Language of document : ECLI:EU:T:2014:854

Processo T‑534/11

Schenker AG

contra

Comissão Europeia

«Acesso a documentos — Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Dossiê administrativo e decisão final da Comissão relativa a um cartel, versão não confidencial dessa decisão — Recusa de acesso — Obrigação de proceder a um exame concreto e individual — Exceção relativa à proteção dos interesses comerciais de um terceiro — Exceção relativa à proteção dos objetivos das atividades de inquérito — Interesse público superior»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Primeira Secção) de 7 de outubro de 2014

1.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao princípio de acesso aos documentos — Recusa baseada em várias exceções — Admissibilidade

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°)

2.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção dos objetivos das atividades de inspeção, investigação e auditoria — Proteção dos interesses comerciais — Obrigação de ponderação dos interesses em presença

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, primeiro e terceiro travessões)

3.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Obrigação de conceder um acesso parcial aos dados não abrangidos pelas exceções — Aplicação aos documentos pertencentes a uma categoria coberta por uma presunção geral de recusa de acesso — Exclusão

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 6)

4.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção dos objetivos das atividades de inspeção, investigação e auditoria — Proteção dos interesses comerciais

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, segundo e terceiro travessões; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigos 27.°, n.° 2, e 28.°; Regulamento n.° 773/2004 da Comissão, artigos 6.°, 8.°, 15.° e 16.°)

5.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção dos objetivos das atividades de inspeção, investigação e auditoria — Proteção dos interesses comerciais — Interesse público superior que justifica a divulgação de documentos — Conceito — Interesse em conhecer a ação da Comissão no domínio da concorrência — Inclusão — Limites — Interesse que pode ser satisfeito pela comunicação de uma versão não confidencial da sua decisão

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, primeiro e terceiro travessões; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigos 7.° e 30.°, n.os 1 e 2)

6.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Alcance — Aplicação aos dossiês administrativos relativos aos procedimentos de controlo do respeito das regras da concorrência — Comunicação a uma pessoa que pretende intentar uma ação de indemnização baseada numa pretensa violação do artigo 101.° TFUE — Obrigação do requerente de demonstrar que tem necessidade de aceder aos documentos em causa — Alcance

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2)

7.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Obrigação de conceder um acesso parcial aos documentos não abrangidos pelas exceções — Alcance

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.os 2 e 6)

8.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Prazo estabelecido para responder a um pedido de acesso — Prolongamento — Requisitos — Pedido de acesso que visa documentos que beneficiam de um tratamento confidencial no âmbito de um procedimento administrativo em matéria de concorrência — Obrigação da instituição em causa de responder ao pedido num prazo razoável — Critérios de apreciação

(Artigos 101.° TFUE e 339.° TFUE; Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 8.°, n.os 1 e 2; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho)

1.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 39)

2.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 44, 74, 75)

3.      No âmbito de uma decisão de recusa de acesso aos documentos, a instituição em causa pode basear‑se em presunções gerais aplicáveis a certas categorias de documentos, uma vez que considerações de ordem geral semelhantes se podem aplicar a pedidos de divulgação respeitantes a documentos da mesma natureza. A este respeito, quando um documento é abrangido pela presunção geral e que nenhum interesse público superior justifica a sua divulgação, esses documentos escapam à obrigação de divulgação, integral ou parcial, do seu conteúdo.

(cf. n.os 47, 108)

4.      O Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, e o Regulamento n.° 1/2003 não contêm disposições que prevejam expressamente o primado de um sobre o outro. Importa, portanto, garantir uma aplicação de cada um destes regulamentos que seja compatível com a aplicação do outro, permitindo assim uma aplicação coerente. Assim, importa garantir uma aplicação de cada um destes regulamentos que seja compatível com a aplicação do outro e permita assim uma aplicação coerente. Por conseguinte, para efeitos da interpretação das exceções previstas no artigo 4.°, n.° 2, primeiro e terceiro travessões, do Regulamento n.° 1049/2001, há que reconhecer, contrariamente ao alegado pela recorrente, a existência de uma presunção geral segundo a qual a divulgação dos documentos obtidos pela Comissão no âmbito de um procedimento de aplicação do artigo 101.° TFUE seria, em princípio, prejudicial tanto para a proteção dos objetivos das atividades de inspeção, inquérito e auditoria das instituições da União como para a proteção dos interesses comerciais das empresas envolvidas nesse procedimento. Isto impõe‑se independentemente da questão de saber se o pedido de acesso diz respeito a um procedimento já encerrado ou a um procedimento pendente.

