Language of document : ECLI:EU:C:2022:238

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

31 de março de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 2011/83/UE — Direito de retratação nos contratos à distância e nos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial — Exceções ao direito de retratação — Artigo 16.o, alínea l) — Prestação de serviços ligados a atividades de lazer — Contrato que estipula uma data ou um período específico de execução — Prestação de serviços de bilheteira — Intermediário que atua em seu nome, mas por conta do organizador de uma atividade de lazer — Risco associado ao exercício do direito de retratação»

No processo C‑96/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen, Alemanha), por Decisão de 8 de janeiro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de fevereiro de 2021, no processo

DM

contra

CTS Eventim AG & Co. KGaA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: N. Jääskinen, presidente de secção, M. Safjan (relator) e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da CTS Eventim AG & Co. KGaA, por M. Schlingmann e M. Gerecke, Rechtsanwälte,

–        em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, A. Laine e S. Hartikainen, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e I. Rubene, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2011, L 304, p. 64).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe DM à CTS Eventim AG & Co. KGaA (a seguir «CTS Eventim»), um prestador de serviços de bilheteira, a respeito da existência de um direito de retratação relativo a um contrato de aquisição de bilhetes de entrada para um concerto.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 4 e 49 da Diretiva 2011/83 têm a seguinte redação:

«(4)      Nos termos do artigo 26.o, n.o 2, [TFUE], o mercado interno deverá compreender um espaço sem fronteiras internas no qual são asseguradas a livre circulação das mercadorias e dos serviços e a liberdade de estabelecimento. A harmonização de certos aspetos do direito dos contratos à distância e dos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial é necessária para a promoção de um verdadeiro mercado interno dos consumidores, que, além de estabelecer o justo equilíbrio entre um elevado nível de defesa dos consumidores e a competitividade das empresas, assegure, ao mesmo tempo, o respeito pelo princípio da subsidiariedade.

[…]

(49)      O direito de retratação deverá admitir certas exceções no que diz respeito tanto aos contratos à distância como aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial. […] A concessão ao consumidor do direito de retratação poderá ser também inadequada em relação a certos serviços em que a celebração do contrato implica a reserva de recursos que, em caso de exercício do direito de retratação, o profissional poderá ter dificuldade em conseguir preencher. Seria o caso, por exemplo, de reservas de hotel ou de casas de férias, ou de acontecimentos culturais ou desportivos.»

4        O artigo 1.o da Diretiva 2011/83, com a epígrafe «Objeto», dispõe:

«A presente diretiva tem por objeto contribuir, graças à consecução de um elevado nível de defesa dos consumidores, para o bom funcionamento do mercado interno através da aproximação de certos aspetos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas aos contratos celebrados entre consumidores e profissionais.»

5        O artigo 2.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2)      “Profissional”: qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue, incluindo através de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta, no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;

3)      “Bem”: qualquer objeto móvel corpóreo, com exceção dos objetos vendidos através de penhora ou qualquer outra forma de execução judicial; a água, o gás e a eletricidade são considerados “bens” na aceção da presente diretiva quando forem postos à venda em volume delimitado ou em quantidade determinada;

[…]

5)      “Contrato de compra e venda”: qualquer contrato ao abrigo do qual o profissional transfere ou se compromete a transferir a propriedade dos bens para o consumidor e o consumidor paga ou se compromete a pagar o respetivo preço, incluindo qualquer contrato que tenha por objeto simultaneamente bens e serviços;

6)      “Contrato de prestação de serviços”: qualquer contrato, com exceção de um contrato de compra e venda, ao abrigo do qual o profissional presta ou se compromete a prestar um serviço ao consumidor e o consumidor paga ou se compromete a pagar o respetivo preço;

7)      “Contrato à distância”: qualquer contrato celebrado entre o profissional e o consumidor no âmbito de um sistema de vendas ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância, sem a presença física simultânea do profissional e do consumidor, mediante a utilização exclusiva de um ou mais meios de comunicação à distância até ao momento da celebração do contrato, inclusive;

