Iglo não deduziu perante o Tribunal de Primeira Instância qualquer fundamento baseado em pretensa violação, por parte da Comissão, do princípio da igualdade de tratamento no que respeita à proibição da totalidade dos contratos de compra exclusiva existentes.

54.
    A este respeito, importa, antes de mais, recordar que, por força do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

55.
    Permitir a uma parte invocar perante o Tribunal de Justiça, pela primeira vez, fundamentos não apresentados no Tribunal de Primeira Instância traduzir-se-ia em permitir-lhe levar o Tribunal de Justiça, cuja competência para julgar recursos em segunda instância é limitada, a conhecer de um litígio mais lato do que aquele que o Tribunal de Primeira Instância teve que decidir. No âmbito dos recursos em segunda instância, a competência do Tribunal de Justiça encontra-se limitada à apreciação da solução legal dada aos fundamentos debatidos na primeira instância (v., neste sentido, acórdão de 1 de Junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C-136/92, Colect., p. I-1981, n.° 59).

56.
    Esta parte do terceiro fundamento é, por isso, inadmissível.

57.
    O terceiro fundamento é portanto inadmissível na sua totalidade e deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

58.
    Resulta dos considerandos anteriores que os fundamentos aduzidos pela Langnese-Iglo como suporte do seu recurso são em parte inadmissíveis e em parte improcedentes. O recurso da Langnese-Iglo deve, pois, ser julgado improcedente na sua totalidade.

Acerca do recurso subordinado

O acórdão recorrido e a argumentação das partes

59.
    Pelo acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância anulou o artigo 4.° da decisão impugnada nos termos do qual «A Langnese-Iglo GmbH fica proibida, até 31 de Dezembro de 1997, de concluir acordos do tipo referido no artigo 1.°»

60.
    Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância entendeu, no n.° 205, que o artigo 3.° do regulamento n.° 17, segundo o qual, «Se a Comissão verificar... uma infracção ao disposto no artigo 85.° ou no artigo 86.° do Tratado, pode, através de decisão, obrigar as empresas e associações de empresas em causa a pôr termo a essa infracção» apenas confere à Comissão competência para proibir contratos de exclusividade existentes incompatíveis com as regras de concorrência.

61.
    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância salienta, em primeiro lugar, que resulta do acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis (C-234/89, Colect., p. I-935, n.os 23 e 24), que os contratos de compra exclusiva de um fornecedor cuja contribuição para um efeito cumulativo seja insignificante não caem no âmbito da proibição do artigo 85.°, n.° 1. Segundo o Tribunal, daí decorre que, regra geral, esta disposição não se opõe à celebração de contratos de compra exclusiva, desde que não contribua de forma significativa para a compartimentação do mercado. Neste contexto, o Tribunal rejeitou o argumento da Comissão, segundo o qual a proibição de celebração de qualquer contrato futuro se justifica pela necessidade de impedir qualquer tentativa de, através do Regulamento n.° 1984/83, contornar a proibição dos contratos existentes, constante do artigo 1.° da decisão impugnada (n.os 206 e 207 do acórdão recorrido).

62.
    Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância entendeu, no n.° 208, que o Regulamento n.° 1984/83, como acto normativo de alcance geral, não inclui qualquer base legal que permita retirar, através de uma decisão individual, o benefício de isenção por categoria a acordos futuros.

63.
    Em terceiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 209, que seria contrário ao princípio da igualdade de tratamento excluir determinadas empresas do benefício, para o futuro, de um regulamento de isenção por categoria, enquanto outras empresas poderiam continuar a celebrar contratos de compra exclusiva do mesmo tipo dos proibidos pela decisão impugnada.

64.
    A Comissão, apoiada pela Mars, defendeu que a interpretação dada pelo Tribunal de Primeira Instância ao artigo 3.° do Regulamento está juridicamente errada. Segundo ela, esta disposição autoriza a Comissão a impedir que se prossiga o comportamento reconhecido como infracção às disposições sobre concorrência. Não se trata, portanto, de uma forma de punir as infracções existentes, mas de prevenir a sua continuação no futuro. A Comissão entende que, sem o artigo 4.° da decisão impugnada, a Langnese-Iglo poderia, através do Regulamento n.° 1984/93, gozar do benefício da isenção por categoria para novos contratos de

exclusividade. Como tal, a interdição estabelecida no artigo 4.° destina-se a garantir o respeito dos artigos 1.° e 2.° da decisão impugnada.

