Language of document : ECLI:EU:T:2010:355

Processo T‑29/05

Deltafina SpA

contra

Comissão Europeia

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado espanhol da compra e da primeira transformação de tabaco em rama – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE – Fixação dos preços e repartição do mercado – Concordância entre a comunicação de acusações e a decisão impugnada – Direitos de defesa – Definição do mercado em causa – Coimas – Gravidade da infracção – Circunstâncias agravantes – Papel de líder – Cooperação»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Imputação a uma empresa – Decisão da Comissão que constata a responsabilidade de uma empresa activa num mercado situado imediatamente a jusante do mercado pertinente e que contribui activa e deliberadamente para o cartel

[Artigos 3.°, n.° 1, alínea g), CE e 81.°, n.° 1, CE]

2.      Concorrência – Procedimento administrativo – Comunicação de acusações – Conteúdo necessário – Respeito dos direitos de defesa – Alcance

(Regulamentos do Conselho n.° 17 e n.° 1/2003)

3.      Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Acordos entre empresas – Afectação do comércio entre Estados‑Membros – Critérios de apreciação

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

4.      Actos das instituições – Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por infracção às regras de concorrência

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

5.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Apreciação – Apreciação caso a caso

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 3; Comunicação da Comissão 98/C 9/03)

6.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Apreciação – Interdependência dos três critérios expressamente mencionados pelas orientações elaboradas pela Comissão – Qualificação de uma infracção como muito grave – Papel primordial do critério relativo à natureza da infracção

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 3; Comunicação da Comissão 98/C 9/03)

7.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Impacto concreto no mercado

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 3; Comunicação da Comissão 96/C 207/04, ponto 1 A, primeiro parágrafo)

8.      Concorrência – Coimas – Quadro jurídico – Determinação – Incidência da prática decisória anterior da Comissão – Inexistência

(Regulamentos do Conselho n.° 17 e n.° 1/2003)

9.      Actos das instituições – Fundamentação – Dever – Alcance

(Artigo 253.° CE)

10.    Concorrência – Procedimento administrativo – Comunicação de acusações – Conteúdo necessário – Respeito dos direitos de defesa

(Regulamentos do Conselho n.° 17 e n.° 1/2003; Comunicação da Comissão 98/C 9/03, ponto 2)

11.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias agravantes – Papel de líder da infracção – Conceito

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 3; Comunicação da Comissão 98/C 9/03, ponto 2)

12.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Circunstâncias atenuantes – Apreciação – Necessidade de atender separadamente a cada uma das circunstâncias – Inexistência – Apreciação global

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 3; Comunicação da Comissão 98/C 9/03, ponto 3)

13.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Circunstâncias atenuantes – Comportamento que diverge do concertado no âmbito do acordo – Apreciação

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, e n.° 1/2003, artigo 23.°; Comunicação da Comissão 98/C 9/03, ponto 3, segundo travessão)

14.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Circunstâncias atenuantes – Cessação da infracção antes da intervenção da Comissão – Exclusão

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 3; Comunicação da Comissão 98/C 9/03, ponto 3, terceiro travessão)

15.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Redução do montante da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada – Requisitos

(Regulamentos do Conselho n.° 17 e n.° 1/2003; Comunicação da Comissão 96/C 207/04)

16.    Concorrência – Regras comunitárias – Infracções – Coimas – Determinação – Critérios – Aumento do nível geral das coimas – Admissibilidade – Requisitos

(Artigos 81.°, n.° 1, CE e 82.° CE; Regulamentos do Conselho n.° 17 e n.° 1/2003)

1.      A Comissão não excede os limites da proibição do artigo 81.°, n.° 1, CE no estabelecimento da responsabilidade de uma empresa por uma infracção a esta disposição quando esta, apesar de estar activa no mercado situado imediatamente a jusante daquele em que as práticas restritivas da concorrência controvertidas foram implementadas, participa activa e deliberadamente num cartel entre produtores activos num mercado distinto daquele em que ela própria opera.

