Language of document : ECLI:EU:T:2004:154

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)
25 de Maio de 2004 (1)

«Regulamento (CEE) n.° 822/87 – Organização comum do mercado vitivinícola – Regulamento (CEE) n.° 1780/89 – Regulamento (CEE) n.° 2710/93 – Regulamento (CE) n.° 416/96 – Escoamento dos álcoois obtidos por destilação – Regulamento (CEE) n.° 3390/90 – Adjudicação para a utilização no sector dos combustíveis para motores – Recusa, por parte da Comissão, de alterar certas condições da adjudicação – Força maior – Responsabilidade extracontratual da Comunidade – Admissibilidade»

No processo T-154/01,

Distilleria F. Palma SpA, em liquidação, estabelecida em Nápoles (Itália), representada por F. Caruso, advogado,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por L. Visaggio e C. Cattabriga, na qualidade de agentes, assistidos por A. Dal Ferro, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto um pedido ex artigo 235.° CE e artigo 288.°, segundo parágrafo, CE destinado a obter a reparação do prejuízo pretensamente sofrido devido à alegada ilegalidade do comportamento da Comissão conforme o mesmo resulta da carta dirigida por esta instituição às autoridades italianas em 11 de Novembro de 1996,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),



composto por: J. Pirrung, presidente, A. W. H. Meij e N. J. Forwood, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Dezembro de 2003,

profere o presente



Acórdão




Quadro jurídico e factual

1
Através do Regulamento (CEE) n.° 3390/90, de 26 de Novembro de 1990, relativo à abertura de uma venda por concurso especial, com vista à utilização no sector dos combustíveis para motores na Comunidade, de álcoois de origem vínica na posse dos organismos de intervenção (JO L 327, p. 21), a Comissão abriu o concurso n.° 8/90 CE, para a venda de 1,6 milhões de hectolitros de álcool, repartidos em cinco lotes de 320 000 hectolitros, provenientes das destilações referidas nos artigos 35.°, 36.° e 39.° do Regulamento (CEE) n.° 822/87 do Conselho, de 16 de Março de 1987, que estabelece a organização comum do mercado vitivinícola (JO L 84, p. 1, a seguir «concurso»).

2
O artigo 1.° do Regulamento n.° 3390/90 refere nomeadamente que o álcool colocado à venda pelo concurso se destina a ser utilizado na Comunidade, no sector dos combustíveis para motores.

3
O artigo 3.° do Regulamento n.° 3390/90 dispõe que a venda se realizará em conformidade com o disposto no Regulamento (CEE) n.° 1780/89 da Comissão, de 21 de Junho de 1989, que estabelece as regras de execução relativas ao escoamento dos álcoois provenientes das destilações referidas nos artigos 35.°, 36.° e 39.° do Regulamento n.° 822/87 e detidos pelos organismos de intervenção (JO L 178, p. 1).

4
O artigo 4.° do Regulamento n.° 3390/90 prevê que as condições específicas do concurso constam do anúncio de concurso especial n.° 8/90 CE (JO C 296, p. 14, a seguir «anúncio de concurso»).

5
O artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1780/89, sucessivamente alterado e nomeadamente na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.° 3391/90 da Comissão, de 26 de Novembro de 1990 (JO L 327, p. 23), prevê que o adjudicatário está obrigado a apresentar prova da constituição, junto do organismo de intervenção do Estado‑Membro onde o adjudicatário possui a sua sede geral, da garantia de boa execução que visa assegurar a utilização da totalidade do álcool adjudicado para os fins previstos no anúncio de concurso.

6
Nos termos do artigo 28.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1780/89, na versão em vigor quando da abertura do concurso, e do ponto X do anúncio de concurso, o álcool adjudicado deve ser utilizado no prazo de um ano a contar da data do último levantamento de cada lote de álcool.

7
O artigo 30.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento n.° 1780/89, para o qual remete o ponto I 5, alínea c), do anúncio do concurso, prevê que, para poder ser aceite, uma proposta deve ser apresentada por escrito e incluir o compromisso do proponente de respeitar o conjunto das disposições relativas ao concurso em causa.

8
Na sequência de uma proposta da Distilleria F. Palma SpA [a seguir «Palma», actualmente Fallimento Distilleria F. Palma SpA (Distilleria F. Palma, em liquidação), a seguir «demandante»] num montante de três ecus por hectolitro de álcool a 100% vol., a quantidade de álcool colocada à venda no âmbito do concurso especial n.° 8/90 CE foi‑lhe atribuída, em Janeiro de 1991.

