Language of document : ECLI:EU:C:2009:513

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES Bot

apresentadas em 3 de Setembro de 2009 (1)

Processo C‑341/08

Domnica Petersen

contra

Berufungsausschuss für Zahnärzte für den Bezirk Westfalen‑Lippe

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sozialgericht Dortmund (Alemanha)]

«Directiva 2000/78/CE – Proibição de discriminações em razão da idade – Legislação nacional que fixa em 68 anos a idade máxima para o exercício da actividade de dentista convencionado – Objectivo de protecção da saúde dos pacientes abrangidos pelo regime legal do seguro de doença – Objectivo de preservação do equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença – Objectivo de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado»





1.        Através do presente pedido de decisão prejudicial, o Sozialgericht Dortmund (Alemanha) pretende saber se a Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional (2), deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual a autorização para o exercício da actividade de dentista convencionado expira no final do trimestre em que o dentista convencionado atinge os 68 anos de idade.

2.        A particularidade deste processo reside no facto de, nas suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio considerar a justificação desta legislação apenas à luz do objectivo de protecção da saúde dos pacientes abrangidos pelo regime legal do seguro de doença, na perspectiva da manutenção de um serviço médico de qualidade, devido à presunção de diminuição das capacidades dos dentistas convencionados que tenham atingido os 68 anos de idade.

3.        Nas presentes conclusões, explicarei as razões pelas quais, na minha opinião, não se deve limitar o exame da referida legislação apenas à luz deste aspecto do objectivo de protecção da saúde pública. Demonstrarei que, tendo em conta o contexto geral da legislação nacional em questão no processo principal, a sua justificação deve ser apreciada, prioritariamente, à luz dos dois objectivos principais prosseguidos, a saber, por um lado, o objectivo de preservação do equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença e, por outro, o de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado.

4.        É com base nestes dois objectivos que considero que o artigo 2.°, n.° 2, alínea a), e n.° 5, bem como o artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a tal legislação nacional.

I –    Quadro jurídico

A –    Directiva 2000/78

5.        Nos termos do artigo 1.° da Directiva 2000/78, esta «tem por objecto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à actividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».

6.        O artigo 2.° desta directiva dispõe:

«1.   Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°

2.     Para efeitos do n.° 1:

a)      Considera‑se que existe discriminação directa sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°, uma pessoa seja objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

[…]

5.     A presente directiva não afecta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infracções penais, protecção da saúde e protecção dos direitos e liberdades de terceiros.»

7.        O artigo 3.° da referida directiva, intitulado «Âmbito de aplicação», precisa, no seu n.° 1:

«Dentro dos limites das competências atribuídas à Comunidade, a presente directiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no sector público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

a)      Às condições de acesso ao emprego, ao trabalho independente ou à actividade profissional, incluindo os critérios de selecção e as condições de contratação, seja qual for o ramo de actividade e a todos os níveis da hierarquia profissional, incluindo em matéria de promoção;

[…]

c)      Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração;

[…]»

8.        O artigo 4.° da Directiva 2000/78, intitulado «Requisitos para o exercício de uma actividade profissional», dispõe no seu n.° 1:

«Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 2.°, os Estados‑Membros podem prever que uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.° não constituirá discriminação sempre que, em virtude da natureza da actividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, essa característica constitua um requisito essencial e determinante para o exercício dessa actividade, na condição de o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.»

9.        O artigo 6.° desta directiva, intitulado «Justificação das diferenças de tratamento com base na idade», prevê no seu n.° 1:

«Sem prejuízo do disposto no n.° 2 do artigo 2.°, os Estados‑Membros podem prever que as diferenças de tratamento com base na idade não constituam discriminação se forem objectiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo, incluindo objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objectivo sejam apropriados e necessários.

Essas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente:

a)      O estabelecimento de condições especiais de acesso ao emprego e à formação profissional, de emprego e de trabalho, nomeadamente condições de despedimento e remuneração, para os jovens, os trabalhadores mais velhos e os que têm pessoas a cargo, a fim de favorecer a sua inserção profissional ou garantir a sua protecção;

b)      A fixação de condições mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego;

c)      A fixação de uma idade máxima de contratação, com base na formação exigida para o posto de trabalho em questão ou na necessidade de um período razoável de emprego antes da reforma.»

B –    Direito nacional

10.      A lei relativa à garantia e ao melhoramento das estruturas do regime legal do seguro de doença (Gesetz zur Sicherung und Strukturverbesserung der gesetzlichen Krankenversicherung), de 21 de Dezembro de 1992 (3), introduziu um limite máximo de idade aplicável aos médicos convencionados que consta, desde 14 de Novembro de 2003, do § 95, n.° 7, terceira frase, do livro V do Código da segurança social (Sozialgesetzbuch) (4).

11.      Este artigo prevê que, a partir de 1 de Janeiro de 1999, a autorização para o exercício da medicina em regime convencionado expira no final do trimestre em que o médico convencionado atinge os 68 anos de idade. Nos termos do § 72, n.° 1, segunda frase, do SGB V, esta disposição é aplicável, por analogia, aos dentistas.

12.      O preâmbulo da GSG 1993 tem a seguinte redacção:

«A expansão do número de médicos convencionados é uma das causas essenciais dos aumentos excessivos das despesas do regime legal do seguro de doença. Tendo em conta o crescimento constante do número de médicos convencionados, afigura‑se necessário limitar o número de médicos convencionados. O excesso da oferta não pode ser controlado apenas através da limitação das autorizações, que penaliza a nova geração de médicos. A introdução de um limite de idade obrigatório para os médicos convencionados é também necessária para esse efeito.»

13.      Seguidamente, o legislador alemão revogou a disposição que limitava as autorizações em função das necessidades, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2007.

