Language of document : ECLI:EU:C:2023:233

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

23 de março de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Agentes comerciais que atuam por conta própria — Diretiva 86/653/CEE — Artigo 17.o, n.o 2, alínea a) — Cessação do contrato de agência — Direito do agente comercial a uma indemnização — Requisitos de concessão — Indemnização equitativa — Apreciação — Conceito de “comissões que o agente comercial perca” — Comissões sobre operações futuras — Novos clientes angariados pelo agente comercial — Clientes existentes com os quais o agente comercial desenvolveu significativamente as operações — Comissões únicas»

No processo C‑574/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Nejvyšší soud (Supremo Tribunal, República Checa), por Decisão de 29 de junho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de setembro de 2021, no processo

QT

contra

O2 Czech Republic a.s.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente de secção, M. Safjan, N. Piçarra, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogada‑geral: T. Ćapeta,

secretária: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de setembro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de QT, por D. Rašovský, advokát,

–        em representação da O2 Czech Republic a.s., por L. Duffek e M. Olík, advokáti,

–        em representação do Governo checo, por T. Machovičová, O. Serdula, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por J. Möller, U. Bartl, J. Heitz e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Armati, M. Mataija e P. Němečková, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 24 de novembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (JO 1986, L 382, p. 17).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe QT, agente comercial, à sociedade O2 Czech Republic a.s., a respeito de um pedido de indemnização com fundamento na cessação do contrato de agência comercial que vincula esse agente comercial à referida sociedade.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O segundo e terceiro considerandos da Diretiva 86/653 enunciam:

«Considerando que as diferenças entre as legislações nacionais em matéria de representação comercial afetam sensivelmente, no interior da Comunidade, as condições de concorrência e o exercício da profissão e diminuem o nível de proteção dos agentes comerciais nas relações com os seus comitentes, assim como a segurança das operações comerciais; que, por outro lado, essas diferenças são suscetíveis de dificultar sensivelmente o estabelecimento e o funcionamento dos contratos de representação comercial entre um comitente e um agente comercial estabelecidos em Estados‑Membros diferentes;

Considerando que as trocas de mercadorias entre Estados‑Membros se devem efetuar em condições análogas às de um mercado único, o que impõe a aproximação dos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros na medida do necessário para o bom funcionamento deste mercado comum; que, a este respeito, as regras de conflitos de leis, mesmo unificadas, não eliminam, no domínio da representação comercial, os inconvenientes atrás apontados e não dispensam portanto a harmonização proposta.»

4        Nos termos do artigo 1.o desta diretiva:

«1.      As medidas de harmonização previstas na presente diretiva aplicam‑se às disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros que regem as relações entre os agentes comerciais e os seus comitentes.

2.      Para efeitos da presente diretiva, o agente comercial é a pessoa que, como intermediário independente, é encarregada a título permanente, quer de negociar a venda ou a compra de mercadorias para uma outra pessoa, adiante designada “comitente”, quer de negociar e concluir tais operações em nome e por conta do comitente.

[…]»

5        O artigo 6.o da referida diretiva precisa:

«1.      Na falta de acordo entre as partes e sem prejuízo da aplicação das disposições obrigatórias dos Estados‑Membros sobre o nível das remunerações, o agente comercial tem direito a uma remuneração segundo os usos em vigor na área em que exerce a sua atividade e para a representação das mercadorias que são objeto do contrato de agência. Na falta de tais usos, o agente comercial tem direito a uma remuneração razoável que tenha em conta todos os elementos relacionados com a operação.

2.      Os elementos a remuneração que variem com o número ou o valor dos negócios serão considerados como constituindo uma comissão para efeitos da presente diretiva.

3.      Não se aplicam os artigos 7.o a 12.o, se o agente comercial não for total ou parcialmente remunerado por comissão.»

6        O artigo 7.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Pelas operações comerciais concluídas durante a vigência do contrato de agência, o agente comercial tem direito à comissão:

a)      Se a operação tiver sido concluída em consequência da sua intervenção, ou

b)      Se a operação tiver sido concluída com um terceiro já seu anterior cliente para operações do mesmo género.

2.      O agente comercial tem igualmente direito à comissão por operações concluídas durante a vigência do contrato de agência:

–        se estiver encarregado de um setor geográfico ou de um grupo de pessoas determinadas,

–        ou se gozar de um direito de exclusividade para um setor geográfico ou um grupo de pessoas determinadas,

e a operação tiver sido concluída com um cliente pertencente a esse setor ou a esse grupo.

