Language of document : ECLI:EU:C:2024:228

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

14 de março de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Medicamentos para uso humano — Pedido de autorização de introdução no mercado — Independência dos peritos consultados pelo Comité dos Medicamentos para Uso Humano (CHMP) da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) — Artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito a uma boa administração — Exigência de imparcialidade objetiva — Critérios para verificar a inexistência de conflitos de interesses — Política da EMA em matéria de interesses concorrentes — Atividades como investigador principal, consultor ou de aconselhamento estratégico para a indústria farmacêutica — Produtos rivais — Procedimento de revisão — Regulamento (CE) n.o 726/2004 — Artigos 56.o, 62.o e 63.o — Orientações da EMA — Consulta de um grupo de aconselhamento científico (GAC) ou de um grupo de peritos ad hoc»

No processo C‑291/22 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 2 de maio de 2022,

Debrégeas et associés Pharma SAS (D & A Pharma), com sede em Paris (França), representada por V. Durget, E. Gouesse e N. Viguié, avocats,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por A. Sipos e G. Wils, na qualidade de agentes,

Agência Europeia de Medicamentos (EMA), representada por C. Bortoluzzi, S. Drosos, H. Kerr e S. Marino, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: C. Di Bella, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de maio de 2023,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 7 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Debrégeas et associés Pharma SAS (D & A Pharma) (a seguir «D & A Pharma») pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 2 de março de 2022, D & A Pharma/Comissão e EMA (T‑556/20, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2022:111), que negou provimento ao seu recurso destinado, nomeadamente, à anulação da Decisão de Execução da Comissão de 6 de julho de 2020 (a seguir «decisão controvertida»), que recusa o pedido de autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») do medicamento para uso humano Hopveus — oxibato de sódio (a seguir «Hopveus»), nos termos do Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO 2004, L 136, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2019/5 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018 (JO 2019, L 4, p. 24) (a seguir «Regulamento n.o 726/2004»).

 Quadro jurídico

 Regulamento n.o 726/2004

2        Os considerandos 19 e 23 do Regulamento n.o 726/2004 enunciam:

«(19)      A principal atribuição da [Agência Europeia de Medicamentos (EMA)] deve ser a de emitir pareceres científicos da melhor qualidade possível destinados às instituições [da União] e aos Estados‑Membros, para o exercício das competências que a legislação comunitária lhes confere no domínio dos medicamentos, no que respeita à autorização e fiscalização dos mesmos. […]

[…]

(23)      Deve ser atribuída a um Comité dos Medicamentos para Uso Humano a responsabilidade exclusiva pela elaboração dos pareceres da [EMA] em todas as questões relativas aos medicamentos para uso humano. […]»

3        O artigo 1.o, primeiro parágrafo, deste regulamento dispõe:

«O presente regulamento tem por objetivo estabelecer procedimentos da União de autorização, fiscalização e farmacovigilância no que respeita aos medicamentos para uso humano, e criar uma Agência [a EMA] que executa as tarefas relativas aos medicamentos para uso humano e aos medicamentos veterinários que são estabelecidas no presente regulamento e noutra legislação da União aplicável.»

4        O artigo 5.o do referido regulamento prevê:

«1.      É instituído um Comité dos Medicamentos para Uso Humano [(a seguir «CHMP»)]. O Comité faz parte da [EMA].

2.      Sem prejuízo do disposto no artigo 56.o e de outras atribuições que lhe sejam conferidas pelo direito da União, o Comité dos Medicamentos para Uso Humano é responsável pela emissão do parecer da [EMA] relativo a quaisquer questões referentes à admissibilidade dos processos apresentados de acordo com o procedimento centralizado, à concessão, à alteração, à suspensão ou à revogação da [AIM] de medicamentos para uso humano, em conformidade com o disposto no presente Título, bem como à farmacovigilância. […]

[…]»

5        Nos termos do artigo 9.o do mesmo regulamento:

«1.      A [EMA] informa imediatamente o requerente se o [CHMP] for do parecer que:

a)      O pedido não satisfaz os critérios de autorização fixados no presente regulamento;

[…]

2.      No prazo de 15 dias a contar da receção do parecer referido no n.o 1, o requerente pode comunicar à [EMA], por escrito, a sua intenção de requerer a revisão do parecer. Nesse caso, deve apresentar à [EMA] a fundamentação pormenorizada do requerimento de revisão no prazo de 60 dias a contar da data de receção do parecer.

[…]

3.      No prazo de 15 dias a contar da sua aprovação, a [EMA] envia à Comissão [Europeia], aos Estados‑Membros e ao requerente o parecer definitivo, acompanhado de um relatório descrevendo a avaliação do medicamento pelo [CHMP] e fundamentando as suas conclusões.

[…]»

6        O artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004 dispõe:

«A Comissão toma uma decisão final, sob a forma de atos de execução, no prazo de 15 dias após a obtenção do parecer do [CHMP]. […]»

7        O artigo 56.o deste regulamento prevê:

«1.      A [EMA] tem a seguinte estrutura:

a)      o [CHMP], responsável pela elaboração do parecer da [EMA] sobre qualquer questão relativa à avaliação dos medicamentos para uso humano;

[…]

2.      Os comités referidos [no] n.o 1 do presente artigo podem criar grupos de trabalho permanentes e temporários. O comité a que se refere o n.o 1, alínea a), do presente artigo pode criar grupos de aconselhamento científico [(a seguir «GAC»)] para efeitos de avaliação de tipos específicos de medicamentos ou terapias nos quais o Comité pode delegar determinadas tarefas relacionadas com a elaboração dos pareceres científicos a que se refere o artigo 5.o

[…]»

8        Nos termos do artigo 57.o, n.o 1, do referido regulamento:

«A [EMA] fornece aos Estados‑Membros e às instituições da União os melhores pareceres científicos possíveis sobre qualquer questão relativa à avaliação da qualidade, da segurança e da eficácia dos medicamentos para uso humano […]

Para tal, a [EMA] desempenha, nomeadamente através dos seus comités, as seguintes tarefas:

a)      Coordenar a avaliação científica da qualidade, da segurança e da eficácia dos medicamentos para uso humano e dos medicamentos veterinários sujeitos aos procedimentos da União de [AIM];

[…]»

9        O artigo 62.o do mesmo regulamento dispõe:

«1.      […]

Se for requerida a revisão de um dos seus pareceres, caso tal possibilidade esteja prevista na legislação da União, o comité em causa nomeia um relator e, se for caso disso, um correlator, diferentes dos nomeados para o parecer inicial. A revisão só pode ter por objeto os pontos do parecer inicial previamente identificados pelo requerente e só pode basear‑se nos dados científicos disponíveis aquando da adoção do parecer inicial pelo comité. O requerente pode pedir que o Comité consulte um [GAC] para efeitos da revisão.

2.      Os Estados‑Membros enviam à [EMA] os nomes dos peritos nacionais com experiência comprovada na avaliação de medicamentos para uso humano e de medicamentos veterinários que, tendo em conta o disposto no artigo 63.o, n.o 2, possam integrar os grupos de trabalho ou os [GAC] de qualquer um dos comités referidos no artigo 56.o, n.o 1, acompanhados da indicação das suas qualificações e áreas de competência específica.

A [EMA] elabora e mantém uma lista de peritos acreditados. Essa lista inclui os peritos nacionais acima referidos, bem como quaisquer outros peritos designados pela [EMA] ou pela Comissão […].

[…]»

10      Nos termos do artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004:

«Os membros do Conselho de Administração, os membros dos comités, os relatores e os peritos não podem ter interesses, financeiros ou outros, na indústria farmacêutica suscetíveis de afetar a sua imparcialidade. Devem comprometer‑se a agir ao serviço do interesse público e num espírito de independência e devem apresentar anualmente uma declaração sobre os seus interesses financeiros. Todos os interesses indiretos que possam estar relacionados com esta indústria devem constar de um registo mantido pela [EMA] e ser acessíveis a consulta pública, a pedido, nos serviços da [EMA].

O código de conduta da [EMA] deve prever a aplicação do presente artigo […]

Os […] membros dos comités, os relatores e os peritos que participem em reuniões ou grupos de trabalho da [EMA] devem declarar, em cada reunião, os interesses específicos que possam ser considerados prejudiciais à sua independência relativamente aos diversos pontos da ordem de trabalhos. Essas declarações são disponibilizadas ao público.»

 Regras processuais do CHMP

11      O artigo 11.o, n.o 2, do documento sob a epígrafe «Comittee for Medicinal Products for Human Use — Rules of Procedure» («CHMP — Regras processuais», a seguir «Regras Processuais do CHMP») prevê:

«A revisão de parecer prevista no artigo 9.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004 só pode incidir sobre os pontos do parecer inicialmente identificados pelo requerente e baseia‑se apenas nos dados científicos disponíveis quando o [CHMP] adotou o parecer inicial. O requerente pode solicitar ao [CHMP] que consulte um [GAC] (se e quando este for criado) relativamente à revisão. Nesse caso, o [CHMP] solicita o parecer de peritos adicionais disponíveis.»

 Regras processuais dos GAC

12      A secção II, terceiro parágrafo, do documento da EMA sob a epígrafe «Mandate, objectives and rules of procedure for the scientific advisory groups (SAGs) and ad‑hoc experts groups» («Mandato, objetivos e regulamento interno dos GAC e dos grupos de peritos ad hoc», a seguir «regras processuais dos GAC»), enuncia:

«Quando as questões se referirem a uma área terapêutica para a qual não tenha sido constituído um GAC específico, será criado um grupo de peritos ad hoc que seguirá o mandato de um GAC.»