14.      Além disso, com a lei de reforço da concorrência no âmbito do regime legal do seguro de doença (Gesetz zur Stärkung des Wettbewerbs in der gesetzlichen Krankenversicherung), de 26 de Março de 2007, o legislador alemão eliminou todas as restrições às autorizações para os dentistas convencionados a partir de 1 de Abril de 2007, com fundamento, em especial, em que o problema do excesso de médicos não se coloca, no domínio da saúde dentária em regime convencionado, do mesmo modo que no domínio dos cuidados médicos convencionados. Foi, todavia, mantido o limite de idade de 68 anos.

15.      A Directiva 2000/78 foi transposta pela lei de transposição das directivas europeias para a aplicação do princípio da igualdade de tratamento (Gesetz zur Umsetzung europäischer Richtlinien zur Verwirklichung des Grundsatzes der Gleichbehandlung), de 14 de Agosto de 2006, que entrou em vigor em 18 de Agosto de 2006. O artigo 1.° desta lei contém a lei geral sobre a igualdade de tratamento (Allgemeines Gleichbehandlungsgesetz) (5). Esta lei não eliminou nem alterou o limite de idade previsto no § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V.

II – Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16.      D. Petersen, nascida em 24 de Abril de 1939, atingiu os 68 anos de idade em Abril de 2007. Estava autorizada a prestar cuidados dentários convencionados desde 1 de Abril de 1974.

17.      Por decisão de 25 de Abril de 2007, a comissão de autorização de dentistas da circunscrição de Westfalen‑Lippe constatou que esta autorização expirava em 30 de Junho de 2007.

18.      D. Petersen reclamou desta decisão, alegando, nomeadamente, que a mesma era contrária à Directiva 2000/78 e à lei alemã de transposição desta directiva. Paralelamente, apresentou em tribunal um pedido de medidas provisórias para que lhe fosse permitido continuar a exercer, como dentista convencionado, durante pelo menos mais dois anos. Este pedido foi julgado improcedente, tanto em primeira instância como em recurso.

19.      Por outro lado, tendo a sua reclamação sido apreciada e indeferida pela Berufungsausschuss für Zahnärzte für den Bezirk Westfalen‑Lippe, D. Petersen interpôs recurso desta decisão de indeferimento para o Sozialgericht Dortmund.

20.      Este órgão jurisdicional explica que o indeferimento da reclamação apresentada por D. Petersen é legal à luz do direito nacional, dado que a lei alemã de transposição da Directiva 2000/78 não tem valor hierárquico superior à lei que impõe o limite de idade e, consequentemente, não invalida esta última. A constitucionalidade deste limite de idade foi também apreciada pelo Bundesverfassungsgericht (Tribunal constitucional alemão).

21.      Por acórdão de 7 de Agosto de 2007, o Bundesverfassungsgericht declarou, assim, que o limite de idade em questão não é contrário à Constituição alemã. É justificado pela necessidade de proteger os segurados face aos riscos apresentados pelos dentistas idosos que exercem a sua actividade em regime convencionado, cujas capacidades deixaram de ser ideais. Segundo o Bundesverfassungsgericht, a experiência geral mostra que o risco de diminuição das capacidades aumenta com a idade. Este tribunal considerou que, no âmbito do poder de apreciação de que dispõe, o legislador alemão não tinha apenas a opção de prever, nos casos concretos, um exame individual que permitisse verificar as capacidades físicas e mentais dos médicos convencionados a partir dos 68 anos de idade. Pelo contrário, este legislador pode adoptar uma regulamentação geral baseada em dados associados à experiência. O Bundesverfassungsgericht considerou também irrelevante a falta de referência à protecção da saúde dos segurados no preâmbulo da lei. Com efeito, na sua opinião, a constitucionalidade de uma disposição da lei deve ser apreciada tendo em conta todos os aspectos, ainda que não se encontrem no preâmbulo da lei.

22.      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, porém, se esta análise é também válida à luz da Directiva 2000/78. Considera, com efeito, que há sérias dúvidas quanto à compatibilidade do § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V, com esta directiva.

23.      Depois de demonstrar que, na sua opinião, a Directiva 2000/78 é aplicável e que o limite de idade de 68 anos constitui uma discriminação directa em razão da idade, na acepção do artigo 2.°, n.° 2, alínea a), desta directiva, o órgão jurisdicional de reenvio considera que nem o artigo 2.°, n.° 5, nem o artigo 4.°, n.° 1, da referida directiva permitem justificar este limite de idade.

24.      Nos termos do artigo 2.°, n.° 5, da Directiva 2000/78, esta não afecta as medidas legislativas nacionais necessárias para a protecção da saúde. Não tendo o legislador adoptado o limite de idade nesta perspectiva, esta disposição não é pertinente.

25.      Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da mesma directiva, uma diferença de tratamento em razão da idade pode não constituir uma discriminação contrária à referida directiva se constituir um requisito essencial e determinante da actividade profissional em questão. Porém, o limite de idade ora em apreço comporta quatro excepções que impossibilitam, na opinião do órgão jurisdicional de reenvio, a aplicação desta disposição, a saber:

–      Se, ao completar 68 anos de idade, o interessado tiver exercido a actividade de médico (dentista) convencionado durante menos de 20 anos e se já estava autorizado como médico (dentista) convencionado antes de 1 de Janeiro de 1993, a comissão competente prolonga a autorização, no máximo até ao fim desse período de 20 anos;

–      Se existir ou estiver iminente um deficit de médicos em certas zonas da região de autorização, o limite de idade não é aplicável;

–      Em caso de doença, de férias ou de participação em cursos de formação, o médico (dentista) convencionado pode fazer‑se substituir por um médico (dentista) que já não esteja autorizado como médico (dentista) convencionado em razão do limite de idade;

–      Os dentistas podem, de qualquer modo, continuar a exercer a sua actividade após os 68 anos de idade fora do regime convencionado.