Os Estados‑Membros devem inserir na sua lei uma ou outra das possibilidades previstas nos dois travessões anteriores.»

7        O artigo 8.o da Diretiva 86/653 enuncia:

«Para operações comerciais concluídas após a cessação do contrato de agência, o agente comercial tem direito à comissão:

a)      Se a operação se dever principalmente à atividade por ele desenvolvida ao longo do contrato de agência e se a operação for concluída num prazo razoável após a cessação desse contrato, ou

b)      Se, de acordo com as condições referidas no artigo 7.o, a encomenda do terceiro tiver sido recebida pelo comitente ou pelo agente comercial antes da cessação do contrato de agência.»

8        O artigo 17.o desta diretiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar ao agente comercial, após a cessação do contrato, uma indemnização, nos termos do n.o 2, ou uma reparação por danos, nos termos do n.o 3.

2.      a)      O agente comercial tem direito a uma indemnização se e na medida em que:

–        tiver angariado novos clientes para o comitente ou tiver desenvolvido significativamente as operações com a clientela existente e ainda se resultarem vantagens substanciais para o comitente das operações com esses clientes, e

–        o pagamento dessa indemnização for equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias, nomeadamente as comissões que o agente comercial perca e que resultem das operações com esses clientes. Os Estados‑Membros podem prever que essas circunstâncias incluam também a aplicação ou não de uma cláusula de não concorrência na aceção do artigo 20.o

b)      O montante da indemnização não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente comercial durante os últimos cinco anos, e, se o contrato tiver menos de cinco anos, a indemnização é calculada com base na média do período;

c)      A concessão desta indemnização não impede o agente comercial de reclamar uma indemnização por perdas e danos.

3.      O agente comercial tem direito à reparação por danos causados pela cessação das suas relações com o comitente.

Esses danos decorrem, nomeadamente, da cessação em condições:

–        que privem o agente comercial das comissões que receberia pela execução normal do contrato, e que simultaneamente proporcionem ao comitente vantagens substanciais ligadas à atividade do agente comercial;

–        e/ou que não permitam ao agente comercial amortizar os custos e despesas que ele tenha suportado para a execução do contrato mediante recomendação do comitente.

4.      O direito à indemnização referido no n.o 2 ou a reparação por danos referida no n.o 3 existe igualmente quando a cessação do contrato ficar a dever‑se à morte do agente comercial.

5.      O agente comercial perde o direito à indemnização nos casos referidos no n.o 2 ou reparação por danos nos cursos referidos no n.o 3, se, no prazo de um ano a contar da cessação do contrato, não notificar o comitente de que pretende receber a indemnização.

6.      A Comissão apresentará ao Conselho, no prazo de oito anos a contar da notificação da presente diretiva, um relatório sobre a aplicação do presente artigo, submetendo‑lhe eventualmente propostas de alteração.»

9        O artigo 18.o da referida diretiva precisa:

«Não é devida a indemnização ou a reparação referida no artigo 17.o:

a)      Quando o comitente tiver posto termo ao contrato por um incumprimento imputável ao agente comercial e que, nos termos da legislação nacional, seja fundamento da cessação do contrato sem prazo;

b)      Quando o agente comercial tiver posto termo ao contrato, a não ser que essa cessação seja devida a circunstâncias imputáveis ao comitente ou à idade, enfermidade ou doença do agente comercial que justifiquem razoavelmente a não exigibilidade do prosseguimento das suas atividades;

c)      Quando, por acordo com o comitente, o agente comercial ceder a terceiros os direitos e obrigações que para ele decorrem do contrato de agência.»

10      O artigo 19.o desta diretiva prevê:

«As partes não podem, antes da cessação do contrato, derrogar o disposto nos artigos 17.o e 18.o em prejuízo do agente comercial.»

 Direito checo

11      O § 652, n.o 1, da zákon č. 513/1991 Sb., obchodní zákoník (Lei n.o 513/1991, que aprova o Código Comercial), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código Comercial»), previa, em substância, que, através de um contrato de agência, o agente comercial compromete‑se a negociar e a celebrar negócios com os clientes, bem como a realizar operações conexas, em nome e por conta do comitente.

