Language of document : ECLI:EU:C:2000:428

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

12 de Setembro de 2000 (1)

«Inscrição obrigatória num fundo de pensões profissional - Compatibilidade com as regras da concorrência - Qualificação de um fundo de pensões profissional como empresa»

Nos processos apensos C-180/98 a C-184/98,

que têm por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelo Kantongerecht te Nijmegen (Países Baixos), destinados a obter, nos litígios pendentes nesse órgão jurisdicional entre

Pavel Pavlov e o.

e

Stichting Pensioenfonds Medische Specialisten,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado CE (actuais artigos 81.° CE, 82.° CE e 86.° CE),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J. C. Moitinho de Almeida (relator), D. A. O. Edward, L. Sevón e R. Schintgen, presidentes de secção, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann, J.-P. Puissochet e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,


secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação do Stichting Pensioenfonds Medische Specialisten, por E. H. Pijnacker Hordijk, advogado no foro de Bruxelas, e C. J. J. C. van Nispen, advogado no foro de Haia,

-    em representação do Governo neerlandês, por M. A. Fierstra, chefe do serviço «Direito Europeu» no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

-    em representação do Governo grego, por V. Kyriazopoulos, mandatário judicial no Conselho Jurídico do Estado, e G. Alexaki, advogado no Serviço Especial do Contencioso Comunitário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agentes,

-    em representação do Governo francês, por K. Rispal-Bellanger, subdirectora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e C. Chavance, consultor dos negócios estrangeiros na mesma direcção, na qualidade de agentes,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por W. Wils e H. van Vliet, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Stichting Pensioenfonds Medische Specialisten, do Governo neerlandês, do Governo grego, e da Comissão, na audiência de 11 de Janeiro de 2000,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 23 de Março de 2000,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por cinco despachos de 8 de Maio de 1998, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 15 de Maio do mesmo ano, o Kantongerecht te Nijmegen submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado (actual artigo 234.° CE), três questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado CE (actuais artigos 81.° CE, 82.° CE e 86.° CE).

2.
    Estas questões foram apresentadas no âmbito de cinco litígios que opõem médicos especialistas, P. Pavlov, D. Van der Schaaf, M. Kooyman, E. Weber e R. Slappendel (a seguir «Pavlov e o.»), ao Stichting Pensionenfonds Medische Specialisten (Fundo de Pensões dos Médicos Especialistas, a seguir «Fundo») a propósito da recusa de Pavlov e o. pagarem as suas contribuições ao Fundo, devido, nomeadamente, à inscrição obrigatória no Fundo, nos termos da qual as referidas contribuições lhes foram exigidas, ser contrária aos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado.

A legislação nacional

3.
    O sistema de pensões neerlandês assenta em três pilares.

4.
    O primeiro é constituído por uma pensão de base legal, concedida pelo Estado nos termos da Algemene Ouderdomswet (lei que institui um regime geral de pensões de velhice) e da Algemene Nabestaandenwet (lei que institui um regime geral de pensões de sobrevivência). Este regime legal obrigatório confere à generalidade da população o direito a uma pensão de montante reduzido, independente do salário efectivamente recebido anteriormente e calculado por referência ao salário mínimo legal.

5.
    O segundo pilar compreende as pensões complementares, concedidas em conexão com uma actividade profissional, assalariada ou independente, que completam, na maioria dos casos, a pensão de base. Estas pensões complementares são geralmente geridas no âmbito de regimes colectivos que se aplicam a um sector da economia, a uma profissão ou aos trabalhadores de uma empresa, por fundos de pensões nos quais a inscrição se tornou obrigatória, nomeadamente, como nos processos principais, nos termos da Wet van 29 juni 1972 betreffende verplichte deelneming in een bedrijfspensioenfonds (lei neerlandesa de 29 de Junho de 1972 relativa à inscrição obrigatória num regime profissional de pensões, a seguir «BprW»).

6.
    O terceiro pilar é constituído pelos contratos individuais de seguro de pensão ou seguro de vida que podem ser celebrados facultativamente.

7.
    Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da BprW, um profissional é uma pessoa singular que exerce, num determinado sector profissional, a profissão correspondente a esse sector profissional.

8.
    O artigo 2.°, n.° 1, da BprW prevê que o ministro dos Assuntos Sociais e do Emprego pode, a pedido de uma ou várias organizações profissionais que ele considerar suficientemente representativas do ramo profissional em questão, tornar obrigatória a inscrição num regime profissional de pensões, instituído por membros da profissão, de todos os membros da referida profissão ou de certas categorias de membros desta. O pedido dirigido ao ministro por uma organização profissional deve ter sido previamente publicado e os terceiros interessados podem dar a conhecer a sua opinião. Antes de tomar a sua decisão, o ministro pode pedir o parecer do Sociaal-Economische Raad (Conselho Económico e Social) e da Verzekeringskamer (Câmara dos Seguros).

9.
    Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da BprW, um regime profissional de pensões pode ser constituído segundo uma das três seguintes formas:

a)    a constituição de um fundo profissional de pensões, que actua como órgão executivo único desse regime;

b)    a obrigação de os profissionais em causa realizarem o regime profissional de pensões através de contratos de seguro individuais a celebrar, segundo a livre escolha do participante, com o fundo profissional de pensões mencionado na alínea a), na medida em que o regime profissional de pensões preveja essa possibilidade, ou com uma companhia de seguros, titular da licença exigida;

c)    um regime de pensões de que uma parte corresponda à forma descrita na alínea a), e a outra à descrita na alínea b).

10.
    O artigo 2.°, n.° 3, da BprW precisa que, para que uma organização profissional possa solicitar que a inscrição no regime profissional de pensões que instituiu seja tornada obrigatória, essa organização deve criar uma pessoa colectiva que intervenha

a)    ou na qualidade de fundo de pensões, que cria um regime de pensões,

b)    ou na qualidade de órgão de controlo, velando no sentido de os profissionais em causa respeitarem a obrigação de se segurarem eles próprios em conformidade com o artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da BprW,

c)    ou, em parte, na qualidade de fundo de pensões e, em parte, na qualidade de órgão de controlo.

11.
    Em conformidade com o artigo 2.°, n.° 4, da BprW, a natureza obrigatória do regime acarreta a obrigação, para aqueles a que se aplica, de respeitarem as disposições adoptadas a seu respeito pelos estatutos e regulamentos da pessoa colectiva.

12.
    O artigo 2.°, n.° 6, da BprW, confere ao ministro competente a faculdade de abolir a inscrição obrigatória. O artigo 2.°, n.° 7, especifica que a inscrição obrigatória é abolida se foram feitas alterações à base financeira ou aos estatutos e aos regulamentos da pessoa colectiva, excepto se o ministro declarar que não tinha objecções a formular contra essas alterações. Antes de tomar a sua decisão, o ministro pode consultar o Conselho Económico Social e a Câmara dos Seguros.

13.
    O artigo 5.°, n.° 1, da BprW prevê que o ministro não defere o pedido destinado à inscrição obrigatória se um determinado número de condições não estiverem reunidas. Assim, os membros da profissão devem ter sido informados da intenção da organização profissional solicitar uma decisão que torne a inscrição obrigatória, o regime deve dispor de uma base financeira cuja solidez seja provada por um relatório actuarial fundamentado e os estatutos e regulamentos do fundo de pensões devem cumprir as imposições enunciadas na BprW e garantir suficientemente os interesses dos inscritos e das outras pessoas interessadas.

14.
    O artigo 8.°, n.° 1, da BprW especifica que os estatutos e regulamentos relativos à pessoa colectiva comportam disposições relativas, nomeadamente, à definição da profissão à qual o regime de pensões é aplicável, à gestão da pessoa colectiva, aos direitos e obrigações dos inscritos, bem como à atitude a adoptar no que diz respeito às pessoas que emitam reservas de ordem moral em relação a qualquer forma de seguro.