26.      O órgão jurisdicional de reenvio expressa também dúvidas quanto à questão de saber se o limite de idade previsto no § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V é ou não abrangido pelo artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78. Na sua opinião, a resposta a esta questão depende da interpretação da noção de «objectivo legítimo», bem como dos termos «apropriados» e «necessários» que constam deste artigo 6.°, n.° 1.

27.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que os objectivos prosseguidos pelo legislador alemão com a introdução do § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V, a saber, o de garantir o financiamento do regime legal do seguro de doença e o de assegurar uma repartição equilibrada dos encargos entre as gerações, constituem «objectivos legítimos», na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78. Porém, no que respeita aos dentistas convencionados, este limite de idade não é, ou já não é, necessário para alcançar estes objectivos. O órgão jurisdicional de reenvio observa, a este respeito, que a lei de reforço da concorrência no âmbito do regime legal do seguro de doença de 26 de Março de 2007 eliminou todas as restrições à autorização para dentistas convencionados a partir de 1 de Abril de 2007, porque o legislador considerou que o problema do excesso de médicos não se colocava, no domínio da saúde dentária convencionada, do mesmo modo que no domínio dos cuidados médicos convencionados.

28.      Por outro lado, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a protecção da saúde dos segurados constitui, em princípio, um «objectivo legítimo» na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78. Todavia, este órgão observa que, na realidade, este objectivo não levou, de modo algum, o legislador alemão a introduzir o § 95, n.° 7, terceira frase do SGB V. Na sua opinião, é manifesto que, não existindo uma situação financeira deficitária do regime legal do seguro de doença e, consequentemente, não havendo necessidade de limitar as autorizações, não teria sido introduzido qualquer termo da validade da autorização associado à idade. Não há nenhum elemento que demonstre que, na sua intenção organizadora, o legislador alemão tenha seguidamente tomado em conta o aspecto relativo à protecção da saúde dos segurados associado ao limite de idade em questão. Por consequência, o órgão jurisdicional de reenvio duvida que a protecção da saúde dos segurados possa constituir um objectivo legítimo no caso em apreço.

29.      O órgão jurisdicional de reenvio duvida também que o limite de idade instituído pelo § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V seja apropriado e necessário para a protecção da saúde dos segurados. Levanta a questão de saber se não deveriam ser considerados meios menos restritivos, nomeadamente meios que permitissem, a pedido do interessado, uma prorrogação temporária da autorização após um exame individual das suas capacidades. O impacto do limite de idade é, com efeito, muito negativo para os dentistas convencionados que pretendam continuar a exercer a sua actividade para além deste limite, dado que 90% da população é abrangida pelo regime legal do seguro de saúde.

30.      Foi à luz destas considerações que o Sozialgericht Dortmund decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais que se seguem:

«1)      A fixação, por lei, de uma idade máxima para o exercício de uma profissão em regime convencionado (neste caso, para a actividade de dentista convencionada), pode ser, na acepção do artigo 6.° da Directiva 2000/78/CE , uma medida objectiva e razoavelmente justificada pela protecção de um objectivo legítimo (neste caso, da saúde dos pacientes inscritos no [regime legal de] seguro de [doença]) e um meio apropriado e necessário para realizar esse objectivo, quando decorre exclusivamente de uma conjectura, assente na ‘experiência geral’, de que, a partir de certa idade, se verifica uma redução geral da capacidade de trabalho, sem que possam ser tomadas em conta as capacidades individuais de cada interessado?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, pode ser também admitido um objectivo legítimo (da lei), na acepção do artigo 6.° da Directiva 2000/78/CE (neste caso, a protecção da saúde dos pacientes inscritos no [regime legal de] seguro de [doença] ) quando este objectivo nem sequer foi tido em conta pelo legislador nacional ao exercer a sua competência legislativa?

3)      Em caso de resposta negativa à primeira ou segunda questões, uma lei anterior à Directiva 2000/78/CE, que é incompatível com esta última, pode também não ser aplicada, por força do primado do direito comunitário, quando o direito nacional que transpõe a directiva (neste caso, a […] lei geral sobre a igualdade de tratamento) não prevê esta consequência jurídica caso seja violado o princípio da não discriminação?»

III – Análise

A –    Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

31.      O Governo alemão considera que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível. Nas suas observações escritas, este governo alega que a disposição em litígio devia ser eliminada pelo artigo 1.°, ponto 1i, da lei relativa à evolução das estruturas organizacionais do regime legal do seguro de doença (Gesetz zur Weiterentwicklung der Organisationsstrukturen in der gesetzlichen Krankenversicherung), com efeitos retroactivos a partir de 1 de Outubro de 2008. Segundo este governo, esta lei deve ser promulgada em breve, permitindo a D. Petersen obter, independentemente da decisão do Tribunal de Justiça, uma autorização para o exercício da sua actividade. Consequentemente, o acórdão do Tribunal de Justiça não será necessário para a resolução do litígio no processo principal.

32.      Esta argumentação não me parece pertinente. Independentemente de uma modificação posterior do direito nacional, uma resposta do Tribunal de Justiça às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio é, com efeito, determinante para a resolução do litígio no processo principal e, em especial, para que este órgão jurisdicional possa decidir se foi com razão que a reclamação da recorrente foi indeferida pela Berufungsausschuss für Zahnärzte für den Bezirk Westfalen‑Lippe e que a recorrente foi privada da possibilidade de exercer a sua actividade de dentista convencionado após 30 de Junho de 2007.

