Language of document : ECLI:EU:C:2024:339

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

18 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Nacional do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte residente num Estado‑Membro — Artigos 20.o e 22.o TFUE — Direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu no Estado‑Membro de residência — Artigo 50.o TUE — Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica — Consequências da saída de um Estado‑Membro da União — Eliminação dos cadernos eleitorais no Estado‑Membro de residência — Artigo 39.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Validade da Decisão (UE) 2020/135»

No processo C‑716/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo tribunal judiciaire d’Auch (Tribunal Judicial de Auch, França), por Decisão de 15 de novembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de novembro de 2022, no processo

EP

contra

Préfet du Gers,

Institut national de la statistique et des études économiques (INSEE),

sendo interveniente:

Commune de Thoux, representada pelo maire de Thoux,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: N. Piçarra, presidente de secção, N. Jääskinen (relator) e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: N. Mundhenke, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de novembro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de EP, por J.‑N. Caubet‑Hilloutou e J. Fouchet, avocats,

–        em representação do Governo Francês, por B. Fodda, J. Illouz, E. Leclerc e S. Royon, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Romeno, por E. Gane, O.‑C. Ichim e A. Wellman, na qualidade de agentes,

–        em representação do Conselho da União Europeia, por M. Bauer, J. Ciantar e R. Meyer, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por H. Krämer, E. Montaguti e A. Spina, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade da Decisão (UE) 2020/135 do Conselho, de 30 de janeiro de 2020, relativa à celebração do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 1), bem como a interpretação desta decisão, do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7), adotado em 17 de outubro de 2019 e que entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020 (a seguir «Acordo de Saída»), do artigo 6.o, n.o 3, TUE, do artigo 1.o do Ato relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto, anexo à Decisão 76/787/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 20 de setembro de 1976 (JO 1976, L 278, p. 1), conforme alterado pela Decisão 2002/772/CE, Euratom do Conselho, de 25 de junho de 2002 e de 23 de setembro de 2002 (JO 2002, L 283, p. 1) (a seguir «Ato Eleitoral»), dos artigos 1.o, 7.o, 11.o, 21.o, 39.o, 41.o e 52.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como dos Acórdãos de 12 de setembro de 2006, Espanha/Reino Unido (C‑145/04, EU:C:2006:543), e de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers e Institut national de la statistique et des études économiques (C‑673/20, a seguir «Acórdão Préfet du Gers I», EU:C:2022:449).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe EP, uma nacional do Reino Unido que reside, desde 1984, em França, ao préfet du Gers (Prefeito do Departamento do Gers, França) e ao Institut national de la statistique et des études économiques (Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Económicos, França) (a seguir «INSEE») a respeito da eliminação de EP dos cadernos eleitorais em França e da recusa da sua reinscrição nos cadernos eleitorais complementares em causa.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Tratados UE e FUE

3        O artigo 6.o, n.o 3, TUE tem a seguinte redação:

«Do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais[, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»),] e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros.»

4        O artigo 9.o TUE dispõe:

«[…] É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro. A cidadania da União acresce à cidadania nacional e não a substitui.»

5        O artigo 50.o TUE prevê:

«1.      Qualquer Estado‑Membro pode decidir, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, retirar‑se da União [Europeia].

2.      Qualquer Estado‑Membro que decida retirar‑se da União notifica a sua intenção ao Conselho Europeu. Em função das orientações do Conselho Europeu, a União negocia e celebra com esse Estado um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União. Esse acordo é negociado nos termos do n.o 3 do artigo 218.o [TFUE]. O acordo é celebrado em nome da União pelo Conselho [da União Europeia], deliberando por maioria qualificada, após aprovação do Parlamento Europeu.

3.      Os Tratados deixam de ser aplicáveis ao Estado em causa a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída ou, na falta deste, dois anos após a notificação referida no n.o 2, a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Estado‑Membro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo.

[…]»

6        O artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE enuncia:

«No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.»

7        Nos termos do artigo 20.o TFUE:

«1.      É instituída a cidadania da União. É cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro. A cidadania da União acresce à cidadania nacional e não a substitui.