15.
    Nos termos do artigo 8.°, n.° 2, da BprW, um certo número de aspectos suplementares deve figurar nos estatutos e regulamentos da pessoa colectiva que intervém na qualidade de fundo de pensões que gere o regime de pensões. Estes aspectos são respeitantes, nomeadamente, à composição das receitas e às aplicações do fundo.

16.
    O artigo 8.°, n.° 3, da BprW habilita o ministro competente a adoptar directivas relativas aos aspectos referidos nos dois primeiros números. Assim, o ministro adoptou directivas relativas à atitude a adoptar em relação às pessoas que emitam reservas de ordem moral contra o seguro. Essas pessoas podem ser dispensadas da inscrição no regime profissional de pensões se estiverem em condições de demonstrar que não recorreram a qualquer forma de seguro.

17.
    Os artigos 9.° e 10.° da BprW determinam as modalidades segundo as quais um fundo profissional de pensões deve gerir os fundos angariados. Nos termos do artigo 9.°, o fundo de pensões deve, em princípio, transferir ou ressegurar os riscos ligados às obrigações de pensões celebrando contratos com companhias de seguros. Todavia, em conformidade com o artigo 10.° da BprW, um fundo pode, a título excepcional, gerir e aplicar ele próprio, a seu próprio risco, os capitais angariados se apresentar às autoridades de controlo um plano de gestão e um relatório actuarial explicando o modo como se propõe gerir o risco financeiro e actuarial. Além disso, o referido plano deve ser aprovado pela Câmara dos Seguros.

18.
    O artigo 12.° da BprW acrescenta que o balanço de um fundo que assegure a sua própria gestão deve demonstrar que os seus bens são suficientes para cobrir as obrigações de pensões que assumiu. Em conformidade com os artigos 9.°, n.os 2 e 3, e 10.°, n.° 2, da BprW, o fundo profissional de pensões é obrigado a apresentar, com intervalos regulares, à Câmara dos Seguros relatórios que reflictam completamente a sua situação financeira e demonstrando que cumpre as imposições legais. A Câmara dos Seguros exerce a sua missão de controlo sobre o fundo baseando-se nos referidos relatórios.

19.
    O artigo 26.° da BprW especifica que, em casos concretos, o ministro dos Assuntos Sociais e do Emprego pode conceder uma derrogação a certas disposições da BprW. Pode, nomeadamente, dispensar da inscrição obrigatória, durante um período determinado ou indeterminado, de modo incondicional ou submetendo essa dispensa a condições.

20.
    Resulta da resposta do Governo neerlandês às questões escritas do Tribunal de Justiça que o ministro só pode dispensar da obrigação de inscrição em situações específicas, em que uma aplicação sistemática da BprW conduziria a um prejuízo desproporcionado em relação a interesses individuais, sem que estejam previstas disposições pelo fundo em causa, para evitar essas consequências. A faculdade de o ministro conceder uma dispensa não tem por objectivo proporcionar uma via de recurso contra uma decisão do fundo que recusa uma dispensa de inscrição obrigatória.

21.
    Nos termos do artigo 27.° da BprW, o facto de não cumprir a obrigação de inscrição constitui um acto punível.

22.
    O artigo 31.° da BprW acrescenta que o fundo de pensões profissional pode emitir injunções vinculativas para cobrança das contribuições não pagas.

23.
    Segundo o preâmbulo do projecto de lei que se tornou na BprW, o «regime colectivo» contemplado na lei tem por objectivo permitir «a adaptação do rendimento dos reformados ao aumento do nível geral dos rendimentos», bem como «permitir que os profissionais mais jovens contribuam, através de um sistema de perequação das contribuições ou de variantes deste sistema, para os maiores encargos com as prestações a favor dos profissionais mais idosos» e «prever a concessão de direitos de pensão para os anos anteriores à entrada em vigor do regime». Estes objectivos só podem ser atingidos por intermédio de um regime comum «se, em princípio, participarem todas as pessoas pertencentes ao ramo profissional em causa».

24.
    Aquando das discussões parlamentares da BprW, o Governo neerlandês referiu que:

«a gestão dos fundos de pensões sectoriais tem por objectivo realizar o melhor regime de pensões possível, do ponto de vista social, para o grupo total dos participantes (jovens e idosos). Os abaixo assinados, não podem imaginar que isso poderia ser de modo diferente no que diz respeito aos fundos de pensões profissionais. Tal como um fundo de pensões sectorial, um fundo de pensões profissional não é constituído comouma empresa comercial, mas como uma empresa com objectivo social que funcionará o melhor possível para os seus inscritos na sua relação social recíproca. Os aspectos comerciais dificilmente podem ser o princípio a este respeito.

Nessa medida, a importância das contribuições dos profissionais não deverá ser determinada pela questão de saber se 'poderiam encontrar melhor e mais barato no mercado‘, mas em vez disso, determinada pela medida da solidariedade no ramo profissional em causa.

...

Num projecto de lei-quadro como o que agora está em causa, o interesse dos profissionais enquanto grupo deve poder ser respeitado. Isso implica a obrigação, em princípio, de todos os profissionais do sector em causa, se inscreverem no fundo de pensões. Se, em casos especiais, esse imperativo levar à verificação que essa obrigação não corresponde a um interesse individual de um ou vários profissionais do sector, em princípio há que o aceitar: com efeito, qualquer regra de grupo restringe a liberdade individual.»

Os estatutos e o regulamento de pensões do Fundo

25.
    O sector profissional dos médicos especialistas, representado pela Landelijke Specialisten Vereniging der Koninklijke Nederlandsche Maastschappij tot bevordering der Geneeskunst (Associação Nacional dos Especialistas da Sociedade Real Neerlandesa de Promoção da Medicina, a seguir «LSV»), em 1973, criou um regime de pensões profissional que é regido por estatutos e por um regulamento de pensões.

26.
    Em conformidade com os referidos estatutos, o Fundo foi criado sob a forma de uma fundação. O Fundo é uma pessoa colectiva, na acepção do artigo 2.°, n.° 3, alínea c), da BprW, que intervém, em parte, na qualidade de seguradora por sua própria conta e, em parte, na qualidade de órgão de controlo encarregado de velar que os membros da profissão se segurem eles próprios a título individual.

27.
    Por decreto ministerial de 18 de Junho de 1973 (Nederlandse Staatscourant 1973, p. 121), adoptado nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da BprW, a inscrição no regime foi tornada obrigatória a pedido da LSV. A partir de 31 de Janeiro de 1997, a Order van Medische Specialisten (Ordem dos Médicos Especialistas, a seguir «OMS») substituiu a LSV como organização profissional representativa. 8 000 dos 15 000 médicos especialistas independentes ou assalariados dos Países Baixos são membros da OMS.

28.
    O artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de pensões do Fundo prevê a inscrição no regime de qualquer médico especialista, inscrito no registo dos médicos especialistas reconhecidos em conformidade com as regras internas da Koninklijke Nederlandse Maatschappij tot bevordering der Geneeskunst, que resida nos Países Baixos, exerçanesse Estado-Membro a profissão de médico especialista e não tenha ainda atingido 65 anos de idade.