12      O § 669, n.o 1, deste código, que transpõe o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 para a ordem jurídica checa, dispunha:

«Em caso de cessação do contrato, o agente comercial tem direito a uma indemnização se:

(a)      tiver angariado novos clientes para o comitente ou tiver desenvolvido significativamente as operações com os clientes existentes e ainda se resultarem vantagens substanciais para o comitente das operações com esses clientes, e

(b)      o pagamento dessa indemnização for equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias, nomeadamente as comissões que o agente comercial perca e que resultem das operações com esses clientes.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      Em 1 de janeiro de 1998, o recorrente no processo principal celebrou um contrato de agência comercial com a antecessora legal da O2 Czech Republic (a seguir também «O2 Czech Republic»). Esta relação contratual cessou em 31 de março de 2010. O contrato tinha por objeto o fornecimento e a venda de serviços de telecomunicações prestados pela referida sociedade, o fornecimento e a venda de telemóveis, dos respetivos acessórios e, eventualmente, de outros produtos e serviços de apoio ao cliente.

14      Nos termos do referido contrato, o recorrente no processo principal recebia comissões únicas por cada contrato que celebrava em nome da O2 Czech Republic.

15      Em 2006 e 2007, o recorrente no processo principal angariou novos clientes para a O2 Czech Republic e celebrou outros contratos com clientes existentes. Tendo em conta a duração máxima do período de fidelização, esses contratos não ultrapassavam a data de cessação do contrato de agência em causa no processo principal, a saber, 31 de março de 2010.

16      Em contrapartida, relativamente a 2008 e 2009, aquela data foi ultrapassada num total de 431 subscrições, das quais 155 eram novas subscrições e 276 alterações de subscrições existentes, pelas quais o recorrente no processo principal recebeu o pagamento das comissões correspondentes por parte da O2 Czech Republic.

17      Todavia, considerando que esta sociedade não lhe tinha pago a indemnização que lhe era devida ao abrigo do § 669, n.o 1, do Código Comercial, que transpôs o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653, o recorrente no processo principal intentou uma ação no Obvodní soud pro Prahu 4 (Tribunal de Primeira Instância de Praga 4, República Checa), pedindo que a O2 Czech Republic fosse condenada a pagar‑lhe o montante de 2 023 799 coroas checas (CZK) (cerca de 82 000 euros).

18      Esse tribunal julgou a ação improcedente, na medida em que o recorrente no processo principal não tinha demonstrado que, após a cessação do contrato de agência em causa, a O2 Czech Republic mantinha vantagens substanciais resultantes das operações com os clientes angariados pelo recorrente.

19      Essa decisão foi confirmada em sede de recurso pelo Městský soud v Praze (Tribunal de Praga, República Checa). Por Acórdão de 27 de novembro de 2019, este último tribunal sublinhou que as comissões únicas acordadas entre os contraentes tinham sido devidamente pagas ao recorrente no processo principal. Considerou que o argumento segundo o qual o recorrente tinha direito a comissões que poderiam ser hipoteticamente obtidas não servia de fundamento para o seu direito à indemnização. O recorrente no processo principal angariou, efetivamente, novos clientes e desenvolveu as operações com os clientes existentes, permitindo à O2 Czech Republic obter vantagens após a cessação do referido contrato. No entanto, esta sociedade pagou‑lhe comissões a esse título em conformidade com o contrato. O referido tribunal considerou que o pagamento de uma indemnização não era equitativo, na aceção do § 669, n.o 1, alínea b), do Código Comercial, e que a ação devia ser julgada improcedente unicamente com base neste motivo.

20      O recorrente no processo principal interpôs recurso de cassação contra esse acórdão para o Nejvyšší soud (Supremo Tribunal, República Checa), o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo.

21      Com o seu recurso, o recorrente no processo principal critica a jurisprudência constante desse órgão jurisdicional relativa ao § 669, n.o 1, alínea b), do Código Comercial, segundo a qual as «comissões que o agente comercial perca» são as que teria recebido a título das operações já realizadas, ou seja, operações que celebrou ou que desenvolveu significativamente. Em contrapartida, sustenta que este conceito deve abranger as comissões que o agente teria recebido hipoteticamente, a título das operações realizadas pelo comitente, após a cessação do contrato de agência em causa, com os clientes angariados pelo referido agente ou com os quais tinha desenvolvido significativamente as operações durante a execução do contrato.

22      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a sua jurisprudência difere da jurisprudência alemã. Segundo esta última, as «comissões que o agente comercial perca» são as comissões correspondentes a operações que o agente comercial teria celebrado por conta do comitente se o contrato de agência não tivesse sido rescindido. Por outro lado, à luz dessa jurisprudência alemã, se, em caso de comissões únicas, o agente comercial não perder nenhuma comissão, tem sempre direito a uma indemnização. Por conseguinte, a interpretação do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 suscita sérias dúvidas.

