Language of document : ECLI:EU:C:2020:256

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 2 de abril de 2020(1)

Processo C648/18

Autoritatea Naţională de Reglementare în Domeniul Energiei (ANRE)

contra

Societatea de Producere a Energiei Electrice în Hidrocentrale Hidroelectrica SA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunalul Bucureşti (Tribunal de Bucareste, Roménia)]

«Reenvio prejudicial — Mercado interno da eletricidade — Artigo 35.o TFUE — Livre circulação de mercadorias — Restrições quantitativas à exportação — Medidas de efeito equivalente — Exportação de eletricidade — Medida nacional que impõe aos produtores de eletricidade a obrigação de comercializar a totalidade da eletricidade produzida exclusivamente através de um mercado nacional aberto à concorrência e centralizado»






1.        A autoridade reguladora romena aplicou uma sanção a uma empresa pela exportação para a Hungria de uma parte da energia elétrica que produziu, sem previamente a colocar à venda no mercado nacional através de uma plataforma de negociação centralizada, como exige, no seu entender, a legislação nacional.

2.        O Tribunalul București (Tribunal de Bucareste, Roménia) pretende saber se a legislação nacional aplicada nestes termos comporta uma restrição quantitativa à exportação ou uma medida de efeito equivalente e é, portanto, incompatível com o artigo 35.o TFUE.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Diretiva 2009/72/CE (2)

3.        A Diretiva 2009/72 contém os seguintes considerandos:

«[…]

(3)      As liberdades que o Tratado garante aos cidadãos da União, nomeadamente a liberdade de circulação de mercadorias, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços, pressupõem um mercado plenamente aberto que permita a todos os consumidores a livre escolha de comercializadores e a todos os comercializadores o livre fornecimento dos seus clientes.

[…]

(25)      A segurança do fornecimento energético é um elemento essencial de segurança pública, estando pois intrinsecamente associada ao funcionamento eficiente do mercado interno da eletricidade e à integração dos mercados da eletricidade isolados dos Estados‑Membros. […] Para a segurança pública, a competitividade da economia e o bem‑estar dos cidadãos da União, são essenciais mercados de eletricidade funcionais e, em particular, as redes e outros ativos associados à comercialização de eletricidade. […]

[…]

(51)      Os interesses dos consumidores deverão estar no cerne da presente diretiva e a qualidade do serviço deverá ser uma responsabilidade central das empresas de eletricidade. É necessário reforçar e garantir os direitos atuais dos consumidores, direitos esses que deverão incluir uma maior transparência. A proteção dos consumidores deverá assegurar que todos os consumidores na Comunidade em geral possam retirar benefícios de um mercado competitivo. Os direitos dos consumidores deverão ser aplicados pelos Estados‑Membros, ou quando o Estado‑Membro o tiver determinado, pelas entidades reguladoras.

[…]»

4.        O artigo 3.o («Obrigações de serviço público e proteção dos consumidores»), n.o 1, prevê:

«Os Estados‑Membros devem assegurar, com base na sua organização institucional e no respeito pelo princípio da subsidiariedade, que, sem prejuízo do disposto no n.o 2, as empresas de eletricidade sejam exploradas de acordo com os princípios constantes da presente diretiva, na perspetiva da realização de um mercado de eletricidade competitivo, seguro e sustentável do ponto de vista ambiental, e não devem discriminar essas empresas no que respeita a direitos ou obrigações.»

5.        O artigo 4.o («Monitorização da segurança do fornecimento») enuncia:

«Os Estados‑Membros devem assegurar a monitorização das questões relacionadas com a segurança do fornecimento. Sempre que o considerem adequado, os Estados‑Membros podem confiar essa tarefa às entidades reguladoras mencionadas no artigo 35.o Essa monitorização deve abranger, nomeadamente, o equilíbrio entre a oferta e a procura no mercado nacional, o nível da procura futura prevista e a capacidade suplementar prevista ou em construção, bem como a qualidade e o nível de manutenção das redes e as medidas destinadas a fazer face aos picos de procura e às falhas de um ou mais comercializadores. […]».

6.        O artigo 36.o («Objetivos gerais das entidades reguladoras») estabelece:

«No exercício das funções reguladoras especificadas na presente diretiva, as entidades reguladoras aprovam todas as medidas razoáveis na prossecução dos seguintes objetivos no quadro das suas obrigações e competências estabelecidas no artigo 37.o, em estreita consulta com outras autoridades nacionais competentes, incluindo as autoridades da concorrência, conforme adequado, e sem prejuízo das competências destas últimas:

a)      Promoção, em estreita colaboração com a Agência, com as entidades reguladoras de outros Estados‑Membros e com a Comissão, de um mercado interno da eletricidade competitivo, seguro e ecologicamente sustentável, na Comunidade, e da abertura efetiva do mercado a todos os clientes e comercializadores da Comunidade, e garantia de condições que permitam que as redes de eletricidade funcionem de forma eficaz e fiável, tendo em conta objetivos a longo prazo;

b)      Desenvolvimento de mercados regionais concorrenciais e em bom funcionamento na Comunidade, com vista à realização dos objetivos referido na alínea a);

c)      Supressão das restrições ao comércio de eletricidade entre Estados‑Membros, incluindo o desenvolvimento de capacidades adequadas de transporte transfronteiriço para satisfazer a procura e reforçar a integração dos mercados nacionais que possa facilitar o fluxo da eletricidade através da Comunidade;

[…]».