13      Nos termos da secção IV das regras processuais dos GAC:

«[…]

O GAC é simultaneamente composto por um grupo principal — que assegura a continuidade e a coerência no âmbito do grupo — e peritos adicionais que podem ser chamados a participar numa reunião ou numa série de reuniões sobre um problema específico a respeito do qual dispõem de educação, formação e experiência profissionais relevantes, proporcionando assim conhecimentos especializados adicionais em domínios específicos caso a caso.

[…]

Nomeação dos membros do grupo principal:

Serão selecionados doze membros pelos seus conhecimentos clínicos/técnicos e a sua independência no domínio de interesse e serão nomeados por um período de três anos.

O grupo principal deve refletir uma composição equilibrada de conhecimento científico e, por conseguinte, os membros devem ter educações, formações e experiências profissionais diversificadas. A composição do grupo principal deve, tanto quanto possível, refletir as diferentes escolas de pensamento ou as práticas terapêuticas europeias.

Um perito em metodologia dos ensaios clínicos e em bioestatística deve ser sempre um dos membros do grupo principal e pode ser nomeado para mais do que um GAC.

[…]»

14      A secção VII, ponto 4, das regras processuais dos GAC dispõe:

«Participação de peritos adicionais nas reuniões dos GAC

Os membros do CHMP, o presidente do GAC e a EMA apresentarão propostas para peritos adicionais com base nos seus conhecimentos especializados na área terapêutica ou no domínio a ser coberto pelo GAC durante a sua reunião, de acordo com a lista de questões do CHMP para o GAC.

[…]»

 Orientações relativas ao Procedimento de Revisão

15      Nos termos do ponto 6.1 do documento sob a epígrafe «Procedural advice on the Re‑examination of CHMP Opinions» («Orientações relativas ao Procedimento de Revisão dos Pareceres do CHMP», a seguir «Orientações relativas ao Procedimento de Revisão»):

«A decisão relativa à consulta de um GAC para um pedido de revisão dependerá, nomeadamente, do CHMP ou do pedido do requerente de consulta do GAC pelo CHMP.

O requerente que efetue um pedido de [consulta de] um GAC, deve, logo que possível, dar conhecimento do mesmo ao CHMP. Esse pedido deve ser devidamente fundamentado. Se não houver nenhum pedido por parte do requerente, o CHMP decide se é necessária uma peritagem adicional. Caso o requerente faça um pedido de consulta do GAC, este é consultado sistematicamente pelo CHMP.

Num domínio terapêutico em que não tenha sido criado um GAC, é solicitado o parecer de peritos adicionais disponíveis sob a forma de consulta de um grupo de peritos ad hoc.

Na reunião do CHMP que se segue à receção do parecer escrito do [requerente] à [EMA] ou da fundamentação pormenorizada do requerimento de revisão do parecer, o CHMP decide sobre a consulta do GAC e a respetiva composição (no que se refere aos peritos que não pertençam ao grupo principal do GAC) e aprova uma lista de questões para o GAC.

[…]»

 Código de Conduta da EMA

16      Nos termos do Código de Conduta da EMA, referido no artigo 63.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 726/2004:

«A definição do que constitui um interesse é estabelecida em políticas específicas da EMA. […]»

17      Nos termos do ponto 2.3.3 do Código de Conduta da EMA:

«Quanto aos membros do Conselho de Administração ou aos comités científicos, aos relatores e peritos, bem como aos membros do pessoal da EMA, a participação nos trabalhos da EMA está subordinada à comunicação de uma declaração de interesses assinada e a uma análise dos interesses assim declarados. As restrições aplicáveis às pessoas em causa no que respeita às funções que lhes podem ser atribuídas no âmbito da missão e das responsabilidades da EMA dependerão dos seus interesses concorrentes e das funções exercidas. As restrições pertinentes são especificadas nos documentos de orientação política da [EMA].»

 Política relativa aos interesses concorrentes

18      Nos termos do ponto 3.2.1 do documento sob a epígrafe «European Medicines Agency policy on the handling of competing interests of scientific committees’ members and experts» («Política da [EMA] relativa ao tratamento dos interesses concorrentes dos membros e peritos dos comités científicos»), publicado pela EMA, na sua versão de 6 de outubro de 2016, aplicável ao pedido de revisão apresentado pela recorrente (a seguir «política relativa aos interesses concorrentes»):

«[…]

Os interesses diretos na indústria farmacêutica são:

[…]

–        Consultoria para uma empresa

–        Papel de aconselhamento estratégico para uma empresa

[…]

Os interesses diretos na indústria farmacêutica são:

–        Investigador principal;

[…]»

19      O ponto 3.2.1.1 da política relativa aos interesses concorrentes tem a seguinte redação:

«Entende‑se por “consultoria para uma empresa farmacêutica”: qualquer atividade em que o perito em causa preste aconselhamento (incluindo formação individual) a uma empresa farmacêutica, independentemente dos acordos contratuais ou de qualquer forma de remuneração.

[…]

Entende‑se por “papel de aconselhamento estratégico para uma empresa farmacêutica”: qualquer atividade em que o perito participe (com direito de voto/influência no resultado) num Comité Consultivo/Comité Diretor (Científico) com o papel de propor pareceres/expressar opiniões sobre a (futura) estratégia, a direção e o desenvolvimento das atividades das empresas farmacêuticas, quer em termos de estratégia geral ou de estratégia relacionada com um produto, independentemente das disposições contratuais ou de qualquer forma de remuneração.

[…]»

20      Nos termos do ponto 3.2.1.2 desta política:

«[…]

Entende‑se por “investigador principal”: um investigador responsável pela coordenação de investigadores em diferentes centros que participem num ensaio multicêntrico incentivado/patrocinado pela indústria farmacêutica ou pelo investigador principal de um ensaio monocêntrico incentivado/patrocinado pela indústria farmacêutica ou pelo investigador coordenador (principal) que assina o relatório de estudo clínico.

[…]»

21      O ponto 3.2.2 da referida política prevê:

«[…]

Entende‑se por “produto rival”: um medicamento destinado a uma população de doentes semelhante com o mesmo objetivo clínico (ou seja, tratar, prevenir ou diagnosticar uma patologia específica) e que constitui uma potencial concorrência comercial.

[…]»

22      O ponto 4.1 da mesma política enuncia:

«O principal objetivo da política é garantir que os membros dos comités científicos e os peritos que participam nas atividades da [EMA] não têm um interesse na indústria farmacêutica suscetível de prejudicar a sua imparcialidade, em conformidade com as exigências da legislação da [União]. Tal deve ser ponderado com a necessidade de assegurar a melhor competência científica (especializada) na avaliação e supervisão dos medicamentos […]

[…]»

23      Nos termos do ponto 4.2.1.1 da política relativa aos interesses concorrentes:

«Em matéria de declarações de interesses, podem ser identificados três níveis de interesses:

“interesses diretos declarados” (ou seja, nível de interesse 3);

“interesses indiretos declarados” (ou seja, nível de interesse 2);

“nenhum interesse declarado” (ou seja, nível de interesse 1).

A tónica é colocada principalmente nos interesses diretos na indústria farmacêutica, o que conduz às restrições mais acentuadas em matéria de participação nas atividades da [EMA].

Os interesses indiretos na indústria farmacêutica serão tidos em conta através de medidas de atenuação, a fim de alcançar o melhor equilíbrio possível entre a limitação da participação nas atividades da [EMA] e a necessidade de dispor do melhor conhecimento científico (especializado).

[…]»

24      O ponto 4.2.1.2 desta política dispõe:

«[…]

Caso específico dos produtos rivais

No caso específico dos produtos rivais (anteriormente designados produtos concorrentes), aplica‑se uma abordagem a dois níveis:

O conceito de produtos rivais diz respeito a situações em que apenas há um número muito reduzido (1 a 2) de produtos rivais. […]

Para as indicações amplas, uma vez que são autorizados vários produtos para a mesma indicação, o volume de concorrência existente divide adequadamente os potenciais interesses.

Em situações caracterizadas por um número muito reduzido de produtos rivais, tal como acima especificado, as consequências dirão respeito aos (vice)‑presidentes dos comités científicos e dos grupos de trabalho, bem como aos relatores ou outros membros que desempenham um papel de direção/coordenação, ou aos revisores oficialmente nomeados.»

25      O ponto 4.4 da referida política tem a seguinte redação:

«As consequências da aplicação dos princípios enunciados na presente política em termos dos interesses admissíveis estão resumidas no anexo I “Membros dos comités científicos e peritos autorizados a envolver‑se em questões relacionadas com os medicamentos”.

[…]»

26      O anexo I da política relativa aos interesses concorrentes contém um quadro que precisa, para cada tipo de participação na avaliação de produtos farmacêuticos no âmbito dos processos na EMA, as restrições que se aplicam em função da natureza dos interesses declarados e do período durante o qual esses interesses existiram.

27      No que respeita, nomeadamente, aos peritos que declararam um interesse atual como «investigador principal», na aceção desta política, resulta desse quadro que estes podem ser membros de um GAC ou de um grupo de peritos ad hoc, desde que a sua participação seja limitada nesse quadro quando se trate de um medicamento abrangido por esse interesse:

«Participação unicamente nas discussões relativas aos procedimentos que envolvem o medicamento em causa, ou seja, nenhuma participação nas deliberações finais e na votação, se for caso disso, relativa ao medicamento.»

28      Quanto aos peritos que declararam um interesse atual na qualidade de consultor ou aconselhamento estratégico para uma empresa farmacêutica, o referido quadro distingue entre, por um lado, a hipótese de esse interesse consistir em prestar serviços de consultoria que sejam genéricos ou cubram vários medicamentos, e, por outro, a hipótese de o referido interesse consistir em prestar serviços de consultoria a propósito de um medicamento individual. Na primeira hipótese, é proibida qualquer participação num GAC ou grupo de peritos ad hoc, ao passo que, na segunda hipótese, a possibilidade de ser membro de um GAC ou de um grupo de peritos ad hoc é apenas restringida, da seguinte forma:

«Nenhuma participação nos procedimentos que envolvem o medicamento em causa, ou seja, nenhuma participação nas discussões, nas deliberações finais e na votação, se for caso disso, relativa ao medicamento.»