Com efeito, o artigo 27.°, n.° 2, e o artigo 28.° do Regulamento n.° 1/2003, bem como os artigos 6.°, 8.°, 15.° e 16.° do Regulamento n.° 773/2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.° e 82.° do Tratado CE, regulam de maneira restritiva o uso dos documentos que figuram no dossiê relativo a um procedimento de aplicação do artigo 101.° TFUE, ao limitarem o acesso ao processo às partes interessadas e aos autores da denúncia cuja queixa a Comissão tem intenção de indeferir, sob reserva da não divulgação dos segredos comerciais e de outras informações confidenciais das empresas, bem como dos documentos internos da Comissão e das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros, e na medida em que os documentos disponibilizados apenas sejam utilizados para efeitos de processos jurisdicionais ou administrativos que tenham por objeto a aplicação do artigo 101.° TFUE. Resulta daqui que não só as partes num procedimento de aplicação do artigo 101.° TFUE não dispõem de um direito de acesso ilimitado aos documentos que figuram no dossiê da Comissão, mas, além disso, os terceiros, com exceção dos autores da denúncia, não dispõem, no âmbito de um procedimento dessa natureza, do direito de acesso aos documentos do dossiê da Comissão.

Nestas condições, um acesso generalizado, com base no Regulamento n.° 1049/2001, aos documentos trocados, no âmbito de um procedimento de aplicação do artigo 101.° TFUE, entre a Comissão e as partes interessadas nesse procedimento ou terceiros é suscetível de pôr em risco o equilíbrio que o legislador da União quis assegurar, nos Regulamentos n.os 1/2003 e 773/2004, entre a obrigação de as empresas em questão comunicarem à Comissão as informações comerciais eventualmente sensíveis e a garantia de proteção reforçada que está associada, a título de sigilo profissional e de segredo comercial, às informações assim transmitidas à Comissão.

Por outro lado, no que diz respeito às informações reunidas pela Comissão no âmbito dos procedimentos de aplicação do artigo 101.° TFUE, que, de acordo com as suas comunicações relativas à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis, a divulgação destas informações poderia dissuadir os potenciais requerentes de clemência de fazerem declarações ao abrigo destas comunicações. Com efeito, poderiam encontrar‑se numa posição menos favorável do que a das outras empresas participantes no cartel que não tivessem colaborado no inquérito ou tivessem colaborado menos intensamente.

(cf. n.os 50, 52, 53, 55‑58, 83)

5.      O público deve poder conhecer a ação da Comissão no domínio da concorrência, a fim de assegurar, por um lado, uma identificação suficientemente precisa das condutas que poderão sujeitar os operadores económicos a sanções e, por outro, a compreensão da prática decisória da Comissão, uma vez que esta tem uma importância essencial no funcionamento do mercado interno, que afeta todos os cidadãos da União na qualidade de operadores ou de consumidores. Consequentemente, existe um interesse público superior em que o público possa conhecer determinados elementos essenciais da ação da Comissão nesse domínio. No entanto, a existência desse interesse público não obriga a Comissão a conceder um acesso generalizado, com base no Regulamento n.° 1049/2001, a todas as informações obtidas no âmbito de um procedimento de aplicação do artigo 101.° TFUE.

Com efeito, esse acesso generalizado poderia pôr em perigo o equilíbrio que o legislador da União quis assegurar, no Regulamento n.° 1/2003, entre a obrigação de as empresas em questão comunicarem à Comissão as informações comerciais eventualmente sensíveis e a garantia de proteção reforçada que está associada, a título de sigilo profissional e de segredo comercial, às informações transmitidas à Comissão. Por outro lado, o interesse público em obter a comunicação de um documento a título do princípio da transparência não tem o mesmo peso consoante se trate de um documento respeitante a um procedimento administrativo ou de um documento relativo a um processo no âmbito do qual a instituição da União intervém na qualidade de legislador.

O interesse público em conhecer a atividade da Comissão em matéria de concorrência não justifica, enquanto tal, a divulgação do dossiê de inquérito nem a versão integral da decisão adotada, na medida em que esses documentos não são necessários para compreender os elementos essenciais da atividade da Comissão, tais como o resultado do procedimento e as razões que nortearam a sua ação. Com efeito, a Comissão pode assegurar uma compreensão suficiente desse resultado e dessas razões, através, nomeadamente, da publicação de uma versão não confidencial da decisão em causa.