7.        Nos termos do artigo 37.o («Obrigações e competências das entidades reguladoras»):

«1.      As entidades reguladoras têm as seguintes obrigações:

[…]

c)      Cooperar em questões transfronteiriças com a entidade reguladora ou com as autoridades dos Estados‑Membros em causa e com a Agência;

[…]

i)      Monitorizar o nível de transparência, incluindo dos preços grossistas, e assegurar o cumprimento das obrigações de transparência por parte das empresas de eletricidade;

j)      Monitorizar o grau e a eficácia de abertura do mercado e de concorrência […]

[…]»

8.        O artigo 38.o («Regime regulamentar para questões transfronteiriças») dispõe:

«1.      As entidades reguladoras devem consultar‑se mutuamente e cooperar estreitamente, bem como prestar umas às outras e à Agência todas as informações necessárias para o cumprimento das funções que lhes incumbem por força da presente diretiva. Relativamente às informações que são objeto de intercâmbio, a entidade recetora deve assegurar o mesmo nível de confidencialidade que é exigido à entidade emissora.

[…]

3.      As entidades reguladoras nacionais têm o direito de celebrar acordos de cooperação entre si a fim de promover a cooperação no domínio regulamentar.

[…]».

2.      Regulamento (UE) n.o 1227/2011 (3)

9.        O artigo 1.o («Objeto, âmbito de aplicação e relação com outra legislação da União»), n.o 1, indica:

«O presente regulamento estabelece regras que proíbem práticas abusivas que afetem os mercados grossistas de energia, coerentes com as aplicáveis nos mercados financeiros e com o bom funcionamento dos referidos mercados grossistas de energia, tendo simultaneamente em conta as características específicas dos mesmos. O presente regulamento estabelece a monitorização dos mercados grossistas de energia pela Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia […], em estreita colaboração com as entidades reguladoras nacionais, e tendo em conta as interações entre o Regime de Comércio de Licenças de Emissão e os mercados grossistas da energia.»

3.      Regulamento (UE) 2015/1222 (4)

10.      O artigo 5.o («Designação de ONME em caso de monopólio legal nacional para os serviços de negociação»), n.o 1, primeiro parágrafo, enuncia:

«Se já existir um monopólio legal nacional dos serviços de negociação para o dia seguinte e intradiária, que exclua a designação de dois ou mais ONME, num Estado‑Membro ou numa zona de ofertas de um Estado‑Membro à data da entrada em vigor do presente regulamento, o Estado‑Membro em causa deve notificar a Comissão no prazo de dois meses a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento e pode recusar a designação de dois ou mais ONME por zona de ofertas.»

B.      Direito nacional. Legea energiei electrice și a gazelor naturale nr. 123/2012 (5)

11.      O artigo 2.o estabelece:

«As atividades no setor da energia elétrica e da energia térmica produzida em cogeração devem ter lugar para realização dos seguintes objetivos de base:

[…]

c) criar e garantir o funcionamento dos mercados de energia elétrica abertos à concorrência;

[…]

h) A melhoria da competitividade do mercado interno de energia elétrica e a participação ativa na formação tanto do mercado regional, como do mercado interno de energia da União Europeia e no desenvolvimento do comércio transfronteiriço

[…]»

12.      O artigo 3.o, n.o 49, define o «mercado centralizado» como «contexto organizado onde se procede às operações de negociação de energia elétrica entre vários operadores económicos, com a intermediação do operador do mercado de energia elétrica ou do gestor do sistema de transporte, com base em normas especificas, aprovadas pela autoridade competente.»

13.      Segundo o artigo 20.o, n.o 1:

«O mercado da energia elétrica é formado pelo mercado regulamentado e pelo mercado aberto à concorrência e as operações de negociação de energia são efetuadas por grosso ou a retalho.»

14.      Nos termos do artigo 23.o, n.o 1:

«As operações de negociação de energia elétrica têm lugar no mercado aberto à concorrência, de forma transparente, pública, centralizada e não discriminatória.»

15.      O artigo 28.o enuncia:

«Os produtores têm por principais obrigações:

[…]

c) negociar a energia elétrica e os serviços tecnológicos do sistema no mercado regulamentado e aberto à concorrência de forma transparente e não discriminatória;

[…]»

II.    O litígio e a questão prejudicial

16.      A Societatea de Producere a Energiei Electrice în Hidrocentrale Hidroelectrica SA (a seguir «Hidroelétrica») é uma sociedade de direito privado romeno, da qual o Estado é o acionista maioritário. As suas atividades são, designadamente, a produção, o transporte e a distribuição de energia elétrica e é possuidora de uma licença para produzir energia elétrica, bem como de uma licença para fornecer esse tipo de energia.

17.      A Hidroelétrica é ainda titular de uma licença de trading emitida pela autoridade reguladora húngara.

18.      Após a obtenção dessa licença esta sociedade celebrou, a partir de dezembro de 2014, contratos de fornecimento de energia elétrica através de uma plataforma húngara centralizada de negociação, mercado que faz parte dos reconhecidos pela Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (a seguir «Agência») para a cooperação entre autoridades reguladoras no setor da energia.