 Antecedentes do litígio

29      O Tribunal Geral expôs os antecedentes do litígio nos n.os 2 a 12 do acórdão recorrido e estes podem, para efeitos das presentes conclusões, ser resumidos do seguinte modo.

30      Em 26 de junho de 2018, a D & A Pharma apresentou à EMA um pedido de AIM condicional para o Hopveus, ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 507/2006 da Comissão, de 29 de março de 2006, relativo à autorização condicional de introdução no mercado de medicamentos para uso humano abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2006, L 92, p. 6).

31      O Hopveus, que contém como substância ativa o oxibato de sódio, visa tratar a dependência do álcool.

32      Em 17 de outubro de 2019, o CHMP emitiu um parecer desfavorável sobre esse pedido.

33      Em 29 de outubro de 2019, a D & A Pharma apresentou, ao abrigo do artigo 9.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004, um pedido de revisão do parecer do CHMP (a seguir «pedido de revisão»).

34      Para efeitos dessa revisão, o CHMP convocou um grupo de peritos ad hoc.

35      Na sequência de um novo parecer desfavorável do CHMP, de 30 de abril de 2020, a Comissão, através da decisão controvertida, indeferiu o pedido de AIM condicional.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

36      A D & A Pharma interpôs recurso contra a Comissão e a EMA, pedindo a anulação da decisão controvertida e que fosse ordenado que o GAC Psiquiatria fosse, na sequência dessa anulação, convocado com a composição que tinha à data do pedido de revisão.

37      Nos n.os 21 e 22 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou que a decisão controvertida emanava da Comissão e que, consequentemente, o recurso era inadmissível, uma vez que era dirigido contra a EMA. No entanto, o Tribunal Geral examinou a legalidade do processo na EMA na medida em que a Comissão se baseou no parecer apresentado pelo CHMP, que faz parte integrante da EMA.

38      A D & A Pharma invocou seis fundamentos de recurso. O primeiro fundamento era relativo a um vício processual, uma vez que o CHMP tinha convocado, para efeitos da revisão do pedido de AIM para o Hopveus, um grupo de peritos ad hoc e não o GAC Psiquiatria. O segundo fundamento era relativo à falta de imparcialidade de dois membros desse grupo de peritos ad hoc (a seguir, respetivamente, o «perito A» e o «perito B» ou, em conjunto, os «peritos A e B»). O terceiro fundamento era relativo a um vício processual devido a incumprimento das regras de funcionamento do referido grupo ad hoc de peritos e a uma violação do princípio do exame contraditório do pedido de AIM. O quarto a sexto fundamentos eram relativos a um erro de direito, a erros manifestos de apreciação e a violações do princípio da igualdade de tratamento.

39      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral, tendo julgado esses fundamentos improcedentes, negou provimento ao recurso.

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

40      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de maio de 2022, a D & A Pharma interpôs o presente recurso.

41      Com o seu recurso, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        decidir definitivamente sobre o recurso interposto no Tribunal Geral de, nomeadamente, anulação da decisão controvertida; e

–        condenar a Comissão e a EMA nas despesas.

42      A Comissão e a EMA concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao recurso, e

–        condenar a recorrente nas despesas.

43      Na sequência de um pedido apresentado pela recorrente em 9 de agosto de 2022, o presidente do Tribunal de Justiça autorizou‑a a apresentar réplica.

44      Após a apresentação das tréplicas da Comissão e da EMA, a fase escrita do presente processo foi encerrada em 25 de novembro de 2022.

45      Em 14 de abril de 2023, a recorrente pediu a reabertura da fase escrita do processo. Em apoio deste pedido, invocou a existência de elementos adicionais que considerava importantes para a boa compreensão do processo, a saber, por um lado, uma tese de doutoramento a respeito da eficácia do oxibato de sódio no tratamento da dependência do álcool e, por outro, a apreciação desta tese pelo júri que a avaliou.

46      O referido pedido foi indeferido pelo presidente da Quarta Secção do Tribunal de Justiça pelos seguintes motivos.

47      O artigo 128.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que figura na parte deste regulamento dedicada às ações e recursos diretos, prevê que as partes no litígio podem, a título excecional, apresentar ou oferecer provas após o encerramento da fase escrita do processo, o que pode conduzir à fixação de um prazo para a outra parte para que esta possa tomar posição sobre esses elementos de prova. Contudo, não está prevista uma disposição semelhante no Regulamento de Processo no que respeita aos recursos de decisões do Tribunal Geral, uma vez que, neste âmbito, o Tribunal de Justiça não é, em princípio, competente para examinar esses elementos, exceto no caso da sua desvirtuação pelo Tribunal Geral, o que não pode ser o caso, por definição, de novos elementos de prova, apresentados pela primeira vez no Tribunal de Justiça.

48      Por outro lado, uma vez que a recorrente não sustenta, no âmbito do presente recurso, que o Tribunal Geral desvirtuou os factos e os elementos de prova submetidos à sua apreciação, visto que este declarou, mediante esses factos e elementos, que o oxibato de sódio não era eficaz no tratamento da dependência do álcool, o Tribunal de Justiça não é competente para examinar esta questão. Daqui resulta que os elementos adicionais invocados pela recorrente são, em todo o caso, desprovidos de pertinência.

49      Por conseguinte, o presidente da Quarta Secção do Tribunal de Justiça decidiu que havia que indeferir o pedido de reabertura da fase escrita do processo, sem ter de examinar a questão, invocada pela recorrente no seu pedido de reabertura, de saber se a não aplicabilidade do artigo 128.o, n.o 2, do Regulamento de Processo nos processos de recurso pode, em determinadas circunstâncias, revelar‑se contrária ao direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

 Quanto ao recurso

50      A recorrente invoca dois fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral ao declarar que a decisão do CHMP de não convocar o GAC Psiquiatria não era ilegal e a um erro de qualificação jurídica dos factos ao declarar que essa decisão não pôde influenciar o sentido da decisão controvertida. O segundo fundamento é relativo a um erro de direito e a um erro de qualificação jurídica dos atos cometidos pelo Tribunal Geral uma vez que este declarou, no âmbito do seu exame relativo à exigência de imparcialidade objetiva, que os peritos A e B não estavam em conflito de interesses.

 Argumentos das partes

51      Na primeira parte do segundo fundamento de recurso, que importa começar por analisar, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao exigir a prova de preconceito ou de parcialidade por parte dos peritos A e B.

52      A este respeito, recorda que o preconceito ou a parcialidade representa uma falta de imparcialidade subjetiva. Na medida em que tinha invocado uma falta de imparcialidade objetiva, o Tribunal Geral devia ter examinado se existiam garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima quanto à imparcialidade desses peritos.

53      Esta exigência de imparcialidade objetiva aplica‑se, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou nos n.os 132 e 133 do acórdão recorrido, a qualquer pessoa que intervenha num procedimento administrativo e não apenas às pessoas incumbidas de responsabilidades específicas.

54      O Tribunal Geral baseou‑se erradamente na eventual influência que teriam exercido — o que não podia ser determinado, uma vez que as deliberações dos grupos de peritos eram confidenciais — os peritos A e B, quando deveria ter examinado se as ligações existentes entre esses peritos e a indústria farmacêutica podiam suscitar uma dúvida objetivamente justificada quanto à sua imparcialidade.

55      De acordo com a segunda parte do segundo fundamento, este erro de direito, que constitui uma violação do direito a uma boa administração consagrado no artigo 41.o da Carta, foi acrescido de um erro de qualificação jurídica dos factos, uma vez que o Tribunal Geral considerou erradamente que os peritos A e B não se encontravam em conflito de interesses.

56      Ao analisar a situação desses peritos, o Tribunal Geral efetuou, concretamente, uma interpretação errada do conceito de «produto rival».

57      Além disso, o Tribunal Geral ignorou o conteúdo do anexo I da política relativa aos interesses concorrentes. Segundo a recorrente, resulta nomeadamente desse anexo I que as pessoas que prestam serviços de consultoria para vários produtos farmacêuticos, como o perito A, não podem ser membros de um grupo de peritos consultado pelo CHMP.

58      Quanto ao perito B, a recorrente recorda que este era investigador principal para o produto AD 04, desenvolvido pela sociedade Adial Pharmaceuticals. No momento da participação do perito B no grupo de peritos ad hoc convocado para avaliar o Hopveus, o AD 04 era, segundo a recorrente, objeto de um procedimento de apreciação na EMA. Ora, o AD 04 visa o tratamento da dependência do álcool e é, deste modo, um produto rival do Hopveus devido à identidade do objetivo clínico e à semelhança dos pacientes visados. O n.o 103 do acórdão recorrido é juridicamente errado, uma vez que equivale a compartimentar artificialmente os medicamentos destinados a tratar uma mesma patologia, privando a definição do conceito de «produto rival» do seu efeito útil.

59      O n.o 104 do acórdão recorrido também é juridicamente errado, já que equivale a dizer que só os peritos que trabalharam no produto que é objeto do procedimento de revisão não podem ser membros do grupo de peritos consultado, ao passo que os peritos que trabalharam em produtos rivais podem.

60      Segundo a recorrente, se a política relativa aos interesses concorrentes devesse, como declarou o Tribunal Geral, ser entendida no sentido de que o investigador principal para um produto pode participar no grupo de peritos que avalia a aptidão de um produto rival para obter a concessão de uma AIM, haveria que concluir que essa política é contrária à exigência de imparcialidade objetiva, conforme decorre do artigo 41.o da Carta. Por conseguinte, a interpretação da referida política adotada pelo Tribunal Geral não pode ser acolhida.