2.      Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos nos Tratados. Assistem‑lhes, nomeadamente:

[…]

b)      O direito de eleger e ser eleitos nas eleições para o Parlamento Europeu, bem como nas eleições municipais do Estado‑Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado;

[…]»

8        O artigo 22.o TFUE prevê:

«1.      Qualquer cidadão da União residente num Estado‑Membro que não seja o da sua nacionalidade goza do direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais do Estado‑Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. […]

2.      […] [Q]ualquer cidadão da União residente num Estado‑Membro que não seja o da sua nacionalidade, goza do direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu no Estado‑Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. […]»

 Carta

9        O artigo 39.o da Carta, sob a epígrafe «Direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu», dispõe, no seu n.o 1:

«Todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de serem eleitos para o Parlamento Europeu no Estado‑Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.»

 Acordo de Saída

10      O Acordo de Saída foi aprovado em nome da União e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA) pela Decisão 2020/135.

11      A parte I deste Acordo, intitulada «Disposições comuns», inclui os artigos 1.o a 8.o do mesmo. Nos termos do artigo 2.o, alíneas c) a e), do referido Acordo:

«Para efeitos do presente Acordo, entende‑se por:

[…]

c)      “Cidadão da União”: qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro;

[…]

e)      “Período de transição”, o período previsto no artigo 126.o».

12      A parte II do Acordo de Saída, intitulada «Direitos dos cidadãos», é composta pelos artigos 9.o a 39.o do mesmo. O artigo 9.o, alíneas c) e d), deste Acordo dispõe:

«Para efeitos da presente parte, e sem prejuízo do título III, entende‑se por:

[…]

c)      “Estado de acolhimento”:

i)      no que respeita aos cidadãos da União e membros das suas famílias, o Reino Unido, caso estes tenham exercido o seu direito de residência nesse país, em conformidade com o direito da União, antes do termo do período de transição, e continuem a residir no país após esse período,

ii)      no que respeita aos nacionais do Reino Unido e membros das suas famílias, o Estado‑Membro no qual estes tenham exercido o seu direito de residência, em conformidade com o direito da União, antes do termo do período de transição, e no qual continuem a residir após esse período;

d)      “Estado de emprego”:

i)      no que respeita aos cidadãos da União, o Reino Unido, caso estes tenham exercido uma atividade económica como trabalhadores fronteiriços nesse país antes do termo do período de transição, e continuem a exercê‑la após esse período,

ii)      no que respeita aos nacionais do Reino Unido, um Estado‑Membro no qual estes tenham exercido uma atividade económica como trabalhadores fronteiriços antes do termo do período de transição, e no qual continuem a exercê‑la após esse período».

13      O artigo 10.o do referido acordo, intitulado «Âmbito de aplicação pessoal», prevê:

«1.      Sem prejuízo do título III, a presente parte é aplicável às seguintes pessoas:

a)      Cidadãos da União que tenham exercido o seu direito de residir no Reino Unido, em conformidade com o direito da União, antes do termo do período de transição, e que continuem a residir no país após esse período;

b)      Nacionais do Reino Unido que tenham exercido o seu direito de residir num Estado‑Membro, em conformidade com o direito da União, antes do termo do período de transição, e que continuem a residir no país após esse período;

[…]»

14      O artigo 12.o do Acordo de Saída, sob a epígrafe «Não‑discriminação», enuncia:

«No âmbito da presente parte, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, na aceção do artigo 18.o, primeiro parágrafo, [TFUE], no Estado de acolhimento e no Estado de emprego, no que respeita às pessoas referidas no artigo 10.o do presente Acordo.»

15      Os artigos 13.o a 39.o deste Acordo incluem as disposições que concretizam o conteúdo dos direitos de que gozam as pessoas visadas na parte II do referido Acordo.

16      O artigo 126.o do mesmo Acordo, sob a epígrafe «Período de transição», dispõe:

«É estabelecido um período de transição ou de execução, com início na data de entrada em vigor do presente Acordo e termo em 31 de dezembro de 2020.»

17      O artigo 127.o do Acordo de Saída, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação da transição», prevê:

«1.      Salvo disposição em contrário do presente Acordo, o direito da União é aplicável ao Reino Unido e no seu território durante o período de transição.

No entanto, as seguintes disposições dos Tratados, bem como dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União, não são aplicáveis ao Reino Unido e no seu território durante o período de transição:

[…]

b)      O artigo 11.o, n.o 4, [TUE], o artigo 20.o, n.o 2, alínea b), o artigo 22.o e o artigo 24.o, primeiro parágrafo, [TFUE], os artigos 39.o e 40.o da [Carta] e os atos adotados com base nessas disposições.