19.      Em 11 de maio de 2015, a Autoritatea Națională de Reglementare în Domeniul Energiei (Autoridade Nacional Reguladora do Setor da Energia; a seguir «ANRE»), notificou à Hidroelétrica a aplicação de uma coima de 50 000 lei romenos (RON) «por não ter colocado à venda, de forma transparente, no mercado concorrencial romeno da energia elétrica toda a energia elétrica de que dispunha, tendo, pelo contrário, exportado uma parte da energia elétrica, por ela produzida, para o mercado húngaro da energia elétrica, infringindo assim a legislação em vigor».

20.      A ANRE fundamentou a sua sanção no artigo 23.o, n.o 1, e no artigo 28.o, alínea c), da Lei n.o 123/2012, que interpretou no sentido de que a obrigação de os produtores nacionais colocarem à venda toda a energia elétrica de que dispõem publicamente e de forma não discriminatória no mercado concorrencial implica que seja através da plataforma Opcom SA (ou seja, no mercado centralizado nacional romeno da energia elétrica) (6).

21.      Na Roménia, segundo a ANRE, um produtor não tem o direito de exportar diretamente energia elétrica para outros países da União Europeia. Tal comportamento consubstancia uma violação da legislação nacional e, implicitamente, das condições associadas à licença de produção, sendo punível com uma sanção administrativa.

22.      A Hidroelétrica interpôs recurso da sanção na Judecătoria Sectorului 1 București (Tribunal de Primeira Instância de Bucareste — Setor 1, Roménia), invocando a sua nulidade por violação do princípio da livre circulação de mercadorias. Em particular, defendia que a ANRE interpretou o artigo 23.o, n.o 1, da Lei n.o 123/2012 em termos contrários à jurisprudência do Consiliul Concurenței (Autoridade da Concorrência, Roménia) e a decisões suas adotadas anteriormente.

23.      Tendo o recurso interposto pela Hidroelétrica sido julgado improcedente em primeira instância, a ANRE interpôs recurso da decisão para o Tribunalul București (Tribunal de Bucareste), que submete a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 35.o TFUE é contrário a uma interpretação dos artigos 23.o, n.o 1, e 28.o, alínea c), da [Lei n.o 123/2012] segundo a qual os produtores de energia elétrica da Roménia são obrigados a negociar toda a energia elétrica produzida exclusivamente através de um mercado aberto à concorrência e centralizado da Roménia, existindo a possibilidade de exportar a energia, mas não diretamente, apenas através de empresas de trading

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

24.      A questão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de outubro de 2018. A ANRE, o Governo romeno e a Comissão apresentaram observações escritas.

25.      Em 23 de janeiro de 2020 teve lugar a audiência pública na qual compareceram a ANRE, a Hidroelétrica, o Governo romeno e a Comissão.

IV.    Análise

A.      Admissibilidade

26.      A ANRE contesta a admissibilidade da questão prejudicial alegando que o órgão jurisdicional de reenvio não submete uma dúvida relativa à interpretação do direito da União, mas antes confronta este último com uma determinada interpretação de uma lei nacional. Acrescenta que o Tribunal de Justiça não tem competência para dirimir um litígio sobre a interpretação e aplicação de uma norma de direito nacional (7).

27.      Na origem do litígio está uma interpretação de certas disposições da Lei n.o 123/2012 que não é pacífica. A ANRE faz uma leitura do artigo 23.o, n.o 1, e do artigo 28.o, alínea c), da Lei n.o 123/2012 segundo a qual todas as negociações grossistas de energia elétrica devem ser realizadas exclusivamente nas plataformas da Opcom. Não obstante, nos termos do despacho de reenvio, outros tribunais romenos chegam a conclusões distintas (8).

28.      O órgão jurisdicional de primeira instância adotou uma interpretação das referidas disposições que o levou a julgar procedente o recurso da Hidroelétrica. Em sede de recurso, a ANRE insiste, em sentido contrário, na interpretação estrita, cuja aceitação teria como consequência a licitude da coima imposta (9).

29.      A questão da inadmissibilidade não pode ter procedência. O órgão jurisdicional de reenvio não pretende que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a interpretação da Lei n.o 123/2012, decidindo qual das linhas hermenêuticas existentes é correta do ponto de vista do direito interno. O que sucede é que a adoção de uma dessas duas interpretações controvertidas (a «estrita») coloca dúvidas sobre a compatibilidade das disposições nacionais com o direito da União.

30.      A questão prejudicial limita‑se a procurar saber se o artigo 35.o TFUE se opõe ao regime de negociações da energia elétrica que resulta da interpretação estrita da legislação nacional. Para responder à questão, o Tribunal de Justiça não tem de dirimir o debate interno sobre a melhor interpretação da legislação interna. Cabe‑lhe, tomando como premissa a disposição legal exposta pelo órgão jurisdicional de reenvio (10), pronunciar‑se sobre a sua compatibilidade com o direito da União (atual artigo 35.o TFUE), garantindo assim uma interpretação uniforme do mesmo que vincule todas as autoridades e órgãos jurisdicionais de todos os Estados‑Membros (11).

B.      Quanto à aplicabilidade do artigo 35.o TFUE

31.      O Governo romeno e a ANRE sustentam que, tendo em conta a harmonização legislativa levada a cabo pelo Regulamento 2015/1222, o artigo 35.o não é aplicável.

