Language of document : ECLI:EU:C:2022:931

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

TAMARA ĆAPETA

apresentadas em 24 de novembro de 2022(1)

Processo C574/21

QT

contra

O2 Czech Republic a. s.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Nejvyšší soud (Supremo Tribunal, República Checa)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 86/653/CEE — Artigo 17.o, n.o 2, alínea a) — Agentes comerciais que atuam por conta própria — Direito a uma indemnização após a cessação do contrato de agência — Método de cálculo — Conceito de “comissões que o agente comercial perca” — Pagamentos de comissões únicas»






I.      Introdução

1.        O artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (2), estabelece o direito de um agente comercial receber da parte do comitente um montante em dinheiro, designado por indemnização, após a cessação do contrato de agência.

2.        O presente reenvio prejudicial apresentado pelo Nejvyšší soud (Supremo Tribunal, República Checa) suscita uma questão de interpretação dessa disposição. Mais precisamente, diz respeito à interpretação do conceito de «comissões que o agente comercial perca» (a que me referirei como «perda de comissões») constante da mesma.

3.        O presente processo suscita igualmente algumas questões mais amplas relacionadas com os requisitos para que a indemnização possa ser invocada e o método de cálculo da mesma ao abrigo da Diretiva 86/653.

II.    Matéria de facto do processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

4.        QT celebrou um contrato de agência com a antecessora legal da O2 Czech Republic a. s. (a seguir «O2 Czech Republic») em 1 de janeiro de 1998. Ao abrigo desse contrato, QT e a O2 Czech Republic tinham o estatuto de agente comercial e comitente, respetivamente.

5.        O contrato de agência dizia respeito à disponibilização e venda de serviços de telecomunicações prestados pela O2 Czech Republic nos sistemas NMT 450 e GSM, ao fornecimento e venda de telemóveis, acessórios e eventualmente de outros produtos, bem como ao apoio ao cliente.

6.        Nos termos do contrato de agência, QT recebeu uma comissão única por cada contrato individual que celebrou para a O2 Czech Republic. Como explicou a O2 Czech Republic na audiência no Tribunal de Justiça, se QT negociasse a celebração de um novo contrato com um mesmo cliente que já tinha angariado (por exemplo, a prorrogação da assinatura), ser‑lhe‑ia paga uma comissão única por esse novo contrato. Se, no entanto, fosse celebrado um novo contrato pela O2 Czech Republic com o mesmo cliente através de um agente diferente, a comissão única seria paga a esse mesmo agente. Se a O2 Czech Republic celebrasse diretamente um novo contrato com o mesmo cliente, a comissão não seria paga.

7.        Em 31 de março de 2010, a O2 Czech Republic rescindiu o contrato de agência.

8.        QT intentou uma ação no Obvodní soud pro Prahu 4 (Juízo de Praga 4, República Checa), na qual pede que a 02 Czech Republic lhe pague a quantia de 2 023 799 coroas checas (CZK) (aproximadamente 80 000 euros), acrescida de juros de mora, com base no seu direito a receber uma indemnização ao abrigo da legislação checa que transpõe o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653.

9.        Inicialmente, por Decisão de 14 de setembro de 2015, o Obvodní soud pro Prahu 4 (Juízo de Praga 4), o tribunal de primeira instância, deferiu parcialmente o pedido de QT. No entanto, na sua Sentença de 16 de março de 2016, o Městský soud v Praze (Tribunal de Praga, República Checa), o tribunal de recurso, anulou a referida decisão com base no recurso da O2 Czech Republic, com fundamento na insuficiência do apuramento de factos, e devolveu o processo ao tribunal de primeira instância para reapreciação.

10.      Numa segunda Decisão de 30 de janeiro de 2019, o Obvodní soud pro Prahu 4 (Juízo de Praga 4) indeferiu o pedido de QT. O tribunal de primeira instância concluiu que QT não tinha conseguido demonstrar que a O2 Czech Republic retirou vantagens substanciais dos clientes angariados por QT após a cessação do contrato de agência. QT interpôs recurso dessa decisão.

11.      Por Acórdão de 27 de novembro de 2019, o Městský soud v Praze (Tribunal de Praga) confirmou a decisão do tribunal de primeira instância ao rejeitar o pedido de QT. O tribunal de recurso salientou que as comissões para a mediação das operações eram únicas e todas essas comissões tinham sido devidamente pagas a QT, considerando que os argumentos de QT baseados na comissão a que hipoteticamente teria direito através da conclusão de outras operações, quer fossem com clientes novos ou existentes, não permitiam justificar o direito a uma indemnização. Segundo esse órgão jurisdicional, embora QT tenha angariado novos clientes e desenvolvido negócios com a clientela existente da qual a O2 Czech Republic pode ter obtido vantagens após a cessação do contrato de agência, a O2 Czech Republic já tinha pagado comissões à QT por tais operações nos termos do contrato de agência e, portanto, o pagamento de uma indemnização não seria equitativo.

12.      QT interpôs recurso do acórdão do Městský soud v Praze (Tribunal de Praga) no Nejvyšší soud (Supremo Tribunal), o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo.

13.      Segundo o despacho de reenvio, QT angariou novos clientes para a O2 Czech Republic em 2006 e 2007, ou celebrou contratos adicionais com a clientela existente, por exemplo, para outros produtos ou prorrogando os seus contratos existentes, mas, mesmo tendo em conta a duração máxima dos compromissos pautais, que nos anos em causa era de 30 meses no máximo, os mesmos não se estenderam para lá de 31 de março de 2010, quando o contrato de agência foi rescindido. Relativamente ao período compreendido entre 2008 e 2009, um total de 431 compromissos ultrapassaram a data de 31 de março de 2010, dos quais 155 eram contratos novos e 276 eram compromissos revistos. Por conseguinte, QT provou que tinha angariado novos clientes para a O2 Czech Republic e que também desenvolveu negócios com os já existentes. Por tais atividades, QT foi devidamente pago pela O2 Czech Republic.

14.      O órgão jurisdicional de reenvio explica que a legislação na República Checa é baseada no regime de indemnização, tendo transposto a solução prevista no artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 86/653.

15.      O órgão jurisdicional de reenvio explica igualmente, o que foi reiterado pelo Governo checo na audiência no Tribunal de Justiça, que, na sua jurisprudência, interpretou a perda de comissões no sentido de que se refere à comissão a que o agente tem direito com base nas operações que já estavam concluídas antes da cessação do contrato de agência.

16.      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha, todavia, que a tendência inversa pode ser encontrada na jurisprudência e na doutrina alemãs. Nesta, prevalece a opinião de que a perda de comissões inclui a comissão pela celebração de contratos que o agente teria obtido de outro modo, se a relação de agência comercial tivesse perdurado, a partir de operações futuras entre o comitente e os clientes que o agente tinha angariado para o comitente ou com os quais o agente desenvolveu negócios de forma significativa.

17.      Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação a dar ao conceito de perda de comissões que figura no artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva 86/653. Considerando que a interpretação desta disposição era essencial para a decisão relativa ao direito do agente comercial a uma indemnização no caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio, enquanto órgão jurisdicional de última instância, considerou que estava obrigado a proceder a um reenvio prejudicial em conformidade com o artigo 267.o TFUE.

18.      Nestas circunstâncias, o Nejvyšší soud (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

«Deve a expressão “comissão que o agente comercial perca”, na aceção do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da [Diretiva 86/653/CEE], ser interpretada no sentido que também constitui tal comissão a comissão aplicada pela celebração de contratos que o agente comercial celebraria se o contrato de agência não tivesse sido rescindido, com clientes que angariou para o comitente ou com os quais aumentou significativamente o volume de negócios?

Na afirmativa, em que condições essa conclusão também se aplica às chamadas comissões únicas cobradas pela celebração do contrato?»

19.      Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça por QT, pela O2 Czech Republic, pelos Governos checo e alemão e pela Comissão Europeia. Teve lugar uma audiência em 15 de setembro de 2022, na qual a O2 Czech Republic, os Governos checo e alemão e a Comissão apresentaram observações orais.

III. Quadro jurídico

A.      Direito da União

20.      O artigo 17.o da Diretiva 86/653 prevê, no que é pertinente:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar ao agente comercial, após a cessação do contrato, uma indemnização, nos termos do n.o 2, ou uma reparação por danos, nos termos do n.o 3.