Com efeito, uma empresa pode violar a proibição prevista no artigo 81.°, n.° 1, CE quando o seu comportamento, coordenado com o de outras empresas, tenha por finalidade restringir a concorrência num específico mercado pertinente no âmbito do mercado comum, sem que isso pressuponha necessariamente que ela própria exerça a sua actividade no referido mercado pertinente.

Assim, não está excluído que uma empresa possa participar na aplicação de uma restrição da concorrência mesmo quando não limite a sua própria liberdade de acção no mercado em que exerce maioritariamente a sua actividade. Com efeito, qualquer outra interpretação seria susceptível de reduzir o alcance da proibição enunciada no artigo 81.°, n.° 1, CE, numa medida contrária ao seu efeito útil e ao seu objectivo principal, interpretado à luz do artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE, de garantir a manutenção de uma concorrência não falseada no mercado comum, uma vez que não permitiria reagir contra a contribuição activa de uma empresa para uma restrição da concorrência pelo simples facto de essa contribuição não emanar de uma actividade económica que fizesse parte do mercado pertinente em que essa restrição se materializa ou tem por objecto materializar‑se.

Uma leitura dos termos «acordos entre empresas», à luz dos objectivos prosseguidos pelo artigo 81.°, n.° 1, CE e pelo artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE, tende a confirmar a existência de uma concepção de cartel e de empresa autora de uma infracção que não opera uma diferenciação consoante o sector ou o mercado em que as empresas em causa exercem a sua actividade.

A imputação da infracção no seu todo a uma empresa que tenha participado num cartel é conforme às exigências do princípio da responsabilidade pessoal, quando estejam satisfeitas duas condições, a primeira de natureza objectiva e a segunda de natureza subjectiva.

No tocante à primeira condição, esta está preenchida, quanto à relação entre concorrentes que operam no mesmo mercado pertinente e entre esses concorrentes e os seus clientes, quando a empresa participante tenha contribuído para a execução do cartel, ainda que de modo subordinado, acessório ou passivo, por exemplo, através de uma aprovação tácita e pelo facto de não denunciar esse cartel às autoridades.

No tocante à segunda condição, a imputação da infracção no seu todo à empresa participante depende, além disso, da manifestação da sua vontade própria, que demonstre que subscreve, ainda que apenas tacitamente, os objectivos do cartel.

(cf. n.os 48‑49, 51, 57‑58, 62)

2.      O respeito dos direitos de defesa em qualquer processo susceptível de ter como resultado a aplicação de sanções, nomeadamente coimas ou adstrições, exige, nomeadamente, que a comunicação de acusações dirigida pela Comissão a uma empresa à qual pretende aplicar uma sanção pela violação das regras da concorrência contenha os elementos essenciais determinados relativamente a essa empresa, tais como os factos imputados, a qualificação que lhes é dada e os elementos de prova em que a Comissão se baseia, para que essa empresa possa invocar utilmente os seus argumentos no âmbito do procedimento administrativo instaurado contra ela.

Uma violação dos direitos de defesa no decurso do processo administrativo deve ser apreciada à luz das acusações formuladas pela Comissão na comunicação de acusações e na decisão que põe termo ao referido processo. Nestas condições, a constatação da violação dos direitos de defesa pressupõe que a acusação, que a empresa sustenta não lhe ter sido feita na comunicação de acusações, seja formulada pela Comissão na sua decisão final. Uma mera diferença de apresentação dos factos, a qual visa unicamente referi‑los de um modo mais preciso na decisão final, não pode constituir uma modificação material das acusações.

(cf. n.os 113‑115, 120)

3.      Para serem susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros, uma decisão, um acordo ou uma prática devem, com base num conjunto de elementos de facto e de direito, permitir prever, com suficiente grau de probabilidade, que possam exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre as correntes de trocas comerciais entre Estados‑Membros, e isso de modo a que se possa temer que entravem a realização de um mercado único entre Estados‑Membros. É, além disso, necessário que esta influência não seja insignificante. Assim, a afectação das trocas intracomunitárias resulta, em geral, da reunião de diversos factores que, isoladamente considerados, não são necessariamente determinantes.