23      Nestas circunstâncias, o Nejvyšší soud (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a expressão “comissão que o agente comercial perca”, na aceção do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva [86/653], ser interpretada no sentido que também constitui tal comissão a comissão aplicada pela celebração de contratos que o agente comercial celebraria se o contrato de agência não tivesse sido rescindido, com clientes que angariou para o comitente ou com os quais aumentou significativamente o volume de negócios?

2)      Na afirmativa, em que condições essa conclusão também se aplica às chamadas comissões únicas cobradas pela celebração do contrato?»

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade das questões prejudiciais

24      Em primeiro lugar, no que respeita à competência do Tribunal de Justiça para responder às questões prejudiciais, importa salientar, por um lado, que o contrato de agência comercial em causa no processo principal foi celebrado em 1 de janeiro de 1998, ou seja, antes da adesão da República Checa à União Europeia, em 1 de maio de 2004. Este contrato vinculou as partes no processo principal até 31 de março de 2010, data em que a O2 Czech Republic rescindiu o referido contrato. Uma vez que as consequências jurídicas dessa rescisão, ocorridas após a referida adesão, constituem o objeto do litígio no processo principal, a Diretiva 86/653 é aplicável ratione temporis a este litígio.

25      No que se refere, por outro lado, ao âmbito de aplicação material desta diretiva, resulta do seu artigo 1.o, n.o 2, que só é aplicável à venda ou à compra de mercadorias e não às prestações de serviços. O objeto do contrato de agência comercial em causa no processo principal abrange tanto a venda de mercadorias como a prestação de serviços. Por conseguinte, o contrato só está parcialmente abrangido por este âmbito de aplicação material.

26      No entanto, afigura‑se que, através do § 652 do Código Comercial, o legislador checo decidiu, ao transpor a Diretiva 86/653 para a ordem jurídica checa, incluir todos os negócios realizados pelos agentes comerciais e pretendeu, assim, aplicar as disposições desta diretiva tanto às operações de compra e venda como às prestações de serviços.

27      Ora, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando uma legislação nacional pretende adequar as soluções que dá a situações puramente internas às soluções preconizadas pelo direito da União, a fim, por exemplo, de evitar discriminações contra cidadãos nacionais ou eventuais distorções da concorrência, ou ainda de assegurar um procedimento único em situações comparáveis, existe um indiscutível interesse em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos do direito da União sejam interpretados de modo uniforme, independentemente das condições em que devem ser aplicados (Acórdão de 3 de dezembro de 2015, Quenon K, C‑338/14, EU:C:2015:795, n.o 17 e jurisprudência referida).

28      Daqui resulta que o facto de o contrato em causa no processo principal abranger tanto mercadorias como serviços não impede que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

29      Resulta assim das considerações precedentes que o Tribunal de Justiça é competente para responder a essas questões.

30      Em segundo lugar, a O2 Czech Republic sustenta que as referidas questões são inadmissíveis uma vez que não são pertinentes para resolver o litígio no processo principal.

31      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o tribunal nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 14 de julho de 2022, Volkswagen, C‑134/20, EU:C:2022:571, n.o 56 e jurisprudência referida).

32      Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 14 de julho de 2022, Volkswagen, C‑134/20, EU:C:2022:571, n.o 57 e jurisprudência referida).

33      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio expôs adequadamente, no seu pedido de decisão prejudicial, não só as razões que o levaram a questionar o Tribunal de Justiça sobre a interpretação das disposições da Diretiva 86/653, mas também as razões pelas quais esta interpretação lhe parece necessária para a resolução do litígio no processo principal.

34      Nestas condições, as questões prejudiciais são admissíveis.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

35      A título preliminar, há que recordar que a interpretação do artigo 17.o da Diretiva 86/653, sobre a qual incide a primeira questão, deve ser efetuada à luz do objetivo prosseguido por esta diretiva e do sistema que institui. Este objetivo consiste em harmonizar o direito dos Estados‑Membros no que diz respeito às relações jurídicas entre as partes num contrato de agência comercial (v., neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 2015, Quenon K, C‑338/14, EU:C:2015:795, n.os 21 e 22 e jurisprudência referida).

36      Como resulta do seu segundo e terceiro considerandos, a Diretiva 86/653 visa proteger os agentes comerciais nas relações com os seus comitentes, promover a segurança das transações comerciais e facilitar as trocas de mercadorias entre Estados‑Membros, mediante a aproximação dos sistemas jurídicos destes últimos em matéria de representação comercial. Para este efeito, a diretiva estabelece, nomeadamente, regras que regulam, nos seus artigos 13.o a 20.o, a celebração e o termo do contrato de agência (Acórdão de 3 de dezembro de 2015, Quenon K, C‑338/14, EU:C:2015:795, n.o 23 e jurisprudência referida).