32.      Segundo jurisprudência constante, «toda e qualquer medida nacional, num domínio que foi objeto de uma harmonização exaustiva a nível da União, deve ser apreciada à luz das disposições dessa medida de harmonização e não das do direito primário» (12).

33.      Ora, não chegando a ser necessário verificar se o Regulamento 2015/1222 harmoniza exaustivamente o domínio, certo é que este entrou em vigor em 26 de julho de 2015, ao passo que os factos que deram origem à sanção tiveram lugar entre dezembro de 2014 e fevereiro de 2015. Nestes termos, o regulamento não é aplicável ratione temporis.

34.      De qualquer modo, também não seria aplicável ratione materiae, uma vez que como salientou a Hidroelétrica na audiência, o monopólio a que se refere o artigo 5.o do referido regulamento apenas diz respeito aos mercados a curto prazo (negociação para o dia seguinte e intradiária), e não aos controvertidos no processo principal (negociações a médio e longo prazo e contratos bilaterais).

35.      Como sublinhou a Comissão (13), a Diretiva 2009/72, enquanto regulamentação principal do mercado interno de eletricidade, não implica uma harmonização completa: em particular, não contém normas específicas no domínio das negociações de eletricidade.

36.      Inexistindo essa harmonização completa das condições das negociações de eletricidade nos mercados dos Estados‑Membros, a regulamentação nacional deve ser examinada à luz dos Tratados. Recordo que a energia elétrica é uma mercadoria na aceção dos artigos 34.o TFUE e 35.o TFUE (14).

C.      Quanto ao mérito

37.      Segundo a interpretação da legislação nacional adotada pelo órgão jurisdicional de reenvio, as negociações grossistas de energia elétrica devem ser realizadas numa plataforma centralizada na Roménia e os produtores não podem exportar diretamente essa energia para os mercados de outros Estados‑Membros.

38.      Resulta do despacho de reenvio, que a Lei n.o 123/2012 não impede de forma absoluta a exportação de energia elétrica. Esta proibição aplica‑se aos produtores que têm obrigatoriamente de vender a sua produção no mercado nacional centralizado. Em contrapartida, como afirmado na audiência, os intermediários (traders) que compram essa energia no referido mercado podem posteriormente exportá‑la para outros Estados‑Membros (15).

39.      Embora tenha sido objeto de grande debate na audiência, creio que se revelou impossível ficar com uma ideia cabal das características do mercado romeno da eletricidade, que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Todavia, no que diz respeito a este processo, parece existir um certo consenso sobre os seguintes aspetos:

–        os produtores grossistas são obrigados a operar por intermédio da Opcom, plataforma na qual devem negociar toda a eletricidade que produzem;

–        estes produtores não podem, portanto, celebrar contratos a médio e longo prazo para exportar para outros Estados‑Membros a energia elétrica que produzem nem ter acesso aos mercados centralizados desses outros Estados‑Membros;

–        a celebração de contratos bilaterais de exportação só é possível através de intermediários (traders) que tenham previamente adquirido a energia elétrica no mercado grossista.

–        estas restrições não existem no mercado a curto prazo (negociação para o dia seguinte e intradiária), cujo volume de negociações é inferior ao do mercado grossista.

40.      Neste processo, conforme referido, é impugnada a sanção imposta à Hidroelétrica por ter exportado energia elétrica fora da plataforma da Opcom, nos termos da interpretação da lei romena que a ANRE defende.

1.      Existência de uma restrição à exportação

41.      Importa determinar, em primeiro lugar, se a proibição imposta a um agente económico que produz eletricidade na Roménia de a exportar para outro Estado‑Membro, sem utilizar a plataforma instituída pela lei interna, constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à exportação, na aceção do artigo 35.o TFUE.

42.      O Tribunal de Justiça qualificou de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à exportação «as medidas nacionais que têm por objeto ou por efeito restringir especificamente as correntes de exportação e estabelecer assim uma diferença de tratamento entre o comércio interno de um Estado‑Membro e o seu comércio de exportação, de maneira a assegurar uma vantagem especial à produção nacional ou ao mercado interno do Estado interessado, em detrimento da produção ou do comércio de outros Estados‑Membros» (16).

43.      A Lei n.o 123/2012, conforme interpretada pela ANRE, proíbe as negociações diretas (sem a intermediação das plataformas da Opcom) entre os produtores romenos de energia elétrica e os seus clientes potenciais noutro Estado‑Membro.

44.      Embora esta proibição também se aplique aos produtores de energia elétrica destinada ao consumo interno, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que «uma medida nacional aplicável a todos os operadores que atuam no território nacional que afete mais a saída dos produtos do mercado do Estado‑Membro de exportação do que a comercialização dos produtos no mercado nacional desse Estado‑Membro se enquadra na proibição prevista no artigo 35.o TFUE» (17).

45.      A Comissão sustenta que é o que sucede no presente processo, opinião de que partilho. A norma de direito nacional tem um efeito dissuasor sobre as exportações e não trata da mesma forma o mercado centralizado nacional, gerido pela Opcom, e os mercados semelhantes de eletricidade no resto da União. Acresce que, se o sistema romeno funciona realmente nos moldes descritos pelas partes na audiência, a Comissão considera que o sistema em causa contém uma discriminação direta incompatível com o direito da União (18).