Com efeito, o artigo 81.°, n.° 1, CE não exige que os cartéis visados por esta disposição tenham afectado sensivelmente as trocas intracomunitárias, mas exige que seja provado que esses cartéis sejam susceptíveis de ter esse efeito.

(cf. n.os 167‑169)

4.      Embora as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.°2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA não possam ser qualificadas de norma jurídica que, de qualquer forma, a Administração está obrigada a observar, enunciam, no entanto, uma norma de conduta indicativa da prática a seguir, à qual a Administração não se pode furtar, num caso específico, sem apresentar razões compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento.

(cf. n.° 230)

5.      O facto de a Comissão ter precisado, através das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.°2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA, a sua abordagem quanto à avaliação da gravidade de uma infracção não impede que aprecie esta última globalmente em função de todas as circunstâncias pertinentes, incluindo os elementos que não são expressamente referidos nas orientações.

(cf. n.° 230)

6.      Os três critérios a tomar em consideração na avaliação da gravidade de uma infracção às regras comunitárias da concorrência, nos termos das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.°2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA, são a própria natureza da infracção, o seu impacto concreto no mercado, quando este for quantificável, e a dimensão do mercado geográfico de referência. Estes três aspectos da avaliação da gravidade da infracção não têm o mesmo peso no quadro do exame global. A natureza da infracção desempenha um papel primordial, nomeadamente, para caracterizar as infracções «muito graves».

A este respeito, resulta da descrição das infracções muito graves pelas orientações que os acordos ou práticas concertadas que visem nomeadamente a fixação dos preços ou a repartição dos mercados podem ser objecto, com fundamento apenas na sua natureza específica, da qualificação de «muito grave», sem que seja necessário caracterizar tais comportamentos através de um impacto ou uma dimensão geográfica particular. Esta conclusão é corroborada pelo facto de que, embora a descrição das infracções graves mencione expressamente o impacto no mercado e os efeitos em amplas zonas do mercado comum, a das infracções muito graves, em contrapartida, não menciona nenhuma exigência de impacto concreto no mercado nem de produção de efeitos numa zona geográfica particular.

Existe uma interdependência entre os três aspectos de avaliação da gravidade da infracção no sentido de que um grau elevado de gravidade relativamente a um ou a outro dos aspectos pode compensar a menor gravidade da infracção sob outros aspectos.

No tocante à extensão do mercado geográfico, este representa unicamente um dos três critérios pertinentes para efeitos da apreciação global da gravidade da infracção e não constitui um critério autónomo, no sentido de serem unicamente as infracções que envolvem a maioria dos Estados‑Membros as susceptíveis de receber a qualificação de «muito graves». Nem o Tratado CE, nem o Regulamento n.° 17 ou o Regulamento n.° 1/2003, nem as orientações, nem a jurisprudência permitem considerar que só as restrições muito extensas geograficamente podem ser assim qualificadas. A dimensão limitada do mercado geográfico em causa não obsta, portanto, à qualificação de «muito grave» da infracção verificada. Esta solução impõe‑se, a fortiori, no tocante à dimensão limitada do mercado do produto em causa, não sendo, em princípio, a dimensão do mercado do produto um elemento que deva obrigatoriamente ser tomado em conta, mas apenas um elemento pertinente entre outros para apreciar a gravidade da infracção e fixar o montante da coima.

Ora, é claro que a infracção imputada às empresas de transformação de tabaco e a uma empresa em causa que conta entre as suas actividades a comercialização do tabaco transformado, que consiste na fixação dos preços das diversas variedades do tabaco em rama num Estado‑Membro e na repartição das quantidades do tabaco em rama a adquirir junto dos produtores, constitui uma infracção muito grave pela sua própria natureza. As infracções deste tipo são qualificadas de particularmente graves, uma vez que comportam uma intervenção directa nos parâmetros essenciais da concorrência no mercado em causa ou de infracções manifestas às regras comunitárias da concorrência.

(cf. n.os 231, 233‑234, 238, 240‑242)

7.      No âmbito da apreciação da gravidade da infracção às regras comunitárias da concorrência para efeitos da determinação do montante da coima, o facto de a Comissão não ter demonstrado de modo jurídico bastante que o cartel teve um impacto concreto no mercado não tem incidência na qualificação da infracção como «muito grave».