29.
    O artigo 1.°, n.° 2, do referido regulamento, permite a certas categorias de médicos especialistas a possibilidade de pedirem que sejam dispensados da inscrição. É o caso do médico especialista que:

-    segundo as previsões, no decurso de um ano civil, exercerá a sua profissão exclusivamente a título assalariado e ao qual, por este facto, seja aplicável, na sua qualidade de médico especialista,

    a)    um regime de pensões cujas modalidades são fixadas por força de uma outra lei diferente da Pensioen- en spaarfondsenwet (lei relativa às caixas de aforro e de reforma), a Wet houdende vaststelling van een regeling betreffende verplichte deelneming in een bedrijfspensioenfonds (lei que fixa as regras relativas à inscrição obrigatória num fundo de pensões sectorial, a seguir «BPW») e a BprW ou por uma medida de administração geral;

    b)    um regime de pensões no qual a inscrição foi tornada obrigatória por força da BPW;

    c)    um regime de pensões diferente do que está em questão no caso em apreço, no qual a inscrição é obrigatória por força da BprW;

    d)    um regime de pensões adoptado pelo empregador antes de 6 de Maio de 1972 e que seja, pelo menos, equivalente ao supracitado regime de pensões profissional;

-    receba, devido ao exercício da sua actividade profissional a título não assalariado, rendimentos inferiores a um determinado montante.

30.
    Na suas respostas às questões escritas do Tribunal de Justiça, o Governo neerlandês e o Fundo referiram que este último está vinculado às condições enunciadas no artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento de Pensões. Nessas condições, as dispensas de inscrição não podem, em princípio, ser concedidas por motivos diferentes dos enunciados no referido artigo.

31.
    Quanto à relação entre os poderes respectivos do ministro competente, nos termos do artigo 26.° da BprW, e os do Fundo, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento de Pensões, permitindo-lhes conceder dispensas de inscrição obrigatória aos médicos especialistas, o Governo neerlandês especificou, em resposta a uma questão escrita do Tribunal de Justiça, que o poder do ministro em matéria de dispensa tem um carácter subsidiário em relação ao poder ou à obrigação do Fundo a esse respeito. O ministro só tem o poder de intervir nos casos em que o Fundo não está habilitado a conceder essa dispensa.

32.
    O artigo 44.° do Regulamento de Pensões dispõe que a direcção do Fundo tem o direito, em certos casos específicos, de conceder derrogações ao Regulamento de Pensões a favor de certos inscritos, desde que a derrogação concedida não prejudique direitos de terceiros. Segundo uma resposta do Fundo a uma questão escrita do Tribunal de Justiça, o artigo 44.° do Regulamento de Pensões constitui uma cláusula de excepção que visa a situações particularmente não equitativas. Este artigo permite conceder dispensas específicas em casos concretos, nomeadamente, quando um inscrito constitui direitos à pensão durante um período muito curto.

33.
    O Governo neerlandês referiu em resposta a uma questão escrita do Tribunal de Justiça que, embora o Fundo tenha sido constituído sob a forma de uma fundação de direito privado, as suas decisões em matéria de inscrição obrigatória e de dispensa são susceptíveis de ser contestadas pelas vias de recurso do contencioso administrativo. Assim, as referidas decisões podem ser objecto de uma reclamação dirigida ao ministro competente, depois de um recurso interposto nos órgãos jurisdicionais administrativos.

O regime de pensões dos médicos especialistas

34.
    O regime de pensões dos médicos especialistas prevê:

a)    uma pensão de velhice paga a partir dos sessenta e cinco anos de idade dos inscritos;

b)    uma pensão de sobrevivência, de viuvez, em princípio de 70% da pensão de velhice constituída durante o período do casamento, que será paga ao cônjuge do inscrito falecido;

c)    uma pensão de órfão de 14% (28% para um órfão de pai e mãe) do montante da pensão de velhice, que será paga aos filhos do inscrito falecido até aos 18 anos de idade, com prorrogação possível até atingirem 27 anos de idade;

d)    um mecanismo de indexação que liga as pensões ao aumento geral do nível dos rendimentos;

e)    direitos de pensão retroactivos relativos a períodos anteriores à existência do Fundo;

f)    em caso de incapacidade de exercício da profissão, por motivo de invalidez, a tomada a cargo do pagamento das contribuições tendo em vista continuar a constituição da pensão;

g)    prestações de sobrevivência complementares para as viúvas, os viúvos e os órfãos de filiados falecidos durante a sua inscrição, antes de terem atingido 65 anos de idade. Quanto mais jovem for o falecido inscrito, maior será o montante dessas prestações complementares.

35.
    O regime de pensões tem duas componentes. A primeira componente, denominada «pensão de referência», compreende a pensão de velhice, pensão de sobrevivência de viúva ou de viúvo, bem como a pensão de órfão, segundo o seu valor nominal, quer dizer sem adaptação das prestações de pensão ao aumento geral dos rendimentos. No que diz respeito à pensão de referência, a profissão de médicos especialistas optou pela forma prevista no artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da BprW, quer dizer que os membros da profissão são obrigados a constituir a sua pensão de referência celebrando um contrato de seguro individual com o Fundo ou com uma companhia de seguros devidamente autorizada. De cinco em cinco anos, os inscritos podem rever a sua escolha. O Fundo vela por que os membros respeitem a sua obrigação de seguro.

36.
    Uma companhia de seguros que cubra o seguro da pensão de referência é obrigada a celebrar um acordo com o Fundo. Sobre diversos aspectos, o Fundo age na qualidade de intermediário entre os médicos especialistas e a companhia de seguros; assim, o Fundo recebe as contribuições para a pensão de referência e transfere-as seguidamente para a seguradora. O Fundo e a companhia de seguros fixam os respectivos prémios para a pensão de referência, numa base actuarial. Os prémios devidos variam segundo a idade, o sexo e os rendimentos do inscrito, as despesas administrativas do Fundo ou da seguradora, bem como segundo o rendimento das aplicações efectuadas pelo Fundo ou pela seguradora.

37.
    A segunda componente do regime de pensões compreende o mecanismo de indexação, os direitos retroactivos à pensão, a continuação da constituição da pensão com dispensa de pagamento das contribuições no caso de invalidez e as prestações complementares para os sobreviventes. O mecanismo de indexação permite, graças a um coeficiente de adaptação fixado numa base anual, modular as pensões e os direitos à pensão em função do aumento dos rendimentos. No que diz respeito a esta segunda componente, a profissão optou pela forma prevista no artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da BprW, quer dizer, que o Fundo administra estes elementos e não podem ser confiados a uma companhia de seguros privada.

38.
    Os elementos que fazem parte da segunda componente são financiados, com excepção das prestações complementares para os sobreviventes, pelas contribuições calculadas numa base actuarial. Todavia, nenhuma contribuição está actualmente a cargo dos inscritos no que diz respeito aos direitos retroactivos à pensão, sendo suficientes as reservas para assegurar esses direitos. Quanto às prestações complementares para os sobreviventes, elas são financiadas por uma contribuição anual média.

39.
    O regime não faz selecção dos riscos através de questionários ou exames médicos.

40.
    O Fundo é um organismo sem fins lucrativos. Os seus lucros são atribuídos aos beneficiários das pensões e aos inscritos sob a forma de um aumento dos seus direitos à pensão.

41.
    Em 31 de Dezembro de 1997, o Fundo tinha 5 951 inscritos, 1 063 antigos inscritos e 4 220 pessoas que beneficiam de pagamentos de pensões. Esta última categoriacompreendia 1 238 viúvas ou viúvos, 185 órfãos e 2 797 pessoas beneficiárias de uma pensão de velhice. No fim de 1997, o capital investido do Fundo era de 6 600 milhões de NLG.

Os litígios no processo principal e as questões prejudiciais

42.
    Os demandantes no processo principal, Pavlov e o., são cinco médicos especialistas que exercem a sua profissão num hospital de Nimègue. Não contestam que eram obrigados a inscrever-se no Fundo até ao final do ano de 1995.

43.
    A partir de 1 de Janeiro de 1996, Pavlov e o. consideram que devem ser dispensados da inscrição no Fundo por força do artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento do Fundo. Sustentam que, a partir dessa data, exercem a sua actividade profissional a título de assalariados e são assim obrigatoriamente sujeitos ao Bedrijfspensioenfonds voor de Gezondheid, Geestelijke en Maatschappelijke Belangen (fundo sectorial de pensões de saúde e de bem-estar psicológico e social). Por conseguinte, Pavlov e o. deixaram de pagar as suas contribuições ao Fundo.