46.      O Governo romeno admite, em última instância, o efeito restritivo denunciado pela Comissão. Alega que a exportação de eletricidade através de contratos bilaterais e fora da plataforma centralizada «implica a diminuição da eletricidade disponível para cobrir a curva de consumo interno, o que conduz implicitamente à necessidade de a cobrir através de importações» (19).

47.      Este argumento revela que o objetivo da medida legislativa (ou um dos objetivos) é condicionar a exportação de energia elétrica à satisfação prévia do consumo interno. Desta forma é reconhecida sem ambiguidade a restrição imposta aos produtores nacionais de aceder ao mercado externo, uma vez que lhes é proibido, nos termos já explicados, exportar diretamente.

48.      Esta imposição insere‑se, portanto, entre aquelas que, segundo o Acórdão Gysbrechts e Santurel Inter, têm «por efeito restringir especificamente as correntes de exportação» (20). Embora se aplique indistintamente a todos os agentes económicos que produzem energia elétrica, afeta «sobretudo […] a saída dos produtos do mercado do Estado‑Membro de exportação do que a comercialização dos produtos no mercado nacional», precisamente porque dá prioridade ao fornecimento interno e, neste sentido, privilegia‑o em detrimento do comércio externo.

2.      Eventuais justificações da restrição constatada

49.      Uma medida restritiva pode ser justificada tanto pelas razões enunciadas no artigo 36.o TFUE, como por exigências imperativas de interesse geral, desde que a referida medida seja proporcionada ao objetivo legítimo prosseguido (21).

a)      Existência de uma razão ou exigência justificativa

50.      Decorre da jurisprudência constante que compete às autoridades nacionais invocar as razões justificativas das proibições constitutivas de uma exceção ao princípio da livre circulação de mercadorias (22).

51.      O despacho de reenvio não contém nenhuma menção a uma eventual justificação da Lei n.o 123/2012.

52.      Não obstante, não há qualquer problema em admitir que, como entende a Comissão e afirma o Governo romeno (23), a intenção do legislador possa ter sido a de assegurar que as negociações grossistas de energia elétrica no mercado aberto à concorrência se realizem de forma pública e centralizada, em conformidade com os princípios da transparência e da não discriminação, excluindo assim as compras bilaterais e não transparentes entre os produtores e os outros operadores económicos (24).

53.      A esta justificação, o Governo romeno acrescenta uma segunda, baseada na garantia de fornecimento de energia elétrica, e até uma terceira: a proteção dos consumidores.

54.      De facto, invoca a finalidade de proteger, em benefício dos consumidores, a segurança do abastecimento energético, aludindo ao quinquagésimo primeiro considerando da Diretiva 2009/72, que se refere aos interesses dos consumidores como o cerne da diretiva (25).

55.      Nesta linha, o Governo romeno sublinha que a exportação de energia através de contratos bilaterais comporta «a diminuição da eletricidade disponível para cobrir a curva do consumo interno» e obrigaria, sendo caso disso, à importação de energia elétrica, com o consequente aumento dos preços (26).

56.      Portanto é possível concluir que os objetivos da legislação controvertida são, por um lado, a transparência do mercado da eletricidade e, por outro, a garantia de fornecimento adequado de energia elétrica para consumo interno.

57.      Partilho da posição da Comissão de que o primeiro destes objetivos (garantir que as negociações de eletricidade são realizadas de forma transparente) pode ser qualificado de «exigência imperativa de interesse geral», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, suscetível de justificar uma eventual restrição à exportação.

58.      Quanto ao segundo objetivo, segundo a jurisprudência, a proteção do fornecimento energético integra‑se naturalmente entre as causas de justificação por razões de segurança pública previstas no artigo 36.o TFUE (27). O legislador primário da União menciona, no artigo 194.o, n.o 1, alínea b), que um dos objetivos da política energética da União é assegurar a segurança do aprovisionamento energético da União (28);

59.      Ora, incumbe ao Estado‑Membro demonstrar que a regulamentação adotada com base nas referidas justificações é necessária e adequada para realizar os objetivos prosseguidos e é conforme com o princípio da proporcionalidade, e que estes objetivos não poderiam ser realizados através de proibições ou limitações de menor amplitude ou suscetíveis de afetar menos o comércio da União (29).

b)      O caráter necessário e adequado da medida em causa

60.      A centralização das negociações grossistas de energia elétrica numa única plataforma pode, em abstrato, ser adequada tanto para preservar o abastecimento do consumo nacional como para assegurar a transparência dessas negociações.

61.      Em todo o caso, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, devido às características dessa plataforma (gerida por um operador designado pelas autoridades nacionais), a centralização na mesma das negociações de energia elétrica: a) constitui um meio adequado, apropriado e eficaz para garantir o abastecimento interno; e b) garante condições suficientes de transparência e não discriminação.

62.      Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça «as razões justificativas suscetíveis de ser invocadas por um Estado‑Membro devem ser acompanhadas das provas apropriadas ou de uma análise da adequação e da proporcionalidade da medida restritiva adotada por esse Estado, bem como dos elementos precisos que permitam sustentar a sua argumentação» (30).

c)      O caráter proporcionado da restrição

63.      Na minha opinião, mesmo admitindo que a centralização das negociações imposta (segundo a interpretação da ANRE) pela Lei n.o 123/2012 é adequada à realização do objetivo legítimo pretendido, esta disposição vai além do que é necessário, porquanto são concebíveis medidas menos restritivas da liberdade garantida pelo artigo 35.o TFUE.