[…]

6.      Salvo disposição em contrário do presente Acordo, durante o período de transição, as referências a Estados‑Membros no direito da União aplicável nos termos do n.o 1, incluindo as disposições transpostas e aplicadas pelos Estados‑Membros, entendem‑se como incluindo o Reino Unido.»

18      Por força do artigo 185.o deste Acordo, o mesmo entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020. Por outro lado, resulta do quarto parágrafo deste artigo que a parte II do referido Acordo é aplicável a partir do termo do período de transição.

 Ato Eleitoral

19      Nos termos do artigo 1.o do Ato Eleitoral:

«1.      Em cada Estado‑Membro, os deputados do Parlamento Europeu são eleitos por escrutínio, de listas ou de voto único transferível, de tipo proporcional.

2.      Os Estados‑Membros podem autorizar o escrutínio de lista preferencial, segundo as regras que adotarem.

3.      A eleição processa‑se por sufrágio universal direto, livre e secreto.»

20      Em conformidade com o artigo 7.o, primeiro parágrafo, deste Ato, sob reserva do nele disposto, o processo eleitoral é regulado, em cada Estado‑Membro, pelas disposições nacionais.

 Direito francês

21      O artigo 2.o da loi no 77‑729, du 7 juillet 1977, relative à l’élection des représentants au Parlement européen (Lei n.o 77‑729, de 7 de julho de 1977, relativa à Eleição dos Representantes ao Parlamento Europeu) (JORF de 8 de julho de 1977, p. 3579), conforme alterada pela loi no 2018‑509, du 25 juin 2018 (Lei n.o 2018‑509, de 25 de junho de 2018) (JORF de 26 de junho de 2018, texto n.o 1) (a seguir «Lei n.o 77‑729»), prevê:

«A eleição dos representantes ao Parlamento Europeu prevista no [Ato Eleitoral] aplicável por força da loi no 77‑680 du 30 juin 1977 [autorisant l’approbation des dispositions annexées à la décision du Conseil des communautés européennes du 20 septembre 1976 et relatives à l’élection des représentants au Parlement européen (Lei n.o 77‑680, de 30 de junho de 1977, que autoriza a Aprovação das Disposições Anexas à Decisão do Conselho das Comunidades Europeias de 20 de setembro de 1976 e relativas à Eleição dos Representantes ao Parlamento Europeu) (JORF de 1 de julho de 1977, p. 3479)] rege‑se pelo título I do livro I do code électoral (Código Eleitoral) e pelas disposições dos capítulos seguintes. O prazo de dois meses previsto no primeiro parágrafo do artigo L. 118‑2 do mesmo código é alargado para quatro meses.

Todavia, os eleitores franceses residentes noutro Estado da União Europeia não participam no escrutínio em França, nem no escrutínio organizado nas condições previstas no artigo 23.o da presente lei, se tiverem sido autorizados a exercer o seu direito de voto na eleição dos representantes ao Parlamento Europeu do seu Estado de residência.»

22      O artigo 2.o‑1 da Lei n.o 77‑729 dispõe:

«Os nacionais de um Estado‑Membro da União Europeia que não a França, que residam no território francês, podem participar na eleição dos representantes da França ao Parlamento Europeu nas mesmas condições que os eleitores franceses, sem prejuízo das modalidades especiais previstas, no que lhes diz respeito, na presente lei.

As pessoas mencionadas no primeiro parágrafo são consideradas residentes em França se aí tiverem o seu domicílio efetivo ou residência contínua.»

23      O artigo 2.o‑2 da Lei n.o 77‑729 enuncia:

«Para exercer o seu direito de voto, as pessoas referidas no artigo 2.o‑1 devem ser inscritas, a seu pedido, nos cadernos eleitorais complementares. Podem requerer o seu recenseamento se gozarem de capacidade eleitoral no seu Estado de origem e se preencherem os requisitos legais, com exceção da nacionalidade, para serem eleitores e estarem inscritos num caderno eleitoral em França.»

24      Por força do artigo L 16, n.o III, ponto 2, do Código Eleitoral, conforme alterado pela loi no 2016‑1048, du 1er août 2016, rénovant les modalités d’inscription sur les listes électorales (Lei n.o 2016‑1048, de 1 de agosto de 2016, que renova as Modalidades de Inscrição nos Cadernos Eleitorais) (JORF de 2 de agosto de 2016, texto n.o 3), o INSEE é competente para eliminar do caderno eleitoral único os eleitores falecidos e os eleitores que deixaram de ter direito de voto.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

25      EP, nacional do Reino Unido, reside em França desde 1984 e é casada com um cidadão francês. Não pediu nem obteve a nacionalidade francesa.