B –    Quanto à primeira e à segunda questões

33.      Examinarei conjuntamente a primeira e a segunda questões. Através destas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, essencialmente, se a Directiva 2000/78 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual a autorização para o exercício da actividade de dentista convencionado expira no final do trimestre em que o dentista convencionado atinge os 68 anos de idade. Interroga‑se também sobre o método de identificação do objectivo à luz do qual deve ser avaliada a justificação de uma diferença de tratamento associada à idade.

34.      Começarei por verificar se a legislação nacional em causa se enquadra efectivamente no âmbito de aplicação da Directiva 2000/78.

35.      Resulta tanto do título e do preâmbulo como do conteúdo e das finalidades da Directiva 2000/78, que esta visa estabelecer um quadro geral para assegurar a igualdade de tratamento de todas as pessoas, «no que se refere ao emprego e à actividade profissional», oferecendo‑lhes uma protecção eficaz contra as discriminações baseadas num dos motivos previstos no seu artigo 1.°, entre os quais se encontra a idade. Mais concretamente, resulta do artigo 3.°, n.° 1, alíneas a) e c), da Directiva 2000/78 que esta se aplica, no âmbito das competências atribuídas à Comunidade, «a todas as pessoas, tanto no sector público como no privado, incluindo os organismos públicos», no que diz respeito, por um lado, «[à]s condições de acesso ao emprego, ao trabalho independente ou à actividade profissional, incluindo os critérios de selecção e as condições de contratação, seja qual for o ramo de actividade e a todos os níveis da hierarquia profissional» e, por outro, «[à]s condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração».

36.      Os dentistas convencionados prestam cuidados de saúde no âmbito do regime legal do seguro de doença. O § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V obriga estes dentistas a deixar de prestar cuidados de saúde convencionados a partir do momento em que atinjam os 68 anos de idade, o que afecta o exercício da sua actividade profissional. Além disso, a introdução de um limite de idade deste tipo pode ter como consequência a cessação da sua actividade profissional por falta de rentabilidade, na medida em que, tal como o órgão jurisdicional de reenvio indica, cerca de 90% da população é abrangida pelo regime legal do seguro de doença. Depois dos 68 anos de idade, os dentistas deixam, assim, de ter acesso à actividade de dentista convencionado, e são, de um modo geral, afectados no exercício da sua actividade profissional de dentistas. Esta legislação nacional respeita, portanto, na minha opinião, às «condições de acesso ao emprego, ao trabalho independente ou à actividade profissional», na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2000/78, bem como às «condições de emprego e de trabalho», na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), desta mesma directiva. Consequentemente, há que considerar que uma legislação nacional desta natureza é abrangida pelo âmbito de aplicação da referida directiva.

37.      O artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 2000/78 define o «princípio da igualdade de tratamento» que visa aplicar como sendo a «ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.° [desta directiva]». O artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da directiva precisa que, para efeitos da aplicação do seu n.° 1, existe uma discriminação directa sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.° da mesma directiva, uma pessoa seja objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é dado a outra pessoa em situação comparável.

38.      Ora, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal reserva um tratamento menos favorável aos dentistas convencionados que tenham atingido os 68 anos de idade do que àqueles que não tenham ainda atingido essa idade. Tal legislação cria, portanto, uma diferença de tratamento baseada directamente na idade que é, em princípio, proibida pelo artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2000/78.

39.      Há ainda que verificar se esta diferença de tratamento pode ser justificada. A este respeito, importa determinar a perspectiva sob a qual esta justificação deve ser apreciada.

40.      Nas suas duas primeiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio salienta apenas o objectivo de protecção da saúde dos pacientes abrangidos pelo regime legal do seguro de doença, na perspectiva da manutenção de um serviço médico de qualidade, devido à presunção de diminuição das capacidades dos dentistas convencionados que tenham atingido os 68 anos de idade. A própria letra destas duas questões, bem como as explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional nacional na sua decisão de reenvio, revelam, porém, que este órgão jurisdicional duvida da pertinência deste objectivo para justificar o limite de idade previsto no § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V (6).

41.      Na audiência, o Governo alemão tentou justificar esta disposição principalmente à luz de dois objectivos, a saber, por um lado, o objectivo de preservar o equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença e, por outro, o de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado. Este governo indicou explicitamente que só acessoriamente examinaria o objectivo de protecção da saúde dos pacientes abrangidos pelo regime legal do seguro de doença.

42.      Esta tomada de posição reforça a minha convicção de que este último objectivo é de carácter secundário relativamente aos dois objectivos principais prosseguidos pelo § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V.

43.      O exame do contexto geral em que esta disposição se insere confirma esta opinião. Recorde‑se, a este respeito, que o Tribunal de Justiça precisou, nos seus acórdãos de 16 de Outubro de 2007, Palacios de la Villa (7), e de 5 de Março de 2009, Age Concern England (8), o método a seguir para identificar o objectivo ou objectivos que podem ser tomados em consideração para justificar uma diferença de tratamento baseada na idade. Resulta destes acórdãos que, na falta de indicação na legislação nacional dos objectivos que prossegue, importa que outros elementos do contexto geral da medida em causa permitam a identificação do objectivo que lhe está subjacente, para efeitos do exercício da fiscalização jurisdicional quanto à sua legitimidade e ao carácter apropriado e necessário dos meios utilizados para a concretização desse objectivo (9).

44.      À luz destas considerações, há que observar que o exame do § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V e da legislação nacional em que esta disposição se insere não revela expressamente que o limite de idade em questão tenha sido introduzido, e seguidamente mantido, com base na presunção de que a partir dos 68 anos a qualidade dos serviços prestados pelos dentistas convencionados diminui. Não foi, portanto, este aspecto que foi avançado como fundamento da introdução do limite de idade de 68 anos.