2.      a) O agente comercial tem direito a uma indemnização se e na medida em que:

— tiver angariado novos clientes para o comitente ou tiver desenvolvido significativamente as operações com a clientela existente e ainda se resultarem vantagens substanciais para o comitente das operações com esses clientes, e

— o pagamento dessa indemnização for equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias, nomeadamente as comissões que o agente comercial perca e que resultem das operações com esses clientes. Os Estados‑Membros podem prever que essas circunstâncias incluam também a aplicação ou não de uma cláusula de não concorrência na aceção do artigo 20.o

b)      O montante da indemnização não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente comercial durante os últimos cinco anos, e, se o contrato tiver menos de cinco anos, a indemnização é calculada com base na média do período;

c)      A concessão desta indemnização não impede o agente comercial de reclamar uma indemnização por perdas e danos.»

B.      Direito checo

21.      O § 669 da zákon č. 513/1991 Sb., obchodní zákoník (Lei n.o 513/1991 que Aprova o Código Comercial), na versão aplicável ao litígio no processo principal, que transpõe o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653, dispõe:

«1)      Em caso de cessação do contrato, o agente comercial tem direito a uma indemnização se:

a)      tiver angariado novos clientes para o comitente ou tiver desenvolvido significativamente as operações com a clientela existente e ainda se resultarem vantagens substanciais para o comitente das operações com esses clientes; e

b)      o pagamento dessa indemnização for equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias, nomeadamente as comissões que o agente comercial perca e que resultem das operações com esses clientes; essas circunstâncias também incluem a aplicação ou não de uma cláusula de não concorrência na aceção do § 672a.»

IV.    Análise

22.      Como salientei nas minhas conclusões no processo Rigall Arteria Management (3), a Diretiva 86/653 constitui uma exceção na legislação da União que regula contratos entre empresas, a saber, contratos de agência celebrados entre o agente comercial e o comitente, em que ambos agem enquanto empresários por conta própria. Harmoniza alguns aspetos da relação entre agentes comerciais e comitentes e, mais concretamente, direitos e obrigações recíprocos fundamentais das partes (capítulo II), a remuneração dos agentes comerciais (capítulo III) e a celebração e termo dos contratos de agência (capítulo IV). O artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 faz parte do capítulo IV da mesma (artigos 13.o a 20.o).

23.      Embora tenham sido submetidos ao Tribunal de Justiça vários reenvios prejudiciais relativos à interpretação do regime de indemnização instituído pela Diretiva 86/653, é a primeira vez que o Tribunal de Justiça é chamado a clarificar o que significa exatamente o conceito de perda de comissões que figura no artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, desta diretiva (4).

24.      Como resulta do despacho de reenvio, as questões surgem da abordagem adotada pela jurisprudência checa no que respeita à legislação nacional que transpõe o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653. Segundo essa jurisprudência, a perda de comissões é interpretada no sentido de excluir a possibilidade de um agente comercial receber uma indemnização por comissões sobre hipotéticas operações futuras entre o comitente e os clientes que o agente angariou ou com os quais o agente desenvolveu negócios de forma significativa. Por uma questão de comodidade, referir‑me‑ei a esses clientes como «clientela angariada pelo agente». Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se essa interpretação é aceitável à luz da Diretiva 86/653 ou, pelo contrário, se as comissões sobre hipotéticas operações futuras estão incluídas nesse conceito.

25.      Se as comissões sobre hipotéticas operações futuras estiverem incluídas no conceito de perda de comissões, coloca‑se uma questão adicional para o órgão jurisdicional de reenvio relativamente ao pagamento de comissões únicas tal como foram acordadas contratualmente pelas partes no litígio submetido a esse órgão jurisdicional. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se pode existir perda de comissões quando, como no caso em apreço, o contrato de agência prevê que o agente é pago por cada operação negociada ou celebrada por conta do comitente.

26.      As duas questões prejudiciais podem ser tratadas em conjunto. Resumem‑se essencialmente à mesma questão, que se refere ao significado de perda de comissões no cálculo do montante da indemnização de um agente comercial ao abrigo do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653.

27.      Ainda que as questões se refiram expressamente ao artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva 86/653, a compreensão do significado de perda de comissões exige uma interpretação do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva no seu todo.

28.      Para responder a estas questões, irei começar por abordar a competência do Tribunal de Justiça para decidir a título prejudicial nas circunstâncias do presente processo (A) e a admissibilidade do pedido (B). Em seguida, irei proceder à minha apreciação quanto ao mérito (C), fornecendo em primeiro lugar algumas observações preliminares relativas à natureza e à razão de ser da indemnização na Diretiva 86/653 (C.1) e à distinção entre os requisitos de atribuição do direito à indemnização e o método de cálculo da indemnização relativa à perda de comissões (C.2), antes de proceder à análise das questões prejudiciais (C.3). Por último, apresentarei algumas reflexões sobre o método de cálculo da indemnização que tem em consideração a perda de comissões (C.4).

A.      Competência do Tribunal de Justiça

29.      Segundo o seu artigo 1.o, n.o 2, a Diretiva 86/653 aplica‑se aos agentes comerciais cuja atividade consista, nomeadamente, em negociar ou concluir «a venda ou a compra de mercadorias». No entanto, como se afigura no n.o 5 das presentes conclusões, verifica‑se que a situação em causa no processo principal diz respeito a um contrato de agência que tem por objeto a venda de mercadorias e a prestação de serviços. Por conseguinte, a questão é a de saber se o Tribunal de Justiça tem competência para decidir a título prejudicial neste processo (5), dado que a Diretiva 86/653 foi considerada como não aplicável aos contratos de agência para a venda ou a compra de serviços (6).

30.      No entanto, como indicou o Governo alemão, parece que a competência do Tribunal para responder às questões prejudiciais no presente processo pode ser determinada com base no que tem sido referido como jurisprudência Dzodzi (7).

31.      De facto, com base nessa jurisprudência, o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que, quando a legislação nacional que transpõe a Diretiva 86/653 adota uma única solução para todos os tipos de contrato de agência, o Tribunal de Justiça tem competência para interpretar esta diretiva, mesmo que o processo resulte de uma situação relativa a serviços e não a mercadorias. A determinação da competência nestes casos é considerada do interesse do ordenamento jurídico da União na medida em que evita divergências de interpretação futuras (8).

32.      Embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça se refira a situações em que o contrato de agência em causa apenas dizia respeito a serviços (9), não me parece haver razão para que a mesma não se possa aplicar a uma situação em que o contrato de agência diz respeito a mercadorias e serviços, como no presente processo (10).

33.      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que se justifica uma interpretação, pelo Tribunal de Justiça, de disposições de direito da União em situações que não estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação dessas disposições, quando estas se tornem direta e incondicionalmente aplicáveis a tais situações por força do direito nacional, a fim de assegurar um tratamento idêntico a essas situações e a situações equivalentes abrangidas pelo âmbito de aplicação das referidas disposições do direito da União (11).

34.      No caso em apreço, resulta dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, ao transpor a Diretiva 86/653, o legislador checo tratou de modo uniforme os contratos de agência relativos a mercadorias e serviços. Assim, parece que a lei checa tornou o artigo 17.o da Diretiva 86/653 direta e incondicionalmente aplicável à situação no processo principal e que é do interesse da ordem jurídica da União que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre o pedido de decisão prejudicial apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

35.      Por conseguinte, sou de opinião que o Tribunal de Justiça é competente para decidir a título prejudicial no presente processo.

B.      Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

36.      Segundo os argumentos apresentados pela O2 Czech Republic, as questões prejudiciais submetidas no presente processo são inadmissíveis na medida em que não são relevantes para a resolução do litígio no processo principal. Como alegou a O2 Czech Republic nas suas observações escritas e orais, uma vez que QT não conseguiu provar o seu direito a uma indemnização, as questões relativas ao caráter equitativo do pagamento da indemnização são irrelevantes para a solução do presente litígio.

37.      Considero que estes argumentos devem ser rejeitados.

38.      Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o tribunal nacional, a que foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas digam respeito à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça está, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (12).

39.      Daqui resulta que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar responder a uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (13).

40.      No presente processo, tal como indicado nos n.os 14 a 17 das presentes conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio expôs de forma adequada no seu pedido não apenas as razões que o levaram a pedir ao Tribunal de Justiça uma interpretação da Diretiva 86/653, mas também as razões que tornam essa interpretação necessária para a resolução do litígio no processo principal.