9
No âmbito deste concurso, a Palma constituiu uma garantia bancária junto do Banco San Paolo di Torino em benefício do organismo de intervenção competente, ou seja, a Azienda di Stato per gli interventi nel mercato agricolo (a seguir «AIMA»).

10
A Palma sofreu um certo número de dificuldades para levantar e escoar o álcool adjudicado tendo comunicado tal facto à Comissão. Tendo nomeadamente em conta estas dificuldades, a Comissão adoptou o Regulamento (CEE) n.° 2710/93, de 30 de Setembro de 1993, relativo a determinadas vendas por concurso especial com vista à utilização, nos sectores dos combustíveis para motores na Comunidade, de álcoois de origem vínica na posse dos organismos de intervenção (JO L 245, p. 131).

11
Através do artigo 6.° do Regulamento n.° 2710/93, a Comissão anulou parcialmente o concurso especial n.° 8/90 CE no que respeita aos lotes de álcool ainda não levantados pela Palma, ou seja, três dos cinco lotes adjudicados. A garantia de boa execução relativa a estes três lotes foi liberada.

12
Nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 2710/93, a utilização do álcool dos dois primeiros lotes do concurso especial n.° 8/90 CE (ou seja, 640 000 hectolitros) devia, salvo caso de força maior, estar concluída em 1 de Outubro de 1995.

13
O artigo 3.° do Regulamento n.° 2710/93 dispõe que a garantia de boa execução relativa aos dois primeiros lotes desse concurso será liberada pelo organismo de intervenção quando a totalidade do álcool destes dois lotes tiver sido utilizada no sector dos combustíveis para motores na Comunidade.

14
Não obstante a adopção do Regulamento n.° 2710/93, a Palma viu‑se de novo confrontada com eventos que, segundo a demandante, constituíam importantes obstáculos à execução dos seus compromissos.

15
Por carta de 18 de Setembro de 1995, a Palma pediu à Comissão que lhe concedesse uma nova prorrogação do prazo fixado pelo artigo 2.° do Regulamento n.° 2710/93 para a utilização do álcool. Nessa carta, a Palma invocava circunstâncias pretensamente constitutivas de um caso de força maior, que a teriam impedido de executar plenamente os seus compromissos no prazo fixado.

16
Por carta de 27 de Novembro de 1995, a Palma reiterou o seu pedido de prorrogação do referido prazo, terminado em 1 de Outubro de 1995.

17
Por carta de 19 de Dezembro de 1995, a Comissão informou a Palma de que tomaria posição, a curto prazo, sobre uma eventual prorrogação do prazo de utilização do álcool.

18
A Palma enviou ainda duas notas à Comissão, datadas, respectivamente, de 19 de Dezembro de 1995 e de 5 de Janeiro de 1996, nas quais pedia para ser autorizada a destruir o álcool ainda não utilizado. Este pedido incidia então sobre uma quantidade de 34 000 hectolitros de álcool.

19
Com o Regulamento (CE) n.° 416/96 da Comissão, de 7 de Março de 1996, que altera o Regulamento n.° 2710/93 (JO L 59, p. 5), o prazo para a utilização dos lotes já levantados foi, de novo, reformulado. O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2710/93, com a redacção dada pelo Regulamento n.° 416/96, dispõe:

«Em derrogação do artigo 23.° do Regulamento (CEE) n.° 2220/85 e salvo caso de força maior, se o prazo [1 de Outubro de 1995] referido no artigo 2.° não for respeitado, a garantia de boa execução, de 90 ecus por hectolitro de álcool a 100% vol., será adquirida até:

a)
15% em qualquer caso;

b)
50 % do montante restante após dedução dos 15 % se a utilização referida no mesmo artigo não se verificar antes de 30 de Junho de 1996.

A garantia será adquirida na totalidade em caso de não‑respeito da data de 31 de Dezembro de 1996.»

20
Por nota de 23 de Abril de 1996, o AIMA convidou a Palma a pagar‑lhe uma quantia de 3 164 220 870 liras italianas (ou seja, 1 634 183,70 euros) correspondente, pretensamente, a 15% da garantia de boa execução, porque, em 1 de Outubro de 1995, a totalidade do álcool dos dois primeiros lotes do concurso não tinha sido utilizada no mercado dos combustíveis para motores na Comunidade. Por carta de 3 de Junho de 1996, a Palma contestou a legalidade do pedido do AIMA.