61      A Comissão e a EMA alegam que a exigência de imparcialidade, consagrada no artigo 41.o da Carta, está refletida no artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004 e no Código de Conduta da EMA, adotado por força desta última disposição. A decisão do legislador da União de legitimar a EMA a aplicar este artigo 63.o, n.o 2, exprime o facto de a referida agência ser a instância mais bem colocada para avaliar os interesses em jogo. A EMA ponderou, de forma muito detalhada, a necessidade de imparcialidade e a de um conhecimento de nível elevado. O anexo I da política relativa aos interesses concorrentes exprime esta ponderação.

62      O argumento da recorrente de que o Tribunal Geral examinou o fundamento relativo à violação da imparcialidade objetiva à luz do critério aplicável para apreciar o respeito da imparcialidade subjetiva assenta numa leitura errada do acórdão recorrido.

63      Foi, especialmente, com razão que o Tribunal Geral declarou, nos n.os 130 e 131 do acórdão recorrido, que as conclusões do grupo de peritos ad hoc foram adotadas coletivamente por todos os seus membros e que o princípio da colegialidade garante uma imparcialidade objetiva dos pareceres formulados. Esta apreciação está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante dos Acórdãos de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o. (C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375), e de 19 de fevereiro de 2009, Gorostiaga Atxalandabaso/Parlamento (C‑308/07 P, EU:C:2009:103).

64      É certo que resulta dos n.os 34 e 38 do Acórdão de 27 de março de 2019, August Wolff e Remedia/Comissão (C‑680/16 P, EU:C:2019:257), que, quando um perito exerce um papel preponderante no grupo de peritos, as dúvidas quanto à sua imparcialidade não podem ser dissipadas apenas com base no princípio da colegialidade. Todavia, no caso em apreço, os peritos A e B não exerceram esse papel no grupo de peritos ad hoc.

65      Foi igualmente com razão que o Tribunal Geral concluiu que nenhum dos interesses concorrentes do perito A ou do perito B era suscetível de conduzir a um conflito de interesses.

66      Quanto ao perito B, a Comissão e a EMA alegam que, no momento da reunião do grupo de peritos ad hoc a respeito do Hopveus, o AD 04 ainda não era objeto de um pedido de AIM. Em todo o caso, o Tribunal Geral não cometeu um erro ao declarar que o AD 04 e o Hopveus não eram produtos rivais, uma vez que os pacientes visados pelo AD 04 apenas pretendem limitar o seu consumo de álcool.

67      A Comissão e a EMA acrescentam que, mesmo que o AD 04 deva ser considerado um produto rival do Hopveus, a política relativa aos interesses concorrentes indica claramente que não é proibido a um perito, que contribuiu para o desenvolvimento de um produto farmacêutico, ser membro dos grupos de peritos convocados pelo CHMP para o exame de um produto rival. O Tribunal Geral declarou corretamente, no n.o 104 do acórdão recorrido, que o perito B estaria impedido de ser membro desse grupo apenas no caso de o procedimento de revisão incidir sobre o produto para o qual é investigador principal.

68      No que respeita ao perito A, a Comissão e a EMA alegam que os interesses concorrentes deste perito, como as suas atividades enquanto consultor para as empresas farmacêuticas Lundbeck e Janssen, não conduziam a um conflito de interesses.

69      A este respeito, a EMA sublinhou, na audiência no Tribunal de Justiça, que, na sua declaração de interesses concorrentes, o perito A tinha claramente especificado quais eram os medicamentos individuais sobre os quais incidiam as suas atividades de consultoria exercidas para as empresas Lundbeck e Janssen. O papel deste perito consiste em prestar serviços de consultoria não genéricos ou que abranjam vários medicamentos, na aceção do anexo I da política relativa aos interesses concorrentes, mas a propósito de um medicamento individual, na aceção deste anexo I. Daqui resulta que o perito A podia ser membro de qualquer grupo de peritos convocado pelo CHMP, com a única exceção daqueles que examinam os medicamentos abrangidos pelas suas atividades de consultoria.

70      Aliás, a recorrente não invocou uma exceção de ilegalidade contra a política relativa aos interesses concorrentes. Deste modo, o Tribunal Geral limitou‑se, com razão, a concluir que esta política não proibia a participação dos peritos A e B no grupo de peritos ad hoc e que a referida política, que implicava um exame pormenorizado dos interesses em jogo, foi adotada com base na legitimidade prevista no artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

71      Na primeira parte do segundo fundamento de recurso, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao exigir a prova de preconceito ou de parcialidade por parte dos peritos A e B.

72      A este respeito, há que recordar que o direito fundamental a uma boa administração, enunciado no artigo 41.o da Carta, inclui, nos termos do n.o 1 desta disposição, o direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial.

73      Esta exigência de imparcialidade inclui uma componente subjetiva e uma componente objetiva. Em conformidade com esta última componente, invocada pela recorrente, cada instituição, órgão e organismo da União deve oferecer garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima quanto a um eventual preconceito (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de março de 2019, August Wolff e Remedia/Comissão, C‑680/16 P, EU:C:2019:257, n.o 27, e de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão, C‑883/19 P, EU:C:2023:11, n.o 77).

74      O Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar que a imparcialidade objetiva do CHMP, e, deste modo, da EMA, está comprometida quando um conflito de interesses relativamente a um dos membros do CHMP pode resultar de uma sobreposição de funções, independentemente da conduta pessoal desse membro. Tal incumprimento é suscetível de viciar de ilegalidade a decisão adotada pela Comissão no termo do processo (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2019, August Wolff e Remedia/Comissão, C‑680/16 P, EU:C:2019:257, n.os 28 e 30).

75      A imparcialidade objetiva do CHMP está igualmente comprometida quando um perito que se encontra numa situação de conflito de interesses faz parte do grupo de peritos que é consultado por esse comité no âmbito da revisão que conduz ao parecer da EMA e à decisão da Comissão sobre o pedido de AIM.

76      A este respeito, há que observar que a opinião formulada pelo grupo de peritos convocado pelo CHMP tem uma influência, potencialmente decisiva, no parecer da EMA e, através desse parecer, na decisão da Comissão. Ora, cada membro desse grupo pode, se for caso disso consideravelmente, influenciar as discussões e deliberações que ocorreram, de forma confidencial, no referido grupo. Deste modo, a participação no grupo de peritos consultado pelo CHMP de uma pessoa que se encontra numa situação de conflito de interesses dá origem a uma situação que não oferece garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima relativamente a um possível preconceito, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 73 do presente acórdão.

77      Por conseguinte, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou nos n.os 130 a 132 do acórdão recorrido, um conflito de interesses de um membro do grupo de peritos consultado pelo CHMP vicia substancialmente o procedimento. O facto de, no termo das suas discussões e deliberações, esse grupo de peritos formular colegialmente a sua opinião não faz desaparecer tal vício. Com efeito, esta colegialidade não é suscetível de neutralizar a influência que o membro em situação de conflito de interesses pode exercer no âmbito do referido grupo nem as dúvidas sobre a imparcialidade do mesmo grupo que se baseiam legitimamente no facto de esse membro ter podido contribuir para as discussões.

78      Estas considerações não são infirmadas pelos princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o. (C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375), e de 19 de fevereiro de 2009, Gorostiaga Atxalandabaso/Parlamento (C‑308/07 P, EU:C:2009:103), invocados pela Comissão e pela EMA. Contrariamente ao presente processo, os processos que deram origem a esses acórdãos não diziam respeito a um conflito de interesses que pudesse resultar de atividades da pessoa em causa externas às que exerce no âmbito de procedimentos numa instituição, num órgão ou num organismo da União.

79      As considerações expostas nos n.os 75 a 77 do presente acórdão também não são infirmadas pela circunstância de os membros do grupo de peritos cuja participação é contestada à luz da exigência de imparcialidade objetiva não exercerem uma função de direção ou de coordenação nesse grupo. Com efeito, não se pode admitir, contrariamente ao que o Tribunal Geral indicou nos n.os 131 e 132 do acórdão recorrido, que só os membros que exercem essa função podem ter uma influência significativa na tramitação ou no resultado do processo.

80      Por outro lado, não se pode exigir às pessoas cujos processos são tratados por uma instituição, um órgão ou um organismo da União que apresentem, em apoio da sua argumentação de que a exigência de imparcialidade objetiva não foi cumprida num procedimento administrativo da União, a prova de indícios concretos de parcialidade, tais como declarações ou tomadas de posição do perito em causa no grupo de peritos de que faz parte. Com efeito, a imparcialidade objetiva é apreciada independentemente do comportamento específico da pessoa em causa. Em todo o caso, as declarações e tomadas de posição no âmbito dos trabalhos desse grupo são confidenciais. Como o Tribunal Geral reconheceu no n.o 132 do acórdão recorrido, é impossível determinar a influência exercida pelos peritos em causa. Por conseguinte, o facto de, no caso em apreço, a recorrente não ter podido apresentar provas de uma declaração ou uma tomada de posição concreta do perito A ou do perito B era desprovido de pertinência para apreciar a procedência do fundamento relativo à violação da exigência de imparcialidade objetiva, pelo que o Tribunal Geral, no n.o 133 do acórdão recorrido, se baseou, de forma errada, designadamente nesse fundamento para concluir pela improcedência do segundo fundamento da recorrente em apoio do seu recurso de anulação.