41.      Por outro lado, tal como indicado pela Comissão, resulta do despacho de reenvio (v. n.o 13 das presentes conclusões) que o órgão jurisdicional de reenvio considera que a O2 Czech Republic continua a beneficiar da clientela angariada por QT após a cessação do contrato de agência. Assim, parece que o órgão jurisdicional de reenvio considera que QT tem direito a uma indemnização. Contudo, o montante dessa indemnização é uma questão diferente. Como irei expor adiante, a perda de comissões na aceção do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 faz parte do cálculo da indemnização, e não é um requisito do direito a uma indemnização (v. n.os 50 a 59 das presentes conclusões).

42.      Nestas circunstâncias, deve considerar‑se que a interpretação pretendida não é manifestamente alheia aos factos ou ao objeto do processo principal e que as questões suscitadas não são hipotéticas.

43.      Por conseguinte, considero que o pedido de decisão prejudicial no presente processo é admissível.

C.      Quanto ao mérito

1.      Natureza e finalidade da indemnização prevista na Diretiva 86/653

44.      O artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 faz parte do regime previsto nos artigos 17.o a 19.o desta diretiva, que regula o direito de o agente comercial receber uma indemnização ou uma reparação por danos após a cessação do contrato de agência. Este regime é um dos aspetos mais complexos da Diretiva 86/653 (14).

45.      No contexto da Diretiva 86/653, indemnização e reparação por danos são expressões específicas para designar, de um modo geral, o pagamento ao agente de uma quantia única pela cessação do contrato (15), sendo o regime de indemnização baseado no direito alemão e o regime de reparação por danos no direito francês (16). Embora os regimes de indemnização e de reparação por danos partilhem uma lógica semelhante (17), existem diferenças entre eles nas filosofias e na prática (18). Assim, o o artigo 17.o da Diretiva 86/653 concretiza um compromisso entre os Estados‑Membros (19), dando‑lhes a faculdade de escolherem entre uma indemnização estabelecida segundo os critérios previstos no artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 ou uma reparação por danos segundo os critérios estabelecidos no seu artigo 17.o, n.o 3 (20).

46.      A indemnização prevista no artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 é em geral considerada um pedido especial pela perda da mais‑valia que o agente comercial angariou para o comitente (21). Esta mais‑valia é a clientela angariada pelo agente que continua a ter valor para o comitente após a cessação do contrato de agência.

47.      Este entendimento tem sido, há muito, reconhecido em certos sistemas jurídicos nacionais (22). Foi também indicado no relatório da Comissão sobre a aplicação do artigo 17.o da Diretiva 86/653: «A indemnização representa as vantagens que continuam a reverter para o comitente em resultado da atividade desenvolvida pelo agente. Na verdade, o agente terá apenas recebido comissões no decorrer do período de duração do contrato, o que, em geral, não reflete o aumento do valor de trespasse gerado para o comitente. É por este motivo que o pagamento de uma indemnização de cessação se justifica comercialmente.» (23)

48.      Com efeito, a lógica da indemnização prevista na Diretiva 86/653 pode ser considerada ligada à própria natureza da relação de agência, tal como estabelecida na referida diretiva. Em virtude do contrato de agência, o agente comercial por conta própria e o comitente estabelecem uma relação duradoura, no âmbito da qual o agente, que atua em nome do comitente e não em seu próprio nome, tem por missão principal angariar novos clientes para o comitente e aumentar o volume de negócios com os clientes já existentes (24). O comitente recorre aos serviços do agente comercial a fim de beneficiar da sua estratégia, da sua abordagem e da sua aptidão para levar os clientes a adquirirem produtos do comitente (25).

49.      Assim, a indemnização é, como o advogado‑geral M. Poiares Maduro explicou nas suas conclusões no processo Honyvem Informazioni Commerciali (26), destinada a compensar o agente pelo seu bom desempenho na medida em que existem vantagens económicas para o comitente que continuam a acumular‑se após a cessação do contrato de agência. Ao mesmo tempo, faz face ao risco de um comportamento oportunista por parte do comitente ao pôr termo ao contrato de agência logo que a relação comercial entre o comitente e a clientela angariada pelo agente se tenha desenvolvido, a fim de evitar ter de pagar ao agente comissões sobre as operações para cuja angariação o agente tinha contribuído.

2.      Requisitos e cálculo da indemnização na Diretiva 86/653

50.      Em virtude da expressão «se e na medida em que», que figura no artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653, tem sido considerado que esta disposição prevê não apenas os requisitos para a concessão de uma indemnização, como também os elementos necessários ao cálculo dessa indemnização (27).

51.      O artigo 17.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, da Diretiva 86/653 dispõe que um agente comercial tem direito a uma indemnização se tiver angariado novos clientes para o comitente ou tiver desenvolvido significativamente as operações com a clientela existente e ainda se resultarem vantagens substanciais para o comitente das operações com esses clientes. O artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva 86/653 refere que o pagamento dessa indemnização deve ser equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias, nomeadamente as comissões que o agente comercial perca e que resultem das operações com esses clientes.

52.      Parece‑me que, embora o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 não distinga claramente entre os requisitos do direito a uma indemnização e o método de cálculo do montante da indemnização, contém regras relativas a ambas as questões.

53.      O artigo 17.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, da Diretiva 86/653 diz respeito aos requisitos do direito a uma indemnização. Estas disposições impõem, cumulativamente: em primeiro lugar, que o agente tenha angariado novos clientes para o comitente ou tenha desenvolvido significativamente as operações com a clientela existente e, em segundo lugar, que o comitente continue a obter vantagens substanciais das operações com esses clientes (28).

54.      O artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva 86/653 visa antes calcular o montante da indemnização a que o agente tem direito, nomeadamente que «o pagamento dessa indemnização» é equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias, nomeadamente a perda de comissões.

55.      A perda de comissões na aceção do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva 86/653 não constitui, por conseguinte, um requisito do direito a uma indemnização, mas um elemento do método de cálculo dessa indemnização.

56.      Os requisitos que regulam o direito a uma indemnização têm sido harmonizados no direito da União (29).

57.      Segundo o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, da Diretiva 86/653, para determinar se um agente tem direito a uma indemnização, o órgão jurisdicional nacional deve efetuar uma avaliação qualitativa (por oposição à quantitativa), tendo em conta o facto de o agente ter ou não angariado novos clientes para o comitente ou desenvolvido significativamente as operações com a clientela existente e se o comitente continua a obter vantagens substanciais das operações realizadas com esses clientes. Para se concluir pela existência do direito a uma indemnização, não é necessário calcular o número de novos clientes que o agente angariou nem qual é precisamente o valor das vantagens contínuas para o comitente. A partir do momento em que o órgão jurisdicional nacional possa estar relativamente seguro de que o comitente obtém vantagens substanciais do negócio angariado pelo agente comercial, o agente tem direito a uma indemnização.

58.      Uma vez preenchidos os requisitos para o direito a uma indemnização, a análise prossegue com o cálculo do seu montante. Esse montante deve ser equitativo.

59.      No que diz respeito ao método de cálculo de uma indemnização equitativa, os Estados‑Membros têm alguma margem de apreciação, mas esta é enquadrada pelos requisitos estabelecidos pelo artigo 17.o da Diretiva 86/653 (30). A este respeito, a perda de comissões é apenas um, ainda que importante (31), elemento desse cálculo.

60.      À luz do exposto, analisarei as questões prejudiciais.

3.      Análise das questões prejudiciais

61.      As questões submetidas ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio são, como resulta dos n.os 24 e 25 das presentes conclusões, as seguintes: (i) saber se uma comissão sobre hipotéticas operações futuras entre o comitente e a clientela criada pelo agente deve ser tida em conta na determinação da perda de comissões na aceção do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653, e (ii) saber se o pagamento de comissões únicas, entendidas no sentido das comissões estipuladas no contrato de agência no presente processo, podem ser entendidas como perda de comissões a este respeito.

62.      Segundo os argumentos apresentados pela O2 Czech Republic e pelo Governo checo, a perda de comissões nos termos do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 não visa cobrir as operações futuras que um agente comercial teria concluído se o contrato de agência não tivesse cessado, mas sim situações em que o agente não recebeu o montante integral da comissão que lhe era devida por operações já concluídas. QT, o Governo alemão e a Comissão discordam.

63.      Como resulta do n.o 20 das presentes conclusões, o conceito de perda de comissões não é definido pelo artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653, nem por nenhuma outra disposição desta diretiva.

64.      Na minha opinião, o conceito de perda de comissões na aceção do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 deve ser entendido no sentido de que se refere a comissões sobre hipotéticas operações futuras entre o comitente e a clientela criada pelo agente.