37      No que respeita, mais especificamente, à cessação do contrato de agência, o artigo 17.o da Diretiva 86/653 impõe aos Estados‑Membros a obrigação de implementarem um mecanismo de indemnização do agente comercial, permitindo‑lhes escolher entre duas opções, isto é, ou uma indemnização determinada segundo os critérios enunciados no n.o 2 do mesmo artigo, ou seja, o sistema de indemnização de clientela, ou a reparação do dano em função dos critérios definidos no n.o 3 do referido artigo, ou seja, o sistema da reparação do dano (Acórdão de 3 de dezembro de 2015, Quenon K, C‑338/14, EU:C:2015:795, n.o 24 e jurisprudência referida).

38      Segundo o pedido de decisão prejudicial, a República Checa optou pelo sistema de indemnização da clientela, previsto no artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 86/653.

39      Este sistema de indemnização da clientela está dividido em três fases. A primeira dessas fases tem por objetivo, antes de mais, calcular as vantagens do comitente que resultam de operações com os clientes angariados pelo agente comercial, em conformidade com os critérios do referido artigo 17.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão. A segunda fase visa, em seguida, verificar, nos termos do segundo travessão deste artigo 17.o, n.o 2, alínea a), se o montante a que se chega com base nesses critérios é equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias próprias do caso concreto e nomeadamente as perdas de comissões sofridas pelo agente comercial. Por último, na terceira fase, tal montante está sujeito ao limite máximo previsto nesse artigo 17.o, n.o 2, alínea b), que só é aplicável se esse montante exceder esse limite máximo (v., neste sentido, Acórdão de 3 de dezembro de 2015, Quenon K, C‑338/14, EU:C:2015:795, n.o 28 e jurisprudência referida).

40      No presente caso, a primeira questão prende‑se em específico com o sentido da expressão «comissões que o agente comercial perca», utilizada no artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva 86/653, que corresponde, em termos formais, à segunda fase do referido sistema de indemnização de clientela. Contudo, resulta da decisão de reenvio que a questão suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio é mais abrangente e não se circunscreve apenas à segunda fase. Com efeito, incide também sobre os elementos a ter em conta na apreciação das vantagens que o comitente mantém após a cessação do contrato de agência comercial, que se enquadra na primeira fase desse sistema, e não apenas sobre o cálculo da indemnização correspondente no sentido de a tornar equitativa.

41      Por conseguinte, há que considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que as comissões que o agente comercial teria recebido se o contrato de agência não tivesse sido rescindido, a título das operações que teriam sido concluídas, após a cessação do contrato de agência, com os novos clientes que angariou para o comitente antes da cessação ou com os clientes com os quais desenvolveu significativamente as operações antes da referida cessação, devem ser tidas em conta na determinação da indemnização prevista no artigo 17.o, n.o 2, desta diretiva.

42      Em primeiro lugar, o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva, lido em conjugação com o artigo 17.o, n.o 1, da mesma diretiva, prevê as condições em que um agente comercial tem direito a uma indemnização após a cessação do contrato de agência e contém precisões sobre as modalidades de cálculo desta indemnização. Assim, o direito à indemnização do agente contratual previsto nestas disposições está subordinado à cessação da sua relação contratual com o comitente (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2018, CMR, C‑645/16, EU:C:2018:262, n.o 23).

43      A este respeito, como observou a advogada‑geral no n.o 53 das suas conclusões, o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, da Diretiva 86/653 esclarece que o agente comercial tem direito a uma indemnização se estiverem preenchidos dois requisitos cumulativos. Por um lado, o agente comercial deve ter angariado novos clientes para o comitente ou desenvolvido significativamente as operações com os clientes existentes. Por outro lado, o comitente deve continuar a obter vantagens substanciais das operações com esses clientes.