81      Resulta do exposto que a primeira parte do segundo fundamento de recurso é julgada procedente.

82      No entanto, há que observar que os n.os 130 a 133, acima referidos, do acórdão recorrido, viciados de erros de direito invocados pela recorrente no âmbito desta primeira parte do segundo fundamento do presente recurso, constituem apenas um dos dois fundamentos em que assenta o raciocínio do Tribunal Geral. Com efeito, este declarou, nos n.os 99 a 129 desse acórdão, que os peritos A e B não se encontravam, nos termos da política relativa aos interesses concorrentes, numa situação de conflito de interesses quando participaram nas discussões e deliberações do comité de peritos ad hoc consultado pelo CHMP no âmbito da revisão do pedido de AIM para o Hopveus, e que esta política era suficiente para garantir o cumprimento da exigência de imparcialidade objetiva, conforme decorre do artigo 41.o da Carta.

83      Por conseguinte, há que analisar a segunda parte do segundo fundamento de recurso, na qual a recorrente alega que o Tribunal Geral também cometeu erros de direito ao declarar que os interesses concorrentes desses peritos não os colocavam numa situação de conflito de interesses.

84      A este respeito, há que recordar que o legislador da União optou, no que respeita à exigência de imparcialidade dos peritos da EMA, por fixar critérios essenciais no Regulamento n.o 726/2004 e, em seguida, por confiar a esta agência a tarefa de os aplicar (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2023, Alemanha e Estónia/Pharma Mar e Comissão, C‑6/21 P e C‑16/21 P, EU:C:2023:502, n.o 50).

85      A este título, cabe à EMA efetuar uma arbitragem entre, por um lado, a dupla exigência de imparcialidade e independência dos seus peritos, conforme enunciada no artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004, e, por outro, o interesse público, mencionado no artigo 57.o, n.o 1, deste regulamento, relativo à necessidade de dispor dos melhores pareceres científicos possíveis sobre qualquer questão relativa à avaliação da qualidade, da segurança e da eficácia dos medicamentos para uso humano ou veterinário que lhe seja submetida (Acórdão de 22 de junho de 2023, Alemanha e Estónia/Pharma Mar e Comissão, C‑6/21 P e C‑16/21 P, EU:C:2023:502, n.o 51).

86      A fim de permitir à EMA prosseguir eficazmente o objetivo que lhe foi fixado, e tendo em consideração as avaliações técnicas complexas que deve efetuar, o amplo poder de apreciação que lhe é reconhecido manifesta‑se, designadamente, na definição dos critérios que devem presidir à imparcialidade e à independência das pessoas que contribuem para a elaboração dos seus pareceres científicos (Acórdão de 22 de junho de 2023, Alemanha e Estónia/Pharma Mar e Comissão, C‑6/21 P e C‑16/21 P, EU:C:2023:502, n.o 52).

87      Contudo, não obstante a existência desse amplo poder de apreciação e a importância do interesse público acima referido, a EMA, no exercício das suas competências, é obrigada, por força do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, a respeitar os direitos e princípios nela mencionados.

88      Esta agência está, particularmente, vinculada pelas exigências do artigo 52.o, n.o 1, da Carta. Esta disposição indica que qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades, e que, na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

89      Daqui resulta que, ao mesmo tempo que se assegura a conformidade com o objetivo de interesse geral referido no artigo 57.o, n.o 1, do Regulamento n.o 726/2004, que pode justificar, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 85 do presente acórdão, uma atenuação à exigência de imparcialidade objetiva das pessoas que participam no tratamento de um pedido de AIM, exigência que resulta do direito fundamental a uma boa administração, a EMA deve respeitar o conteúdo essencial desse direito fundamental, bem como o princípio da proporcionalidade. Concretamente, não se pode admitir que a referida agência, com o pretexto de querer maximizar o número de peritos disponíveis, preveja restrições ao exercício do seu mandato que se afigurem insuficientes para garantir, no âmbito desse exercício, um processo imparcial. Seria esse o caso, nomeadamente, se fosse permitido aos peritos cujas atividades revelam um interesse atual referente a um produto rival do produto que é objeto de um pedido de AIM, serem membros, sem nenhuma restrição ou atenuação, do grupo de peritos convocado pelo CHMP para efeitos da revisão desse pedido de AIM.

90      Consequentemente, importa que os critérios formulados na política relativa aos interesses concorrentes e que conduzem às restrições e atenuações enumeradas no quadro que figura no anexo I desta política estejam em conformidade, nomeadamente, com a respetiva importância dos interesses concorrentes visados (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2023, Alemanha e Estónia/Pharma Mar e Comissão, C‑6/21 P e C‑16/21 P, EU:C:2023:502, n.o 53).

91      É à luz dos fundamentos que figuram nos n.os 84 a 90 do presente acórdão que há que examinar se, no caso em apreço, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na sua apreciação das acusações da recorrente a respeito da participação dos peritos A e B no grupo de peritos ad hoc consultado pelo CHMP no âmbito da revisão do pedido de AIM para o Hopveus.

92      No que respeita à participação do perito B, que o Tribunal Geral analisou em primeiro lugar, resulta dos n.os 99, 100, 103 e 105 do acórdão recorrido que este perito era, no momento dos trabalhos do grupo de peritos ad hoc sobre o Hopveus, «investigador principal», na aceção da política de interesses concorrentes, para o ensaio clínico europeu de fase 3 do AD 04. Esse produto foi desenvolvido pela empresa Adial Pharmaceuticals e a sua indicação terapêutica consiste, tal como a do Hopveus, em lutar contra a dependência do álcool.

93      Como resulta do ponto 3.2.1.2 da política relativa aos interesses concorrentes, um investigador principal, na aceção desta política, é uma pessoa que exerce uma atividade incentivada e/ou patrocinada pela indústria farmacêutica.

94      Para determinar se o perito B devia ter sido afastado do grupo de peritos ad hoc, o Tribunal Geral começou por examinar se o AD 04 devia ser qualificado de «produto concorrente» do Hopveus.

95      À luz da especificação no ponto 4.2.1.2 da política relativa aos interesses concorrentes, segundo a qual os «produtos concorrentes» são doravante designados «produtos rivais», há que considerar que o conceito de «produto concorrente» utilizado pelo Tribunal Geral visa o de «produto rival», na aceção dessa política. Aliás, o Tribunal Geral referiu‑se expressamente, nos n.o os 101 e 102 do acórdão recorrido, aos pontos da referida política relativos ao conceito de «produto rival».

96      No n.o 103 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que o AD 04 e o Hopveus não eram produtos rivais, uma vez que o AD 04 visava os «pacientes que pretendam controlar o seu consumo de álcool, mas que não podem ou não querem abster‑se completamente de beber», ao passo que o Hopveus pretendia «acompanhar os pacientes que procuram abster‑se completamente de álcool».

97      Ora, o ponto 3.2.2 da política relativa aos interesses concorrentes define o conceito de «produto rival» como um «medicamento que visa uma população de pacientes semelhante com o mesmo objetivo clínico (ou seja, tratar, prevenir ou diagnosticar uma patologia específica) e que constitui uma potencial concorrência comercial».

98      Embora esta definição se aplique, no caso em apreço, a um procedimento de revisão de um pedido de AIM e não diga respeito a produtos que já estão presentes no mercado, reflete, no entanto, o critério adotado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça para apreciar se dois produtos farmacêuticos são concorrentes num determinado mercado. Segundo esta jurisprudência, tal se verifica quando, para a mesma indicação terapêutica, esses produtos são permutáveis ou substituíveis [v. nomeadamente, neste sentido, Acórdãos de 23 de janeiro de 2018, F. HoffmannLa Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.os 51 e 65, e de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 129].

99      Deste modo, é com base numa análise que visa determinar se, em caso de comercialização do AD 04 e do Hopveus, estes produtos, ambos desenvolvidos para tratar a dependência do álcool, apresentam tal grau de permutabilidade ou de substituibilidade que se deve concluir pela existência ou inexistência de uma potencial concorrência comercial.

100    Esta apreciação da permutabilidade ou da substituibilidade entre dois produtos destinados a uma população de pacientes tratada com a mesma patologia não deve ser efetuada apenas à luz das características objetivas desses produtos [v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.o 129 e jurisprudência referida]. É certo que, antes de qualquer introdução no mercado, as condições da procura e da oferta não podem ser conhecidas. Não obstante, a análise da potencial concorrência comercial entre os produtos em causa deve assentar numa apreciação global dos elementos que podem ser tidos em conta para avaliar se os pacientes, e os seus médicos que prescrevem esses medicamentos, poderão ver num produto uma alternativa válida em relação a outra.

101    Ao excluir a possibilidade de concorrência comercial pelo facto de o AD 04 e o Hopveus terem objetivos clínicos diferentes e visarem grupos de pacientes diferentes, a saber, quanto ao primeiro, os que têm a intenção de limitar o seu consumo de álcool e, ao segundo, os que têm a intenção de parar pura e simplesmente esse consumo, o Tribunal Geral não efetuou essa apreciação global.

102    A este respeito, há que considerar que a simples diferença de intensidade no alcance da ação terapêutica entre dois produtos que visam tratar a mesma patologia é precisamente suscetível de incentivar certos pacientes, que sofrem dessa patologia, a substituir, no seu tratamento, um desses produtos pelo outro em função da evolução dos seus sintomas ou das considerações de oportunidade terapêutica e de eficácia provenientes dos médicos que os prescrevem.

103    Daqui resulta que o Tribunal Geral não examinou se os referidos produtos eram suscetíveis de entrar em concorrência entre si à luz de todos os elementos relevantes para o efeito, nomeadamente a circunstância de a evolução do tratamento de um mesmo paciente poder levar o seu médico a prescrever‑lhe, durante esse tratamento, alternativamente esses dois produtos, em função dos sintomas e de considerações de oportunidade terapêutica e de eficácia.