65.      Em primeiro lugar, essa interpretação está em conformidade com a própria razão de ser da indemnização estabelecida pela Diretiva 86/653. Conforme analisado supra (v. n.os 46 a 49 das presentes conclusões), a indemnização é justificada pelo facto de o agente comercial só ter recebido comissões durante a vigência do contrato de agência. Ao passo que a clientela angariada, pelo agente, para o comitente permanece muitas vezes após a cessação do contrato de agência. A indemnização não pode ser limitada às comissões resultantes das operações já realizadas, pois visa compensar o agente pelas vantagens que o comitente continua a receber após a cessação do contrato de agência devido à clientela angariada pelo agente (32).

66.      Em segundo lugar, os objetivos prosseguidos pela Diretiva 86/653 militam a favor da interpretação relativa à perda de comissões do artigo 17.o n.o 2, alínea a), da referida diretiva, conforme apresentada nas presentes conclusões.

67.      Segundo jurisprudência constante, resulta de forma manifesta dos seus segundo e terceiro considerandos que a Diretiva 86/653 visa proteger os agentes comerciais nas suas relações com os seus comitentes, promover a segurança das operações comerciais e facilitar as trocas de mercadorias entre Estados‑Membros mediante a aproximação dos sistemas jurídicos destes últimos em matéria de representação comercial. Para este efeito, esta diretiva estabelece, nomeadamente, normas que regulam, nos seus artigos 13.o a 20.o, a celebração e o termo do contrato de agência (33).

68.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça considerou que os artigos 17.o e 18.o da Diretiva 86/653 revestem uma importância determinante, porque definem o nível de proteção que o legislador da União considerou razoável atribuir aos agentes comerciais no âmbito da criação do mercado único (34).

69.      O Tribunal de Justiça também deixou claro que, à luz do objetivo da Diretiva 86/653 de proteger os agentes comerciais nas relações com os seus comitentes, está excluída uma interpretação do artigo 17.o desta diretiva que possa vir a revelar‑se desfavorável ao agente comercial (35).

70.      Especialmente, o Tribunal de Justiça declarou que a redação do artigo 17.o, n.o 2, deve ser interpretada num sentido que contribua para a proteção do agente comercial e que, deste modo, tenha plenamente em conta o mérito deste último no desempenho das operações que lhe são atribuídas (36).

71.      No presente processo, tal como indicado pela Comissão, a interpretação do conceito de perda de comissões do artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 deve ser sujeita a uma lógica semelhante. Interpretar a perda de comissões no sentido de que se refere a hipotéticas operações futuras contribuiria para proteger os agentes comerciais após a cessação da relação contratual com o comitente, tendo plenamente em conta as tarefas desempenhadas pelos agentes em benefício dos comitentes (37).

72.      A este respeito, como sublinhou o Governo alemão, quando um contrato de agência é rescindido, o comitente continuaria, em muitos casos, a beneficiar da clientela angariada pelo agente, continuando a realizar operações com esses clientes. Por conseguinte, não ter em conta comissões sobre hipotéticas operações futuras iria contrariar o objetivo de proteção do agente comercial prosseguido pela referida diretiva.

73.      Com efeito, pode observar‑se que, na prática, os contratos mais pequenos com clientes evoluem frequentemente para contratos maiores e mais lucrativos ao longo do tempo. Por exemplo, nos casos em que os trabalhos de engenharia levam tempo, os contratos iniciais serão, em geral, pequenos e o agente é contratado pelo comitente para criar «o primeiro passo de entrada» dos clientes em nome do comitente através das estratégias, competências e contactos do agente. Limitar a perda de comissões aos negócios já concluídos seria suscetível de privar o agente de uma parte considerável dos lucros obtidos pelo comitente na sequência da cessação do contrato de agência com base no trabalho do agente.

74.      Contrariamente aos argumentos avançados pela O2 Czech Republic e pelo Governo checo, a interpretação proposta para a perda de comissões que figura no artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 tem em conta as realidades económicas e não destrói o mercado das agências comerciais. As circunstâncias específicas para as quais a O2 Czech Republic chamou a atenção na audiência, como as especificidades do setor das telecomunicações e as flutuações no mercado (as alterações nas tarifas e no comportamento dos consumidores e o aumento de potenciais concorrentes que aparentemente levaram a uma diminuição do número de contratos durante o período do contrato de agência em causa) não são ignoradas. Na realidade, são tidas em conta como parte da avaliação equitativa da indemnização (v. n.os 97 e 98 das presentes conclusões) (38).

75.      A inclusão de hipotéticas operações futuras na determinação da perda de comissões também não contraria o objetivo prosseguido pela Diretiva 86/653 de garantir a segurança jurídica na área da representação comercial (39). O facto de deverem ser feitas previsões relativamente às hipotéticas operações futuras não constitui um elemento invulgar das estratégias comerciais. Do mesmo modo, como um advogado‑geral observou, tais previsões já são feitas pelos tribunais (40).

76.      Por último, outras disposições da Diretiva 86/653 militam a favor da interpretação proposta para a perda de comissões que figura no artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva.

77.      Recorde‑se que o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, da Diretiva 86/653 exige que o agente comercial tenha angariado novos clientes para o comitente ou tenha desenvolvido significativamente o volume das operações comerciais com a clientela existente e ainda que resultem vantagens substanciais para o comitente das operações com esses clientes.

78.      Como indicado pelo Governo alemão, a avaliação das vantagens recebidas pelo comitente, na aceção do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, da Diretiva 86/653, diz respeito às operações estabelecidas ou desenvolvidas pelo agente comercial, das quais «[resultem] vantagens substanciais para o comitente». O que é obtido como vantagem só pode, em princípio, ser calculado a partir de uma consideração hipotética da evolução futura dessas operações, igualmente referida no artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva 86/653 (41). Isto sugere que a perda de comissões é concomitante com o facto de resultarem vantagens para o comitente após a cessação do contrato de agência (42).

79.      Além disso, ao contrário dos argumentos apresentados pela República Checa e como indicado pelo Governo alemão e pela Comissão, a interpretação proposta para a perda de comissões que figura no artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 está em conformidade com os artigos 7.o e 8.o desta diretiva.

80.      Os artigos 7.o e 8.o da Diretiva 86/653 constam do seu capítulo III, relativo à remuneração. O artigo 7.o da Diretiva 86/653 prevê que, salvo disposição contratual em contrário, o agente comercial tem direito à comissão relativa às operações concluídas durante o período abrangido pelo contrato de agência. O artigo 8.o desta diretiva refere que o agente tem direito à comissão relativamente a determinadas operações concluídas após a cessação do contrato de agência em situações em que, em substância, a operação se deveu aos esforços desenvolvidos pelo agente antes da cessação desse contrato.

81.      Parece‑me que o artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 logicamente deve abranger situações diferentes das já abrangidas pelos artigos 7.o e 8.o desta diretiva (43). Assim, o artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 não deve aplicar‑se às situações em que o agente comercial não recebeu a totalidade das comissões que lhe são devidas pelo comitente, estando essas situações abrangidas pelos artigos 7.o e 8.o desta diretiva.

82.      Com efeito, a interpretação de perda de comissões avançada pela O2 Czech Republic e pelo Governo checo no sentido de que se refere a comissões sobre operações comerciais já realizadas seria difícil de distinguir das comissões já devidas ao agente por força dos artigos 7.o e 8.o da Diretiva 86/653 (44). Estas últimas, senão forem pagas, poderão ser objeto de uma ação baseada no incumprimento do contrato de agência.

83.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça inclua as comissões sobre hipotéticas operações futuras no conceito de perda de comissões, o que me leva à segunda questão. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, e em que circunstâncias, o pagamento de comissões únicas pode ser considerado no sentido de constituir uma perda de comissões, se estas últimas estiverem relacionadas com comissões sobre hipotéticas operações futuras após a cessação do contrato de agência.