Para identificar as informações necessárias a este respeito, há que considerar que, nos termos do artigo 30.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão, embora acautelando o interesse legítimo das empresas na não divulgação dos seus segredos comerciais, está obrigada a publicar as decisões que adota nos termos do artigo 7.° do mesmo regulamento, mencionando o nome das partes interessadas e o essencial da decisão, incluindo as sanções impostas. Assim, o interesse público superior na divulgação não pode ser satisfeito pela simples publicação de um comunicado de imprensa que informe da adoção da decisão em causa, mesmo na hipótese de esse comunicado descrever sucintamente a infração declarada, identificar as empresas que foram consideradas responsáveis por essa infração e indicar o montante da coima aplicada a cada uma delas, na medida em que esse comunicado não reproduz o essencial das decisões adotadas nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 1/2003. Esse interesse público superior exige a publicação de uma versão não confidencial dessas decisões.

(cf. n.os 80‑85, 115, 116)

6.      Se é certo que qualquer pessoa tem o direito de reclamar a reparação do prejuízo que lhe tenha sido causado por uma violação do artigo 101.° TFUE, não é, contudo, necessário, para assegurar uma proteção efetiva do direito à reparação que assiste a um requerente, que qualquer documento respeitante a um procedimento de aplicação do artigo 101.° TFUE tenha de ser comunicado a esse requerente por este pretender intentar uma ação de indemnização, na medida em que é pouco provável que a ação de indemnização tenha de assentar em todos os elementos que figuram no dossiê relativo a esse procedimento.

Compete assim a qualquer pessoa que pretenda obter a reparação de um prejuízo sofrido em razão de uma violação do artigo 101.° TFUE demonstrar que tem necessidade de aceder a determinado documento que consta do dossiê da Comissão, a fim de que esta possa, casuisticamente, ponderar os interesses que justificam a comunicação de tais documentos ou a sua proteção, tomando em consideração todos os elementos pertinentes do processo. Na falta dessa necessidade, o interesse em obter a reparação do prejuízo sofrido em razão de uma violação do artigo 101.° TFUE não pode constituir um interesse público superior, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão.

(cf. n.os 92, 94‑96)

7.      O exame da possibilidade de conceder um acesso parcial a um documento das instituições da União deve ser realizado à luz do princípio da proporcionalidade. A este respeito, resulta do artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, que uma instituição é obrigada a examinar se é de conceder acesso parcial aos documentos objeto de um pedido de acesso, limitando uma eventual recusa apenas aos dados abrangidos pelas exceções previstas na referida disposição. A instituição deve conceder esse acesso parcial, se a finalidade prosseguida por essa instituição, ao recusar o acesso ao documento, puder ser atingida no caso de se limitar a ocultar as passagens ou os dados suscetíveis de prejudicar o interesse público protegido. Ora, resulta da leitura conjugada do artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001 e do artigo 4.°, n.° 2, último segmento de frase, do mesmo regulamento que, quando o interesse público superior previsto nesta última disposição justifique a divulgação de uma parte de um documento, a instituição da União a quem tenha sido apresentado o pedido de acesso está obrigada a conceder o acesso a essa parte.

(cf. n.os 111‑113)

8.      As disposições do Regulamento n.° 1049/2001 não preveem a possibilidade de a Comissão responder a um pedido confirmativo que o acesso ao documento solicitado será concedido num momento posterior e não determinado. Contudo, quando uma empresa alega que um documento que lhe diz respeito contém segredos comerciais ou outras informações confidenciais, a Comissão não o deve comunicar sem previamente respeitar várias etapas. Antes de mais, a Comissão deve dar à empresa em causa a possibilidade de apresentar a sua opinião. Seguidamente, deve tomar, a esse respeito, uma decisão devidamente fundamentada, que deve ser dada a conhecer à empresa. Por último, a Comissão deve, antes de executar a sua decisão, dar à empresa a possibilidade de recorrer ao juiz da União, com vista a impedir que se proceda à comunicação.

Há, assim, que reconhecer que a elaboração de uma versão não confidencial de uma decisão da Comissão em matéria de concorrência pode demorar algum tempo, inconciliável com os prazos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 8.° do Regulamento n.° 1049/2001 para responder aos pedidos confirmativos. Ora, a Comissão deve esforçar‑se por cumprir as referidas etapas com a maior brevidade possível e, em todo o caso, num prazo razoável, determinado em função das circunstâncias específicas de cada caso. A este propósito, há que ter em consideração o maior ou menor número de pedidos de tratamento confidencial apresentados e a sua complexidade técnica e jurídica.

(cf. n.os 126, 128‑130)