104    Por conseguinte, ao concluir pela inexistência de uma potencial concorrência comercial entre o AD 04 e o Hopveus sem proceder a uma apreciação global de todos os elementos relevantes, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

105    Esta conclusão não é infirmada pela referência, no n.o 102 do acórdão recorrido, ao ponto 4.2.1.2 da política relativa aos interesses concorrentes, nos termos do qual «[o] conceito de produtos rivais diz respeito às situações em que só há um número muito reduzido (1 a 2) de produtos rivais», dizendo as consequências dessa situação respeito, de resto, unicamente, «aos (vice)‑presidentes dos comités científicos e dos grupos de trabalho, bem como aos relatores ou outros membros que desempenham um papel de direção/coordenação, ou aos avaliadores interpares oficialmente designados».

106    A este respeito, há que constatar, sem que o Tribunal de Justiça tenha de se pronunciar sobre a questão de saber se o ponto 4.2.1.2 desta política restringe eventualmente de forma excessiva o âmbito de aplicação dos princípios em matéria de produtos rivais e da exigência de imparcialidade objetiva, que, na sua apreciação efetuada no n.o 103 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não se baseou neste ponto 4.2.1.2, mas nos elementos mencionados no n.o 96 do presente acórdão.

107    O erro de direito cometido, independentemente do n.o 102 do acórdão recorrido, no n.o 103 desse acórdão, vicia a fundamentação seguida pelo Tribunal Geral, não obstante a consideração exposta no n.o 104 do referido acórdão segundo a qual, mesmo admitindo que o AD 04 e o Hopveus constituem produtos rivais, a participação do perito B na reunião do grupo de peritos ad hoc a respeito do Hopveus não é proibida, uma vez que a política relativa aos interesses concorrentes proíbe a participação de um investigador principal no grupo de peritos consultado pelo CHMP unicamente no momento das deliberações finais e da votação num procedimento de revisão que tenha por objeto o mesmo produto para o qual esse perito atua como investigador principal.

108    Com efeito, o próprio n.o 104 do acórdão recorrido está viciado de um erro de direito, pelo que não é, por si só, suficiente para considerar que o dispositivo do acórdão recorrido é legalmente justificado, não obstante o erro de direito de que padece o n.o 103 desse acórdão.

109    No referido n.o 104, o Tribunal Geral interpretou a política relativa aos interesses concorrentes no sentido de que um perito que é investigador principal para um produto cujo desenvolvimento é incentivado e/ou patrocinado pela indústria farmacêutica e que é rival do produto objeto de um procedimento de revisão de um pedido de AIM apresentado à EMA, pode ser membro do grupo de peritos consultado pelo CHMP nesse procedimento de revisão.

110    No mesmo número 104, o Tribunal Geral interpretou igualmente essa política no sentido de que um investigador principal pode, por outro lado, ser membro do grupo de peritos que seria consultado pelo CHMP em caso de revisão de um pedido de AIM apresentado para o produto para cujo desenvolvimento intervém na qualidade de investigador principal, desde que se abstenha dos trabalhos desse grupo aquando das deliberações finais e da votação.

111    Estas considerações do Tribunal Geral devem ser lidas em conjugação com os n.os 127 a 129 do acórdão recorrido, segundo os quais a conformidade da política relativa aos interesses concorrentes com o princípio da imparcialidade objetiva, como decorre do artigo 41.o da Carta, não devia ser posta em causa uma vez que a EMA procedeu a um exame pormenorizado de todos os eventuais conflitos de interesses, não tendo, aliás, a recorrente invocado uma exceção de ilegalidade desta política ao abrigo do artigo 277.o TFUE.

112    Embora o Tribunal Geral tenha podido, com razão, declarar que, uma vez que a recorrente não tinha invocado essa ilegalidade, não havia que examinar a legalidade da política relativa aos interesses concorrentes, não podia, em contrapartida, ignorar que a EMA está vinculada, no exercício das suas competências, pela Carta e deve, deste modo, em todo o caso, interpretar e aplicar a sua política em conformidade com a mesma.

113    No presente processo, independentemente da questão de saber qual o alcance que deve ser conferido ao conceito, não definido, de «medicamento em causa», que figura na medida de atenuação — na aceção do ponto 4.2.1.1, terceiro parágrafo, da política relativa aos interesses concorrentes — que o anexo 1 desta política impõe aos peritos com um interesse concorrente atual enquanto investigador principal, essa medida de atenuação, nos termos da qual esses peritos podem, nos procedimentos relativos ao «medicamento em causa», estar envolvidos «unicamente nas discussões», o que implica que apenas lhes é proibido participar nas «deliberações finais e na votação», não pode, sob pena de limitar, de forma desproporcionada, a proteção da imparcialidade objetiva, ser interpretada ou aplicada no sentido de que esse perito pode participar nos trabalhos de um grupo de peritos que é consultado pelo CHMP no procedimento relativo à revisão de um pedido de AIM que foi apresentado para um produto rival do produto para o qual esse perito é simultaneamente, sob o incentivo e/ou sob o patrocínio da indústria farmacêutica, o investigador principal.

114    Tal participação, pela sua natureza, não é apta para garantir que o procedimento de revisão em causa se desenrole de forma imparcial. Quanto a este aspeto, basta observar que uma recusa de AIM para o produto rival objeto da revisão pode apresentar um interesse comercial considerável para a empresa sob o incentivo e/ou sob cujo patrocínio esse perito exerce a sua atividade de investigador principal. A participação deste no grupo de peritos consultado pelo CHMP no âmbito dessa revisão levanta uma dúvida legítima quanto à existência de um eventual preconceito.

115    Daqui resulta que o n.o 104 do acórdão recorrido está viciado de um erro de direito, uma vez que a interpretação da política relativa aos interesses concorrentes feita pelo Tribunal Geral é incompatível com o princípio da imparcialidade objetiva, como decorre do artigo 41.o, n.o 1, da Carta.

116    Do mesmo modo, as restrições — na aceção do ponto 4.2.1.1, segundo parágrafo, da política relativa aos interesses concorrentes — impostas pelo anexo I desta política aos peritos que declararam um interesse atual enquanto consultor ou fornecedor de aconselhamento estratégico para medicamentos individuais de uma ou mais empresas farmacêuticas não podem, contrariamente ao que o Tribunal Geral considerou no n.o 119 do acórdão recorrido, ser interpretadas e aplicadas no sentido de que esse perito pode, a menos que se trate do presidente, do vice‑presidente, do relator ou de outro membro da direção ou de coordenação no referido grupo de peritos, ser membro do grupo de peritos ad hoc convocado pelo CHMP para efeitos da revisão do pedido de AIM apresentado para um produto rival de um desses medicamentos individuais. Esta interpretação, feita pelo Tribunal Geral na sua análise da participação do perito A nos trabalhos do grupo de peritos ad hoc consultado a respeito do Hopveus, é, com efeito, também incompatível com o princípio da imparcialidade objetiva.

117    Resulta de todas as considerações precedentes que a segunda parte do segundo fundamento de recurso é igualmente procedente.

118    Por conseguinte, sem que seja necessário examinar o primeiro fundamento do presente recurso, há que anular o acórdão recorrido, salvo se, no entanto, esse acórdão declarar inadmissível o recurso interposto contra a EMA. Com efeito, uma vez que o Tribunal Geral declarou o recurso inadmissível na parte em que era dirigido contra a EMA e que essa apreciação, que está abrangida pelo seu dispositivo, não foi contestada no âmbito do presente recurso, esta parte do acórdão recorrido tem força de caso julgado (v., por analogia, Acórdão de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.os 109 e 110).

 Quanto ao recurso no Tribunal Geral

119    Se o litígio estiver em condições de ser julgado, o Tribunal de Justiça pode, nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, decidir definitivamente o litígio.

120    No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera que há que decidir definitivamente o presente litígio. Este está em condições de ser julgado uma vez que o recurso de anulação da recorrente no Tribunal Geral se baseia em fundamentos que foram objeto de debate contraditório perante este último e cuja análise não exige a adoção de nenhuma medida adicional de organização do processo ou de instrução do processo (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 130).

121    Como foi salientado no n.o 38 do presente acórdão, a D & A Pharma invocou seis fundamentos de recurso no Tribunal Geral.

122    Antes de analisar a procedência desses fundamentos, há que relembrar as considerações feitas no n.o 118 do presente acórdão, das quais resulta que o recurso deve ser julgado inadmissível na parte em que é dirigido contra a EMA.

123    Nestas circunstâncias, há que decidir definitivamente o recurso de anulação interposto pela recorrente dentro dos limites do litígio que continua pendente no Tribunal de Justiça.

 Argumentos das partes

124    Com o primeiro fundamento do seu recurso, a D & A Pharma alega que a decisão controvertida foi proferida no termo de um procedimento irregular, pelo facto de que o CHMP não podia recusar consultar o GAC Psiquiatria durante o procedimento de revisão.

125    Decorre do artigo 62.o, n.o 1, último período, do Regulamento n.o 726/2004, dos termos do artigo 11.o das Regras Processuais do CHMP, bem como do ponto 6.1 das Orientações relativas ao Procedimento de Revisão, que o CHMP deve, quando o requerente da revisão o solicite, consultar um GAC, desde que o produto em causa faça parte do domínio terapêutico da competência desse grupo de peritos. Por conseguinte, tratando‑se, no caso em apreço, de um produto destinado ao tratamento de uma patologia psiquiátrica, era o GAC Psiquiatria que devia ter sido convocado.

126    Esta obrigação aplica‑se também quando os membros do grupo principal do GAC no domínio terapêutico em causa não estão, por si só, em condições de oferecer uma peritagem exaustiva. Com efeito, quando é necessário um parecer esclarecido sobre problemas específicos, poderão ser acrescentados mais peritos ao grupo principal.

127    Estas regras permitem preservar a continuidade e a coerência dos pareceres emitidos sobre os medicamentos que pertencem ao mesmo domínio terapêutico. Assim, asseguram os melhores pareceres científicos possíveis, em conformidade com a tarefa atribuída à EMA referida no artigo 57.o, n.o 1, do Regulamento n.o 726/2004.