84.      A este respeito, é necessário ter em conta que o presente processo demonstra que o conceito de pagamento de comissão única pode significar várias coisas. Por um lado, tal como exposto pelo Governo alemão, o pagamento de uma comissão única significa uma quantia fixa pela angariação de um novo cliente ao comitente. Essa quantia permanece independente da duração e do desenvolvimento da relação comercial com esse mesmo cliente. Por outras palavras, o agente é remunerado uma vez por cada cliente. Por outro lado, a O2 Czech Republice e o Governo checo utilizam o termo de pagamento de comissão única para designar a comissão do tipo contratualmente acordada entre QT e a O2 Czech Republic. Como foi exposto supra (v. n.o 6 das presentes conclusões), QT recebeu uma comissão por cada contrato celebrado (ou alterado) com um cliente, quer se tratasse de um cliente novo ou já existente. A quantia foi ajustada em função de certos fatores, como a duração do contrato celebrado, a tarifa e o número de serviços incluídos, que o agente pôde negociar. Assim, QT não foi pago por cada cliente, mas por cada contrato. Se o mesmo cliente que assinou inicialmente o contrato com o comitente assinar um novo contrato por intermédio de um agente diferente, é esse outro agente que tem direito à comissão.

85.      Como referiu o Governo alemão, o pagamento de comissões únicas, no sentido em que utiliza essa expressão, não poderia de facto representar uma perda de comissões. A indemnização não deve representar um encargo excessivo para o comitente, mas deve responder às vantagens que o comitente continua a receber com a clientela angariada pelo agente. Se o agente já foi pago por tais vantagens futuras, o que pode ser o caso quando a comissão é adquirida por cada cliente, não há nenhuma perda de comissões para o agente.

86.      No entanto, a indemnização não depende apenas da perda de comissões. Por essa razão, excluir o pagamento de comissões únicas, no sentido em que a expressão é entendida na Alemanha, do cálculo da indemnização está em plena consonância com a abordagem que adiantei nas minhas conclusões no processo Rigall Arteria Management (45), em relação ao artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653 (46). Nessas conclusões, propus que o direito de um agente comercial a comissões sobre operações repetidas fosse interpretado como uma regra não imperativa (47). Esta leitura da Diretiva 86/653 permite, assim, que as partes prevejam, num contrato de agência, pagamentos de comissões únicas como forma de remuneração do agente. Claramente, se estes pagamentos de comissões são permitidos com base na Diretiva 86/653, a indemnização não pode depender do facto de o agente ter o direito de receber comissões por operações únicas ou repetidas. No entanto, o facto de o agente já ter sido pago pelas vantagens futuras do comitente deve ser tido em consideração no cálculo de uma indemnização equitativa.

87.      Pelo contrário, se os pagamentos de comissões únicas forem entendidos no sentido das que foram contratualmente acordadas por QT e pela O2 Czech Republic no presente processo, a clientela angariada pelo agente poderá trazer vantagens ao comitente pelas quais o agente ainda não foi remunerado. Assim, se o contrato de agência não tivesse cessado, o agente poderia ter recebido comissões. Não é certo que esse agente tornaria efetivamente possível que o comitente assinasse um novo contrato com o cliente que ele tinha angariado. No entanto, existia tal possibilidade. Por conseguinte, esse pagamento de comissão única pode representar a perda de comissões a ter em conta no cálculo do montante da indemnização. A quantificação dessa perda de comissões dependerá das estimativas do valor futuro da clientela angariada para o comitente pelo agente, bem como da probabilidade de o agente que angariou o cliente poder negociar ou concluir uma nova operação com esse cliente (v. n.os 90 a 112 das presentes conclusões).

88.      Em todo o caso, tal como assinalado pelo Governo alemão e pela Comissão, e também confirmado pelo Governo checo, uma indemnização não pode ser automaticamente excluída porque foram contratualmente acordados pagamentos de comissões únicas, uma vez que, como indica expressamente o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653, a indemnização não assenta unicamente em perda de comissões, mas em todas as circunstâncias em torno da cessação do contrato de agência. Como sublinhado pelo Governo alemão, se a mera estipulação de pagamentos de comissões únicas excluísse o direito a uma indemnização, o caráter obrigatório desse direito poderia ser contornado.

89.      Consequentemente, com base nos fundamentos acima expostos, sou de opinião que o conceito de perda de comissões na aceção do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 deve ser entendido no sentido de que se refere a comissões sobre hipotéticas operações futuras entre o comitente e a clientela angariada pelo agente. Este conceito não é afetado pelo facto de terem sido pagas comissões únicas ao agente. Só se os pagamentos de comissões contratualmente acordadas no contrato fossem pagamentos de comissões únicas, do tipo em que o agente já fosse remunerado pelas vantagens futuras que o comitente continuaria a receber com a clientela angariada pelo agente, é que não representariam comissões perdidas. Isto não significa, no entanto, que o agente não tenha direito ao pagamento de uma indemnização uma vez que a perda de comissões é apenas um elemento na determinação da natureza equitativa desse pagamento.

4.      Método de cálculo da indemnização tendo em conta a perda de comissões

90.      Resta abordar a questão de saber de que forma a perda de comissões, entendida como a remuneração das vantagens futuras de que beneficia o comitente a partir da clientela angariada pelo agente, deve ser tida em conta no cálculo de uma indemnização equitativa.

91.      De acordo com a jurisprudência, o cálculo da indemnização prevista no artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 86/653, está dividido em três fases: «A primeira dessas fases tem por objetivo, antes de mais, quantificar as vantagens do comitente que resultam do volume de operações com os clientes angariados pelo agente comercial, em conformidade com as disposições do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, desta diretiva. A segunda fase visa verificar, nos termos do segundo travessão desta disposição, se o montante a que se chega com base nos critérios acima descritos é equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias próprias do caso concreto e, especialmente, as perdas de comissões sofridas pelo agente comercial. Por último, na terceira fase, o montante da indemnização está sujeito ao limite máximo previsto no artigo 17.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva, que só é aplicável se esse montante, calculado nas duas fases anteriores, o exceder.» (48)

92.      Essas três fases não significam necessariamente que, no âmbito do cálculo concreto da indemnização, devam ser seguidas por essa ordem. Na minha opinião, devem ser entendidas no sentido de que indicam que, em última análise, o cálculo do montante da indemnização, para ser equitativo, deve, essencialmente, refletir simultaneamente as vantagens futuras decorrentes para o comitente e o dano sofrido pelo agente comercial devido à cessação do contrato de agência, que normalmente corresponde à perda de comissões do agente. Como salientou o Governo alemão, os dois montantes — as vantagens futuras decorrentes para o comitente e a perda de comissões do agente — são frequentemente equivalentes. É por isso que, na prática, as primeira e segunda fases, como descritas na jurisprudência referida, se fundem numa só.

93.      Todos os elementos determinantes para o cálculo de uma indemnização equitativa têm de ser quantificados neste exercício. Dado que muitos desses elementos só podem ser estimativas (uma vez que dizem respeito ao futuro), coloca‑se a questão de saber como poderia ser feito o cálculo concreto da indemnização.

94.      A este respeito, a Diretiva 86/653 não contém normas específicas, mas deixa aos Estados‑Membros a escolha do método de cálculo.

95.      No seu relatório referente à aplicação do artigo 17.o da Diretiva 86/653 (49), a Comissão descreveu o método aceitável de cálculo da indemnização, que era baseado na prática alemã. Esta prática foi ajustada após o Acórdão de 26 de março de 2009, Semen (50). No entanto, ainda começa, conforme explicado pelo Governo alemão na audiência, pela estimativa do número de anos em que se poderia esperar que o comitente beneficiasse da clientela angariada pelo agente. A perda de comissões é então estimada em relação a esse período de tempo (51).

96.      O cálculo da perda de comissões é, numa primeira fase, baseado no pagamento de comissões anteriores efetivamente recebidas pelo agente antes da cessação do contrato de agência. É baseado no pressuposto de que o agente ganharia o mesmo montante de comissão durante um certo número de anos, que é depois corrigido tendo em conta todos os elementos que apontam para a conclusão de que o agente não ganharia realmente tanto nem ganharia ainda mais no futuro. Em última análise, a perda de comissões seria, dependendo das circunstâncias, maior ou menor do que a que o agente efetivamente ganhou no ano representativo, com base na mesma clientela angariada pelo agente.

97.      Mais especificamente, o cálculo começa por derivar do montante da comissão que o agente ganhou no ano anterior (ou outro ano mais representativo). Essa comissão é então reduzida para cada ano subsequente (na medida em que o número de anos depende da estimativa de quanto tempo o comitente beneficiará da clientela angariada pelo agente) pela taxa de migração estimada de clientes (entendidos como os clientes angariados pelo agente que se espera que migrem para mercadorias ou serviços de um comitente diferente). Desta forma, o facto de o valor da clientela angariada pelo agente poder diminuir ao longo do tempo é tido em conta. Por último, o montante é corrigido a fim de ter em consideração diversas circunstâncias, como as flutuações dos preços, alterações importantes no setor em causa e qualquer outro elemento relevante suscetível de influenciar o valor futuro da clientela angariada pelo agente e a correspondente perda das comissões.