26      Na sequência da entrada em vigor do Acordo de Saída, em 1 de fevereiro de 2020, EP foi eliminada, com efeitos a partir dessa data, dos cadernos eleitorais em França. Não foi, assim, autorizada a participar nas eleições municipais que ali se realizaram em 15 de março de 2020.

27      Em 6 de outubro de 2020, EP apresentou um pedido destinado a obter a sua reinscrição nos cadernos eleitorais complementares reservados aos cidadãos não franceses da União.

28      Por Decisão de 7 de outubro de 2020, o maire de la commune de Thoux (presidente da Câmara Municipal de Thoux, França) indeferiu esse pedido.

29      Em 9 de novembro de 2020, EP impugnou essa decisão no tribunal judiciaire d’Auch (Tribunal Judicial de Auch, França), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Esse órgão jurisdicional submeteu ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial relativo ao direito de voto e de elegibilidade dos nacionais do Reino Unido nas eleições municipais e europeias organizadas em França, ao qual o Tribunal de Justiça respondeu através do Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I (C‑673/20, EU:C:2022:449).

30      Na sequência desse acórdão, EP pediu ao órgão jurisdicional de reenvio que submetesse novamente ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial para que este se pronunciasse sobre a questão da validade do Acordo de Saída no âmbito específico das eleições para o Parlamento Europeu.

31      EP admite que resulta do Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I (C‑673/20, EU:C:2022:449), que os nacionais do Reino Unido perderam a cidadania europeia e o direito de voto e de elegibilidade nas eleições municipais no seu Estado‑Membro de residência.

32      No órgão jurisdicional de reenvio, EP alega que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a questão do direito de voto e de elegibilidade dos nacionais do Reino Unido nas eleições para o Parlamento Europeu no seu Estado‑Membro de residência e que, neste contexto, importa tomar em consideração o Acórdão do TEDH, de 18 de fevereiro de 1999, Matthews c. Reino Unido (CE:ECHR:1999:0218JUD002483394), bem como o Acórdão de 12 de setembro de 2006, Espanha/Reino Unido (C‑145/04, EU:C:2006:543).

33      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta desses acórdãos que se pode considerar que uma pessoa com residência estável no território da União pertence a um «corpo legislativo», in casu, europeu. Neste contexto, as medidas que os Estados podem adotar para restringir o direito de voto devem ser proporcionadas ao objetivo prosseguido, sem prejudicar a própria substância deste direito e privá‑lo da sua efetividade. Ora, a aplicação ao presente caso das disposições do Acordo de Saída constitui uma violação desproporcionada do direito fundamental de voto de EP.

34      Nestas condições, o tribunal judiciaire d’Auch (Tribunal Judicial de Auch) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1)      A Decisão [2020/135] é parcialmente inválida pelo facto de o [Acordo de Saída] violar os artigos 1.o, 7.o, 11.o, 21.o, 39.o e 41.o da [Carta], o artigo 6.o, n.o 3[, TFUE] e o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 52.o da referida Carta, uma vez que não contém uma disposição que permita conservar o direito de voto nas eleições europeias dos cidadãos [do Reino Unido] que exerceram o seu direito de livre circulação e de livre instalação no território de outro Estado‑Membro, independentemente de esse Estado autorizar ou não a dupla nacionalidade, em particular no que se refere aos cidadãos que residem no território de outro Estado‑Membro há mais de quinze anos e que estão sujeitos à lei [do Reino Unido] designada “15 year rule”, agravando assim a privação de qualquer direito de voto àqueles que não tiveram o direito de se opor pelo voto à perda da sua cidadania europeia e aos que juraram lealdade à Coroa [do Reino Unido]?