128    A D & A Pharma sublinha que insistiu reiteradamente, junto do CHMP, para que este consultasse o GAC Psiquiatria, especialmente após a dissolução, na sequência das irregularidades que tinha denunciado, do grupo de peritos ad hoc inicialmente convocado pelo CHMP. Ora, numa mensagem de correio eletrónico da EMA de 6 de março de 2020, esta agência indicou que o CHMP tinha decidido convocar um segundo grupo de peritos ad hoc, persistindo assim na sua recusa de dar seguimento ao pedido de consulta do GAC Psiquiatria.

129    A Comissão alega que a regulamentação aplicável não legitima os requerentes de AIM a exigir que o CHMP consulte o grupo científico da sua escolha. A inexistência desse direito está em conformidade com a finalidade desta regulamentação, que consiste na proteção da saúde pública. Para que o CHMP possa, em conformidade com o artigo 57.o, n.o 1, do Regulamento n.o 726/2004, lido à luz do seu considerando 19, fornecer os melhores pareceres científicos possíveis, é imperativo que convoque, em função das particularidades do produto em causa, o grupo de peritos mais apto.

130    Quanto ao ponto 6.1 das Orientações relativas ao Procedimento de Revisão, a Comissão alega que, não obstante o previsto neste ponto, um GAC não pode ser consultado de forma sistemática quando não foi criado nenhum GAC no domínio terapêutico em causa. Ora, embora possa ser caracterizada por perturbação psiquiátrica, a dependência do álcool é uma patologia abrangida por várias disciplinas médicas.

131    A Comissão especifica que o Hopveus visa combater a dependência do álcool. A avaliação dos produtos destinados ao tratamento desta patologia exige uma contribuição especializada de peritos no domínio da dependência.

132    Por outro lado, as comorbidades que podem acompanhar a dependência do álcool, como as doenças do fígado e as complicações neurológicas, não fazem parte do domínio da Psiquiatria.

133    A recorrente também não tem razão quando alega que a consulta de grupos de peritos ad hoc prejudica a coerência dos pareceres. A este respeito, a Comissão observa que o GAC Psiquiatria só foi consultado uma vez relativamente a um medicamento destinado ao tratamento da dependência do álcool. Em todo o caso, a necessidade de emitir um parecer coerente não pode prejudicar o poder, ou mesmo a obrigação, do CHMP de consultar o grupo de peritos mais apto a fornecer o melhor parecer científico possível. Por outro lado, tendo os membros do GAC Psiquiatria sido, no presente processo, convidados a participar na reunião do grupo de peritos ad hoc e três membros deste GAC aceitado esse convite, não pode existir um problema de coerência.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

134    Como resulta do artigo 56.o do Regulamento n.o 726/2004, o CHMP, que faz parte da EMA, pode, no âmbito da avaliação de tipos específicos de medicamentos ou de tratamentos, criar GACs e delegar‑lhes determinadas tarefas relacionadas com a elaboração dos pareceres previstos no artigo 5.o deste regulamento.

135    Decorre de uma leitura conjugada destes dois artigos que o CHMP, que formula, designadamente, os pareceres da EMA sobre os pedidos de AIM de medicamentos para uso humano, pode consultar, para efeitos da elaboração desse parecer, o GAC que criou no domínio terapêutico a que pertence o produto para o qual é pedida uma AIM.

136    O artigo 62.o, n.o 1, último período, do referido regulamento especifica que, em caso de pedido de revisão de um parecer, o requerente pode solicitar a consulta, pelo CHMP, de um GAC. Como confirma o artigo 11.o, n.o 2, das Regras Processuais do CHMP, essa possibilidade existe, nomeadamente, em caso de pedido de revisão de um parecer negativo sobre um pedido de AIM.

137    O Regulamento n.o 726/2004 e as Regras Processuais do CHMP não mencionam a obrigação de o CHMP deferir esse pedido de consulta de um GAC. Desde modo, não se pode excluir à partida que este comité disponha de um poder de apreciação quanto à oportunidade de consultar ou não o GAC criado no domínio a que pertence, eventualmente, o produto para o qual a AIM é pedida.

138    Dito isto, resulta expressamente do ponto 6.1 das Orientações relativas ao Procedimento de Revisão, conforme publicadas pela EMA, que esta última limitou ela própria esse poder de apreciação.

139    É certo que o primeiro parágrafo desse ponto 6.1, ao indicar que a «decisão relativa à consulta de um GAC para um pedido de revisão dependerá, nomeadamente, do CHMP ou do pedido do requerente de consulta do GAC pelo CHMP», não permite, por si só, concluir que incumbe ao CHMP consultar um GAC mediante um pedido nesse sentido.

140    No entanto, os termos deste parágrafo são clarificados no segundo parágrafo do ponto 6.1. Este indica que é desejável que o CHMP seja informado o mais breve possível de um pedido de consulta de um GAC, que tal pedido deve ser devidamente fundamentado e que, caso este pedido seja formulado, «o CHMP consulta sistematicamente o GAC».

141    O terceiro parágrafo do mesmo ponto 6.1 acrescenta que, num domínio terapêutico em que não tenha sido criado nenhum GAC, o parecer de peritos adicionais disponíveis «será solicitado sob a forma de consulta de um grupo de peritos ad hoc».

142    Resulta assim do ponto 6.1 das Orientações relativas ao Procedimento de Revisão, publicadas pela EMA, que esta se compromete a que o CHMP consulte sistematicamente um GAC quando o requerente da revisão solicitar em tempo útil e de forma devidamente fundamentada essa consulta. Daqui resulta também que o GAC chamado a pronunciar‑se para esse efeito deve ser o que foi criado no domínio terapêutico a que pertence o produto em causa e que será convocado um grupo de peritos ad hoc se nenhum GAC tiver sido criado nesse domínio.

143    Sob pena de lesar os direitos que o requerente da revisão obtém do direito da União, o CHMP deve, na sua qualidade de comité competente da EMA, aplicar as regras de conduta enunciadas por esta agência, das quais faz parte, nomeadamente, o ponto 6.1 das Orientações relativas ao Procedimento de Revisão. Com efeito, resulta de jurisprudência constante que, ao adotar regras de conduta e ao anunciar através da sua publicação que as aplicará aos casos por elas visados, uma instituição, um órgão ou um organismo da União autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode, em princípio, afastar‑se dessas regras sob pena de poder ser sancionada, sendo caso disso, por violação de princípios gerais do direito, como a igualdade de tratamento ou a proteção da confiança legítima (v. nomeadamente, neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2008, Alemanha e o./Kronofrance, C‑75/05 P e C‑80/05 P, EU:C:2008:482, n.o 60, e de 10 de novembro de 2022, Comissão/Valencia Club de Fútbol, C‑211/20 P, EU:C:2022:862, n.o 35).

144    Por conseguinte, nos termos do ponto 6.1 das Orientações relativas ao Procedimento de Revisão, qualquer pedido, devidamente fundamentado e formulado em tempo útil, de consulta de um GAC obriga o CHMP a consultar o GAC criado no domínio terapêutico a que pertence o produto em causa ou, apenas na hipótese de não ter sido criado nenhum GAC neste domínio, a consultar um grupo de peritos ad hoc.

145    Deste modo, mediante um pedido desse tipo, incumbe ao CHMP avaliar se a indicação terapêutica do produto em causa pertence, pelo menos de forma preponderante, a um domínio terapêutico para o qual foi criado um GAC.

146    Sendo esta avaliação de ordem científica, a fiscalização do juiz da União deve limitar‑se a verificar se a referida avaliação foi efetivamente feita e se não está viciada por erro manifesto ou por um desvio de poder ou ainda se os limites do poder de apreciação não foram manifestamente ultrapassados (v., por analogia, Acórdão de 9 de março de 2023, PlasticsEurope/ECHA, C‑119/21 P, EU:C:2023:180, n.o 46 e jurisprudência referida).

147    Devido à limitação do poder de apreciação da EMA, que esta agência impôs a si própria, cujos contornos foram especificados nos n.os 140 a 145 do presente acórdão e que se impõe da mesma forma ao CHMP, há que considerar que este excede manifestamente os limites desse poder de apreciação, nomeadamente, quando decide convocar um grupo de peritos ad hoc, apesar de ter constatado que a indicação terapêutica do produto em causa pertence, pelo menos de forma preponderante, a um domínio terapêutico para o qual foi criado um GAC, ou quando decide convocar um grupo de peritos ad hoc com base, não no facto de nenhum GAC ter sido criado no domínio terapêutico do qual esse produto faz parte, mas em elementos que já dizem respeito ao tratamento material, pelo CHMP, do pedido de revisão, como as questões que pretende colocar aos peritos, ou em considerações de ordem hipotética, como a circunstância de um grupo de peritos ad hoc ser alegadamente mais apto a responder a essas questões do que o GAC criado.

148    A este respeito, há que salientar que decorre do artigo 56.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004, lido em conjugação com as secções IV e VII das Regras Processuais dos GAC, que a consulta do GAC criado no domínio terapêutico a que pertence o produto em causa permite ao CHMP receber uma opinião elaborada pelos peritos permanentes deste GAC, que representam diferentes escolas de pensamento e práticas terapêuticas europeias neste domínio e fornecem, designadamente, uma peritagem em metodologia dos ensaios clínicos e em bioestatística. Por outro lado, este grupo denominado «principal» do GAC pode ser completado por peritos adicionais que são especializados no tratamento de problemas específicos levantados pelas questões que o CHMP pretende colocar.

149    A consulta desse conjunto de peritos que inclui, por um lado, um grupo que assegura, pelo seu caráter permanente e pela sua composição equilibrada, a continuidade e a coerência no tratamento dos processos do domínio terapêutico para o qual o GAC foi criado e, por outro, peritos adicionais especializados no tratamento de problemas específicos suscitados no âmbito da revisão, garante, em todos os processos deste domínio, a elaboração dos «melhores pareceres científicos possíveis», e permite assim à EMA cumprir a tarefa que lhe é confiada, nos termos do artigo 57.o, n.o 1, do Regulamento n.o 726/2004.