45.      O contexto geral desta legislação nacional também não permite considerar, na minha opinião, que é a presunção da diminuição das capacidades dos dentistas convencionados que tenham atingido os 68 anos de idade que é determinante para explicar a manutenção deste limite de idade. Há que recordar, com efeito, que a lei alemã que introduziu inicialmente este limite de idade visava apenas a garantia e o melhoramento das estruturas do regime legal do seguro de saúde de modo a assegurar o seu financiamento, e que o referido limite consta agora do código da segurança social. É, portanto, o aspecto da protecção da saúde relativo ao equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença que resulta do exame da referida legislação, e não o relativo a uma diminuição do nível de qualidade dos cuidados de saúde dentários quando estes sejam fornecidos por dentistas convencionados que tenham mais de 68 anos. Por outro lado, resulta explicitamente da fundamentação da GSG 1993 que a introdução de um limite de idade para o exercício da actividade de médico convencionado foi concebida pelo legislador alemão como um instrumento destinado a controlar o aumento das despesas de saúde associado ao excesso da oferta de cuidados médicos no âmbito do regime legal do seguro de doença.

46.      Na audiência, o Governo alemão explicou claramente as razões pelas quais o objectivo de preservação do equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença continuava a ser válido, mesmo após a eliminação, a partir de 1 de Abril de 2007, das restrições à concessão da autorização de exercício da actividade de dentista convencionado. Indicou que, tendo em vista a limitação das despesas de saúde no âmbito do regime legal do seguro de doença, o legislador alemão tinha considerado necessário reduzir o número de médicos convencionados, partindo do postulado de uma procura induzida pela oferta. Nesta perspectiva, tinham sido adoptadas restrições à autorização para o exercício da medicina em regime convencionado, mas que não eram os únicos instrumentos destinados a combater o aumento das despesas de saúde. O limite de idade de 68 anos encontrava‑se entre estes instrumentos (10). Quando o legislador alemão considerou, em 2007, que o problema do excesso de médicos não se colocava, no domínio da saúde dentária em regime convencionado, do mesmo modo que no domínio dos cuidados médicos convencionados, decidiu eliminar as restrições à autorização para os dentistas convencionados e dar início a uma fase de observação que podia, eventualmente, levar à supressão de todas as medidas regulatórias previamente adoptadas quanto aos mesmos. O legislador alemão não quis, no entanto, abandonar simultaneamente todos os mecanismos destinados a conter o aumento das despesas de saúde. A título transitório, quis manter um desses mecanismos, ou seja, o limite de idade de 68 anos, reservando a possibilidade de o eliminar posteriormente em função da evolução das despesas de saúde relativas aos cuidados dentários prestados no âmbito do regime legal do seguro de doença.

47.      Estes elementos demonstram, na minha opinião, que o objectivo de garantir o equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença se encontra entre os objectivos prosseguidos pelo limite de idade de 68 anos previsto no § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V.

48.      Por outro lado, resulta claramente da fundamentação da GSG 1993 que a introdução do limite de idade de 68 anos constitui também uma medida de equidade entre as gerações destinada a evitar que a geração mais nova de dentistas seja a única a suportar os inconvenientes associados à aplicação de uma política de redução de despesas de saúde no âmbito do regime legal do seguro de doença. Assim, o § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V prossegue também o objectivo de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado.

49.      Os elementos atrás expostos não implicam que, na minha opinião, o exame da justificação de uma diferença de tratamento associada à idade deva sempre ser limitado aos objectivos prosseguidos inicialmente pelo legislador nacional. É possível, com efeito, que uma mesma medida seja mantida quando prossegue novos objectivos, tendo em conta a evolução das condições sociais, económicas, demográficas e orçamentais. É necessário, porém, que o contexto geral da medida permita identificar tais objectivos. Não me parece que seja esse o caso no que respeita ao objectivo de protecção da saúde dos pacientes abrangidos pelo regime legal do seguro de doença, devido a uma diminuição das capacidades dos dentistas convencionados que tenham atingido os 68 anos de idade.

50.      Há que precisar, no entanto, que, se o Tribunal de Justiça vier a considerar que este aspecto do objectivo de protecção da saúde pública é, efectivamente, um dos objectivos prosseguidos pelo § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V, o limite de idade previsto neste artigo dificilmente poderá, na minha opinião, ser considerado necessário para tal fim, tendo em conta as excepções que o direito alemão estabelece quanto à sua aplicação. Estas excepções levam a que se questione a coerência intrínseca da referida disposição, tomada no seu contexto. Com efeito, se o legislador alemão considera realmente que, devido à presunção de uma diminuição das capacidades dos dentistas convencionados que tenham atingido os 68 anos de idade, a continuação da sua actividade é susceptível de afectar a saúde dos pacientes abrangidos pelo regime legal do seguro de doença, é difícil encontrar razões sólidas que permitam explicar como é que estes dentistas podem, apesar disso, continuar a exercer em caso de deficit de médicos numa região, em caso de substituição, ou ainda quando tiverem exercido a actividade de dentistas convencionados durante menos de 20 anos. Na audiência, o Governo alemão admitiu, aliás, que, nesta perspectiva, o § 95, n.° 7, terceira frase do SGB V não está livre de algumas incoerências. A constatação de tais incoerências não é, de modo algum, surpreendente, dado que a vontade do legislador alemão, tal como resulta do contexto geral da medida em causa, não era, manifestamente, a de proteger os pacientes abrangidos pelo regime legal do seguro de doença, com base na presunção de uma diminuição das capacidades dos dentistas convencionados que tenham atingidos os 68 anos de idade.