1)      Quanto à transparência

64.      No que se refere a garantir a transparência, concordo plenamente com a posição da Comissão: antes de atingir o extremo de proibir a exportação direta a outros Estados‑Membros fora da plataforma centralizada, é possível utilizar os instrumentos de cooperação entre as autoridades de regulação nacional previstos nos artigos 36.o a 38.o da Diretiva 2009/72.

65.      Uma das obrigações dessas autoridades reguladoras é, no que aqui é relevante, «monitorizar o nível de transparência, incluindo dos preços grossistas, [bem como] assegurar o cumprimento das obrigações de transparência por parte das empresas de eletricidade» (31).

66.      As obrigações que impostas às autoridades reguladoras têm como objetivo a «[p]romoção, […] de um mercado interno da eletricidade competitivo, seguro e ecologicamente sustentável, […] [a] abertura efetiva do mercado a todos os clientes e comercializadores da Comunidade, e garantia de condições que permitam que as redes de eletricidade funcionem de forma eficaz e fiável, tendo em conta objetivos a longo prazo», sempre «em estreita colaboração com […] com as entidades reguladoras de outros Estados‑Membros e com a Comissão» (32).

67.      O dever de cooperação está especificado no artigo 38.o da Diretiva 2009/72: autoridades devem cooperar, inter alia, para «[p]romover a criação de disposições operacionais tendentes a permitir uma gestão ótima da rede, promover intercâmbios conjuntos de eletricidade e a atribuição de capacidade transfronteiriça e permitir um nível adequado de capacidade de interligação […], de modo a permitir o desenvolvimento de uma concorrência efetiva e a melhoria da segurança do fornecimento, sem discriminação entre as empresas de comercialização nos diferentes Estados‑Membros» (33).

68.      Neste contexto, nada impede que, como alega a Comissão, a ANRE elabore uma lista das plataformas de negociação fiáveis, isto é, capazes de assegurar negociações transparentes e não discriminatórias. Para tal, pode usar‑se como fundamento:

–        o artigo 38.o, n.o 1, da Diretiva 2009/72, relativo à consulta e à cooperação mútua dessas autoridades, prevê a colocação à disposição recíproca de «todas as informações necessárias para o cumprimento das [suas] funções»; e

–        o direito conferido a essas autoridades pelo n.o 3 da mesma disposição, para «celebrar acordos de cooperação entre si a fim de promover a cooperação no domínio regulamentar».

69.      Também o Regulamento n.o 1227/2011, que tem por objeto assegurar a integridade e a transparência do mercado grossista de energia, concebe mecanismos de cooperação entre entidades reguladoras que podem ser úteis:

–        No artigo 7.o, n.o 2, primeiro parágrafo, indica que «[a]s entidades reguladoras nacionais cooperam a nível regional e com a Agência na monitorização dos mercados grossistas de energia». Em conformidade com o n.o 1 da mesma disposição, assim podem «[…] [monitorizar] as transações relativas aos produtos energéticos grossistas para detetar e impedir o abuso de informação privilegiada e a manipulação de mercado» (34).

–        Prevê, no artigo 9.o, a criação de um registo europeu dos participantes no mercado, do qual devem constar as informações mais relevantes relativas às operações celebradas no mercado grossista de energia, incluindo, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, do mesmo regulamento, «a identificação precisa dos produtos energéticos grossistas comprados e vendidos, o preço e a quantidade acordados, as datas e horas de execução, as partes na transação, os beneficiários da transação e quaisquer outras informações relevantes». Esse registo, em conformidade com o n.o 3 desse artigo 9.o, é acessível às autoridades reguladoras nacionais.

70.      Assim, entendo que a transparência pode ser conseguida sem impor a obrigação de as negociações grossistas de eletricidade serem realizadas apenas em plataformas geridas por um único operador nacional, ou seja, excluindo as plataformas de outros Estados‑Membros que assegurem as condições idênticas de transparência e de não discriminação.

71.      Definitivamente, existem instrumentos normativos suficientes para assegurar a transparência do mercado da eletricidade, não sendo necessário esperar pela plena harmonização do setor, como sustentou a ANRE na audiência.

2)      Quanto à garantia de fornecimento

72.      No que respeita à garantia do abastecimento do consumo nacional de energia, considero igualmente que não se justifica proibir os produtores, de modo geral, de exportar diretamente eletricidade fora da plataforma gerida pela Opcom, uma vez que existem medidas menos radicais.

73.      Já afirmei que, sendo a energia um elemento estratégico fundamental para os Estados‑Membros, a garantia do seu fornecimento regular constitui um objetivo de interesse geral primordial.

74.      Ora, «fornecimento regular» não equivale obrigatoriamente a «fornecimento ao melhor preço». Ora este parece ser o verdadeiro objetivo da legislação controvertida que, segundo o Governo romeno, visa evitar o aumento de preços inerente à necessidade de importar energia elétrica (35).