2)      Devem a Decisão 2020/135, o [Acordo de Saída], o artigo 1.o do [Ato Eleitoral], o Acórdão [de 12 de setembro de 2006, Espanha/Reino Unido (C‑145/04, EU:C:2006:543)], os artigos 1.o, 7.o, 11.o, 21.o, 39.o e 41.o da [Carta], o artigo 6.o, n.o 3[, TFUE] e o Acórdão [de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I (C‑673/20 EU:C:2022:449)], ser interpretados no sentido de que privam os antigos cidadãos da União Europeia que exerceram os seus direitos de livre circulação e de livre instalação no território da União Europeia do direito de voto e de elegibilidade nas eleições europeias num Estado‑Membro, mais precisamente os antigos cidadãos da União Europeia que deixaram de ser titulares de qualquer direito de voto pelo facto de terem a sua vida privada e familiar no território da União há mais de quinze anos e que não puderam opor‑se pelo voto à saída do seu Estado‑Membro da União Europeia, o que implicou a perda da sua cidadania europeia?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à segunda questão

35      Com a segunda questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Acordo de Saída, lido à luz da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, desde a saída do Reino Unido da União, em 1 de fevereiro de 2020, os nacionais deste Estado que exerceram o direito de residir num Estado‑Membro antes do termo do período de transição deixaram de beneficiar do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu no respetivo Estado‑Membro de residência.

36      A título preliminar, importa notar que, no caso em apreço, EP não tem a nacionalidade de nenhum Estado‑Membro e, por conseguinte, não é cidadã da União, nem na aceção do artigo 9.o TUE nem na do artigo 2.o, alínea c), do Acordo de Saída. Em contrapartida, exerceu o direito de residir num Estado‑Membro antes do termo do período de transição compreendido, em conformidade com o artigo 2.o, alínea e), deste Acordo, lido em conjugação com o artigo 126.o do mesmo, entre 1 de fevereiro e 31 de dezembro de 2020.

37      Ora, o Tribunal de Justiça já declarou, no n.o 83 do Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I (C‑673/20, EU:C:2022:449), que os artigos 9.o e 50.o TUE, bem como os artigos 20.o a 22.o TFUE, lidos em conjugação com o Acordo de Saída, devem ser interpretados no sentido de que, a partir da saída do Reino Unido da União, em 1 de fevereiro de 2020, os nacionais deste Estado que exerceram o direito de residir num Estado‑Membro antes do termo deste período de transição deixaram de beneficiar do estatuto de cidadão da União e, mais especificamente, nos termos do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 22.o TFUE, do direito de voto e de elegibilidade nas eleições municipais no respetivo Estado‑Membro de residência, mesmo que também estejam privados, por força do direito do Estado de que são nacionais, do direito de voto nas eleições organizadas por este último Estado.

38      Por conseguinte, há que determinar se esta interpretação também se impõe no que respeita ao direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu dos nacionais do Reino Unido, como EP, no Estado‑Membro de residência.

39      A este respeito, importa salientar, em primeiro lugar, que, em conformidade com o artigo 9.o TUE e o artigo 20.o TFUE, a cidadania da União exige a nacionalidade de um Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.os 46 a 48).

40      O artigo 20.o, n.o 2, e os artigos 21.o e 22.o TFUE atribuem uma série de direitos ao estatuto de cidadão da União, que, de acordo com jurisprudência constante, pretende ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.os 49 e 50 e jurisprudência referida).

41      Os cidadãos da União residentes num Estado‑Membro de que não sejam nacionais beneficiam, nomeadamente, por força do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 22.o, n.o 2, TFUE, do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu no respetivo Estado‑Membro de residência. O artigo 39.o da Carta também reconhece este direito. Em contrapartida, nenhuma destas disposições consagra o referido direito a favor dos nacionais de Estados terceiros.

42      Ora, como o Tribunal de Justiça já declarou, o facto de um particular ter exercido, quando o Estado de que é nacional era um Estado‑Membro, o direito de circular e de permanecer livremente no território de um outro Estado‑Membro não é de molde a permitir‑lhe conservar o estatuto de cidadão da União e todos os direitos que lhe são associados pelo Tratado FUE se, na sequência da saída do seu Estado de origem da União, este deixar de possuir a nacionalidade de um Estado‑Membro (Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 52).

43      Uma vez que os Tratados da União deixaram, por força do artigo 50.o, n.o 3, TUE, de serem aplicáveis ao Reino Unido na data da entrada em vigor do Acordo de Saída, a saber, em 1 de fevereiro de 2020, os nacionais deste Estado perderam, desde essa data, o estatuto de cidadão da União. Consequentemente, deixam de beneficiar, nos termos do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 22.o TFUE, quer do direito de voto e de elegibilidade nas eleições municipais no respetivo Estado‑Membro de residência (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.os 55 e 58) quer do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu nesse Estado‑Membro.