44.
    O Fundo contesta que Pavlov e o. exercem a sua profissão sob os vínculos de um contrato de trabalho e enviou-lhes injunções de pagamento relativas aos prémios em atraso.

45.
    Pavlov e o. opuseram-se contra essas injunções no Kantogerecht te Nijmegen. Por decisões interlocutórias de 13 de Fevereiro de 1998, este órgão jurisdicional decidiu que, devido à natureza da sua relação contratual com o hospital, Pavlov e o. não podiam invocar a dispensa prevista no artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento do Fundo.

46.
    No decurso do processo, Pavlov e o., sustentaram que a inscrição obrigatória era contrária a diferentes disposições do Tratado CE.

47.
    O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por acórdão de 22 de Outubro de 1993, já submeteu ao Tribunal de Justiça a questão da compatibilidade da inscrição obrigatória num fundo de pensões profissional, mas que o Tribunal não respondeu a essa questão no acórdão de 14 de Dezembro de 1995, Van Schijndel e Van Veen (C-430/93 e C-431/93, Colect., p. I-4705).

48.
    Foi nessas condições que o Kantongerecht te Nijmegen decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)    No contexto do alcance da WVD, exposto na alínea (v) do ponto 7.1., deve ser qualificado como empresa, nos termos dos artigos 85.°, 86.° ou 90.° do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, um fundo profissional de pensões ao qual, por força ou em conformidade com a WVD, estão obrigados a aderir os membros de uma profissão ou uma ou várias categoriasdeterminadas desses membros, com as consequências jurídicas que a lei dá a essa obrigação, como referidas brevemente no ponto 7.1.?

2)    Em caso de resposta afirmativa, constitui a obrigação de aderir ao regime de pensões dos médicos especialistas, referida na parte (B), uma medida tomada por um Estado-Membro que anula o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas ou esse é apenas o caso em determinadas circunstâncias e, assim sendo, em quais?

3)    Caso esta última questão deva ser respondida pela negativa, podem outras circunstâncias fazer com que a referida obrigatoriedade seja incompatível com o disposto no artigo 90.° do Tratado e, assim sendo, quais?»

49.
    Por despacho de 17 de Junho de 1998, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu apensar os processos C-180/98 a C-184/98, para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

Quanto à admissibilidade

50.
    O Governo helénico coloca em dúvida a admissibilidade das questões colocadas, por estar ausente, nas decisões de reenvio, uma definição suficientemente precisa do quadro factual e regulamentar dos litígios nos processos principais. Esse Governo alega que, não havendo uma descrição, pelo órgão jurisdicional de reenvio, dos aspectos jurídicos e económicos do funcionamento do regime de pensões complementar em causa no processo principal, não pode tomar uma posição útil sobre as referidas questões tendo em conta, em especial, a complexidade dos factores de ordem jurídica e factual que ocorrem no domínio do direito da concorrência.

51.
    Há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a necessidade de se chegar a uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e legal em que se inscrevem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que assentam essas questões. Essas exigências são particularmente válidas em certos domínios, como o da concorrência, caracterizados por situações de facto e de direito complexas (v., nomeadamente, acórdãos de 26 de Janeiro de 1993, Telemarsicabruzzo e o., C-320/90 a C-322/90, Colect., p. I-393, n.os 6 e 7; de 14 de Julho de 1998, Safety Hi-Tech, C-284/95, Colect., p. I-4301, n.os 69 e 70; e Bettati, C-341/95, Colect., p. I-4355, n.os 67 e 68; bem como de 21 de Setembro de 1999, Albany, C-67/96, Colect., p. I-5751, n.° 39, e Brentjens', C-115/97 a C-117/97, Colect., p. I-6025, n.° 38).

52.
    As informações fornecidas nas decisões de reenvio não devem só servir para permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis, mas também para dar respostas aos Governos dos Estados-Membros, bem como às demais partes interessadas, a possibilidade de apresentarem observações nos termos do artigo 20.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça. Incumbe ao Tribunal garantir que esta possibilidade seja salvaguardada, tendo em conta o facto de, por força da exposição acima referida,apenas as decisões de reenvio serem notificadas às partes interessadas (v., nomeadamente, despachos de 30 de Abril de 1998, Testa e Modesti, C-128/97 e C-137/97, Colect., p. I-2181, n.° 6, e de 11 de Maio de 1999, Anssens, C-325/98, Colect., p. I-2969, n.° 8, bem como os referidos acórdãos Albany, n.° 40 e Brentjens', n.° 39).

53.
    A este respeito, resulta das observações apresentadas nos termos do artigo 20.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, pelos Governos dos Estados-Membros e pelas outras partes interessadas, bem como das observações apresentadas pelo próprio Governo helénico no caso do Tribunal julgar as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio admissíveis, que as informações contidas nos despachos de reenvio lhes permitiram tomar posição de forma útil quanto às questões submetidas ao Tribunal de Justiça.

54.
    Além disso, embora o Governo helénico tenha podido, neste caso, considerar que as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não lhe permitiam tomar posição sobre certos aspectos das questões colocadas ao Tribunal de Justiça, importa sublinhar que estas informações foram completadas pelos elementos que resultavam do processo transmitido pelo órgão jurisdicional nacional, das observações escritas e das respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça. O conjunto destes elementos, referidos no relatório para audiência, foi levado ao conhecimento dos Governos dos Estados-Membros e das outras partes interessadas, com vista à audiência, no decurso da qual essas entidades podiam se o entendessem, completar as suas observações (v., acórdãos Albany, n.° 43, e Brentjens', n.° 42).

55.
    Assim, há que declarar que as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, completadas, na medida do necessário, pelos elementos referidos no número anterior, proporcionam ao Tribunal de Justiça um conhecimento bastante do quadro factual e regulamentar dos litígios no processo principal para poder interpretar as regras comunitárias da concorrência em relação à situação que é objecto destes litígios.

56.
    Resulta do exposto que as questões são admissíveis.

Quanto à segunda questão

57.
    Pela segunda questão, que deve ser analisada em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se os artigos 5.° do Tratado CE (actual artigo 10.° CE) e 85.° do Tratado se opõem a que as autoridades públicas tornem obrigatória, a pedido de uma organização representativa dos membros de uma profissão liberal, a inscrição num fundo de pensões profissional.

58.
    A fim de responder à segunda questão, há que examinar em primeiro lugar se a decisão tomada, por uma organização representativa dos membros de uma profissão liberal de criar, para os membros dessa profissão, um fundo de pensões encarregado da gestão de um regime complementar de pensões e de pedir às autoridades públicasque tornem obrigatória a inscrição nesse fundo de todos os membros dessa profissão, é contrária ao artigo 85.° do Tratado.

59.
    Deve recordar-se desde já que o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado proíbe todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum. A importância desta regra levou os autores do Tratado a prever expressamente, no n.° 2 do artigo 85.° do Tratado, que são nulos os acordos ou decisões proibidos por essa disposição.

60.
    Seguidamente, há que salientar que, nos acórdãos Brentjens', já referido, e Drijvende Bokken, de 21 de Setembro de 1999, (C-219/97, Colect., p. I-6121), o Tribunal de Justiça declarou que a decisão tomada pelas organizações representativas das entidades patronais e dos trabalhadores de um sector determinado, no quadro de uma convenção colectiva, de instaurar, neste sector um único fundo de pensões encarregado da gestão de um regime complementar de pensões e de pedir às autoridades públicas que tornem obrigatória a inscrição nesse fundo de todos os trabalhadores do referido sector, não é abrangida pelo artigo 85.° do Tratado.