[…]»

6        Nos termos do artigo 6.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Requisitos de informação dos contratos celebrados à distância e dos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial»:

«1. Antes de o consumidor ficar vinculado por um contrato à distância ou celebrado fora do estabelecimento comercial ou por uma proposta correspondente, o profissional faculta ao consumidor, de forma clara e compreensível, as seguintes informações:

[…]

c)      Endereço geográfico no qual o profissional está estabelecido, o seu número de telefone e de fax, bem como o seu endereço de correio eletrónico, se existirem, para permitir ao consumidor contactá‑lo rapidamente e comunicar com ele de modo eficaz e, se for o caso, o endereço geográfico e a identidade do profissional por conta de quem atua;

d)      No caso de ser diferente do endereço comunicado no termos da alínea c), o endereço geográfico do estabelecimento comercial do profissional e, se aplicável, o do profissional por conta de quem atua, onde o consumidor possa apresentar uma reclamação;

[…]»

7        O artigo 9.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Direito de retratação», prevê, no seu n.o 1:

«Ressalvando os casos em que se aplicam as exceções previstas no artigo 16.o, o consumidor dispõe de um prazo de 14 dias para exercer o direito de retratação do contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial, sem necessidade de indicar qualquer motivo […]»

8        O artigo 12.o, alínea a), da Diretiva 2011/83, com a epígrafe «Efeitos da retratação», tem a seguinte redação:

«O exercício do direito de retratação determina a extinção das obrigações das partes de:

a)      Executar o contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial […]»

9        O artigo 16.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Exceções ao direito de retratação», dispõe:

«Os Estados‑Membros não conferem o direito de retratação previsto nos artigos 9.o a 15.o relativamente aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial no tocante:

[…]

l)      Ao fornecimento de alojamento, para fins não residenciais, transporte de bens, serviços de aluguer de automóveis, restauração ou serviços relacionados com atividades de lazer se o contrato previr uma data ou período de execução específicos;

[…]»

 Direito alemão

10      O § 312g do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil), sob a epígrafe «Direito de retratação», dispõe:

«1. No caso de contratos celebrados fora do estabelecimento comercial ou à distância, o consumidor tem direito de retratação, nos termos do § 355.

2. Salvo acordo em contrário entre as partes, o direito de retratação não existirá nos seguintes contratos:

[…]

9)      Os contratos de prestação de serviços de alojamento para fins não residenciais, transporte de bens, serviços de aluguer de automóveis, restauração ou de outros serviços relacionados com atividades de lazer se o contrato previr uma data ou período de execução específicos.

[…]»

11      Nos termos do § 355 desse código, sob a epígrafe «Direito de retratação nos contratos celebrados com consumidores»:

«1. Nos casos em que a lei atribua ao consumidor o direito de retratação nos termos da presente disposição, o consumidor e o comerciante deixam de estar vinculados pela declaração de vontade de celebração do contrato se o consumidor se tiver retratado da sua declaração nesse sentido no prazo previsto.

[…]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      Em 12 de novembro de 2019, DM, na sua qualidade de consumidor, encomendou, através de uma plataforma de reserva em linha explorada pela CTS Eventim, um prestador de serviços de bilheteira, bilhetes de entrada para um concerto organizado por um terceiro.

13      O concerto, que deveria decorrer em 24 de março de 2020 em Brunswick (Alemanha), foi anulado devido às restrições administrativas adotadas pelas autoridades alemãs no contexto da pandemia de COVID‑19. Conforme resulta da decisão de reenvio, é possível que o concerto seja adiado para data posterior.

14      Em 19 de abril de 2020, DM pediu à CTS Eventim o reembolso do preço de compra dos bilhetes de entrada e de despesas acessórias, a saber, um montante total de 207,90 euros. O órgão jurisdicional de reenvio indica que, ao fazê‑lo, DM declarou implicitamente retratar‑se no seu contrato celebrado com a CTS Eventim.