44      Atentas as interrogações do órgão jurisdicional de reenvio, importa, por um lado, salientar que esta conclusão não é posta em causa pela circunstância de um nacional do Reino Unido, como EP, ficar privado do direito de voto no Reino Unido por força de uma regra do direito deste Estado nos termos da qual um nacional deste último que resida há mais de quinze anos no estrangeiro deixa de ter o direito de participar nas eleições no referido Estado.

45      Com efeito, esta regra resulta de uma opção de direito eleitoral feita por esse antigo Estado‑Membro, atualmente Estado terceiro. Além disso, a perda, pelos nacionais do Reino Unido, do estatuto de cidadão da União e, consequentemente, do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu no respetivo Estado‑Membro de residência é, apenas, consequência automática da decisão soberana do Reino Unido de sair da União, ao abrigo do artigo 50.o, n.o 1, TUE, tornando‑se assim um Estado terceiro à União. Desta forma, nem as autoridades competentes dos Estados‑Membros nem os órgãos jurisdicionais dos mesmos podem ser obrigados a proceder a uma análise individual das consequências da perda do estatuto de cidadão da União para a pessoa em causa, à luz do princípio da proporcionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.os 59 a 62)

46      Por outro lado, o artigo 1.o do Ato Eleitoral, lido em conjugação com o seu artigo 7.o, mais não faz do que confirmar, no seu n.o 1, que os membros do Parlamento Europeu são eleitos segundo as modalidades previstas neste artigo 1.o Por conseguinte, um nacional do Reino Unido, como EP, não pode, após a saída deste Estado da União, beneficiar do direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu no seu Estado‑Membro de residência com base no referido artigo 1.o

47      Em segundo lugar, importa salientar que, à semelhança do direito de voto e de elegibilidade nas eleições municipais em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I (C‑673/20, EU:C:2022:449), o Acordo de Saída não contém nenhuma disposição que confira aos nacionais do Reino Unido que exerceram o direito de residir num Estado‑Membro em conformidade com o direito da União antes do termo do período de transição o direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu no respetivo Estado‑Membro de residência.

48      Por conseguinte, os Estados‑Membros deixaram de estar obrigados, a partir de 1 de fevereiro de 2020, a equiparar os nacionais do Reino Unido aos nacionais de um Estado‑Membro para efeitos da aplicação do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 22.o TFUE, bem como dos artigos 39.o e 40.o da Carta, e, por conseguinte, a conferir aos nacionais do Reino Unido residentes no seu território o direito, reconhecido por estas disposições às pessoas que, enquanto nacionais de um Estado‑Membro, têm o estatuto de cidadão da União, de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu e nas eleições municipais (Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 71).

49      Esta interpretação do Acordo de Saída não pode ser posta em causa pelas diversas disposições do direito primário da União nem pela jurisprudência mencionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

50      A este respeito, importa notar, desde logo, que, embora, como confirma o artigo 6.o, n.o 3, TUE, os direitos fundamentais reconhecidos pela CEDH façam parte do direito da União enquanto princípios gerais e o artigo 52.o, n.o 3, da Carta disponha que os direitos nela contidos que correspondam a direitos garantidos pela CEDH têm o mesmo sentido e o mesmo alcance que os que lhes são conferidos pela referida Convenção, esta não constitui, enquanto a União não lhe aderir, um instrumento jurídico formalmente integrado na ordem jurídica da União (Acórdão de 16 de julho de 2020, Facebook Ireland e Schrems, C‑311/18, EU:C:2020:559, n.o 98 e jurisprudência referida).

51      Nestas condições, o Tribunal de Justiça declarou que a interpretação do direito da União e o exame da validade dos atos da União devem ser realizados à luz dos direitos fundamentais garantidos pela Carta (Acórdão de 16 de julho de 2020, Facebook Ireland e Schrems, C‑311/18, EU:C:2020:559, n.o 99 e jurisprudência referida).

52      Feita esta precisão, quanto, primeiro, ao artigo 21.o da Carta que consagra o princípio da não discriminação, igualmente previsto no artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE, importa recordar que a proibição, enunciada no artigo 12.o do Acordo de Saída, de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, na aceção deste artigo 18.o, primeiro parágrafo, no Estado de acolhimento, na aceção do artigo 9.o, alínea c), deste Acordo, e no Estado de emprego, conforme definido no seu artigo 9.o, alínea d), no que toca às pessoas referidas no artigo 10.o do mencionado acordo, diz respeito, segundo os próprios termos deste artigo 12.o, à parte II do mesmo Acordo (Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 76).