61.
    O Fundo, o Governo neerlandês e a Comissão, todavia, esta última, a título subsidiário, alegam que não há diferença significativa entre a regulamentação nacional relativa aos regimes de pensões sectoriais em causa nos referidos acórdãos, Albany, Brentjens', bem como no acórdão Drijvende Bokken, e a relativa aos regimes de pensões profissionais em causa nos processos principais. As razões pelas quais o Tribunal de Justiça, nos referidos acórdãos, entendeu que a decisão das organizações representativas das entidades patronais e dos trabalhadores de criar um fundo de pensões sectorial e de pedir às autoridades públicas que tornem obrigatória a inscrição nesse fundo não é abrangida pelo artigo 85.° do Tratado, justificam também que uma decisão similar que emana, como nos processos principais, dos membros de uma profissão liberal também não seja abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 85.° do Tratado, mesmo que os membros dessa profissão não actuem no âmbito de uma convenção colectiva.

62.
    Segundo o Fundo, o Governo neerlandês e a Comissão, vários elementos mencionados na fundamentação dos acórdãos citados no número anterior são também aplicáveis aos processos principais.

63.
    Em primeiro lugar, a criação de um regime complementar de pensões obrigatório para todos os membros de uma profissão liberal está em conformidade com o artigo 3.°, alíneas g) e i), do Tratado CE, [que passou, após alteração, a artigo 3.°, n.° 1, alíneas g) e j), CE], nos termos do qual a acção da Comunidade comporta não apenas um «regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno» mas também «uma política social», e no artigo 2.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 2.° CE) segundo o qual a Comunidade tem como missão, nomeadamente,«promover o desenvolvimento harmonioso e equilibrado das actividades económicas» e «um elevado nível de emprego e de protecção social».

64.
    Em segundo lugar, o regime complementar de pensões profissional, em causa no processo principal, foi criado a pedido de uma organização representativa dos membros da profissão em causa, na sequência de uma negociação colectiva.

65.
    Em terceiro lugar, a decisão de a organização representativa dos membros de uma determinada profissão criar esse regime complementar de pensões e de pedir que esse regime seja tornado obrigatório prossegue o mesmo objectivo social que o acordo em causa nos referidos acórdãos, Albany, Brentjens' e Drijvende Bokken, isto é, garantir um certo nível de pensões a todos os membros de uma profissão.

66.
    A importância da função social atribuída às pensões complementares foi recentemente reconhecida pela adopção, pelo legislador comunitário, da Directiva 98/49/CE do Conselho, de 29 de Junho de 1998, relativa à salvaguarda dos direitos a pensão complementar dos trabalhadores assalariados e independentes que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 209, p. 46), a qual não faz qualquer distinção entre as pensões dos trabalhadores assalariados e dos trabalhadores independentes.

67.
    Há que recordar, que nos n.os 64, 61 e 51, respectivamente dos referidos acórdãos Albany, Brentjens' e Drijvende Bokken, o Tribunal de Justiça decidiu que os acordos celebrados no âmbito de negociações colectivas entre parceiros sociais destinados a melhorar as condições de emprego e de trabalho devem ser considerados, em razão da sua natureza e do seu objecto, não abrangidos pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

68.
    Essa exclusão do âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não pode ser alargada a um acordo que, tal como o que está em causa no processo principal, visa na verdade garantir um certo nível de pensões a todos os membros de uma profissão e, portanto, melhorar uma das condições de trabalho desses membros, isto é, a sua remuneração, mas que não foi celebrado no âmbito de negociações colectivas entre parceiros sociais.

69.
    Deve-se sublinhar a este respeito que o Tratado não prevê qualquer disposição que encoraje, à semelhança dos artigos 118.° e 118.° B do Tratado CE (os artigos 117.° a 120.° do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136.° CE a 143.° CE), bem como 1.° e 4.° do Acordo relativo à Política Social (JO 1992, C 191, p. 91), os membros de profissões liberais a celebrar acordos colectivos para melhorar as condições de emprego e de trabalho e que considere que, a pedido dos membros dessas profissões, esses acordos sejam tornados obrigatórios pelas autoridades públicas em relação a todos os membros das referidas profissões.

70.
    Nessas condições, o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, deve ser interpretado no sentido de que a decisão dos membros de uma profissão liberal criarem um fundo de pensões encarregado da gestão de um regime complementar de pensões e de pedir àsautoridades públicas que tornem obrigatória a inscrição nesse fundo de todos os membros dessa profissão, não é subtraída, devido à sua natureza e do seu objecto, ao âmbito de aplicação da referida disposição.

71.
    Assim, há que verificar se as condições de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado estão preenchidas e, em primeiro lugar, se a organização representativa em causa no processo principal, a LSV, é uma associação de empresas.

72.
    A este respeito, é necessário salientar que, na data em que a LSV pediu às autoridades públicas que tornassem obrigatória a inscrição no Fundo, essa organização era apenas composta por médicos especialistas independentes.

73.
    Nessas condições, há que examinar, por um lado, se os referidos médicos especialistas constituem empresas na acepção dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado.

74.
    Segundo jurisprudência constante, no âmbito do direito da concorrência, o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e modo de financiamento (v., nomeadamente, acórdãos de 23 de Abril de 1990, Höfner e Elser, C-41/90, Colect., p. I-1979, n.° 21; de 17 de Fevereiro de 1993, Poucet e Pistre, C-159/91 e C-160/91, Colect., p. I-637, n.° 17; de 16 de Novembro de 1995, Fédération française des sociétés d'assurance e o., C-244/94, Colect., p. I-4013, n.° 14, bem como os acórdãos Albany, n.° 77, Brentjens', n.° 77, e Drijvende Bokken, n.° 67).

75.
    A este respeito, resulta também de jurisprudência constante que constitui uma actividade económica qualquer actividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado (acórdãos de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália, 118/85, Recueil, p. 2599, n.° 7, e de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália, C-35/96, Colect., p. I-3851, n.° 36).

76.
    Nos processos principais, os médicos especialistas membros da LSV prestavam, na sua qualidade de operadores económicos independentes, serviços num mercado, o dos serviços médicos especializados. Esses médicos recebem dos seus pacientes uma remuneração pelos serviços que eles lhes prestam e assumem os riscos financeiros referentes ao exercício da sua actividade.

77.
    Nestas condições, os médicos especialistas independentes membros da LSV exercem uma actividade económica e, portanto, constituem empresas na acepção dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado, sem que a natureza complexa e técnica dos serviços que prestam e a circunstância de o exercício da sua profissão ser regulamentada sejam susceptíveis de alterar tal conclusão (v., neste sentido, acórdão de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália, já referido, n.os 37 e 38).

78.
    Todavia, a Comissão alega que, quando eles contribuem para o seu próprio regime complementar de pensões, os médicos especialistas não agem como empresas na acepção do direito comunitário da concorrência. O médico especialista que constituiuma pensão complementar para ele próprio age como consumidor final e a decisão que adoptar nesse âmbito é estranha ao âmbito de aplicação das regras de concorrência. Essa decisão pode ser equiparada a uma decisão de aplicação nos mercados financeiros ou a uma decisão de compra de uma casa de férias.

79.
    Há que recordar a este respeito que o facto, de um médico especialista independente, pagar contribuições a um regime complementar de pensões profissional está estreitamente ligado ao exercício da sua actividade profissional. A inscrição de um médico especialista nesse regime tem a sua origem no exercício da profissão. O regime de pensões profissional complementar em causa no processo principal, aplicável a todos os membros da profissão, permite a estes repartir uma parte das receitas profissionais a fim de assegurarem a si próprios e, em determinadas condições, assegurarem aos seus cônjuges e filhos sobreviventes, um certo nível de rendimentos depois da cessação das suas actividades profissionais.