44      Ora, tanto a utilização dos advérbios «encore», «noch», «fortsat», «nadále», «todavía», «ancora», «nadal», «ainda», «nog» e «naďalej», respetivamente, nas versões francesa, alemã, dinamarquesa, checa, espanhola, italiana, polaca, portuguesa, neerlandesa e eslovaca dessa disposição, bem como dos tempos verbais «продължава», «jätkuvalt», «διατηρεί», «to derive from», «továbbra is […] tesz szert», «continuă», «jatkuvasti» e «fortsätter», respetivamente, nas versões búlgara, estónia, grega, inglesa, húngara, romena, finlandesa e sueca da referida disposição, demonstram claramente que essas vantagens persistem após a cessação do contrato de agência e referem‑se, por conseguinte, às operações realizadas com os referidos clientes após essa cessação. Por outras palavras, as referidas vantagens correspondem às que o comitente continua a retirar, após a cessação, das relações comerciais estabelecidas ou desenvolvidas pelo agente comercial durante a execução desse contrato.

45      Neste sentido, o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva 86/653 especifica, em substância, que o cálculo da indemnização a que o agente comercial tem direito após a cessação do contrato de agência, para ser equitativo deve ter em conta todas as circunstâncias relativas a esse contrato de agência, nomeadamente as comissões que o agente comercial perca e que resultem dessas operações realizadas com os referidos clientes. Com efeito, essas comissões correspondem às vantagens mencionadas neste artigo 17.o, n.o 2, alínea a), primeiro travessão, na medida em que resultam, à semelhança essas vantagens, das operações realizadas com os clientes visados nesta última disposição após a cessação do referido contrato.

46      Assim, as «comissões que o agente comercial perca», na aceção do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, da Diretiva 86/653, são aquelas que o agente comercial deveria ter recebido se o contrato de agência tivesse perdurado e correspondem às vantagens, a favor do comitente, que persistem após a cessação do contrato de agência e que resultam das relações comerciais estabelecidas ou desenvolvidas significativamente pelo agente comercial antes dessa cessação.

47      Consequentemente, decorre da redação do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 que as comissões que o agente comercial teria recebido se o contrato de agência não tivesse sido rescindido, a título das operações concluídas após a cessação desse contrato de agência com os novos clientes que angariou para o comitente antes dessa cessação, ou com os clientes com os quais desenvolveu significativamente as operações antes da referida cessação, devem ser tidas em conta na determinação da indemnização prevista neste artigo 17.o, n.o 2.

48      Em segundo lugar, esta interpretação é corroborada pelo contexto em que se insere o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva.

49      Em primeiro lugar, como foi recordado no n.o 37 do presente acórdão, o artigo 17.o da referida diretiva permite aos Estados‑Membros escolherem, com o intuito de assegurar a indemnização do agente comercial, em caso de cessação do contrato de agência, entre dois sistemas, previstos, respetivamente, nos n.os 2 e 3 deste artigo. Na medida em que ambos visam assegurar a indemnização, deve considerar‑se que estes sistemas se baseiam em premissas idênticas, isto é, nas perdas correspondentes ao período posterior à cessação do contrato de agência (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2018, CMR, C‑645/16, EU:C:2018:262, n.o 28).

50      Ora, o Tribunal de Justiça já declarou, a respeito do artigo 17.o, n.o 3, da Diretiva 86/653, que o agente comercial tem direito à reparação por danos causados, nomeadamente, quando esses danos decorrem da cessação das relações contratuais com o comitente em condições que privem esse agente comercial das comissões que receberia pela execução normal do contrato, e que simultaneamente proporcionem ao comitente vantagens substanciais ligadas à atividade desse agente e/ou em condições que não permitam a este último amortizar os custos e despesas que tenha suportado na execução do contrato mediante recomendação do comitente (Acórdão de 19 de abril de 2018, CMR, C‑645/16, EU:C:2018:262, n.o 27). Deste modo, este artigo 17.o, n.o 3, abrange a hipótese de comissões futuras que teriam sido obtidas se a cessação do contrato de agência não tivesse ocorrido.

51      Daqui resulta que o artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 deve igualmente abranger esta hipótese e que a indemnização aí prevista deve ter em conta, em certas condições que define, as comissões que o agente comercial teria recebido se o contrato de agência não tivesse sido rescindido.

52      Em segundo lugar, tal interpretação é igualmente confirmada por uma leitura da referida disposição à luz dos artigos 7.o e 8.o desta diretiva. Com efeito, o artigo 7.o prevê que o agente comercial tem direito à comissão pelas operações concluídas durante a vigência do contrato de agência sob certas condições detalhadas neste artigo 7.o O artigo 8.o da diretiva acrescenta que o agente comercial tem igualmente direito à comissão pelas operações comerciais mesmo que sejam concluídas após a cessação desse contrato se, em substância, tais operações estivessem prestes a ser realizadas na data da cessação.