15      Seguidamente, em conformidade com a regulamentação alemã relativa à anulação de atividades de lazer no contexto da pandemia de COVID‑19, a CTS Eventim, atuando por conta do organizador do concerto, fez chegar a DM um cupão emitido por esse organizador, no montante de 199 euros, correspondente ao preço de compra dos bilhetes.

16      No órgão jurisdicional de reenvio, DM exige da CTS Eventim o reembolso do preço de compra dos bilhetes de entrada e de despesas acessórias.

17      Chamado a pronunciar‑se sobre a validade da retratação de DM, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a exceção ao direito de retratação prevista no artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 não é aplicável no processo principal. Com efeito, considera que esta exceção só deve beneficiar o prestador direto de um serviço ligado a uma atividade de lazer, a saber, no caso presente, o organizador do concerto, e não a um prestador de serviços de bilheteira cuja atividade se limite à cessão de um direito de acesso a esse concerto. Acrescenta que, na sequência de uma retratação ocorrida no prazo de vários meses antes da data prevista para essa atividade, o profissional tem a possibilidade de explorar de outra forma as capacidades reservadas, revendendo os bilhetes em causa a outras pessoas.

18      Nestas condições, o Amtsgericht Bremen (Tribunal de Primeira Instância de Bremen, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 16.o, alínea l), da Diretiva [2011/83] ser interpretado no sentido de que, para excluir o direito de retratação do consumidor, é suficiente que o profissional não preste diretamente ao consumidor um serviço relacionado com atividades de lazer[,] mas que venda ao consumidor um direito de acesso a esse serviço?»

 Quanto à questão prejudicial

19      A título preliminar, há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao julgador nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdão de 26 de outubro de 2021, PL Holdings, C‑109/20, EU:C:2021:875, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

20      Além disso, o Tribunal de Justiça tem competência para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio indicações baseadas nos autos do processo principal e nas observações escritas e orais que lhe foram apresentadas, suscetíveis de permitir ao órgão jurisdicional de reenvio decidir (v., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2015, Grünewald, C‑559/13, EU:C:2015:109, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

21      No caso, refira‑se, por um lado, que, na medida em que a atividade da CTS Eventim se limita à cessão de um direito de acesso a uma atividade de lazer organizada por um terceiro, o órgão jurisdicional de reenvio considera que esta sociedade não presta diretamente ao consumidor um serviço relacionado com essa atividade, sendo apenas o organizador do concerto o prestador imediato desse serviço.

22      A decisão de reenvio não contém informações precisas sobre o quadro em que a CTS Eventim exerce a sua atividade, mais especificamente no que respeita às estipulações contratuais que regem a relação entre a CTS Eventim e o organizador do concerto cuja anulação está na origem do litígio no processo principal. No entanto, resulta dos autos no Tribunal de Justiça e, mais especificamente, das observações escritas apresentadas pela CTS Eventim que essas partes estão vinculadas por uma relação contratual nos termos da qual a CTS Eventim vende bilhetes em seu nome, mas por conta do organizador.

23      Por outro lado, resulta da decisão de reenvio que o contrato em causa no processo principal constitui um «contrato à distância», na aceção do artigo 2.o, ponto 7, da Diretiva 2011/83, uma vez que foi celebrado entre DM enquanto consumidor e a CTS Eventim como profissional, na aceção do artigo 2.o, ponto 2, desta diretiva. Com efeito, este último conceito abrange não apenas a pessoa singular ou coletiva que atua com os fins que se enquadram no âmbito da sua própria atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal no que respeita aos contratos abrangidos por essa diretiva, mas também a pessoa singular ou coletiva que atua como intermediário, em nome ou por conta desse profissional (Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Tiketa, C‑536/20, EU:C:2022:112, n.o 31).