A ausência de demonstração bastante de um impacto concreto no mercado não é susceptível de pôr em causa o montante inicial da coima, fixado pela Comissão em função da gravidade da infracção.

(cf. n.os 250‑251)

8.      A prática decisória anterior da Comissão não serve, por si própria, de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência.

(cf. n.os 292, 426)

9.      A fundamentação de uma decisão individual deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, de modo a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz, não somente do seu teor, mas também do contexto no qual o acto foi adoptado e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa.

(cf. n.° 319)

10.    Desde que a Comissão indique expressamente, na sua comunicação de acusações, que vai verificar se há que aplicar coimas às empresas em causa e enuncie os principais elementos de facto e de direito susceptíveis de implicar a aplicação de uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infracção e o facto de ter sido cometida «deliberadamente ou por negligência», cumpre a sua obrigação de respeitar o direito de as empresas serem ouvidas. Agindo assim, dá‑lhes os elementos necessários para se defenderem, não apenas contra uma declaração da existência da infracção, mas igualmente contra o facto de lhes ser aplicada uma coima. Porém, obrigar a Comissão a fornecer às empresas incriminadas, na fase da comunicação de acusações, indicações concretas a respeito do nível das coimas a aplicar traduzir‑se‑ia em lhe impor que antecipasse de modo inapropriado a sua decisão final.

A este propósito, a qualificação de líder atribuída a uma empresa acarreta importantes consequências quanto ao montante da coima a aplicar a esta empresa. Assim, trata‑se, em conformidade com o ponto 2 das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.°2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA, de uma circunstância agravante que determina um aumento não negligenciável do montante de base da coima. De igual modo, nos termos do ponto B, alínea e), da comunicação sobre a cooperação, tal qualificação exclui, à partida, o benefício de uma redução muito importante da coima, mesmo quando a empresa qualificada de líder preencha todas as condições enunciadas para poder obter tal redução. Assim sendo, incumbe à Comissão revelar, na comunicação de acusações, os elementos que entende serem pertinentes, de modo a permitir que a empresa susceptível de ser qualificada de líder do cartel responda a tal alegação. Todavia, tendo em conta o facto de que tal comunicação não deixa de ser apenas uma fase na adopção da decisão final e que não constitui, pois, a posição definitiva da Comissão, não se pode exigir que esta proceda, já nessa fase, a uma qualificação jurídica dos elementos em que, na sua decisão final, se baseará para qualificar uma empresa de líder do cartel.

(cf. n.os 324‑325, 327)

11.    No âmbito da determinação do montante da coima por infracção às regras comunitárias da concorrência, a empresa em causa deve, para ser qualificada de líder, ter representado uma força motriz significativa para o cartel e ter assumido uma responsabilidade particular e concreta no seu funcionamento.

Embora os elementos invocados pela Comissão demonstrem que esta empresa desempenhou um papel activo e directo num cartel, não bastam, porém, para estabelecer que esta sociedade representou uma força motriz significativa para este cartel, nomeadamente quando nenhum elemento nos autos indica que a empresa em causa tomou uma qualquer iniciativa com a finalidade de criar este cartel ou de levar qualquer das outras empresas a aderir a ele, e também quando nenhum elemento nos autos permite estabelecer que a empresa em causa tomou a cargo as actividades que habitualmente se prendem com o exercício do papel de liderança de um cartel, como a presidência de reuniões ou a centralização e a distribuição de certos dados.

(cf. n.os 332‑335)

12.    A Comissão deve, em princípio, respeitar os termos das suas próprias orientações, quando fixa o montante das coimas por infracções às regras comunitárias da concorrência. No entanto, não está previsto nas orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA que a Comissão deva ter sempre em conta, de forma individualizada, cada uma das circunstâncias atenuantes enumeradas no ponto 3 dessas orientações, e, a este título, não é obrigada a conceder uma redução suplementar automática, devendo o carácter adequado de uma eventual redução da coima a título das circunstâncias atenuantes ser apreciado de um ponto de vista global e tendo em conta o conjunto das circunstâncias pertinentes.