53      Ora, há que constatar que, à semelhança do direito de voto e de elegibilidade nas eleições municipais no Estado‑Membro de residência dos nacionais do Reino Unido, referidos no artigo 10.o, alínea b), do Acordo de Saída, o direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu desses nacionais não é abrangido pelo âmbito de aplicação da parte II deste Acordo.

54      Assim, um nacional do Reino Unido, como EP, que exerceu o direito de residir num Estado‑Membro em conformidade com o direito da União antes do termo do período de transição e que depois continua a ali residir, não pode invocar utilmente a proibição de discriminação mencionada no n.o 52 do presente acórdão, ou ainda o artigo 21.o da Carta, para reivindicar o direito de voto e de elegibilidade nas eleições municipais no seu Estado‑Membro de residência, do qual está privado na sequência da decisão soberana do Reino Unido de sair da União (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 77).

55      Por outro lado, também importa especificar que o artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE não se destina a ser aplicado no caso de uma eventual diferença de tratamento entre os nacionais dos Estados‑Membros e os nacionais dos Estados terceiros (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 78 e jurisprudência referida).

56      Segundo, quanto ao artigo 39.o da Carta, há que observar que este artigo figura entre as disposições do direito da União que não se aplicam aos nacionais do Reino Unido, seja durante o período de transição ou posteriormente (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 70 e 75). Por conseguinte, esses nacionais não podem reivindicar o direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu no respetivo Estado‑Membro de residência com base numa interpretação do Acordo de Saída à luz do referido artigo 39.o

57      Terceiro, quanto aos artigos 1.o, 7.o, 11.o e 41.o da Carta mencionados pelo órgão jurisdicional de reenvio, basta verificar que, sob pena de violação dos próprios termos do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 22.o, n.o 2, TFUE, do artigo 39.o da Carta, bem como das disposições do Acordo de Saída, um nacional do Reino Unido, como EP, também não pode reivindicar, com base numa interpretação deste Acordo à luz destes artigos 1.o, 7.o, 11.o e 41.o, o direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu organizadas no seu Estado‑Membro de residência.

58      Quarto e por último, quanto ao Acórdão de 12 de setembro de 2006, Espanha/Reino Unido (C‑145/04, EU:C:2006:543), referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que salientar que a jurisprudência resultante desse acórdão não é transponível para uma situação como a que está em causa no processo principal.

59      Com efeito, no processo que deu origem ao referido acórdão, o Tribunal de Justiça foi interrogado sobre a questão de saber se um Estado‑Membro podia, tendo em conta o estado do direito comunitário no momento dos factos, conferir o direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu a pessoas que não eram cidadãs da União mas que residiam no seu território.

60      Foi neste contexto que o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 78 do mesmo acórdão, «no estádio atual do direito comunitário, a determinação dos titulares do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu faz parte da competência de cada Estado‑Membro no respeito do direito comunitário, e que os artigos 189.o CE, 190.o CE, 17.o CE e 19.o CE não se opõem a que os Estados‑Membros concedam esse direito de voto e de elegibilidade a determinadas pessoas que têm vínculos estreitos com esses Estados, que não sejam os seus próprios nacionais ou cidadãos da União residentes no seu território».

61      Diferentemente do processo que deu origem ao Acórdão de 12 de setembro de 2006, Espanha/Reino Unido (C‑145/04, EU:C:2006:543), o presente processo não tem por objeto a questão de saber se os Estados‑Membros podem conferir o direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu a pessoas que não são cidadãs da União mas a de saber se esses Estados‑Membros são obrigados a conferir este direito a pessoas que deixaram de ser cidadãs da União, a saber, os nacionais do Reino Unido residentes no respetivo território, após a saída deste Estado da União, em 1 de fevereiro de 2020.

62      Atendendo aos fundamentos anteriores, há que responder à segunda questão que o Acordo de Saída, lido à luz da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, desde a saída do Reino Unido da União, em 1 de fevereiro de 2020, os nacionais deste Estado que exerceram o direito de residir num Estado‑Membro antes do termo do período de transição deixaram de beneficiar do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu no respetivo Estado‑Membro de residência.