24      Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que entender a questão prejudicial no sentido de que visa saber, em substância, se o artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que a exceção ao direito de retratação prevista nessa disposição é oponível a um consumidor que celebrou, com um intermediário que atua em seu nome, mas por conta do organizador de uma atividade de lazer, um contrato à distância relativo à aquisição de um direito de acesso a essa atividade.

25      Os artigos 9.o a 15.o da Diretiva 2011/83 conferem ao consumidor um direito de retratação na sequência, nomeadamente, da celebração de um contrato à distância, na aceção do artigo 2.o, ponto 7, desta diretiva, e estabelecem as condições e as modalidades do exercício desse direito.

26      Assim, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2011/83, o consumidor dispõe, em princípio, de um prazo de catorze dias para exercer o direito de retratação no contrato à distância, tendo o exercício do direito de retratação, nos termos do artigo 12.o, alínea a), dessa diretiva, o efeito de extinguir a obrigação de as partes executarem o referido contrato.

27      No entanto, o artigo 16.o da referida diretiva estabelece exceções a esse direito de retratação, nomeadamente no caso, previsto na alínea l) desse artigo, de prestação de serviços relacionados com atividades de lazer, se o contrato previr uma data ou um período de execução específico.

28      A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, se as disposições do direito da União não remeterem para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance, devem ser objeto, em toda a União Europeia, de uma interpretação autónoma e uniforme, que tenha em conta não só os termos dessa disposição mas também o seu contexto e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., neste sentido, Acórdão de 21 de outubro de 2020, Möbel Kraft, C‑529/19, EU:C:2020:846, n.o 21 e jurisprudência aí referida).

29      Daí resulta que a natureza jurídica atribuída pelo direito nacional a uma prestação fornecida por um profissional a um consumidor não pode, de qualquer modo, ter influência na interpretação do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83.

30      Em primeiro lugar, quanto à questão de saber se a cessão a um consumidor de um direito de acesso a uma atividade de lazer por um intermediário que atua por conta do organizador dessa atividade constitui uma prestação de serviços ligados a esta última, na aceção do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83, importa, por um lado, verificar se essa relação contratual entre o intermediário e o consumidor pode ser abrangida pelo conceito de «contrato de prestação de serviços», definido no artigo 2.o, ponto 6, dessa diretiva.

31      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este conceito é definido de forma ampla, no sentido de que abrange qualquer contrato, que não seja um contrato de compra e venda, na aceção do artigo 2.o, ponto 5, da Diretiva 2011/83, nos termos do qual o profissional presta ou se compromete a prestar um serviço ao consumidor e o consumidor paga ou se compromete a pagar o respetivo preço [v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2020, NK (Projeto de casa individual), C‑208/19, EU:C:2020:382, n.o 62 e jurisprudência aí referida].

32      De acordo com o artigo 2.o, ponto 5, da Diretiva 2011/83, o conceito de «contrato de compra e venda» é definido como qualquer contrato nos termos do qual o profissional transfere ou se compromete a transferir a propriedade dos bens para o consumidor e o consumidor paga ou se compromete a pagar o respetivo preço, incluindo os contratos que tenham simultaneamente por objeto bens e serviços. Por outro lado, o conceito de «bem» é definido no artigo 2.o, ponto 3, dessa diretiva no sentido de que visa, em princípio, qualquer bem móvel corpóreo, com exceção dos objetos vendidos sob penhora ou de qualquer outra forma por autoridade judicial.

33      No caso, resulta da decisão de reenvio que a relação contratual entre DM e a CTS Eventim tem por objeto, a título de obrigação essencial desta última, a cessão do direito de acesso à atividade de lazer inscrita nos bilhetes em causa no processo principal.

34      Por conseguinte, há que considerar que uma relação contratual como essa, que tem por objeto essencialmente a cessão de um direito e não de um bem, se integra supletivamente no conceito de «contrato de prestação de serviços», na aceção do artigo 2.o, ponto 6, da Diretiva 2011/83. Assim, a sua execução pelo profissional constitui uma prestação de serviços, na aceção do seu artigo 16.o, alínea l).