51.      Por todos estes motivos, é, assim, apenas à luz dos dois objectivos principais prosseguidos pelo § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V, a saber, por um lado, o objectivo de preservação do equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença e, por outro, o de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado, que examinarei se o limite de idade de 68 anos pode ser considerado justificado nos termos previstos pela Directiva 2000/78. Examinarei sucessivamente estes dois objectivos.

1.      O objectivo de preservar o equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença

52.      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o objectivo de evitar um risco de deterioração grave do equilíbrio financeiro do sistema de segurança social constitui um dos aspectos do objectivo de protecção da saúde pública (11). No seu acórdão Hartlauer, já referido, o Tribunal de Justiça indicou, relativamente aos cuidados de saúde em regime ambulatório, que uma planificação das prestações médicas visa garantir a contenção dos custos e evitar, na medida do possível, qualquer desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos, uma vez que o sector dos cuidados médicos acarreta custos consideráveis e deve responder a necessidades crescentes, enquanto os recursos financeiros que podem ser consagrados aos cuidados de saúde não são, independentemente do modo de financiamento utilizado, ilimitados (12).

53.      Como instrumento integrado numa política de planificação da oferta de cuidados dentários destinada a conter o aumento das despesas de saúde do regime legal do seguro de doença, o limite de idade de 68 anos previsto no § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V prossegue o objectivo de protecção da saúde pública, na perspectiva da preservação do equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença.

54.      Cabe agora determinar qual é a disposição da Directiva 2000/78 mais apropriada para examinar tal justificação.

55.      A este respeito, não creio que o artigo 6.°, n.° 1, desta directiva, tal como foi interpretado pelo Tribunal de Justiça, seja a disposição adequada. Recorde‑se, com efeito, que o Tribunal de Justiça indicou claramente no seu acórdão Age Concern England, já referido, que resulta deste artigo que os objectivos que podem ser considerados «legítimos» na acepção deste artigo, e, consequentemente, aptos a justificar uma excepção ao princípio da proibição da discriminação com base na idade, são objectivos de política social, como os ligados à política de emprego, do mercado de trabalho ou da formação profissional (13). Dado que, na minha opinião, o objectivo de protecção da saúde dificilmente pode ser equiparado a um objectivo de política social, salvo no caso de esta noção ser entendida em sentido muito amplo, considero que deve apreciado no âmbito das disposições do artigo 2.°, n.° 5, da Directiva 2000/78, que, por seu lado, visa expressamente a protecção da saúde.

56.      Recorde‑se que, nos termos deste artigo, a Directiva 2000/78 «não afecta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de [...] protecção da saúde». O referido artigo menciona, portanto, a protecção da saúde como um fundamento que pode justificar uma diferença de tratamento baseada num dos motivos proibidos pela mesma directiva. Há então que determinar se o § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V constitui uma medida que pode ser considerada necessária para a protecção da saúde.

57.      Este exame da necessidade da medida à luz da protecção da saúde deve ser feito tendo em conta que resulta tanto da jurisprudência do Tribunal de Justiça como do artigo 152.°, n.° 5, CE, que o direito comunitário não prejudica a competência dos Estados‑Membros para organizarem os seus sistemas de segurança social e para adoptarem, em particular, disposições destinadas a organizar e fornecer serviços de saúde e cuidados médicos (14). Porém, no exercício desta competência, os Estados‑Membros devem respeitar o direito comunitário e, em particular, no que respeita ao caso em apreço, as disposições da Directiva 2000/78. Na apreciação do respeito desta obrigação, importa ter em conta que a saúde e a vida das pessoas ocupam o primeiro lugar entre os bens e interesses protegidos pelo Tratado CE e que cabe aos Estados‑Membros decidir a que nível pretendem assegurar a protecção da saúde pública e o modo como esse nível deve ser alcançado. Uma vez que este nível pode variar de um Estado‑Membro para outro, há que reconhecer aos Estados‑Membros uma margem de apreciação (15).

58.      À luz desta jurisprudência, considero que um Estado‑Membro, no âmbito da sua competência para a organização e o fornecimento de cuidados dentários, e com vista à obtenção de um elevado nível de protecção da saúde pública, pode adoptar uma medida regulatória que consiste na fixação de um limite de idade de 68 anos para o exercício da actividade de dentista convencionado.

59.      Na minha opinião, esta medida é adequada para assegurar o objectivo de protecção da saúde pública. Em especial, se um Estado‑Membro considerar que a situação da oferta de cuidados dentários apresenta um risco para o equilíbrio financeiro do seu regime legal do seguro de doença, deve poder, a título preventivo, tomar medidas regulatórias que permitam reduzir esse risco (16).

60.      Importa também referir que, segundo o Tribunal de Justiça, uma legislação nacional só é apta a garantir a realização do objectivo invocado se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de uma forma coerente e sistemática (17). Considero, a este respeito, que a existência de excepções à aplicação do limite de idade de 68 anos não afecta a coerência intrínseca do § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V, à luz do objectivo da protecção da saúde pública. Por outras palavras, estas derrogações não contradizem, em meu entender, a constatação de que o limite de idade de 68 anos previsto neste artigo é apto a atingir o objectivo de preservar o equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença.

61.      Há que recordar, a este respeito, que o limite de idade em questão comporta as quatro excepções que se seguem:

–      Se, ao completar 68 anos de idade, o interessado tiver exercido a actividade de médico (dentista) convencionado durante menos de 20 anos e se já estava autorizado como médico (dentista) convencionado antes de 1 de Janeiro de 1993, a comissão competente prolonga a autorização, no máximo até ao fim desse período de 20 anos;

–      Se existir ou estiver iminente um deficit de médicos em certas zonas da região de autorização, o limite de idade não é aplicável;

–      Em caso de doença, de férias ou de participação em cursos de formação, o médico (dentista) convencionado pode fazer‑se substituir por um médico (dentista) que já não esteja autorizado como médico (dentista) convencionado em razão do limite de idade;

–      Os dentistas podem, de qualquer modo, continuar a exercer a sua actividade após os 68 anos de idade fora do regime convencionado.