65.
    Perante o Tribunal de Justiça, a Comissão precisou a sua posição acerca da interpretação do artigo 4.° da decisão impugnada, declarando que já não mantinha a afirmação feita perante o Tribunal de Primeira Instância, segundo a qual aquela disposição inclui igualmente a proibição de celebrar qualquer contrato de compra exclusiva com novos revendedores. Explica que o seu recurso subordinado só contesta o acórdão recorrido na parte em que anula o artigo 4.° da decisão, interpretado de forma restritiva, a saber, na parte em que esse artigo proíbe a Langnese-Iglo de repor em funcionamento a rede de contratos de compra exclusiva que pusera em funcionamento anteriormente.

66.
    A Langnese-Iglo alega, em contrapartida, que o artigo 4.° da decisão impugnada deve ser entendido no sentido de que a proíbe de celebrar todo e qualquer contrato de exclusividade com os retalhistas, tendo por objecto a revenda de gelados em embalagem individual. Este dispositivo não faz distinção entre a hipótese da celebração de contrato com um parceiro que, à data da decisão impugnada, estivesse vinculado à Langnese-Iglo por um contrato de exclusividade e a da celebração de contrato com um cliente que só fosse contactado após essa data. Além disso, o artigo 4.° proíbe a celebração de qualquer contrato de exclusividade até 31 de Dezembro de 1997, independentemente da questão de saber o número de contratos de exclusividade celebrados até essa data e se, e em que medida o contrato em questão, considerado individualmente ou em conjunto com outros contratos da recorrente e dos seus concorrentes, é abrangido pelo artigo 85.°, n.° 1, ou beneficia de isenção ao abrigo do Regulamento n.° 1984/83. Segundo a Langnese-Iglo, o referido artigo 4.° também não é indispensável para impedir qualquer tentativa de contornar a proibição prevista no artigo 1.° da decisão impugnada.

67.
    A Langnese-Iglo acrescenta que o artigo 4.° da decisão impugnada é diferente da disposição correspondente de outras decisões pelas quais, no passado, a Comissão obrigou, ao abrigo do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, as empresas envolvidas a porem termo à infracção ao artigo 85.° do Tratado constatada. Nessas decisões, a Comissão obrigou as empresas envolvidas a absterem-se de celebrar no futuro contratos com «um objecto ou efeito idêntico ou semelhante» aos contratos proibidos.

68.
    Por fim, a Langnese-Iglo alega que o deferimento do pedido da Comissão viola o princípio da igualdade de tratamento uma vez que nem a Comissão nem a Mars interpuseram recurso do acórdão Schöller/Comissão, já referido.

Acerca da excepção de inutilidade superveniente da lide

69.
    Atendendo a que a data de 31 de Dezembro de 1997, estabelecida no artigo 4.° da decisão impugnada, já passou, a Langnese-Iglo alega que o recurso subordinado

ficou sem objecto. Daqui resulta que o Tribunal de Justiça deve julgar extinto o recurso subordinado. A este respeito, a Langnese-Iglo baseia-se no acórdão de 5 de Outubro de 1998, Brother Industries/Comissão (56/85, Colect., p. 5655).

70.
    A Comissão entende, em contrapartida, que a questão da legalidade do artigo 4.° da decisão impugnada, na sua interpretação restritiva, se mantém na íntegra, tanto em princípio como na prática. A importância prática resulta do facto de a Langnese-Iglo ter infringido, na sequência do acórdão recorrido, o artigo 4.° da decisão impugnada interpretado de forma restritiva. Sobre esta matéria, a Mars acrescenta que a decisão sobre o recurso subordinado condiciona, nomeadamente, a questão de saber se os contratos celebrados pela Langnese-Iglo com diversos estabelecimentos durante o período anterior a 31 de Dezembro de 1997 são válidos e se os concorrentes podem, eventualmente, pedir uma indemnização por perdas e juros, por violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

71.
    É certo que, na hipótese de o recurso subordinado levar à anulação do acórdão recorrido na parte em este anulou o artigo 4.° da decisão impugnada, a proibição baseada nesta disposição não teria incidência prática no presente, uma vez que só estava prevista até 31 de Dezembro de 1997. Em todo o caso, tal como sublinhou a Comissão e a Mars, esta constatação não faz todavia desaparecer o interesse em julgar definitivamente a questão da legalidade e do alcance do artigo 4.° da decisão impugnada, com vista a determinar os respectivos efeitos jurídicos durante o período precedente à data fixada.