35      Há que precisar, a esse respeito, que o facto de um direito ou de autorizações serem comprovados por documentos que, como tais, podem ser objeto de trocas comerciais não basta para os incluir no âmbito de aplicação das disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias em vez das relativas à livre prestação de serviços (v., neste sentido, Acórdão de 21 de outubro de 1999, Jägerskiöld, C‑97/98, EU:C:1999:515, n.os 35 e 36).

36      Por outro lado, há que verificar se a cessão de um direito de acesso a uma atividade de lazer por um intermediário que atua por conta do organizador dessa atividade pode ser considerada um serviço ligado a esta última, na aceção do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83.

37      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as diferentes categorias de serviços enumeradas nessa disposição correspondem a exceções setoriais que visam, de um modo geral, os serviços prestados nos setores em causa, exceto aqueles cuja execução não é devida numa data ou num período especificado (v., por analogia, Acórdão de 10 de março de 2005, EasyCar, C‑336/03, EU:C:2005:150, n.os 22 e 24).

38      Na medida em que o artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 abrange, assim, em princípio, todos os serviços prestados no setor das atividades de lazer, resulta da utilização do termo «relacionados» que a exceção prevista nessa disposição não se limita apenas aos serviços que visam diretamente a realização de uma atividade de lazer enquanto tal.

39      Por conseguinte, há que concluir que a cessão de um direito de acesso a uma atividade de lazer constitui, em si mesma, um serviço relacionado com essa atividade, na aceção do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83.

40      Em contrapartida, não resulta da redação dessa disposição em que medida esse serviço, não deixando de estar abrangido por essa disposição, pode ser prestado por uma pessoa diferente do próprio organizador da atividade de lazer.

41      A este propósito, no que respeita ao contexto do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83, refira‑se que, segundo o seu artigo 6.o, n.o 1, alíneas c) e d), todos os profissionais devem, antes de o consumidor ficar vinculado por um contrato à distância ou celebrado fora do estabelecimento comercial ou por uma proposta do mesmo tipo, comunicar‑lhe, se for caso disso, nomeadamente, a identidade do profissional por conta de quem atua.

42      Assim, a Diretiva 2011/83 prevê expressamente a possibilidade de um contrato abrangido pelo seu âmbito de aplicação ser celebrado por um profissional no âmbito da execução de uma relação contratual nos termos da qual atua por conta de outro profissional.

43      Daí resulta que o facto de um serviço não ser prestado pelo próprio organizador de uma atividade de lazer, mas sim por um intermediário que atua por conta deste, não se opõe a que se possa considerar que esse serviço está relacionado com essa atividade.

44      Além disso, no que respeita ao objetivo prosseguido pelo artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83, refira‑se que, como resulta do considerando 49 desta diretiva, esse objetivo consiste em proteger o profissional contra o risco associado à reserva de determinadas capacidades que este possa ter dificuldades em preencher em caso de exercício do direito de retratação, nomeadamente no que respeita a acontecimentos culturais ou desportivos.

45      Resulta também da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 visa, nomeadamente, instituir uma proteção dos interesses dos fornecedores de determinados serviços, para que estes não sofram os inconvenientes desproporcionados ligados à anulação, sem despesas nem motivos, de um serviço que deu origem a uma reserva prévia, em consequência de uma retratação do consumidor pouco tempo antes da data prevista para a prestação desse serviço (v., por analogia, Acórdão de 10 de março de 2005, EasyCar, C‑336/03, EU:C:2005:150, n.o 28).

46      Resulta dos dois números anteriores que a exceção ao direito de retratação prevista nessa disposição só pode ser aplicada aos serviços prestados em cumprimento de uma obrigação contratual em relação ao consumidor, cuja extinção por via de retratação, em conformidade com o artigo 12.o, alínea a), da Diretiva 2011/83, faça pesar o risco associado à reserva das capacidades assim liberadas sobre o organizador da atividade em causa.