21
Nessa carta, a Palma reiterou igualmente à Comissão o seu pedido de poder proceder à destruição do álcool ainda não utilizado, alegando que esta solução era a mais adequada para garantir o escoamento do álcool sem provocar perturbações do mercado.

22
A Comissão dirigiu uma carta ao AIMA, em 11 de Novembro de 1996, onde expunha o seguinte:

«O pedido da destilaria Palma que tem por objecto a autorização de destruir uma quantidade residual do álcool do concurso especial n.° 8/90 CE, por problemas relacionados com a qualidade do álcool em questão, não pode ser aceite.

É necessário aplicar de modo rigoroso as disposições do Regulamento (CE) n.° 416/96 da Comissão [relativas à perda da garantia].

[…] A Palma está sujeita à obrigação de boa execução, o que significa que o álcool deve ser utilizado no sector dos combustíveis para motores, nas condições previstas no anúncio de concurso e que tal obrigação não se extingue com a perda da garantia. As autoridades nacionais estão obrigadas, eventualmente mediante recurso à execução forçada, a fazer respeitar esta obrigação após a perda da garantia. É absolutamente essencial evitar um desvio do álcool adjudicado para um sector não autorizado pelo anúncio de concurso n.° 8/90 [CE], como por exemplo o sector das bebidas espirituosas […]»

23
Esta carta foi transmitida pelo AIMA à Palma em 3 de Fevereiro de 1997.

24
Por nota de 20 de Novembro de 1996, a Palma reiterou novamente as suas críticas quanto ao pedido do AIMA e propôs colocar o álcool ainda não utilizado à disposição do AIMA, a título gratuito.

25
O AIMA intimou a Palma a pagar‑lhe a totalidade da garantia. A Palma contestou esta intimação nos órgãos jurisdicionais nacionais.

26
Em 9 de Julho de 1999, a Palma foi declarada em estado de falência.


Tramitação processual

27
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Julho de 2001, a demandante intentou a presente acção.

28
Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Segunda Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal Primeira Instância, colocou por escrito questões às partes convidando‑as a responder às mesmas na audiência.

29
As partes foram ouvidas em alegações e nas respostas às questões escritas e orais colocadas pelo Tribunal, na audiência de 17 de Dezembro de 2003.


Pedidos das partes

30
A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

condenar a Comissão a indemnizá‑la pelos prejuízos sofridos;

condenar a Comissão nas despesas.

31
A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar o pedido inadmissível ou improcedente;

condenar a demandante nas despesas.


Questão de direito

32
Sem suscitar uma questão de prévia de inadmissibilidade por requerimento separado, a Comissão contesta a admissibilidade da acção. A este respeito, invoca três fundamentos. O primeiro, invocado a título principal, assenta na incompetência do Tribunal. O segundo assenta na intempestividade da acção e o terceiro na violação do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo. Estes dois últimos são invocados a título subsidiário.

33
A demandante sustenta que a sua acção é admissível.

Quanto ao fundamento de inadmissibilidade assente na incompetência do Tribunal

Argumentos das partes

34
A Comissão alega que o litígio está relacionado, na sua integralidade, à circunstância objectiva de a Palma não ter respeitado a obrigação precisa de utilizar o álcool adquirido no âmbito do concurso especial n.° 8/90 CE e com as consequências desta inexecução. Ora, em sua opinião, a relação jurídica aqui em causa tem natureza contratual. É portanto apenas com base nesta relação contratual que pode haver eventual responsabilidade da Comissão. Por conseguinte, por um lado, a acção é, erroneamente, fundada no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE e, por outro, a mesma não é da competência atribuída, de modo limitativo, ao juiz comunitário com base no artigo 240.° CE (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Julho de 1997, Oleifici italiani/Comissão, T‑44/96, Colect., p. II‑1331, n.° 38).

35
A demandante sustenta que o Tribunal é competente para conhecer do seu pedido porque este visa que seja declarada a responsabilidade extracontratual da Comissão. A este respeito, alega que, contrariamente ao que a Comissão sustenta, a questão controvertida de forma alguma se insere no quadro de uma relação contratual eventualmente existente entre a Palma e essa instituição. No caso vertente, o prejuízo sofrido tem a sua causa na carta de 11 de Novembro de 1996 que, enquanto acto unilateral da Comissão, não é do âmbito da esfera contratual.