150    Nestas condições, a convocação, num domínio terapêutico para o qual foi criado um GAC, de um grupo de peritos ad hoc não pode, sob pena de prejudicar o efeito útil da criação do GAC, os compromissos assumidos pela EMA no ponto 6.1 das Orientações relativas ao Procedimento de Revisão e a coerência no tratamento dos pedidos de AIM, ser admitida com base na consideração do CHMP de que um grupo de peritos ad hoc seria mais apto a responder às suas questões do que o GAC criado, eventualmente reforçado por peritos adicionais.

151    Esta conclusão é corroborada pelo ponto 6.1, quarto parágrafo, das Orientações relativas ao Procedimento de Revisão. Como referiu, em substância, a advogada‑geral no n.o 68 das suas conclusões, resulta desta disposição que o momento em que o CHMP decide que tipo de grupo de peritos, permanente ou ad hoc, será consultado, é, em princípio, anterior ao momento em que determina as questões que serão colocadas aos peritos. Também por este motivo, o conteúdo destas questões não pode constituir um critério para avaliar se há que convocar um GAC criado em vez de um grupo de peritos ad hoc. A identificação do tipo de grupo de peritos a consultar deve depender apenas da questão de saber se a indicação terapêutica do produto em causa faz parte de um domínio terapêutico para o qual foi criado um GAC. No entanto, o conteúdo das questões formuladas pelo CHMP pode, como decorre da secção VII, ponto 4, das Regras Processuais dos GAC, determinar se, em caso de convocação de um GAC, este deve ser completado por peritos adicionais.

152    No presente processo, resulta dos documentos juntos ao recurso que, na sequência do pedido de revisão apresentado pela D & A Pharma, que incluía um pedido de consulta de um grupo de peritos, o CHMP convocou um grupo de peritos ad hoc, cujos trabalhos foram, todavia, interrompidos antes de esse grupo ter chegado a formular uma opinião. Em seguida, o CHMP decidiu convocar outro grupo de peritos ad hoc. A este respeito, a EMA pretendeu esclarecer, numa mensagem de correio eletrónico de 6 de março de 2020 dirigida à D & A Pharma, as razões pelas quais o CHMP tinha decidido, contrariamente ao que a D & A Pharma pedia, convocar esse outro grupo de peritos ad hoc e não o GAC Psiquiatria.

153    Antes de mais, resultava dessa mensagem de correio eletrónico que a EMA considerava que existiam, no caso em apreço, «questões científicas ou clínicas específicas em discussão». Em seguida, esta agência esclarecia que os membros do grupo de peritos ad hoc seriam selecionados em função da sua competência para responder às questões colocadas pelo CHMP e que este último considerava que era mais adequado, tendo em conta a especificidade dessas questões, consultar esse grupo e não o GAC Psiquiatria. Por último, a EMA indicava que os membros desse GAC seriam, no entanto, contactados para que participassem, sob reserva da sua disponibilidade, na reunião do grupo de peritos ad hoc, programada para 6 de abril de 2020.

154    Ora, como foi exposto nos n.os 142 a 145 do presente acórdão, decorre do próprio Código de Conduta da EMA, e mais especificamente do ponto 6.1 das Orientações relativas ao Procedimento de Revisão, que, quando a indicação terapêutica do produto em causa faça parte, de forma preponderante, do domínio terapêutico para o qual foi criado um GAC, incumbe ao CHMP, em caso de pedido nesse sentido, devidamente fundamentado e formulado em tempo útil, consultá‑lo, juntando, se for caso disso, peritos especializados no tratamento dos problemas específicos levantados pelas questões que o CHMP pretende colocar ao GAC.

155    Como salientou a advogada‑geral, em substância, no n.o 59 das suas conclusões, nem a Comissão nem a EMA contestam o facto, de resto conforme com a classificação internacional das doenças estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de o combate à dependência do álcool fazer parte do domínio terapêutico da Psiquiatria. Daqui resulta que o CHMP não podia recusar à recorrente a consulta do GAC Psiquiatria pelos motivos apresentados pela EMA na sua mensagem de correio eletrónico de 6 de março de 2020.

156    Uma vez que também não é contestado que a decisão do CHMP de convocar um grupo de peritos ad hoc é posterior ao pedido da recorrente, claramente expresso e suficientemente fundamentado, destinado a que o GAC Psiquiatria fosse consultado, não se pode deixar de observar que esse comité só tinha fundamento para tomar tal decisão — e, portanto, para recusar acolher o pedido formulado pela recorrente —¬ depois de ter constatado, no termo de um exame circunstanciado e desprovido de erro manifesto, que a indicação terapêutica do Hopveus, a saber, o combate à dependência do álcool, não fazia parte, de forma preponderante, do domínio terapêutico da Psiquiatria. Ora, resulta dos documentos dos autos, especialmente da mensagem de correio eletrónico da EMA de 6 de março de 2020, que o CHMP não realizou esse exame nem chegou a tal conclusão.

157    Daqui resulta que a decisão de convocação de um grupo de peritos ad hoc em vez do GAC Psiquiatria constitui um vício que enfermou o procedimento de adoção do parecer da EMA previsto no artigo 5.o, n.o 2, e no artigo 9.o do Regulamento n.o 726/2004. Por conseguinte, o próprio processo de adoção da decisão controvertida padece de um vício formal.

158    A este respeito, é jurisprudência constante que o incumprimento das regras processuais relativas à adoção de um ato lesivo constitui uma violação de formalidades essenciais, na aceção do artigo 263.o, segundo parágrafo, TFUE, pelo que, se o juiz da União concluir que o ato impugnado não foi regularmente adotado, cabe‑lhe retirar as consequências da violação de uma formalidade essencial e, por conseguinte, anular esse ato (v. nomeadamente, neste sentido, Acórdãos de 24 de junho de 2015, Espanha/Comissão, C‑263/13 P, EU:C:2015:415, n.o 56, e de 20 de setembro de 2017, TillySabco/Comissão, C‑183/16 P, EU:C:2017:704, n.o 115). No caso em apreço, tendo a decisão controvertida sido adotada com base num parecer da EMA que deveria ter sido considerado nulo, a referida decisão está, ela própria, ferida de nulidade.

159    Consequentemente, há que julgar procedente o primeiro fundamento do recurso e anular a decisão controvertida, em conformidade com os pedidos apresentados nesse sentido no Tribunal Geral pela D & A Pharma, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos do recurso.

160    Em contrapartida, uma vez que, na sua petição apresentada no Tribunal Geral, a D & A Pharma pediu que o GAC Psiquiatria fosse convocado na sua composição à data do pedido de revisão, deve ser negado provimento ao presente recurso. Com efeito, é jurisprudência constante que, no âmbito da fiscalização da legalidade baseada no artigo 263.o TFUE, o juiz da União não é competente para decretar injunções contra as instituições, órgãos e organismos da União (v. nomeadamente, neste sentido, Acórdão de 5 de julho de 1995, Parlamento/Conselho, C‑21/94, EU:C:1995:220, n.o 33, e Despacho de 22 de setembro de 2016, Gaki/Comissão, C‑130/16 P, EU:C:2016:731, n.o 14).

 Quanto às despesas

161    Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

162    Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. O artigo 138.o, n.o 3, do referido regulamento, também aplicável aos processos de recursos por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, prevê, além disso, que, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado, atendendo às circunstâncias do caso concreto, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

163    No caso em apreço, é dado provimento ao recurso. A decisão controvertida é anulada, bem como o acórdão recorrido, este último dentro dos limites do litígio em que o Tribunal de Justiça foi chamado a conhecer. A este respeito, como resulta dos n.os 118 e 122 do presente acórdão, o acórdão recorrido é definitivo uma vez que julgou inadmissível o recurso na parte em que era dirigido contra a EMA.

164    Nestas condições, não se pode considerar que a EMA, embora tenha participado no processo de recurso com base em que fosse negado provimento ao recurso, na aceção do artigo 172.o do Regulamento de Processo, foi vencida nos seus fundamentos e suportará apenas as suas próprias despesas relativas ao processo de recurso.

165    Tendo a Comissão sido vencida, não obstante o exposto no n.o 160 do presente acórdão, quanto ao essencial dos seus fundamentos, tanto no processo no Tribunal Geral como no presente recurso, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela recorrente relativas a estes processos.

166    Tendo a recorrente sido vencida no seu recurso no Tribunal Geral na parte em que este foi dirigido contra a EMA, há que condená‑la a suportar as despesas desta última relativas ao processo no Tribunal Geral.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

1)      É anulado o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 2 de março de 2022, D & A Pharma/Comissão e EMA (T556/20, EU:T:2022:111), exceto na parte em que julgou o recurso inadmissível na parte em que era dirigido contra a Agência Europeia de Medicamentos (EMA).

2)      É anulada a Decisão de Execução da Comissão de 6 de julho de 2020, que recusa a autorização de introdução no mercado do medicamento para uso humano Hopveus — oxibato de sódio, ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e que cria uma Agência Europeia de Medicamentos, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2019/5 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018.

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      A Debrégeas et associés Pharma SAS (D & A Pharma) é condenada nas despesas efetuadas pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) relativas ao processo que correu no Tribunal Geral da União Europeia.

5)      A Comissão Europeia suporta, além das suas próprias despesas relativas tanto ao processo no Tribunal Geral da União Europeia como ao presente processo de recurso, as despesas efetuadas pela Debrégeas et associés Pharma SAS (D & A Pharma) no âmbito destes dois processos.

6)      A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) suporta as suas próprias despesas relativas ao presente processo de recurso.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.