72.
    A este respeito, há que acrescentar que a apreciação feita no acórdão Brother Industries/Comissão, já referido, na qual se apoia a Langnese-Iglo, não pode ser transposta para o presente processo. Com efeito, as duas situações não são comparáveis, desde logo porque, no primeiro caso, o recurso contra um regulamento ficou sem objecto pelo facto de o regulamento ter sido substituído no decurso da instância por um outro regulamento, igualmente impugnado pelo mesmo recorrente.

73.
    Deve, por isso, entender-se que o recurso subordinado não ficou sem objecto, devendo a excepção da inutilidade superveniente da lide deduzida pela Langnese-Iglo ser julgada improcedente.

Acerca do mérito da causa

74.
    Em primeiro lugar, há que constatar que, perante os fundamentos aduzidos nos n.os 205 a 209 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância entendeu correctamente que a Comissão não tinha o direito de impor à Langnese-Iglo a proibição de celebrar todo e qualquer contrato futuro de compra exclusiva. A apreciação efectuada pelo Tribunal está, além disso, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual a aplicação do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 deve ser feita em função da natureza da infracção verificada

(v. acórdãos de 6 de Março de 1974, Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 119, e de 6 de Abril de 1995, RTP e ITP/Comissão, C-241/91 P e C-242/91 P, Colect., p. I-743, n.° 90).

75.
    Em seguida, há que salientar que, perante o Tribunal de Justiça, a Comissão declarou expressamente que não contestava essa apreciação do Tribunal de Primeira Instância. Argumenta todavia que o artigo 4.° da decisão impugnada tem como único objectivo impedir a Langnese-Iglo de repor em funcionamento a mesma rede de contratos de compra exclusiva com os seus distribuidores retalhistas, mas que não a impede de celebrar novos contratos de compra exclusiva com outros distribuidores retalhistas. Sobre esta questão, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância baseou-se numa interpretação errada do alcance do artigo 4.° da decisão impugnada.

76.
    Esta mudança de opinião da Comissão não conduz todavia à conclusão de que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito.

77.
    Com efeito, tal como o advogado-geral salientou no ponto 40 das suas conclusões, o teor do artigo 4.° da decisão impugnada e o n.° 154 da mesma decisão induzem a que se atribua ao referido artigo o alcance considerado pelo Tribunal de Primeira Instância e defendido pela Langnese-Iglo. A apreciação do Tribunal pode ainda menos ser contestada face à atitude da Comissão, sobre esta questão, perante o Tribunal de Primeira Instância.

78.
    Por outro lado, há que observar que o princípio da segurança jurídica exige que qualquer acto administrativo que produza efeitos jurídicos seja claro e preciso, a fim de que o interessado possa conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade (ver, neste sentido, relativamente aos actos normativos de alcance geral, acórdão de 22 de Fevereiro de 1989, Comissão/França e Reino-Unido, 92/87 e 93/87, Colect., p. 405, n.° 22).

79.
    Nestas condições, não é necessário examinar o recurso subordinado, uma vez que se baseia na hipótese de a legalidade do artigo 4.° da decisão impugnada dever ser apreciada dando a esse dispositivo o alcance preconizado pela Comissão perante o Tribunal de Justiça.

80.
    Por consequência, o recurso subordinado deve ser julgado inadmissível.

Quanto às despesas

81.
    Por força do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Langnese-Iglo sido vencida no seu recurso e tendo a Comissão sido vencida no seu recurso subordinado, há que condená-las a suportar as suas próprias despesas com a presente instância. Quanto à Mars, que interveio em apoio da Comissão, tanto no

recurso principal, como no recurso subordinado, há que, nos termos do n.° 4 do artigo 69.°, do Regulamento de Processo, condená-la a suportar as suas próprias despesas com a presente instância.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

decide:

1.
    O recurso da Langnese-Iglo GmbH é julgado improcedente.

2.
    O recurso subordinado da Comissão das Comunidades Europeias é julgado improcedente.

3.
    A Langnese-Iglo GmbH, a Comissão das Comunidades Europeias e a Mars GmbH suportarão as suas próprias despesas.

Gulmann
Wathelet
Moitinho de Almeida

Jann

Sevón

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de Outubro de 1998.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

C. Gulmann


1: Língua do processo: alemão.