80.
    O facto, de cada médico especialista independente, pagar contribuições para o mesmo regime complementar de pensões profissional por maioria de razão está ligado ao exercício da sua actividade profissional, já que esse regime se caracteriza por um grau elevado de solidariedade entre todos os médicos, o qual se manifesta, nomeadamente, pela independência das contribuições em relação ao risco, a obrigação de aceitar todos os membros da profissão sem exame médico prévio, a tomada a cargo do pagamento das contribuições para prosseguir a constituição da pensão no caso de invalidez, a concessão de direitos retroactivos à pensão aos inscritos que já exerciam a profissão na data da entrada em vigor do regime, bem como pela indexação do montante das pensões a fim de manter o seu valor.

81.
    Nestas condições, os médicos especialistas não podem ser considerados no sentido de que agem como consumidores finais quando contribuem para o seu próprio regime complementar de pensões.

82.
    Assim, há que concluir que, quando, dentro da LSV, decidiram contribuir conjuntamente para um único fundo de pensões profissional, os médicos especialistas agiam como empresas na acepção dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado.

83.
    Nestas condições, há que examinar, por outro lado, se a LSV deve ser considerada uma associação de empresas na acepção das referidas disposições.

84.
    O Fundo alega que seria discriminatório qualificar a LSV de associação de empresas em relação a outras organizações profissionais, tais como a Ordem dos Advogados Neerlandesa, que são regidas por um estatuto de direito público e que dispõem, a esse título, de competências regulamentares.

85.
    Há que recordar a este propósito, que o estatuto de direito público de uma organização profissional não obsta à aplicação do artigo 85.° do Tratado. Segundo os seus próprios termos, esta disposição aplica-se a acordos entre empresas e a decisões de associaçõesde empresas. Em consequência, o quadro jurídico em que é tomada uma decisão de associação, bem como a qualificação jurídica dada a esse quadro pela ordem jurídica nacional são irrelevantes quanto à aplicabilidade das regras comunitárias da concorrência e nomeadamente do artigo 85.° do Tratado (acórdãos de 30 de Janeiro de 1985, Clair, 123/83, Recueil, p. 391, n.° 17, e de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália, já referido, n.° 40).

86.
    Além disso, contrariamente ao que alega o Fundo, o facto de a LSV ter por missão principal defender os interesses dos médicos especialistas, e nomeadamente os seus rendimentos, entre os quais figuram as pensões complementares, no quadro das negociações com as autoridades públicas relativas ao custo do serviços médicos, também não é susceptível de excluir esta organização profissional do âmbito de aplicação do artigo 85.° do Tratado.

87.
    Na verdade, uma decisão de um organismo que dispõe de poderes regulamentares num determinado sector pode não relevar do artigo 85.° do Tratado quando esse organismo é composto de uma maioria de representantes da autoridade pública e toma a referida decisão respeitando um certo número de critérios de interesse público (acórdãos de 5 de Outubro de 1995, Centro Servizi Spediporto, C-96/94, Colect., p. I-2883, n.os 23 a 25, e de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália, já referido, n.os 41 a 44).

88.
    Todavia, tal não é o caso nos processos principais. Com efeito, na data em que a LSV decidiu criar o Fundo e solicitar às autoridades públicas que tornassem obrigatória a inscrição, esta organização era unicamente composta de médicos especialistas independentes cujos interesses económicos defendia.

89.
    Nesta condições, há que concluir que a LSV deve ser considerada uma associação de empresas na acepção dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado.

90.
    Assim, há que examinar, em segundo lugar, se a decisão dos membros de uma profissão liberal de criar um fundo de pensões encarregado da gestão de um regime complementar de pensões e de pedir às autoridades públicas que tornem obrigatória a inscrição nesse fundo de todos os membros dessa profissão tem por objectivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum.

91.
    Segundo jurisprudência constante, a aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado a um caso concreto exige que os critérios desta disposição sejam definidos tendo em conta o contexto económico em que operam as empresas, os produtos ou serviços abrangidos pelas decisões das referidas empresas, e a estrutura e as condições reais do funcionamento do mercado em causa (acórdão de 12 de Dezembro de 1995, Oude Luttikhuis e o., C-399/93, Colect., p. I-4515, n.° 10).

92.
    A este respeito, há que recordar que a mencionada decisão implica que todos os membros de uma profissão liberal constituam nas mesmas condições e junto de um único organismo a sua pensão complementar, com excepção da pensão de referência,a qual pode ser livremente subscrita numa companhia de seguros devidamente autorizada.

93.
    Assim, é necessário declarar que tal decisão, que harmoniza em parte os custos e as prestações de pensões complementares dos médicos especialistas, restringe a concorrência no que diz respeito a um factor de custo dos serviços médicos especializados. Efectivamente, essa decisão tem por consequência que os referidos médicos não fazem mutuamente concorrência para obter um seguro menos oneroso para essa parte da sua pensão.

94.
    Todavia, como salientou o advogado-geral nos n.os 138 a 143 das suas conclusões, os efeitos restritivos dessa decisão no mercado dos serviços médicos especializados são limitados.

95.
    Com efeito, a decisão em causa só produz efeitos restritivos em relação a um único factor de custo dos serviços fornecidos pelos médicos especialistas independentes, isto é, o regime de pensão complementar, o qual é pouco importante em comparação com outros factores, tais como os honorários dos médicos ou o preço dos equipamentos médicos. O custo do regime complementar de pensões só exerce uma influência marginal e indirecta sobre o custo final dos serviços prestados pelos médicos especialistas independentes.

96.
    Além disso, há que salientar que a criação de um regime complementar de pensões gerido por um único fundo permite aos médicos especialistas independentes repartir os riscos segurados, realizando ao mesmo tempo economias de escala na gestão das contribuições e pagamento das pensões, bem como nas modalidades de aplicações dos activos.

97.
    Resulta das considerações precedentes que a decisão dos membros de uma profissão liberal de criar um fundo de pensões encarregado da gestão de um regime complementar de pensões não restringe de modo sensível a concorrência no mercado comum.

98.
    Quanto ao pedido, feito às autoridades públicas por uma organização representativa dos membros de uma profissão liberal de tornar obrigatória a inscrição no fundo de pensões profissional que ela instituiu, importa sublinhar que esse pedido se insere no âmbito de um regime idêntico ao que existe em vários direitos nacionais, que visa o exercício do poder regulamentar no domínio social. Um tal regime é destinado a promover a constituição de pensões complementares abrangidas pelo segundo pilar e envolve o número de protecções de que o ministro é obrigado a assegurar o respeito, de modo que o pedido formulado pelos membros de uma profissão liberal não pode constituir uma violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

99.
    Nestas condições, há que concluir que a decisão dos membros de uma profissão liberal de criar um fundo de pensões encarregado da gestão de um regime complementar depensões e de pedir às autoridades públicas que tornem obrigatória a inscrição nesse fundo de todos os membros dessa profissão não é contrária ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

100.
    Assim, pelas mesmas razões, a decisão de o Estado-Membro em causa tornar obrigatória a inscrição nesse fundo de todos os membros da profissão também não é contrária aos artigos 5.° e 85.° do Tratado.

101.
    Deste modo, há que responder à segunda questão que os artigos 5.° e 85.° do Tratado não se opõem à decisão das autoridades públicas de tornar obrigatória, a pedido de uma organização representativa dos membros de uma profissão liberal, a inscrição num fundo de pensões profissional.

Quanto à primeira questão

102.
    Pela primeira questão, que convém apreciar em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se um fundo de pensões encarregado da gestão de um regime complementar de pensões, instituído por uma organização representativa dos membros de uma profissão liberal e no qual a inscrição foi tornada obrigatória pelas autoridades públicas de todos os membros dessa profissão, é uma empresa na acepção dos artigos 85.° ou 86.° e 90.° do Tratado.