75.      Se considerações de ordem puramente económica ou comercial pudessem justificar a proibição da exportação direta, o próprio princípio do mercado interno seria posto em causa. É distinto que, em situação de emergência provocada por circunstâncias excecionais, os Estados‑Membros possam invocar razões de segurança pública e de interesse geral para impedir a exportação de energia elétrica. Mas fazê‑lo por sistema, com o único propósito de evitar o livre funcionamento do mercado e procurar um melhor preço para o consumo interno vai, no meu entender, para além das causas legítimas de restrição autorizadas pelo artigo 36.o TFUE ou dos motivos de interesse geral que justificam as restrições quantitativas de exportação ou as medidas de efeito equivalente.

76.      Conforme sublinhado na audiência, a Hidroelétrica não contesta que deve cumprir as disposições legais que lhe impõem que mantenha uma determinada quantidade de energia elétrica disponível, precisamente para assegurar o fornecimento nacional. O que pretende é que lhe seja permitido negociar o resto da eletricidade que produz, quer através de contratos bilaterais, quer em mercados distintos da plataforma centralizada da Opcom.

77.      Se assim for, a proibição absoluta de exportar a energia elétrica não estritamente indispensável à garantia mínima de fornecimento afigura‑se desproporcionada.

78.      De resto, não parece muito coerente com o referido objetivo que os intermediários (traders) possam comprar a energia elétrica neste mercado grossista para posteriormente, sem restrições análogas às impostas aos produtores, a exportar para outros Estados‑Membros.

79.      Por último, importa recordar que, como observa o Regulamento 2015/1222, a segurança do abastecimento está «intrinsecamente associada ao funcionamento eficiente do mercado interno da eletricidade e à integração dos mercados da eletricidade isolados dos Estados‑Membros» (36).

80.      Na mesma linha, pode ler‑se no considerando 44 da Diretiva 2009/72 que a garantia da segurança do fornecimento implica a fiscalização do equilíbrio entre a oferta e a procura em cada Estado‑Membro, mas sem se ficar por aí, pois é necessário «elaborar um relatório sobre a situação a nível comunitário, tendo em conta a capacidade de interligação de zonas».

81.      A exportação/importação de eletricidade entre os Estados‑Membros é, assim, um elemento fundamental para a garantia do fornecimento tanto em cada Estado‑Membro como em toda a União. Trata‑se, em última análise, de uma salvaguarda dirigida de igual forma às dimensões nacional e europeia do mercado da eletricidade, no interesse da segurança do fornecimento em ambos os níveis, o que permite responder às necessidades do mercado interno com os recursos do mercado da União.

V.      Conclusão

82.      Pelo exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Tribunalul Bucureşti (Tribunal de Bucareste, Roménia) nos seguintes termos:

«O artigo 35.o TFUE é contrário à legislação de um Estado‑Membro que, ao instituir a obrigação de centralizar numa plataforma única, gerida por um operador designado pelas autoridades nacionais, as negociações grossistas de energia elétrica, proíbe os produtores de a exportar diretamente para outros Estados‑Membros.

Esta medida não pode ser justificada, de modo geral, por razões de transparência ou de segurança do abastecimento quando estas últimas digam respeito a motivos de ordem económica sobre o aumento dos preços resultante da eventual importação de energia elétrica.»


1      Língua original: espanhol.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55).


3      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativo à integridade e à transparência nos mercados grossistas da energia (JO 2011, L 326, p. 1).


4      Regulamento da Comissão, de 24 de julho de 2015, que estabelece orientações para a atribuição de capacidade e a gestão de congestionamentos (JO 2015, L 197, p. 24).


5      Lei n.o 123/2012, sobre a energia elétrica e o gás natural (a seguir, «Lei n.o 123/2012»).


6      Em 13 de fevereiro de 2015, a ANRE publicou na sua página web um comunicado intitulado «A interpretação que a ANRE faz das disposições da Lei [n.o 123/2012] relativamente à possibilidade de os produtores exportarem energia elétrica». Sobre os artigos 23.o e 28.o da Lei n.o 123/2012, o comunicado declarou, nos termos da decisão de reenvio, que «segundo a interpretação da ANRE toda a energia elétrica disponível deve ser colocada à venda de forma transparente, pública, não discriminatória e centralizada na plataforma Opcom SA» — ou seja, no mercado centralizado romeno da energia elétrica. Segundo a Comissão, o comunicado prosseguia afirmando que «um produtor pode criar uma sociedade comercial na Roménia ou noutro país, mas esta sociedade só pode adquirir a eletricidade produzida pelo produtor se, devido à sua participação num dos sistemas de negociação geridos pela Opcom em que o produtor também participa, o contrato for adjudicado à sua proposta ou a uma proposta semelhante» (n.o 20 das observações da Comissão).


7      N.o 1, parágrafo sexto, das observações escritas da ANRE.


8      O n.o 6 do despacho de reenvio refere uma sentença proferida por um tribunal de primeira instância de Bucareste, na qual se determina que «a negociação fora das plataformas centralizadas da OPCOM não consubstancia necessariamente uma violação do artigo 23.o, n.o 1, da Lei n.o 123/2012».


9      Face a esta interpretação, que a Comissão denomina de «estrita» (n.o 18 das suas observações), não falta quem prefira uma interpretação «ampla» (n.o 21 das observações) dessas disposições. A Autoridade de Concorrência romena também se manifestou a favor desta última interpretação num relatório de 25 de fevereiro de 2015. No despacho de reenvio, é transcrita, como alegou a Hidroelétrica, uma parte deste relatório, nos termos do qual «as disposições constantes da Lei [n.o 123/2012] que obrigam os participantes no mercado a celebrar as negociações grossistas apenas nos mercados centralizados devem ser interpretadas no sentido de que aos produtores de energia elétrica é permitido realizar diretamente (ou através de uma sociedade do seu próprio grupo) vendas destinadas à exportação».