36
Além disso, na medida em que indefere, por um lado, os pedidos da Palma relativos à destruição do álcool residual e, por outro, decide a recuperação da garantia constituída no âmbito do concurso n.° 8/90 CE, a carta de 11 de Novembro de 1996 é uma medida que produz efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses da Palma, ao modificar de forma caracterizada a sua situação jurídica (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1990, Automec/Comissão, T‑64/89, Colect., p. II‑367, n.° 42).

Apreciação do Tribunal

37
Considera‑se que a competência do Tribunal para decidir do presente litígio depende da resposta à questão prévia de saber se a responsabilidade em que a Comunidade pode incorrer no caso vertente, devido aos comportamentos imputados à Comissão, é ou não de natureza contratual (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Julho de 1997, Nutria/Comissão, T‑180/95, Colect., p. II‑1317, n.° 28).

38
A este respeito, há que assinalar, antes de mais, que a demandante e a Comissão estão vinculadas por um contrato. Com efeito, resulta do artigo 30.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento n.° 1780/89 que, ao participar no concurso aberto pelo Regulamento n.° 3390/90, a Palma comprometeu‑se expressamente a respeitar todas as disposições relativas a este concurso. Atendendo a estas condições, a Palma apresentou uma proposta de um preço de três ecus por hectolitro de álcool a 100% vol. para os 1,6 milhões de hectolitros de álcool a 100% vol. colocados à venda no âmbito do concurso. Ao atribuir a quantidade de álcool colocada à venda, a Comissão aceitou o preço proposto pela Palma e os outros compromissos desta empresa. Assim, devido à proposta da Palma e à sua aceitação pela Comissão, as disposições pertinentes dos Regulamentos n.os 1780/89 e 3390/90 e do anúncio de concurso bem como o preço proposto pela Palma tornaram‑se as cláusulas de um contrato vinculando as duas partes no presente litígio (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Outubro de 1997, Mutual Aid Administration Services/Comissão, T‑186/96, Colect., p. II‑1633, n.° 39, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Outubro de 2002, Hans Fuchs/Comissão, T‑134/01, Colect., p. II‑3909, n.° 53).

39
Assinale‑se ainda que este contrato foi alterado ulteriormente à sua conclusão. Com efeito, na sequência nomeadamente dos pedidos da Palma, a Comissão adoptou os Regulamentos n.os 2710/93 e 416/96, que anulam parcialmente o concurso e que alteram as condições de utilização do álcool efectivamente vendido bem como as condições de liberação da garantia de boa execução relativa a este álcool. Estas alterações fazem parte integrante do contrato.

40
Há que examinar, em seguida, se os pretensos incumprimentos da Comissão que servem de fundamento à presente acção de indemnização se referem a obrigações que incumbem à Comissão por força desse contrato (v., neste sentido, despacho Mutual Aid Administration Services/Comissão, já referido, n.° 40).

41
São três os incumprimentos alegados pela demandante. Em primeiro lugar, a Comissão não teve em conta a existência de um caso de força maior que eximiria a Palma do seu próprio incumprimento da obrigação de utilizar o álcool efectivamente adjudicado num certo prazo. Daqui resulta uma violação do efeito de escusa de um caso de força maior. Em segundo lugar, a Comissão recusou alterar novamente as condições de utilização do álcool efectivamente vendido, o que constitui uma violação do princípio da proporcionalidade. Em terceiro lugar, a Comissão não fundamentou tal recusa, o que constitui uma violação do dever de fundamentação que incumbe a esta instituição por força do artigo 253.° CE.

42
Em primeiro lugar, quanto à obrigação de a Comissão ter em conta a existência de um caso de força maior, há que considerar que esta obrigação se impõe à Comissão por força do contrato. Com efeito, esta obrigação resulta das disposições contratuais previstas no artigo 2.° do Regulamento n.° 2710/93 bem como no artigo 3.° deste mesmo regulamento, conforme alterado pelo Regulamento n.° 416/96. Por conseguinte, a violação alegada da obrigação de ter em conta um caso de força maior é do âmbito da esfera contratual e só pode, se for caso disso, dar lugar à responsabilidade contratual da Comunidade.

43
Em segundo lugar, quanto à pretensa obrigação de a Comissão aceitar modificar as condições de utilização do álcool efectivamente vendido, porque tais alterações são exigidas pelo princípio da proporcionalidade, há que considerar que, supondo que existe, esta obrigação só se impõe à Comissão por força do contrato.