53      Neste contexto, para garantir o seu efeito útil, o artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que abrange uma hipótese diferente das que já são abrangidas pelos artigos 7.o e 8.o desta diretiva. Por conseguinte, este artigo 17.o, n.o 2, não pode abranger as situações em que o agente comercial não recebeu a totalidade das comissões que lhe deviam ser pagas, uma vez que tais situações estão abrangidas pelo artigo 7.o da referida diretiva. Do mesmo modo, não pode ser interpretado no sentido de que se aplica às operações que estavam prestes a ser concluídas antes da cessação do contrato e que o foram depois desta, as quais são abrangidas pelo artigo 8.o da mesma diretiva. Com efeito, as comissões referidas nos artigos 7.o e 8.o da Diretiva 86/653 são, pela sua natureza, direitos adquiridos e não estão subordinadas às limitações e às exigências específicas previstas nos artigos 17.o e 18.o desta diretiva.

54      Assim, a indemnização prevista no artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 86/653 remete necessariamente para as comissões que o agente comercial teria recebido se o contrato de agência não tivesse sido rescindido, a título das operações concluídas com os novos clientes que angariou para o comitente ou com os clientes com os quais desenvolveu significativamente as operações.

55      Em terceiro lugar, há que aludir ao Relatório referente à aplicação do artigo 17.o da Diretiva do Conselho relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais, apresentado pela Comissão em 23 de julho de 1996 [COM (96) 364 final], em conformidade com o artigo 17.o, n.o 6, da Diretiva 86/653, que fornece informações pormenorizadas no respeita ao cálculo efetivo da indemnização prevista no artigo 17.o, n.o 2, desta diretiva e tem por objetivo facilitar uma interpretação mais uniforme deste artigo 17.o (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2009, Semen, C‑348/07, EU:C:2009:195, n.o 22 e jurisprudência referida). Nesse relatório, é referido que a indemnização representa os benefícios que continuam a reverter para o comitente a partir da atividade do agente comercial após a cessação do contrato de agência. Precisa‑se que se trata de indemnizar as mais‑valias geradas pelo comitente. Resulta destes esclarecimentos que a referida indemnização deve abranger igualmente as comissões que o agente comercial teria recebido se o contrato de agência não tivesse sido rescindido, a título de operações concluídas com os novos clientes que angariou para o comitente ou com os clientes com os quais desenvolveu significativamente as operações durante a execução do referido contrato.

56      Em terceiro lugar, os objetivos prosseguidos pela Diretiva 86/653 também militam a favor da referida interpretação do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva. Com efeito, como foi recordado no n.o 36 do presente acórdão, a diretiva visa proteger os agentes comerciais nas relações com os seus comitentes, promover a segurança das transações comerciais e facilitar as trocas de mercadorias entre Estados‑Membros, mediante a aproximação dos sistemas jurídicos destes últimos em matéria de representação comercial.

57      Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que os artigos 17.o a 19.o da Diretiva 86/653 têm por objetivo a proteção do agente comercial após a cessação do contrato de agência comercial e que o regime instituído para este efeito por esta diretiva apresenta natureza imperativa. O Tribunal de Justiça deduziu daqui que está excluída qualquer interpretação do artigo 17.o da referida diretiva que se possa revelar desfavorável para o agente comercial (Acórdão de 19 de abril de 2018, CMR, C‑645/16, EU:C:2018:262, n.os 34 e 35 e jurisprudência referida). Declarou, mais especificamente, que o artigo 17.o, n.o 2, desta diretiva devem ser interpretados num sentido que contribua para a proteção do agente comercial e que tenha plenamente em conta o mérito deste último no cumprimento das operações de que está encarregado (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2016, Marchon Germany, C‑315/14, EU:C:2016:211, n.o 33).

58      Ora, como observou a advogada‑geral, em substância, no n.o 73 das suas conclusões, limitar o alcance do conceito de «comissões que o agente comercial perde» aos negócios já concluídos antes da cessação do contrato de agência seria suscetível de privar o agente comercial de uma parte considerável dos lucros obtidos pelo comitente na sequência da cessação com base no trabalho efetuado por esse agente comercial.

59      Assim, uma interpretação do artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 que excluísse da determinação da indemnização as comissões que o agente comercial teria recebido se o contrato de agência não tivesse sido rescindido, a título das operações que teriam sido concluídas após a cessação desse contrato com os novos clientes que angariou para o comitente antes da cessação, ou a título de operações que teriam sido concluídas após a referida cessação com os clientes com os quais desenvolveu significativamente as operações antes da cessação, seria contrária aos objetivos desta diretiva.