98.      No cálculo, podem ser tomadas em consideração preocupações como as manifestadas pela O2 Czech Republic na audiência (v. n.o 74 das presentes conclusões), segundo as quais um grande número de clientes celebra diretamente contratos de telecomunicações (através da assinatura de contratos em linha com o comitente) sem recorrer a agentes. Tais preocupações podem ser expressas quer na taxa de migração estimada quer como fatores adicionais suscetíveis de aumentar ou diminuir o valor da clientela angariada para o comitente pelo agente, quer na perda de comissão estimada que o agente teria ganhado se o contrato de agência não tivesse sido rescindido. Por conseguinte, se o agente, por exemplo, angariou uma base de dados de clientes para os produtos oferecidos por um comitente e se se estimar que grande parte desses clientes prorrogará o contrato diretamente sem recorrer a um agente ou assinará um contrato com outro comitente, o montante das comissões anteriores pode ser razoavelmente reduzido na estimativa da perda de comissões. Se a comissão fosse acordada com base em cada contrato celebrado, como no presente processo, o que significa que o próximo contrato celebrado com o mesmo cliente pode ser resultado da atividade de um agente diferente, a estimativa do número de tais situações (também com base na experiência passada) poderia ser tida em conta no cálculo da perda de comissões, que poderá então ser reduzida.

99.      Faz sentido considerar como ponto de partida do cálculo a posição de que a perda de comissões é proporcional às vantagens futuras do comitente porque confere aos órgãos jurisdicionais nacionais, a meu ver, uma solução simples e prática. O ponto de partida desse cálculo é um determinado montante que é facilmente rastreável — comissões anteriores ganhas pelo agente. Está igualmente de acordo com o objetivo de proteger os agentes comerciais nas suas relações com os comitentes. Do ponto de vista dos agentes, a perda de comissões calculada com base em comissões anteriores é fácil de avaliar, uma vez que está inteiramente nas suas mãos. Seria extremamente difícil para um agente avaliar a rendibilidade do comitente, que provavelmente não divulgaria tal informação e, além disso, algo que está inteiramente nas mãos do comitente, pois o agente não controla os custos deste.

100. Este método de cálculo garante igualmente um grau de previsibilidade suficiente para o comitente decidir se, e em que momento, deve resolver o contrato de agência. O comitente também tem informações sobre as comissões pagas anteriormente ao agente e pode, também, se surgir um litígio sobre a indemnização, fornecer ao tribunal informações relevantes sobre outras preocupações que devem ser tidas em consideração como parte do ajustamento da estimativa inicial.

101. Após o ajustamento do cálculo inicial da perda de comissões e das correspondentes vantagens futuras para o comitente, na última fase, há que reduzir o montante que daí resulta se ultrapassar o limite máximo de indemnização previsto no artigo 17.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 86/653.

102. Antes de concluir, demonstrarei este método de cálculo com base num exemplo hipotético, que é inspirado na argumentação desenvolvida pelo Governo checo na audiência. Um agente comercial e um comitente celebram um contrato de agência relativo à venda de madeira. A tarefa do agente comercial é, portanto, angariar clientes que comprem a madeira do comitente. Algum tempo depois de o comitente ter sido apresentado aos clientes angariados pelo agente, o contrato de agência é rescindido. O agente recebeu uma comissão por cada venda de madeira. O montante da comissão depende do preço de venda da madeira. Na sequência da cessação do contrato de agência, o comitente beneficia da clientela angariada pelo agente com a qual pode continuar a vender a sua madeira. Por conseguinte, os requisitos para o direito do agente a uma indemnização foram preenchidos e a indemnização tem de ser calculada.

103. No ano anterior à cessação do contrato de agência (um ano normal com temperaturas médias), o agente ganhou 10 000 euros em comissões do comitente. A maioria dos clientes comprou madeira para aquecimento. Estima‑se que o comitente poderia utilizar a clientela angariada pelo agente durante pelo menos mais três anos. Uma vez que havia dois novos operadores no mercado da madeira no ano anterior, estima‑se que até 30 % dos clientes irão migrar para esses novos operadores.

104. O cálculo seria, deste modo, o seguinte:

1.o ano:      10 000 euros — 30 % = 7 000 euros

2.o ano:      7 000 euros — 30 % = 4 900 euros

3.o ano:      4 900 euros — 30 % = 3 430 euros

Perda de comissões estimada = 15 330 euros

105. Se forem identificadas outras circunstâncias que possam influenciar as vantagens futuras que o comitente retira da clientela angariada pelo agente ou o montante da perda de comissões do agente, devem ser tidas em consideração.

106. Imaginemos que, devido a uma escassez de gás expectável, muitas pessoas planeiam aquecer as suas casas com a utilização de madeira. O aumento estimado da procura de madeira poderá resultar no dobro do preço. Na medida em que a comissão do agente foi calculada com base no preço de venda da madeira do ano anterior, poderia ser necessário ajustar esse cálculo a partir do dobro do montante dessa comissão (20 000 euros em vez de 10 000 euros). Além disso, pode ser necessário ter em consideração a duração previsível da escassez do gás. Se tal acontecer por um ano, o preço da madeira poderia reverter para os montantes anteriores no segundo e no terceiro anos. Nessas circunstâncias, a perda de comissões será mais elevada do que no primeiro cenário (ver n.o 104 das presentes conclusões).

107. O cálculo seria, deste modo, o seguinte:

1.o ano:      20 000 euros — 30 % = 14 000 euros

2.o ano:      7 000 euros — 30 % = 4 900 euros

3.o ano:      4 900 euros — 30 % = 3 430 euros

Perda de comissões estimada = 22 330 euros

108. Imaginemos agora que, logo antes da rescisão do contrato de agência, houve um avanço na investigação sobre a aplicação da fusão nuclear, criando assim a expectativa de energia muito barata a curto prazo. Como resultado, espera‑se que a maioria das pessoas deixe de utilizar madeira para aquecimento. As únicas pessoas que iriam comprar madeira ao comitente seriam os clientes que utilizam madeira para outros fins, como carpintaria ou decoração. Isso diminuiria significativamente o valor da clientela angariada pelo agente, uma vez que, mesmo que o contrato de agência não tivesse cessado, o agente já não poderia esperar ganhar uma comissão considerável com a venda da madeira do comitente. O cálculo da perda de valor da clientela angariada pelo agente para o comitente seria proporcional à diminuição da perda de comissões estimada. Se os clientes que compraram madeira para fins diferentes do aquecimento representassem apenas 2 % da comissão anual ganha pelo agente, o cálculo poderia ter como ponto de partida um montante bastante inferior de 200 euros. A taxa de migração estimada também poderia ser ajustada para 10 %, uma vez que é provável que algumas empresas que vendem madeira abandonassem o mercado.

109. O cálculo seria, deste modo, o seguinte:

1.o ano:      200 euros — 10 % = 180 euros

2.o ano:      180 euros — 10 % = 162 euros

3.o ano:      162 euros — 10 % = 145,80 euros

Perda de comissões estimada = 487,80 euros

110. Importa igualmente salientar que, se se estimar que o comitente não pode retirar vantagens substanciais da clientela angariada pelo agente após a cessação do contrato de agência (o que poderia perfeitamente ser a causa da sua rescisão), não haverá necessidade de cálculos, uma vez que os requisitos de indemnização não se teriam verificado em tal cenário.

111. Além disso, se, nos termos do contrato de agência, o agente tivesse obtido um pagamento de comissão única por cliente, de modo que, por cada cliente, o agente obteria um montante destinado a cobrir as futuras compras de madeira por esse cliente, de modo que nenhuma outra comissão seria paga ao agente, é possível concluir que não há perdas de comissões. No entanto, se, por exemplo, o comitente também contribuísse para o fundo de pensões do agente, tal deveria ser tido em consideração no cálculo de uma indemnização equitativa para o agente, mesmo que não houvesse perda de comissões. O pagamento de uma indemnização não se baseia na perda de comissões, mas no facto de o agente ter angariado uma clientela e de esta representar um valor para o comitente mesmo após a cessação do contrato de agência.