62.      Estas quatro excepções visam corrigir os excessos a que poderia levar uma aplicação demasiado estrita do limite de idade de 68 anos e resultam de uma ponderação de diferentes interesses dignos de protecção.

63.      Assim, a primeira excepção tem fundamento na intenção do legislador alemão de não afectar excessivamente as condições em que os dentistas convencionados exercem a sua actividade. Mais especificamente, ao assegurar‑lhes uma duração mínima de vinte anos de actividade de dentista convencionado, este legislador quis garantir a possibilidade de estes dentistas beneficiarem de uma pensão de reforma no final da sua carreira profissional. Ora, no seu acórdão Palacios de la Villa, já referido, o Tribunal de Justiça destacou a importância que reveste a possibilidade dessa compensação financeira no fim da carreira profissional dos trabalhadores afectados por um limite de idade (18). Por outro lado, na medida em que, em virtude dessa derrogação, a autorização para exercer a actividade de dentista convencionado só pode ser prorrogada relativamente a quem já estava autorizado antes de 1 de Janeiro de 1993, esta excepção tem carácter provisório e respeita a um número limitado de dentistas convencionados. Não prejudica, portanto, na minha opinião, a coerência do § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V à luz do objectivo de preservação do equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença.

64.      Quanto à segunda e à terceira excepções, estas visam evitar que o limite de idade de 68 anos conduza a um deficit ou a uma falta de dentistas em circunstâncias ou em zonas particulares. O legislador alemão tomou, assim, em consideração o facto de uma aplicação demasiado estrita do limite de idade poder, em certos casos, ter consequências negativas para a protecção da saúde pública. Na medida em que a segunda e a terceira excepções contribuem para assegurar a continuidade e a disponibilidade dos cuidados dentários convencionados, visam manter um serviço médico de qualidade e acessível a todos, o que constitui outro aspecto do objectivo de protecção da saúde pública (19). Em meu entender, a prossecução deste aspecto do objectivo de proteger a saúde pública não se opõe, de modo algum, ao de preservar o equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença.

65.      A quarta excepção visa, por ser lado, proteger a liberdade profissional dos dentistas. Na medida em que esta excepção lhes permite continuar a exercer a sua actividade após os 68 anos de idade fora do regime convencionado, também não põe em causa a coerência do § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V à luz do objectivo de preservar o equilíbrio financeiro do regime legal do seguro de doença.

66.      Por outro lado, na minha opinião, esta disposição não ultrapassa o que é necessário para assegurar esse objectivo. Com efeito, no âmbito da sua competência em matéria de organização dos serviços de saúde e do seu poder de apreciação, um Estado‑Membro pode, a meu ver, considerar a idade de 68 anos suficientemente avançada para servir de termo à autorização para o exercício da actividade de dentista convencionado. Considero também que, tendo em conta a média de idades normalmente consideradas nos Estados‑Membros que conferem direito a uma pensão de reforma, a fixação de um limite de idade de 68 anos para o exercício da actividade de dentista convencionado não é desproporcionada.

67.      Por todas estas razões, considero que o limite de idade de 68 anos previsto no § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V pode ser considerado necessário para a protecção da saúde, na acepção do artigo 2.°, n.° 5, da Directiva 2000/78, pelo que este não a viola.

68.      Este limite de idade é também justificado, na minha opinião, pelo objectivo de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado.

2.      O objectivo de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado

69.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que este objectivo já não pode ser invocado para justificar o limite de idade de 68 anos. Indica que este limite de idade foi inicialmente concebido pelo legislador alemão como uma medida de acompanhamento das restrições à concessão das autorizações para o exercício da actividade de dentista convencionado, no sentido de evitar que os jovens dentistas fossem os únicos a suportar os inconvenientes associados a tais restrições. O referido limite de idade foi, portanto, instituído para repartir equitativamente os encargos entre os dentistas que já dispunham de uma autorização e a nova geração de dentistas que pretendia obter uma autorização. Ora, uma vez que o legislador alemão considerou posteriormente que o regime restritivo da autorização em função das necessidades devia ser eliminado, o limite de idade de 68 anos perdeu a sua função inicial, pelo que deixa de poder ser justificado pelo objectivo de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado.

70.      Ao contrário do que é indicado pelo órgão jurisdicional de reenvio, e tendo em conta as explicações apresentadas pelo Governo alemão na audiência, não creio que esta justificação possa ser afastada de modo tão categórico. Com efeito, mesmo após a eliminação das restrições à concessão das autorizações para o exercício da actividade de dentista convencionado, o limite de idade de 68 anos continuou, na minha opinião, a desempenhar a sua função inicial, ou seja, a garantir às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado, em especial nas zonas mais atractivas. A eliminação destas restrições não alterou, assim, a intenção que o legislador alemão podia ter de favorecer a renovação das gerações de dentistas nas regiões em que o elevado volume da oferta de cuidados dentários convencionados obstava à instalação de jovens dentistas convencionados.

71.      Esta justificação assente no objectivo de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado deve, a meu ver, ser examinada no âmbito do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78. Resulta desta artigo que as diferenças de tratamento com base na idade «não constitu[e]m discriminação se forem objectiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo, incluindo objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objectivo sejam apropriados e necessários».

72.      Há que recordar, antes de mais, que os objectivos que podem ser considerados «legítimos» na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78 e, consequentemente, aptos a justificar uma excepção ao princípio da proibição da discriminação com base na idade, são objectivos de política social, como os ligados à política de emprego, do mercado de trabalho ou da formação profissional (20).