103.
    Segundo o Fundo e os Governos que apresentaram observações nos termos do artigo 20.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, tal fundo não constitui uma empresa na acepção dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado. A este propósito, recordam as diversas características do fundo de pensões profissional e do regime complementar de pensões que o mesmo gere.

104.
    Em primeiro lugar, a inscrição obrigatória de todos os membros de uma profissão liberal num regime complementar de pensões ou, pelo menos, a componente mais importante deste regime, tem uma função social essencial no sistema de pensões aplicável nos Países Baixos, em razão do montante extremamente reduzido da pensão legal, calculado com base no salário mínimo legal. Uma vez que um regime complementar de pensões foi estabelecido pelos membros dessa profissão e que a inscrição nesse regime foi tornada obrigatória pelas autoridades públicas, o mesmo constitui um elemento do sistema neerlandês de protecção social e o fundo de pensões profissional encarregado da sua gestão deve ser considerado como concorrendo para a gestão do serviço público da segurança social.

105.
    Em segundo lugar, o fundo de pensões profissional não tem fins lucrativos. As despesas de gestão desse fundo são inferiores às das companhias de seguros ramo vida e os lucros que realiza são distribuídos aos segurados sob a forma de um aumento dos seus direitos à pensão. A organização profissional por iniciativa da qual tal fundo foi instituído exerce um controlo directo sobre a execução do regime de pensões nomeando e destituindo os membros dos órgãos de gestão desse fundo. Além disso, a sua gestãoestá colocada sob o controlo das entidades públicas, no caso concreto, o da Câmara dos Seguros.

106.
    Em terceiro lugar, o fundo de pensões profissional funciona com base no princípio da solidariedade. Esta solidariedade manifesta-se pela obrigação de aceitar todos os membros da profissão em questão sem exame médico prévio, pela tomada a cargo do pagamento das cotizações tendo em vista prosseguir a constituição da pensão em caso de invalidez, pela concessão de direitos retroactivos à pensão aos inscritos que já exerciam a profissão na data de entrada em vigor do regime, bem como pela indexação do montante das pensões, a fim de manter o seu valor. O princípio da solidariedade resulta também do facto de o montante da contribuição recebida pelo fundo ser independente da idade em que o inscrito começou a exercer a profissão e do seu estado de saúde na data da inscrição. Essa solidariedade torna indispensável a inscrição obrigatória de todos os membros da referida profissão no regime complementar de pensões. Na falta dessa obrigatoriedade, o afastamento dos «bons» riscos teriam efeito em espiral negativo que poria em risco o equilíbrio financeiro do regime.

107.
    Tendo em conta o que precede, o Fundo e os Governos intervenientes sustentam que o Fundo constitui um organismo encarregado da gestão de um regime de segurança social, à semelhança dos organismos que estavam em causa no acórdão Poucet e Pistre, já referido, e contrariamente ao organismo em causa no acórdão Fédération française des sociétés d'assurance e o., já referido, que foi considerado uma empresa na acepção dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado.

108.
    Como foi recordado no n.° 74 do presente acórdão, no âmbito do direito comunitário da concorrência, o Tribunal de Justiça decidiu que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e modo de financiamento.

109.
    Além disso, no n.° 19 do acórdão Poucet e Pistre, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que eram excluídos desse conceito os organismos encarregados da gestão de determinados regimes de segurança social obrigatórios, baseados no princípio da solidariedade. Desde logo no regime de seguro de doença e de maternidade, do sistema que lhe foi submetido, as prestações eram efectivamente idênticas para todos os beneficiários, mesmo se as contribuições eram proporcionais aos rendimentos; além disso, quanto ao regime de seguro de velhice, o financiamento das pensões de reforma era assegurado pelos trabalhadores em actividade; em seguida, os direitos a pensão, fixados na lei não eram proporcionais às contribuições pagas no regime de seguro de velhice; por último, os regimes excedentários participavam no financiamento dos regimes que tinham dificuldades financeiras estruturais. Esta solidariedade implicava necessariamente que os diversos regimes fossem geridos por um organismo único e que a inscrição nos mesmos fosse obrigatória.

110.
    Em contrapartida, no acórdão Fédération française des sociétés d'assurance e o., já referido, o Tribunal de Justiça declarou que um organismo sem fins lucrativos, quegere um regime de seguro de velhice destinado a completar um regime de base obrigatório, instituído pela lei a título facultativo e funcionando segundo o princípio da capitalização, era uma empresa na acepção dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado. A inscrição facultativa, a aplicação do princípio da capitalização e o facto de as prestações dependerem unicamente do montante das contribuições pagas pelos beneficiários, bem como dos resultados financeiros dos investimentos efectuados pelo organismo gestor implicavam que esse organismo exercia uma actividade económica em concorrência com as companhias de seguro ramo vida. Nem a prossecução de uma finalidade de carácter social, nem a ausência de fins lucrativos, nem as exigências de solidariedade, nem as outras regras relativas, designadamente, às restrições a que o organismo gestor estava sujeito na realização dos seus investimentos retiravam à actividade exercida pelo organismo gestor a sua natureza económica.

111.
    Baseando-se no acórdão Fédération française des sociétés d'assurance e o., já referido, o Tribunal de Justiça decidiu, nos acórdãos já referidos, Albany, Brentjens' e Drijvende Bokken, que um fundo de pensões encarregado da gestão de um regime complementar de pensões, instituído por uma convenção colectiva celebrada entre as organizações representativas das entidades patronais e dos trabalhadores e no qual a inscrição foi tornada obrigatória pelas autoridades públicas, de todos os trabalhadores desse sector, é uma empresa na acepção do artigo 85.° e seguintes do Tratado.

112.
    O Tribunal de Justiça para chegar a essa conclusão, declarou que o fundo de pensões sectorial em causa nos acórdãos citados no número anterior determinava ele próprio o montante das contribuições e das prestações, funcionava segundo o princípio da capitalização e, por isso, contrariamente às prestações fornecidas pelos organismos encarregados da gestão dos regimes obrigatórios de segurança social a que se refere o acórdão Poucet e Pistre, já referido, o montante das prestações fornecidas pelo fundo dependia dos resultados financeiros das aplicações que ele efectuava e relativamente às quais estava sujeito, à semelhança de uma companhia de seguros, ao controlo da Câmara dos Seguros. Além disso, o facto de o fundo de pensões sectorial ter, em certas circunstâncias, a faculdade ou a obrigação de dispensar empresas da inscrição implicava que esse fundo exercia uma actividade económica em concorrência com as companhias de seguros (v. acórdãos já referidos Albany, n.os 81 a 84, Brentjens', n.os 81 a 84, e Drijvende Bokken, n.os 71 a 74).

113.
    É este também o caso do fundo de pensões profissional em causa no processo principal.

114.
    Com efeito, o Fundo determina ele próprio o montante das contribuições e das prestações e funciona segundo o princípio da capitalização. Por isso, o montante das prestações fornecidas pelo Fundo depende dos resultados financeiros das aplicações que ele efectua e em relação às quais está sujeito, à semelhança de uma companhia de seguros, ao controlo da Câmara dos Seguros.

115.
    Resulta destas características, às quais se acrescentam, além disso, por um lado, o facto de os médicos especialistas poderem escolher constituir a sua pensão dereferência no Fundo ou numa companhia de seguros devidamente autorizada e, por outro, o poder de o Fundo conceder, a certas categorias de médicos especialistas, uma dispensa de inscrição no que diz respeito aos outros elementos do regime de pensões, que o Fundo exerce uma actividade económica em concorrência com as companhias de seguros.

116.
    Assim, há que concluir que um organismo como o Fundo, constitui uma empresa na acepção dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado.