112. A última fase do cálculo exige que a indemnização seja ajustada para que não ultrapasse o limite imposto pelo artigo 17.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 86/653, a saber, um valor correspondente a um ano de remuneração paga pelo comitente ao agente, que é calculado com base na média dos cinco anos anteriores (ou inferior a cinco anos se a duração do contrato for inferior). Se, em média, durante os últimos cinco anos, o agente do nosso exemplo hipotético obtivesse 12 000 euros a título de remuneração, as perdas de comissões estimadas ultrapassariam o limite do primeiro e segundo cenários (v. n.os 104 e 107 das presentes conclusões), e a indemnização que teria de ser paga ao agente seria inferior à perda de comissões estimada.

V.      Conclusão

113. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Nejvyšší soud (Supremo Tribunal, República Checa) do seguinte modo:

O conceito de «comissão que o agente comercial perca», na aceção do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais, deve ser interpretado no sentido de que se refere às comissões que o agente comercial teria recebido se o contrato de agência não tivesse cessado, sobre operações futuras entre o comitente e os clientes novos que o agente angariou para o comitente ou a clientela existente com a qual o agente aumentou significativamente o volume de negócios.

Este conceito não é afetado pelo facto de terem sido pagas comissões únicas ao agente. Só se as comissões contratualmente acordadas fossem pagamentos de comissões únicas, do tipo em que o agente já fosse remunerado pelas vantagens futuras que o comitente continuaria a receber da clientela angariada pelo agente, é que as mesmas não representariam comissões perdidas. No entanto, isto não significa que o agente não tenha direito ao pagamento de uma indemnização uma vez que a perda de comissões é apenas um elemento na determinação da natureza equitativa desse pagamento.


1      Língua original: inglês.


2      JO 1986, L 382, p. 17.


3      V. C‑64/21, EU:C:2022:453, n.o 17.


4      A este respeito, vale a pena notar que o Acórdão de 26 de março de 2009, Semen (C‑348/07, EU:C:2009:195) dizia respeito ao tratamento da perda de comissões ao abrigo da lei alemã, e não ao significado do conceito de perda de comissões em si. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, especialmente, que o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 não permite a limitação automática da indemnização à perda de comissões.


5      Importa salientar que, embora o contrato de agência em causa tenha sido celebrado antes da data de adesão da República Checa à União Europeia em 1 de maio de 2004 (v. n.o 4 das presentes conclusões), não foram submetidas ao Tribunal de Justiça questões relativas à aplicabilidade ratione temporis da Diretiva 86/653 no presente processo. Em todo o caso, à semelhança do exposto nas minhas conclusões no processo Rigall Arteria Management (C‑64/21, EU:C:2022:453, n.o 23, nota 11), tal não deve afetar a competência do Tribunal de Justiça no presente processo uma vez que os efeitos jurídicos do contrato de agência em causa continuaram após essa data (v. n.o 7 das presentes conclusões). V., a este respeito, Acórdãos de 15 de dezembro de 2016, Nemec (C‑256/15, EU:C:2016:954, n.o 25), e de 3 de julho de 2019, UniCredit Leasing (C‑242/18, EU:C:2019:558, n.os 30 a 35). Também não existem disposições específicas sobre a aplicação da Diretiva 86/653 no Ato de Adesão da República Checa. Só não será assim quando a disposição de direito comunitário cuja interpretação se pede ao Tribunal de Justiça não se aplica aos factos do litígio no processo principal, que são anteriores à adesão de um Estado‑Membro à União Europeia, ou quando seja manifesto que a referida disposição não se aplica [v. Acórdão de 14 de junho de 2007, Telefónica O2 Czech Republic (C‑64/06, EU:C:2007:348, n.o 23)], o que não acontece no caso em apreço.


6      V., a este respeito, Despacho de 6 de março de 2003, Abbey Life Assurance (C‑449/01, não publicado, EU:C:2003:133, n.os 13 a 20); Acórdãos de 3 de dezembro de 2015, Quenon K. (C‑338/14, EU:C:2015:795, n.o 16), e de 17 de maio de 2017, ERGO Poist’ovňa (C‑48/16, EU:C:2017:377, n.o 28).


7      V. Acórdão de 18 de outubro de 1990, Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.os 36 a 43), ou, mais recentemente, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 26 e 27).


8      V. Acórdãos de 16 de março de 2006, Poseidon Chartering (C‑3/04, EU:C:2006:176, n.os 11 a 19) (contrato de agência relativo a serviços de transporte marítimo); de 17 de outubro de 2013, Unamar (C‑184/12, EU:C:2013:663, n.os 30 e 31) (contrato de agência relativo a serviços de transporte marítimo); de 3 de dezembro de 2015, Quenon K. (C‑338/14, EU:C:2015:795, n.os 17 a 19) (contrato de agência relativo a serviços bancários e de seguros); de 17 de maio de 2017, ERGO Poist’ovňa (C‑48/16, EU:C:2017:377, n.os 29 a 32) (contrato de agência relativo a serviços de seguros); e de 13 de outubro de 2022, Rigall Arteria Management (C‑64/21, EU:C:2022:783, n.os 24 a 27) (contrato de agência relativo a serviços financeiros). V., igualmente, Acórdão de 28 de outubro de 2010, Volvo Car Germany (C‑203/09, EU:C:2010:647, n.os 23 a 28) (relativo a um contrato de concessão e não a um contrato de agência).


9      V. nota 8 das presentes conclusões.


10      Saliento que o Tribunal de Justiça ainda não foi confrontado com um processo que envolva um Estado‑Membro, cujo direito nacional que transpõe a Diretiva 86/653 se limita à venda ou à compra de mercadorias, em que se coloque a questão da sua competência para se pronunciar a título prejudicial sobre a interpretação desta diretiva relativamente a um contrato de agência «misto» que abrange tanto mercadorias como serviços. No entanto, como esta questão não se põe no presente processo, não a aprofundarei.


11      V., por exemplo, Acórdãos de 12 de dezembro de 2019, G.S. e V.G. (Ameaça para a ordem pública) (C‑381/18 e C‑382/18, EU:C:2019:1072, n.o 43), e de 10 de setembro de 2020, Tax‑Fin‑Lex (C‑367/19, EU:C:2020:685, n.o 21). V. também, a esse respeito, Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe nos processos apensos Deutsche Post e o. (C‑203/18 e C‑374/18, EU:C:2019:502, n.os 43 a 62); Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo J & S Service (C‑620/19, EU:C:2020:649, n.os 27 a 96); e as minhas conclusões no processo Baltijas Starptautiskā Akadēmija and Stockholm School of Economics in Riga (C‑164/21 e C‑318/21, EU:C:2022:333, n.os 57 a 64).


12      V., por exemplo, Acórdãos de 14 de julho de 2022, Sense Visuele Communicatie en Handel (C‑36/21, EU:C:2022:556, n.o 21), e de 14 de julho de 2022, Volkswagen (C‑134/20, EU:C:2022:571, n.o 56).


13      V., por exemplo, Acórdãos de 14 de julho de 2022, Sense Visuele Communicatie en Handel (C‑36/21, EU:C:2022:556, n.o 22), e de 14 de julho de 2022, Volkswagen (C‑134/20, EU:C:2022:571, n.o 57).


14      V., por exemplo, Saintier e Scholes, Commercial Agents and the Law, Routledge, Londres, 2005, pp. 155‑156; Randolph, F. e Davey, J., The European Law of Commercial Agency, 3a edição, Hart Publishing, Oxford, 2010, pp. 87 e 93.


15      V., por exemplo, Saintier e Scholes, citado na nota 14 das presentes conclusões, p. 127; Zhou, Q., Limits of mandatory rules in contract law: an example in agency law, Northern Ireland Legal Quarterly, Vol. 65, 2014, p. 357‑361.


16      V. Comissão Europeia, Relatório sobre a aplicação do artigo 17.o da Diretiva do Conselho relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (86/653/CEE) [COM(96) 364 final], de 23 de julho de 1996 (a seguir «relatório da Comissão»), pp. 1 e 5.


17      Como o Tribunal de Justiça declarou, os regimes de indemnização e reparação por danos previstos no artigo 17.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 86/653 não visam sancionar a resolução do contrato, mas sim compensar o agente comercial pelas suas prestações passadas de que o comitente continua a beneficiar após a cessação do contrato de agência. V. Acórdão de 19 de abril de 2018, CMR (C‑645/16, EU:C:2018:262, n.o 28).