44
É um facto que o artigo 5.°, terceiro parágrafo, CE, que consagra o princípio da proporcionalidade, rege todos os modos de acção da Comunidade, contratuais ou não.

45
Todavia, por força do princípio pacta sunt servanda que é um princípio fundamental de toda e qualquer ordem jurídica (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1998, Racke, C‑162/96, Colect., p. I‑3655, n.° 49), o contrato concluído entre a Comissão e a Palma é, em princípio, intangível. Assim, a eventual obrigação de a Comissão aceitar uma das alterações do contrato propostas pela Palma só pode resultar do próprio contrato ou dos princípios gerais que regem as relações contratuais, entre os quais figura o princípio da proporcionalidade. A pretensa violação da referida obrigação de alterar o contrato só pode, se for caso disso, dar lugar à responsabilidade contratual da Comunidade.

46
Por fim, no que respeita ao dever de fundamentação, cuja violação é alegada pela demandante, basta assinalar que tal obrigação se impõe à Comissão por força do artigo 253.° CE. Só abrange no entanto os modos de acção unilaterais desta instituição. Não se impõe assim à Comissão por força do contrato que vincula esta instituição à Palma. Por conseguinte, este dever só pode, eventualmente, dar lugar à responsabilidade extracontratual da Comunidade.

47
Do que precede resulta que, além da pretensa violação do dever de fundamentação, a demandante alega em apoio da sua acção de indemnização a violação pela Comissão de obrigações de natureza contratual e que a acção intentada assenta, consequentemente, num fundamento contratual (v., neste sentido, despacho Nutria/Comissão, já referido, n.° 36).

48
Ora, por força das disposições conjugadas dos artigos 225.° CE e 238.° CE, o Tribunal de Primeira Instância só é competente para decidir, em primeira instância, sobre os litígios em matéria contratual submetidos à sua apreciação por pessoas singulares ou colectivas por força de uma cláusula compromissória, situação que aqui não se verifica.

49
Não se pode admitir, no presente litígio, que o recurso ao Tribunal de Primeira Instância pela demandante se possa considerar a expressão da vontade comum de as partes atribuírem ao juiz comunitário competência em matéria contratual, já que a Comissão contesta a competência do Tribunal de Primeira Instância.

50
Na falta de cláusula compromissória na acepção do artigo 238.° CE, o Tribunal não pode, quando lhe é submetida, como no caso vertente, uma acção de indemnização com fundamento no artigo 235.° CE, decidir da acção na medida em que a mesma diz respeito, na realidade, a um pedido de indemnização por perdas e danos de origem contratual. Se assim não fosse, o Tribunal de Primeira Instância alargaria a sua competência jurisdicional para além dos litígios cujo conhecimento lhe é limitativamente reservado pelo artigo 240.° CE, dado que esta disposição confia, pelo contrário, aos órgãos jurisdicionais nacionais a competência de direito comum para conhecer dos litígios em que a Comunidade é parte (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 1987, Rau e o., 133/85 a 136/85, Colect., p. 2289, n.° 10, e despacho Mutual Aid Administration Services/Comissão, já referido, n.° 47).

51
Resulta do que precede que o fundamento de inadmissibilidade assente na incompetência do Tribunal de Primeira Instância deve ser acolhido na medida em que a acção assenta nas pretensas violações, por um lado, da obrigação de ter em conta a eventual existência de um caso de força maior e, por outro, da obrigação alegada de aceitar as alterações do contrato propostas pela Palma em razão do princípio da proporcionalidade.

52
Uma vez que o fundamento de inadmissibilidade invocado a título principal não pode justificar a improcedência da acção na sua integralidade, há que examinar o fundamento de inadmissibilidade assente em violação das disposições do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, na medida em que a demandante denuncia uma violação do dever de fundamentação.

Quanto ao fundamento de inadmissibilidade assente em violação das disposições do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo

Argumentos das partes

53
A Comissão sustenta que a acção é inadmissível na medida em que, contrariamente às exigências do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, não fornece nenhuma indicação concreta e precisa sobre a existência e o montante do dano pretensamente sofrido. Neste contexto, a Comissão não pode identificar o prejuízo em que a demandante se baseia para pedir ressarcimento.

54
Alega ainda a falta de coerência entra a petição e a réplica quanto aos critérios de determinação do dano. Assim, na petição, as despesas de transporte e de armazenagem para as quais a demandante pede reparação foram efectuadas antes da carta de 11 de Novembro de 1996, que a demandante considera, no entanto, a causa do dano alegado. Em contrapartida a réplica refere‑se às despesas de transporte e de armazenagem pretensamente feitas pela Palma em razão da carta de 11 de Novembro de 1996.