10      A função de definir os factos e o quadro regulamentar no qual se insere a questão prejudicial cabe exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio. Neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2009, Pedro IV Servicios (C‑260/07, EU:C:2009:215), n.o 29. Isto independentemente de a interpretação adotada pelo órgão jurisdicional de reenvio poder ser, a final, dada como inadmissível por instâncias superiores, às quais caiba unificar a jurisprudência sobre a legislação interna. Se assim for, a interpretação do direito da União efetuada pelo Tribunal de Justiça em relação a esse processo pode não ser suficiente para resolver as eventuais dúvidas de compatibilidade com aquele direito, decorrentes da nova interpretação da norma nacional. Não obstante, continua a ser a interpretação autorizada do direito da União no contexto fáctico e normativo que deu origem à questão prejudicial.


11      Acresce que esta interpretação não pode ser feita no vazio, só se conseguindo obtê‑la no contexto de um litígio verdadeiro (Acórdão de 16 de dezembro de 1981, Foglia, 244/80, EU:C:1981:302, n.o 18) e, como tal, em relação à aplicação de normas cuja pertinência para a solução do conflito é determinada pelo órgão judicial nacional.


12      Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft (C‑573/12, EU:C:2014:2037), n.o 57 e jurisprudência referida.


13      N.os 25 a 27 das suas observações.


14      De forma geral, Acórdão de 27 de abril de 1994, Almelo (C‑393/92, EU:C:1994:171), n.o 28.


15      O Governo romeno afirma que o nível de exportação da eletricidade da Roménia nos anos 2014 e 2016 foi de 8 200 GWh e 8 587 GWh, respetivamente (n.o 23 das suas observações).


16      Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Gysbrechts e Santurel Inter (C‑205/07, EU:C:2008:730; a seguir «Acórdão Gysbrechts e Santurel Inter»), n.o 40. Jurisprudência que, como salienta o Governo romeno, remonta ao Acórdão de 8 de novembro de 1979, Groenveld (15/79, EU:C:1979:253), n.o 7.


17      Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, ZTP (C‑518/16, EU:C:2018:126; a seguir «Acórdão ZTP»), n.o 43.


18      Os produtores romenos de eletricidade não podem recorrer aos mercados de outros Estados‑Membros, quer sejam centralizados ou através de contratos bilaterais, o que os impede de aceder a um número mais elevado de potenciais compradores e de negociar condições de venda mais favoráveis (por exemplo, em matéria de preços ou de prazos de entrega).


19      N.o 41 das observações do Governo romeno.


20      Acórdão Gysbrechts e Santurel Inter, n.o 40.


21      De entre todos, Acórdão Gysbrechts e Santurel Inter, n.o 45.


22      Entre outros, Acórdão de 23 de dezembro de 2015. Scotch Whisky Association e o. (C‑333/14, EU:C:2015:845; a seguir «Acórdão Scotch Whisky Association»), n.os 53 e 54.


23      N.o 36 das suas observações.


24      N.o 42 das observações da Comissão. O objetivo da Lei n.o 123/2012 seria, assim, garantir a transparência e a integridade do mercado, evitando negociações diretas que pudessem dar origem a preocupações inexistindo um mecanismo concorrencial característico de uma plataforma centralizada e regulamentada.


25      N.o 37 das observações escritas do Governo romeno.


26      Ibidem, n.o 41.


27      O Governo romeno invoca o Acórdão de 10 de julho de 1984, Campus Oil e o. (72/83, EU:C:1984:256), cujo n.o 34 explica que «os produtos petrolíferos, devido à sua importância excecional como fonte de energia na economia moderna, são fundamentais para a existência de um Estado, porque o funcionamento não só da sua economia, mas, sobretudo, das suas instituições e dos seus serviços públicos essenciais e até a sobrevivência da sua população dependem deles. Por conseguinte, uma rutura do aprovisionamento em produtos petrolíferos e os riscos que dela resultam para a existência de um Estado podem afetar gravemente a sua segurança pública, que o artigo 36.o permite proteger».


28      O quinto considerando da Diretiva 2009/72 enuncia que «[a] segurança do fornecimento de eletricidade reveste‑se de importância vital para o desenvolvimento da sociedade europeia, para a aplicação de uma política sustentável em matéria de alterações climáticas e para fomentar a competitividade no mercado interno […]».


29      Acórdãos Scotch Whisky Association, n.os 37 e 53 e jurisprudência referida; e de 22 de junho de 2017, EON Biofor Sverige (C‑549/15, EU:C:2017:490), n.o 90.


30      Acórdão Scotch Whisky Association, n.o 54.


31      Artigo 37.o, n.o 1, alínea i), da Diretiva 2009/72.


32      Artigo 36.o, alínea a), da Diretiva 2009/72.


33      Artigo 38.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2009/72.


34      Facilita essa função que, nos termos do disposto no n.o 2 do referido artigo 7.o, «as entidades reguladoras nacionais têm acesso às informações relevantes detidas pela Agência».


35      N.o 41 das observações do Governo romeno.


36      Segundo considerando do Regulamento 2015/1222.