 Quanto à primeira questão

63      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, à luz do artigo 6.o, n.o 3, TUE, dos artigos 1.o, 7.o, 11.o, 21.o, 39.o e 41.o da Carta, bem como do princípio da proporcionalidade, a Decisão 2020/135 padece de invalidade, uma vez que o Acordo de Saída não confere aos nacionais do Reino Unido que exerceram o direito de residir num Estado‑Membro antes do termo do período de transição o direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu no respetivo Estado‑Membro de residência.

64      A este respeito, no que toca, primeiro, à análise da validade da Decisão 2020/135 à luz do artigo 6.o, n.o 3, TUE e dos artigos 1.o, 7.o, 11.o, 21.o, 39.o e 41.o da Carta, foi salientado nos n.os 50 a 57 do presente acórdão que um nacional do Reino Unido, que, antes do termo do período de transição, exerceu o direito de residir num Estado‑Membro em conformidade com o direito da União, continuando depois a aí residir, não pode invocar, ao abrigo do Acordo de Saída e destes artigos da Carta, o direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu no seu Estado‑Membro de residência.

65      Nestas condições, a Decisão 2020/135 não pode ser considerada contrária aos referidos artigos da Carta, porquanto o Acordo de Saída por ela aprovado não confere aos nacionais desse antigo Estado‑Membro, atualmente Estado terceiro, que exerceram o direito de residir num Estado‑Membro antes do termo do período de transição o direito de voto e de elegibilidade nas eleições municipais no respetivo Estado‑Membro de residência.

66      No que toca, segundo, à análise da validade da Decisão 2020/135 à luz do princípio da proporcionalidade, importa sublinhar que nenhum elemento dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe permite considerar que a União, enquanto parte contratante no Acordo de Saída, excedeu os limites do seu poder de apreciação na condução das relações externas, ao não ter exigido, nesse Acordo, a previsão de um direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu no Estado‑Membro de residência em benefício dos nacionais do Reino Unido que exerceram o direito de residir num Estado‑Membro antes do termo do período de transição.

67      A este respeito, as instituições da União dispõem de uma grande margem de decisão política na condução das relações externas. No exercício das suas prerrogativas neste domínio, essas instituições podem celebrar acordos internacionais baseados, nomeadamente, no princípio da reciprocidade e das vantagens mútuas (Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 99 e jurisprudência referida).

68      Assim, essas instituições não são obrigadas a conceder unilateralmente aos nacionais de países terceiros direitos como o direito de voto e de elegibilidade nas eleições ao Parlamento Europeu no Estado‑Membro de residência, reservado, de resto, apenas aos cidadãos da União, nos termos do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do artigo 22.o TFUE e do artigo 39.o da Carta (v., por analogia, Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 99).

69      Nestas condições, o Conselho da União Europeia não pode ser acusado de ter, com a Decisão 2020/135, aprovado o Acordo de Saída, quando este não confere aos nacionais do Reino Unido o direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu no respetivo Estado‑Membro de residência, seja durante o período de transição ou posteriormente.

70      Terceiro, no que toca à circunstância, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de alguns nacionais do Reino Unido, como EP, estarem privados do direito de voto no Reino Unido em aplicação da regra, referida no n.o 44 do presente acórdão, nos termos da qual um nacional desse Estado que resida há mais de quinze anos no estrangeiro deixa de ter o direito de participar nas eleições no referido Estado, importa salientar que esta circunstância tem origem apenas numa disposição do direito de um Estado terceiro, e não no direito da União. Por conseguinte, a mesma não é relevante para efeitos da apreciação da validade da Decisão 2020/135 (Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers I, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 101).

71      Daqui resulta que a análise da primeira questão não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade da Decisão 2020/135.

 Quanto às despesas

72      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

1)      O Acordo sobre a Saída do Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica, adotado em 17 de outubro de 2019 e que entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020, lido à luz da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que, desde a saída do Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia, em 1 de fevereiro de 2020, os nacionais deste Estado que exerceram o direito de residir num EstadoMembro antes do termo do período de transição deixaram de beneficiar do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu no respetivo EstadoMembro de residência.

2)      A análise da primeira questão prejudicial não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade da Decisão (UE) 2020/135 do Conselho, de 30 de janeiro de 2020, relativa à celebração do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.