47      Por conseguinte, só na medida em que esse risco pese sobre o organizador da atividade em causa é que a cessão de um direito de acesso a esta por um intermediário pode constituir um serviço relacionado com essa atividade, na aceção do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83.

48      A este respeito, é indiferente saber se, à data em que o consumidor invoca o seu direito de retratação, seria possível ao profissional, eventualmente, preencher de outro modo as capacidades que seriam liberadas devido ao exercício desse direito, nomeadamente através da revenda dos bilhetes em causa a outros clientes. Com efeito, a aplicação do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 não pode depender dessa apreciação das circunstâncias de cada caso concreto.

49      No caso, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, por força das estipulações contratuais que ligam a CTS Eventim ao organizador do concerto cuja anulação está na origem do litígio no processo principal, esse organizador tem de exonerar a CTS Eventim de qualquer responsabilidade em caso de pedido de reembolso do preço de um bilhete apresentado por um comprador. Assim, em caso de resolução do contrato em causa no processo principal na sequência de uma retratação por parte de DM, compete ao organizador do concerto reembolsar a DM o preço de compra dos bilhetes adquiridos à CTS Eventim.

50      Nestas condições, há que concluir que, sem prejuízo das verificações que cabem ao órgão jurisdicional de reenvio, a cessão, pela CTS Eventim a DM, do direito de acesso ao concerto cuja anulação está na origem do litígio no processo principal constitui um serviço relacionado com uma atividade de lazer, na aceção do artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83.

51      Em segundo lugar, quanto à questão de saber se se deve considerar que um contrato como o que está em causa no processo principal prevê uma data ou um período de execução específico, há que observar que, pelo seu objeto, um contrato relativo à cessão de um direito de acesso a uma atividade de lazer deve necessariamente ser executado durante o período que se situa entre a data da cessão e a data em que deve decorrer a atividade a que esse direito dá acesso.

52      A esse respeito, é indiferente saber se o direito de acesso é cedido pelo próprio organizador da atividade recreativa ou por um intermediário.

53      Por conseguinte, há que considerar que um contrato relativo à cessão de um direito de acesso a uma atividade de lazer celebrado por um intermediário que atua em seu nome, mas por conta do organizador dessa atividade, prevê uma data ou um período de execução específico, uma vez que está previsto essa atividade decorrer numa data ou num período específico.

54      Ora, como resulta da decisão de reenvio, é esse o caso no processo principal, uma vez que estava previsto o concerto ao qual os direitos cedidos pela CTS Eventim a DM davam acesso decorrer numa data precisa.

55      Tendo em conta todas estas considerações, há que responder à questão submetida que o artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83 deve ser interpretado no sentido de que a exceção ao direito de retratação prevista nessa disposição é oponível a um consumidor que celebrou, com um intermediário que atua em seu nome, mas por conta do organizador de uma atividade de lazer, um contrato à distância relativo à aquisição de um direito de acesso a essa atividade, desde que, por um lado, a extinção por retratação, em conformidade com o artigo 12.o, alínea a), dessa diretiva, da obrigação de executar esse contrato relativamente ao consumidor faça pesar o risco associado à reserva das capacidades assim liberadas sobre o organizador da atividade em causa e, por outro, esteja previsto que a atividade de lazer a que esse direito dá acesso decorrerá numa data ou num período específico.

 Quanto às despesas

56      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

O artigo 16.o, alínea l), da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que a exceção ao direito de retratação prevista nessa disposição é oponível a um consumidor que celebrou, com um intermediário que atua em seu nome, mas por conta do organizador de uma atividade de lazer, um contrato à distância relativo à aquisição de um direito de acesso a essa atividade, desde que, por um lado, a extinção por retratação, em conformidade com o artigo 12.o, alínea a), dessa diretiva, da obrigação de executar esse contrato relativamente ao consumidor faça pesar o risco associado à reserva das capacidades assim liberadas sobre o organizador da atividade em causa e, por outro, esteja previsto que a atividade de lazer a que esse direito dá acesso decorrerá numa data ou num período específico.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.