18      V., por exemplo, Documento de Trabalho dos Serviços da Comissão, Article 30 — Indemnité après la cessation du contrat, SEC(84) 747, 16 de maio de 1984 (anexado ao Documento do Conselho 7247/84, 21 de maio de 1984); Gardiner, C., The EC (Commercial Agents) Directive: Twenty years after its introduction, divergent approaches still emerge from Irish and UK courts, Journal of Business Law, 2007, p. 412, a pp. 426 e 427. Para uma descrição pormenorizada das abordagens alemã e francesa em matéria de indemnização e reparação, respetivamente, v. também, por exemplo, Saintier e Scholes, citado na nota 14 das presentes conclusões, pp. 156‑158 e 173‑219; Randolph e Davey, citado na nota 14 das presentes conclusões, pp. 131‑173.


19      V., por exemplo, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Quenon K. (C‑338/14, EU:C:2015:503, n.o 30); Relatório da Comissão, citado na nota 16 das presentes conclusões, p. 1.


20      V., por exemplo, Acórdãos de 23 de março de 2006, Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2006:199, n.o 20), e de 3 de dezembro de 2015, Quenon K. (C‑338/14, EU:C:2015:795, n.o 24).


21      V., a este respeito, Acórdão de 13 de outubro de 2022, Herios (C‑593/21, EU:C:2022:784, n.o 36); Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2005:641, n.os 14 a 19); Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Marchon Germany (C‑315/14, EU:C:2015:585, n.os 27 e 28); e Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Quenon K. (C‑338/14, EU:C:2015:503, n.os 35 e 36).


22      V., por exemplo, Lando, O., The Commercial Agent in European Law III, Journal of Business Law, 1966, p. 82, pp. 84‑86; de Theux, A., Le statut européen de l’agent commercial: Approche critique de droit comparé, Publications des Facultés universitaires Saint‑Louis, Brussels, 1992, pp. 280‑286.


23      Relatório da Comissão, referido na nota 16 das presentes conclusões, p. 1.


24      V. Diretiva 86/653, especialmente os seus artigos 1.o, n.o 2, 3.o, 4.o, n.o 3, e 17.o, n.o 2, alínea a); Acórdãos de 12 de dezembro de 1996, Kontogeorgas (C‑104/95, EU:C:1996:492, n.o 26), e de 4 de junho de 2020, Trendsetteuse (C‑828/18, EU:C:2020:438, n.o 33).


25      V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Marchon Germany (C‑315/14, EU:C:2015:585, sobretudo o n.o 52).


26      V. C‑465/04, EU:C:2005:641, n.os 15 e 17 a 19.


27      V. Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2005:641, n.o 41), e Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Marchon Germany (C‑315/14, EU:C:2015:585, n.os 28 a 35); v., igualmente, relatório da Comissão, referido na nota 16 das presentes conclusões, p. 2.


28      É igualmente necessário determinar se o direito de um agente comercial a uma indemnização não está excluído com base numa das circunstâncias previstas no artigo 18.o da Diretiva 86/653. V. relatório da Comissão, referido na nota 16 das presentes conclusões, p. 2.


29      V., a este respeito, Acórdão de 3 de dezembro de 2015, Quenon K. (C‑338/14, EU:C:2015:795, n.o 31).


30      V., por exemplo, Acórdãos de 23 de março de 2006, Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2006:199, n.os 34 e 35), e de 3 de dezembro de 2015, Quenon K. (C‑338/14, EU:C:2015:795, n.o 26).


31      Observo que, pelo menos pelo método de cálculo da indemnização na Alemanha, parece que, embora em princípio a perda de comissões seja apenas um elemento na avaliação da equidade, na prática, a determinação da indemnização baseia‑se em grande parte na perda de comissões. A este respeito, v. n.o 95 das presentes conclusões.


32      V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2005:641, especialmente o n.o 17).


33      V., por exemplo, Acórdãos de 23 de março de 2006, Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2006:199, n.o 19), e de 16 de fevereiro de 2017, Agro Foreign Trade & Agency (C‑507/15, EU:C:2017:129, n.o 29).


34      V., por exemplo, Acórdãos de 17 de outubro de 2013, Unamar (C‑184/12, EU:C:2013:663, n.o 39), e de 19 de abril de 2018, CMR (C‑645/16, EU:C:2018:262, n.o 34).


35      V. Acórdãos de 19 de abril de 2018, CMR (C‑645/16, EU:C:2018:262, n.o 35), e de 13 de outubro de 2022, Herios (C‑593/21, EU:C:2022:784, n.o 27).


36      V. Acórdãos de 7 de abril de 2016, Marchon Germany (C‑315/14, EU:C:2016:211, n.o 33), e de 13 de outubro de 2022, Herios (C‑593/21, EU:C:2022:784, n.o 27).


37      A este respeito, como alguns comentadores salientaram, a cessação do contrato de agência é a fase da relação de agência em que os agentes comerciais estão mais fragilizados e, por conseguinte, a sua necessidade de proteção é mais elevada. V. Saintier e Scholes, citado na nota 14 das presentes conclusões, pp. 164‑165.


38      V., a este respeito, Acórdão de 7 de abril de 2016, Marchon Germany (C‑315/14, EU:C:2016:211, n.o 42).


39      V., a este respeito, Acórdão de 26 de março de 2009, Semen (C‑348/07, EU:C:2009:195, n.o 31), em que o Tribunal de Justiça observou que, à luz do seu segundo considerando, a Diretiva 86/653 «tem por objetivo, nomeadamente, a segurança das operações comerciais e, portanto, a segurança jurídica no domínio da representação comercial».


40      V. Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Honyvem Informazioni Commerciali  (C‑465/04, EU:C:2005:641, n.os 42 a 44).


41      A este respeito, saliento que o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva 86/653 se refere à perda de comissões que resultem das operações com «esses clientes» e que a mesma expressão figura no primeiro travessão desta disposição e pode, portanto, considerar‑se que é usada num sentido análogo. Interrogada na audiência sobre este aspeto, a Comissão indicou que o conceito de «esses clientes» que figura no artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva 86/653 não abrange potenciais novos clientes que o agente poderia trazer ao comitente, mas os clientes novos ou fortalecidos que o agente angariou para o comitente durante a vigência do contrato de agência.


42      V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Semen  (C‑348/07, EU:C:2008:635, especialmente os n.os 20, 27 e 28).


43      V., neste sentido, Saintier e Scholes, referido no n.o 14 das presentes conclusões, p. 122, que rejeita o argumento segundo o qual o artigo 8.o da Diretiva 86/653 se sobrepõe à concessão de uma indemnização nos termos do artigo 17.o, n.o 2, desta diretiva.


44      Interrogado na audiência sobre esta questão, o Governo checo não negou a sobreposição dos dois conjuntos de disposições, indicando que dependeria do contrato de agência específico.


45      V. C‑64/21, EU:C:2022:453, particularmente os n.os 86 a 88 (que conclui que interpretar o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653 como não imperativo não está em contradição com os artigos 17.o a 19.o da mesma).


46      O artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653 prevê que o agente comercial tem direito à comissão pelas operações comerciais concluídas durante a vigência do contrato de agência se a operação tiver sido concluída com um terceiro já seu anterior cliente para operações do mesmo género.


47      Isto foi seguido pelo Acórdão de 13 de outubro de 2022, Rigall Arteria Management (C‑64/21, EU:C:2022:783, n.os 28 a 38), em que o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que é possível derrogar contratualmente o direito que esta disposição confere aos agentes comerciais.


48      Acórdãos de 26 de março de 2009, Semen (C‑348/07, EU:C:2009:195, n.o 19), e de 3 de dezembro de 2015, Quenon K. (C‑338/14, EU:C:2015:795, n.o 28). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2005:641, n.os 45 a 48).


49      V. relatório da Comissão, referido na nota 16 das presentes conclusões, p. 2‑5. Como salientou o Tribunal de Justiça, este relatório fornece informações pormenorizadas no que diz respeito ao cálculo efetivo da indemnização e tem por objetivo facilitar uma interpretação mais uniforme do artigo 17.o da Diretiva 86/653. V. Acórdãos de 23 de março de 2006, Honyvem Informazioni Commerciali (C‑465/04, EU:C:2006:199, n.o 35), e de 26 de março de 2009, Semen (C‑348/07, EU:C:2009:195, n.o 22).


50      C‑348/07, EU:C:2009:195. V. nota 4 das presentes conclusões.


51       V. ainda, a este respeito, Saintier e Scholes, citado na nota 14 das presentes conclusões, pp. 202‑214; Randolph e Davey, citado na nota 14 das presentes conclusões, pp. 144‑147.