73.      O objectivo de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado e, de um modo geral, de favorecer a renovação das gerações de dentistas convencionados integra‑se, na minha opinião, nesta categoria de objectivos legítimos. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a promoção da contratação constitui um objectivo legítimo de política social ou de emprego dos Estados‑Membros e que esta apreciação se aplica aos instrumentos da política do mercado de trabalho nacional destinados a melhorar as hipóteses de inserção na vida activa de certas categorias de trabalhadores (21).

74.      Consequentemente, deve considerar‑se que tal objectivo justifica «objectiva e razoavelmente», «no quadro do direito nacional», conforme se prevê no artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2000/78, uma diferença de tratamento com base na idade, tal como a contida no § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V.

75.      Cabe também verificar, de acordo com os próprios termos do artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, dessa directiva, se os meios adoptados para realizar esse objectivo são «apropriados e necessários».

76.      A este respeito, os Estados‑Membros dispõem incontestavelmente de um amplo poder de apreciação na escolha das medidas susceptíveis de realizar os seus objectivos em matéria de política social e de emprego (22).

77.      Este amplo poder de apreciação deve, aliás, ser especialmente tido em conta quanto se trata de uma medida que se integra também, como já se viu, na competência de que os Estados‑Membros dispõem para organizar os seus serviços de saúde e de cuidados médicos.

78.      Nestas condições, considero que o limite de idade de 68 anos previsto no § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V constitui um meio apropriado para a realização do objectivo de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado.

79.      As excepções à aplicação desse limite de idade não põem em causa esta apreciação, na medida em que não prejudicam a coerência intrínseca desta disposição nacional à luz do objectivo acima referido. Com efeito, remetendo para o que já se indicou quanto a estas excepções, há que observar que a primeira excepção respeita a um número limitado de dentistas convencionado, que a segunda é relativa às zonas mais desfavorecidas em termos médicos, em que não se colocam quaisquer problemas de acesso aos jovens dentistas convencionados, que a terceira respeita à substituição temporária de dentistas e, por fim, que a quarta visa a saída do regime convencionado, pelo que não pode influenciar negativamente o objectivo de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado.

80.      Por outro lado, o limite de idade de 68 anos previsto no § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V não ultrapassa, na minha opinião, o que é apropriado e necessário para atingir o objectivo de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado. Tal como indiquei atrás, considero, com efeito, que, tendo em conta a média das idades normalmente consideradas nos Estados‑Membros que conferem direito a uma pensão de reforma, a fixação de um limite de idade de 68 anos para o exercício da actividade de dentista convencionado não é desproporcionada. Por outro lado, o legislador alemão adoptou uma abordagem equilibrada ao excluir a aplicação de tal limite de idade nas regiões que apresentam um deficit de médicos, onde o acesso à actividade de dentista convencionado não apresenta dificuldades.

81.      Resulta destes elementos que, na minha opinião, a diferença de tratamento associada à idade que consta do § 95, n.° 7, terceira frase, do SGB V pode ser considerada objectiva e razoavelmente justificada pelo objectivo de assegurar às novas gerações a possibilidade de exercer a actividade de dentista convencionado, e que a mesma não ultrapassa o que é apropriado e necessário para atingir este objectivo.

C –    Quanto à terceira questão

82.      Tendo a conta a resposta que proponho para a primeira e segunda questões, não há que propor uma resposta à terceira questão.

IV – Conclusão

83.      À luz de todas estas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça declare:

«Os artigos 2.°, n.os 2, alínea a), e 5, e 6.°, n.° 1, da Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual a autorização para o exercício da actividade de dentista convencionado expira no final do trimestre em que o dentista convencionado atinge os 68 anos de idade.»


1 – Língua original: francês.


2 – JO L 303, p. 16.


3 – BGBl. I, p. 2266, a seguir «GSG 1993».


4 – A seguir «SGB V».


5 – BGBl. I, p. 1897, a seguir «AGG».


6 – V. n.° 28 das presentes conclusões.


7 – C‑411/05, Colect., p. I‑8531.


8 – C‑388/07, ainda não publicado na Colectânea.


9 – Acórdãos Palacios de la Villa (n.° 57) e Age Concern England (n.° 45), já referidos.


10 – Pode também referir‑se, como outra medida de regulação, a reforma dos estudos de medicina, a fim de obter uma redução de 20% dos estudantes de medicina [v. relatório n.° 1675 do Institut de recherche et documentation en économie de la santé (IRDES), Novembro de 2007, p. 49].


11 – V., nomeadamente, acórdão de 10 de Março de 2009, Hartlauer (C‑169/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 47 e jurisprudência aí referida).


12 – Ibidem (n.° 49 e jurisprudência aí referida).


13 – N.° 46. V., também, acórdão de 18 de Junho de 2009, Hütter (C‑88/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 41 e jurisprudência aí referida).


14 – V., nomeadamente, acórdão Hartlauer, já referido (n.° 29) e acórdão de 19 de Maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o. (C‑171/07 e C‑172/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 18).


15 – V., nomeadamente, acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o., já referido (n.° 19).


16 – V., por analogia, no que respeita a um risco para a distribuição de medicamentos segura e de qualidade à população, acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o., já referido (n.° 30).


17 – V. acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o., já referido (n.° 42 e jurisprudência aí referida).


18 – N.° 73.


19 – V. acórdão Hartlauer, já referido (n.° 47 e jurisprudência aí referida).


20 – V. acórdão Hütter, já referido (n.° 41 e jurisprudência aí referida).


21 – Acórdão Palacios de la Villa, já referido (n.° 65 e jurisprudência aí referida).


22 – Acórdão Hütter, já referido (n.° 45 e jurisprudência aí referida).