117.
    A ausência de fins lucrativos, bem como os elementos de solidariedade invocados pelo Fundo e pelos Governos intervenientes não são suficientes para retirar ao Fundo a sua qualidade de empresa na acepção das regras do Tratado relativas à concorrência (v. acórdãos já referidos Albany, n.° 85; Brentjens', n.° 85, e Drijvende Bokken, n.° 75).

118.
    É certo que a prossecução de uma finalidade social, os elementos de solidariedade já referidos, bem como as restrições ou controlos relativos aos investimentos realizados pelo Fundo podem tornar o serviço fornecido por este último menos competitivo que o serviço comparável fornecido pelas companhias de seguros. Embora esses obstáculos não impeçam que se considere a actividade exercida pelo Fundo como uma actividade económica, podem justificar o direito exclusivo desse organismo gerir um regime complementar de pensões (v. acórdãos, já referidos, Albany, n.° 86; Brentjens', n.° 86, e Drijvende Bokken, n.° 76).

119.
    Assim, há que responder à primeira questão que um fundo de pensões, tal como o que está em causa nos processos principais, que determina ele próprio o montante das contribuições e das prestações e funciona segundo o princípio da capitalização, que foi encarregado da gestão de um regime complementar de pensões, criado por uma organização representativa dos membros de uma profissão liberal, e no qual a inscrição foi tornada obrigatória pelas autoridades públicas a todos os membros dessa profissão, é uma empresa na acepção dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado.

Quanto à terceira questão

120.
    Através da terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 86.° e 90.° do Tratado se opõem a que as autoridades públicas confiram a um fundo de pensões o direito exclusivo de gerir o regime complementar de pensões dos membros de uma profissão liberal.

121.
    Resulta da resposta dada à primeira questão que, no que diz respeito à constituição da pensão de referência, o Fundo constitui uma empresa na acepção dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado e que opera em concorrência com as companhias de seguros. Relativamente a esta parte do regime complementar de pensões, o Fundo não tem, assim, qualquer direito exclusivo na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado.

122.
    Em contrapartida, a decisão de as autoridades públicas tornarem obrigatória a inscrição no Fundo no que diz respeito à segunda componente do regime de pensões, a qual compreende o mecanismo da indexação, os direitos retroactivos à pensão, a continuação da constituição da pensão no caso de invalidez e as prestações complementares para os sobreviventes, implica necessariamente a concessão ao Fundo do direito exclusivo de cobrar e de gerir as contribuições pagas com vista à constituição dos referidos direitos. Esse fundo deve, por isso, ser considerado como uma empresa investida pelas autoridades públicas de direitos exclusivos, na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado.

123.
    Nestas condições, há que examinar se o Fundo detém uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum.

124.
O Fundo e o Governo neerlandês alegam a este respeito que o Fundo não tem qualquer posição dominante na acepção do artigo 86.° do Tratado. O mercado das pensões complementares dos médicos especialistas independentes estabelecidos nos Países Baixos não constitui um mercado de serviços diferente do do conjunto das pensões complementares nesse Estado-Membro.

125.
    A este respeito basta referir, como salientou justamente a Comissão, que a concessão ao Fundo do direito exclusivo de gerir a segunda componente do regime complementar de pensões profissional dos médicos especialistas estabelecidos nos Países Baixos teve por consequência que estes não tiveram a possibilidade de constituir essa parte do seu regime de pensões junto de outra seguradora.

126.
    Assim, o Fundo tem um monopólio legal de fornecimento de certos serviços em matéria de seguro num sector profissional de um Estado-Membro e, portanto, sobre uma parte substancial do mercado comum. Deve, a este título, ser considerado como ocupando uma posição dominante na acepção do artigo 86.° do Tratado (v. acórdãos de 10 de Dezembro de 1991, Merci convenzionali porto di Genova, C-179/90, Colect., p. I-5889, n.° 14, e de 13 de Dezembro de 1991, GB-Inno-BM, C-18/88, Colect., p. I-5941, n.° 17).

127.
    Deve, contudo, acrescentar-se que o simples facto de se criar uma posição dominante através da concessão de direitos exclusivos, na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, não é, por si só, incompatível com o artigo 86.° Um Estado-Membro só viola as proibições estabelecidas nestas duas disposições quando a empresa em causa seja levada, pelo simples exercício dos direitos exclusivos que lhe foram atribuídos, a explorar a sua posição dominante de modo abusivo ou quando esses direitos possam criar uma situação em que essa empresa seja levada a cometer esses abusos (acórdãos Höfner e Elser, já referido, n.° 29; de 18 de Junho de 1991, ERT, C-260/89, Colect., p. I-2925, n.° 37; Merci convenzionali porto di Genova, já referido, n.os 16 e 17; de 5 de Outubro de 1994, Centre d'insémination de la Crespelle, C-323/93, Colect., p. I-5077, n.° 18; e de 12 de Fevereiro de 1998, Raso e o., C-163/96, Colect., p. I-533, n.° 27). Como resulta do n.° 31 do acórdão Höfner e Elser, já referido, tal prática abusiva, contrária ao artigo 90.°, n.° 1, do Tratado existe, nomeadamente,quando um Estado-Membro confere a uma empresa um direito exclusivo de exercer certas actividades e cria uma situação em que essa empresa não está manifestamente em condições de satisfazer a procura que o mercado representa para esse tipo de actividades.

128.
    Ora, não resulta dos autos enviados pelo órgão jurisdicional nacional nem das observações escritas ou orais apresentadas pelo Fundo, pelos Governos que intervieram no processo e pela Comissão que o Fundo é, pelo simples exercício do direito exclusivo que lhe foi conferido, levado a explorar a sua posição dominante de modo abusivo ou que as prestações de pensões oferecidas pelo Fundo não correspondiam às necessidades dos médicos especialistas.

129.
    Há que recordar a este respeito que Pavlov e o. não tinham manifestado o desejo de constituir a sua pensão complementar numa companhia de seguros; pretendiam pertencer não ao Fundo, mas a um outro fundo de pensões profissional, no qual a filiação tinha também sido tornada obrigatória.

130.
    Assim, há que responder à terceira questão que os artigos 86.° e 90.° do Tratado não se opõem a que as autoridades públicas confiram a um fundo de pensões o direito exclusivo de gerir o regime complementar de pensões dos membros de uma profissão liberal.

Quanto às despesas

131.
    As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês, helénico e francês, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Kantongerecht te Nijmegen, por despachos de 8 de Maio de 1998, declara:

1)    Os artigos 5.° e 85.° do Tratado (actuais artigos 10.° CE e 81.° CE) não se opõem à decisão das autoridades públicas de tornar obrigatória, a pedido de uma organização representativa dos membros de uma profissão liberal, a inscrição num fundo de pensões profissional.

2)    Um fundo de pensões, tal como o que está em causa nos processos principais, que determina ele próprio o montante das contribuições e das prestações e funciona segundo o princípio da capitalização, que foi encarregado da gestão de um regime complementar de pensões, criado por uma organização representativa dos membros de uma profissão liberal e no qual a inscrição foi tornada obrigatória pelas autoridades públicas de todos os membros dessa profissão, é uma empresa na acepção dos artigos 85.° do Tratado, 86.° e 90.° do Tratado CE (actuais artigos 82.° CE e 86.° CE).

3)    Os artigos 86.° e 90.° do Tratado não se opõem a que as autoridades públicas confiram a um fundo de pensões o direito exclusivo de gerir o regime complementar de pensões dos membros de uma profissão liberal.

Rodríguez Iglesias
Moitinho de Almeida
Edward

Sevón            Schintgen            Kapteyn

Gulmann

        Puissochet                            Wathelet

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Setembro de 2000.

O secretário

O presidente

R. Graus

G. C. Rodríguez Iglesias


1: Língua do processo: neerlandês.