55
A demandante sustenta que o seu pedido satisfaz as exigências do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo. Alega aqui que indicou devidamente quais os danos sofridos e que a petição menciona os diferentes aspectos do prejuízo e os critérios de base em que nos devemos fundar para proceder à quantificação do mesmo. Nos termos da jurisprudência, estes elementos bastam para satisfazer as exigências do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 1999, Ismeri Europa/Tribunal de Contas, T‑277/97, Colect., p. II‑1825, n.° 67). Por fim a demandante alega que as críticas formuladas pela Comissão são do âmbito de apreciação da procedência da acção e devem, por conseguinte, ser examinadas no quadro da mesma (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Abril de 1997, Saint e Murray/Conselho e Comissão, T‑554/93, Colect., p. II‑563, n.° 59; de 10 de Julho de 1997, Guérin automobiles/Comissão, T‑38/96, Colect., p. II‑1223, n.° 42, e de 28 de Abril de 1998, Dorsch Consult/Conselho e Comissão, T‑184/95, Colect., p. II‑667, n.° 23).

Apreciação do Tribunal

56
Por força do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo no Tribunal de Primeira Instância em conformidade com o artigo 53.°, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve indicar, nomeadamente, o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos invocados.

57
Tratando‑se de um fundamento de ordem pública, a questão de saber se a petição satisfaz estas exigências pode ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Março de 2002, Joynson/Comissão, T‑231/99, Colect., p. II‑2085, n.° 154).

58
Recorde‑se que a indicação referida no n.° 56, supra, deve ser suficientemente clara e precisa para que o demandado possa preparar a sua defesa e o Tribunal possa decidir a acção, eventualmente sem o apoio de outras informações. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que uma acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que ele se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de uma maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Novembro de 1993, Koelman/Comissão, T‑56/92, Colect., p. II‑1267, n.° 21, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Maio de 1997, Guérin automobiles/Comissão, T‑195/95, Colect., p. II‑679, n.° 20).

59
Para preencher estes requisitos, uma petição que vise a reparação de danos causados por uma instituição comunitária deve conter os elementos que permitam identificar o comportamento que o demandante reprova à instituição, as razões pelas quais considera que existe um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo que afirma ter sofrido, bem como a natureza e a extensão desse prejuízo (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1996, Asia Motor France e o./Comissão, T‑387/94, Colect., p. II‑961, n.° 107).

60
No caso concreto, resulta do exame do primeiro fundamento que o Tribunal de Primeira Instância só é competente para conhecer da pretensa falta de fundamentação da carta de 11 de Novembro de 1996 em que a Comissão recusa aceitar a alteração do contrato proposta pela Palma. Há, assim, no âmbito do exame do primeiro fundamento, que considerar que a crítica feita pela demandante à Comissão se reduz a uma pretensa violação do dever de fundamentação da carta de 11 de Novembro de 1996 que, de qualquer forma, não pode dar lugar à responsabilidade da Comunidade (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1982, Kind/Conselho e Comissão, 106/81, Recueil, p. 2885, n.° 14, e de 30 de Setembro de 2003, Eurocoton e o./Conselho, C‑76/01 P, Colect., p. I‑0000, n.° 98).

61
Resulta da petição que a demandante alega ter sofrido um prejuízo que avalia em 22 mil milhões de liras italianas (11 382 051,78 euros). Todavia, verifica‑se que a petição não contém qualquer indicação sobre as razões pelas quais a demandante considera que existiria um nexo de causalidade entre a pretensa falta de fundamentação da carta de 11 de Novembro de 1996 e o prejuízo que pretende ter sofrido. Com efeito, na fase da petição, a demandante limita‑se a alegar que o pretenso prejuízo é consequência directa e evidente da carta de 11 de Novembro de 1996.

62
Daqui resulta que as exigências do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo não se encontram preenchidas.

63
Visto tudo o que precede, julga‑se a acção inadmissível, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos e argumentos deduzidos pela Comissão no sentido da inadmissibilidade da acção.


Quanto às despesas

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Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená‑la nas despesas, conforme os pedidos da Comissão.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)
A acção é julgada inadmissível.

2)
A demandante é condenada nas despesas.

Pirrung

Meij

Forwood

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Maio de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. Pirrung


1
Língua do processo: italiano.