60      Face ao exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que as comissões que o agente comercial teria recebido se o contrato de agência não tivesse sido rescindido, a título das operações que teriam sido concluídas, após a cessação desse contrato de agência, com os novos clientes que angariou para o comitente antes da cessação ou com os clientes com os quais desenvolveu significativamente as operações antes da referida cessação, devem ser tidas em conta na determinação da indemnização prevista no artigo 17.o, n.o 2, desta diretiva.

 Quanto à segunda questão

61      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que o pagamento de comissões únicas exclui do cálculo da indemnização, prevista neste artigo 17.o, n.o 2, as comissões que o agente comercial perca e que resultem das operações realizadas pelo comitente, após a cessação do contrato de agência comercial, com os novos clientes que angariou antes da cessação, ou com os clientes com os quais desenvolveu significativamente as operações antes da referida cessação.

62      A este respeito, como foi salientado no n.o 39 do presente acórdão, o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), segundo travessão, desta diretiva exige, em substância, que o montante da indemnização seja calculado em termos equitativos, tendo em conta todas as circunstâncias próprias do caso concreto e nomeadamente as perdas de comissões sofridas pelo agente comercial.

63      Daqui resulta que as «comissões que o agente comercial perca», na aceção desta disposição, constituem apenas um dos elementos a ter em conta para apreciar o caráter equitativo da indemnização. A escolha de um certo tipo de comissão, como, por exemplo, comissões únicas, não pode, assim, pôr em causa o direito a indemnização previsto nessa disposição. Se assim não fosse, o caráter obrigatório desse direito à indemnização previsto no artigo 19.o da referida diretiva correria o risco de ser contornado.

64      No caso em apreço, os autos de que dispõe o Tribunal de Justiça têm poucas informações sobre o que cobrem as comissões únicas recebidas pelo recorrente no processo principal no âmbito do contrato de agência comercial que o vinculava à O2 Czech Republic. Em sede de audiência, esta última parte referiu, contudo, que as comissões únicas em causa no processo principal correspondiam a remunerações fixas a título de novos contratos celebrados com novos clientes ou com os clientes existentes, por intermédio do recorrente no processo principal.

65      Se fosse esse o caso, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a clientela estabelecida ou desenvolvida pelo recorrente no processo principal poderia gerar mais‑valias através de novas operações que teriam dado direito ao pagamento de comissões se o contrato de agência não tivesse cessado. Nestas circunstâncias, como sublinhou a advogada‑geral, em substância, no n.o 89 das suas conclusões, essas comissões únicas não abrangem as comissões que o agente comercial perca e que resultem das operações realizadas com esses clientes, pelo comitente, após a cessação do contrato de agência comercial.

66      À luz das considerações precedentes, há que responder à segunda questão, que o artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653 deve ser interpretado no sentido de que o pagamento de comissões únicas não exclui do cálculo da indemnização, prevista neste artigo 17.o, n.o 2, as comissões que o agente comercial perca e que resultem das operações realizadas pelo comitente, após a cessação do contrato de agência comercial, com os novos clientes que angariou para o comitente antes dessa cessação ou com os clientes com os quais desenvolveu significativamente as operações antes da referida cessação, desde que essas comissões correspondam a remunerações fixas a título de novos contratos celebrados com novos clientes ou com clientes existentes do comitente, por intermédio do agente comercial.

 Quanto às despesas

67      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos EstadosMembros sobre os agentes comerciais,

deve ser interpretado no sentido de que:

as comissões que o agente comercial teria recebido se o contrato de agência não tivesse sido rescindido, a título das operações que teriam sido concluídas, após a cessação desse contrato de agência, com os novos clientes que angariou para o comitente antes da cessação ou com os clientes com os quais desenvolveu significativamente as operações antes da referida cessação, devem ser tidas em conta na determinação da indemnização prevista no artigo 17.o, n.o 2, desta diretiva.

2)      O artigo 17.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 86/653

deve ser interpretado no sentido de que:

o pagamento de comissões únicas não exclui do cálculo da indemnização, prevista neste artigo 17.o, n.o 2, as comissões que o agente comercial perca e que resultem das operações realizadas pelo comitente, após a cessação do contrato de agência comercial, com os novos clientes que angariou para o comitente antes dessa cessação ou com os clientes com os quais desenvolveu significativamente as operações antes da referida cessação, desde que essas comissões correspondam a remunerações fixas a título de novos contratos celebrados com novos clientes ou com clientes existentes do comitente, por intermédio do agente comercial.

Assinaturas


*      Língua do processo: checo.