Com efeito, a adopção das orientações não retirou pertinência à jurisprudência anterior segundo a qual a Comissão dispõe de um poder de apreciação que lhe permite ter ou não ter em consideração determinados elementos, quando fixa o montante das coimas que tenciona aplicar, nomeadamente em função das circunstâncias específicas do caso.

Deste modo, na falta de indicação de natureza imperativa nas orientações sobre as circunstâncias atenuantes que podem ser tidas em conta, deve‑se considerar que a Comissão conservou uma determinada margem para apreciar de uma forma global a importância de uma eventual redução do montante das coimas a título de circunstâncias atenuantes.

(cf. n.os 347‑348)

13.    No quadro da fixação do montante da coima por infracção às regras comunitárias da concorrência, a Comissão só é obrigada a reconhecer a existência de uma circunstância atenuante, que se deve ao facto de um acordo não ter sido posto em prática, se a empresa que invoca essa circunstância puder demonstrar que se opôs clara e consideravelmente à aplicação desse acordo, ao ponto de ter perturbado o próprio funcionamento deste, e que aparentemente não aderiu ao acordo nem levou, com a sua adesão, outras empresas a aplicar o acordo em causa. Efectivamente, seria demasiado fácil às empresas minimizar o risco de ter de pagar uma pesada coima se pudessem tirar partido de um acordo ilícito e beneficiar, de seguida, de uma redução da coima por apenas terem desempenhado um papel limitado na execução da infracção, apesar de a sua atitude ter levado outras empresas a comportarem‑se de uma forma mais prejudicial à concorrência.

(cf. n.° 350)

14.    No quadro da fixação do montante da coima por infracção às regras comunitárias da concorrência, a «cessação das infracções desde as primeiras intervenções da Comissão (nomeadamente verificações)», referida no ponto 3, terceiro travessão, das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA, só pode, logicamente, ser uma circunstância atenuante se houver razões para supor que as empresas em causa foram incentivadas a pôr termo aos seus comportamentos anticoncorrenciais pelas intervenções em questão, não estando abrangido por esta disposição das orientações o caso em que a infracção já tinha cessado antes da data das primeiras intervenções da Comissão.

(cf. n.os 354‑355)

15.    A Comissão beneficia de um amplo poder de apreciação no que diz respeito ao método de cálculo das coimas por infracção às regras comunitárias da concorrência e pode, a esse respeito, ter em conta múltiplos elementos, entre os quais figura a cooperação das empresas em causa durante a investigação conduzida pelos serviços desta instituição. Com efeito, goza de uma vasta margem de apreciação na valoração da qualidade e da utilidade da cooperação prestada por uma empresa, designadamente em comparação com as contribuições de outras empresas. Para justificar a redução do montante de uma coima a título de cooperação, o comportamento de uma empresa deve facilitar a tarefa da Comissão que consiste em detectar e reprimir as referidas infracções. No âmbito da apreciação da cooperação prestada pelas empresas, a Comissão não pode desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento, que é violado quando situações comparáveis são tratadas de modo diferente ou quando situações diferentes são tratadas de igual maneira, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas.

(cf. n.os 389‑390, 399)

16.    O facto de, no passado, a Comissão ter aplicado coimas de um certo nível a um determinado tipo de infracções não a pode impedir de elevar este nível, nos limites indicados pelo Regulamento n.° 1/2003, se isso for necessário para assegurar a execução da política comunitária da concorrência.

Os operadores não podem depositar uma confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada pela Comissão no quadro do seu poder de apreciação.

Por conseguinte, as empresas implicadas num procedimento administrativo que possa dar origem a uma coima não podem depositar uma confiança legítima no facto de a Comissão não ultrapassar o nível das coimas praticado anteriormente.

Com efeito, qualquer empresa implicada num procedimento administrativo que possa conduzir à aplicação de uma coima deve ter em conta a possibilidade de a Comissão, a todo o momento, decidir aumentar o nível do montante das coimas relativamente ao aplicado no passado.

(cf. n.os 426, 435)