Language of document : ECLI:EU:T:2009:322

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

10 de Setembro de 2009 (*)

«Auxílios de Estado – Medidas fiscais adoptadas por uma colectividade regional ou local – Reduções das taxas do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas com residência fiscal nos Açores – Decisão que declara o regime de auxílios parcialmente incompatível com o mercado comum e ordena a recuperação dos auxílios pagos – Recurso de anulação – Afectação individual – Admissibilidade – Conceito de auxílio de Estado – Carácter selectivo – Afectação da concorrência – Afectação das trocas intracomunitárias – Igualdade de tratamento – Confiança legítima – Segurança jurídica»

No processo T‑75/03,

Banco Comercial dos Açores, SA, com sede em Ponta Delgada, Açores, representado por C. Botelho Moniz e M. Rosado da Fonseca, advogados,

recorrente,

apoiado por

Banco Espírito Santo dos Açores, SA, com sede em Ponta Delgada, Açores, representado por N. Mimoso Ruiz e F. Ponce de Leão Paulouro, advogados,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por F. Carvalho de Sousa Fialho e V. Di Bucci, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da parte final do artigo 1.º, assim como dos artigos 2.º, 3.º e 4.º da Decisão 2003/442/CE da Comissão, de 11 de Dezembro de 2002, relativa à parte do regime que adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da Região Autónoma dos Açores referente à vertente das reduções das taxas do imposto sobre o rendimento (JO 2003, L 150, p. 52),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, M. Prek e V. M. Ciucă (relator), juízes,

secretário: N. Rosner, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 29 de Janeiro de 2009,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1.     Regulamentação comunitária

1        O artigo 87.º, n.º 1, CE dispõe:

«Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.»

2        O artigo 87.º, n.º 3, CE prevê que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum:

«a) Os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego;

[…]

c) Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum;

[…]»

3        O artigo 299.º, n.º 2, CE enuncia que as disposições do Tratado são aplicáveis aos departamentos franceses ultramarinos, aos Açores, à Madeira e às ilhas Canárias. No entanto, esta disposição prevê que o legislador comunitário pode adoptar medidas específicas destinadas, em especial, a estabelecer as condições de aplicação do Tratado a essas regiões, atendendo a que a sua situação económica e social estrutural é agravada por determinados factores cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o seu desenvolvimento.

4        A Comunicação da Comissão, de 10 de Dezembro de 1998, sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas (JO C 384, p. 3) precisa, no seu ponto 2, que se propõe fornecer esclarecimentos sobre a qualificação de auxílio nos termos do artigo 87.º, n.º 1, CE no caso das medidas fiscais.

5        Segundo o ponto 4.15 das Orientações da Comissão relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JO 1998, C 74, p. 9), conforme alteradas em 9 de Setembro de 2000 (JO C 258, p. 5), são proibidos os auxílios regionais destinados a reduzir as despesas correntes de uma empresa, a saber os auxílios ao funcionamento. No entanto, nos termos do ponto 4.16.2 das referidas Orientações, nas regiões ultraperiféricas que beneficiem da derrogação prevista no n.º 3, alíneas a) e c), do artigo 87.º CE, podem ser autorizados auxílios que não sejam simultaneamente degressivos e limitados no tempo, na medida em que contribuam para compensar os custos adicionais do exercício da actividade económica inerentes aos factores enunciados no n.º 2 do artigo 299.º CE, cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o desenvolvimento destas regiões. Especifica‑se igualmente no ponto 4.16.2 das referidas Orientações que compete ao Estado‑Membro avaliar a importância desses custos e demonstrar a sua correlação com os referidos factores. Por outro lado, os auxílios previstos devem justificar‑se pelo seu contributo para o desenvolvimento regional e pela sua natureza, devendo o respectivo nível ser proporcional aos custos adicionais que visam compensar.

2.     Legislação nacional

6        A Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976 (a seguir «Constituição»), dispõe que «[o]s arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político‑administrativos e de órgãos de governo próprio». Prevê, a este respeito, um conjunto de disposições que regulam os poderes, as atribuições e as competências dessas regiões, bem como os órgãos políticos e administrativos respectivos. Resulta destas disposições que as regiões autónomas dispõem de receitas fiscais próprias, beneficiando ainda de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional. Por outro lado, as assembleias legislativas dessas regiões gozam de competência exclusiva para exercer um poder tributário próprio e para adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nas condições previstas por lei-quadro aprovada pela Assembleia da República.

7        Através da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro de 1998, relativa às finanças das Regiões Autónomas (Diário da República I, série A, n.º 46, de 24 de Fevereiro de 1998, p. 746) (a seguir «Lei n.º 13/98»), o Estado português definiu de forma precisa as condições dessa autonomia financeira. A Lei n.º 13/98 enuncia os princípios e objectivos da autonomia financeira regional, prevê a coordenação das finanças das Regiões Autónomas com as finanças do Estado, estabelece o princípio da solidariedade nacional e a obrigação de cooperação entre o Estado e as Regiões Autónomas.

8        No que respeita à cooperação entre o Estado e as Regiões Autónomas, o artigo 5.º, n.os 1 a 3, da Lei n.º 13/98 dispõe, designadamente:

«1. No cumprimento do dever constitucional e estatutário de solidariedade, o Estado, que deverá ter em conta as suas disponibilidades orçamentais e a necessidade de assegurar um tratamento igual a todas as parcelas do território nacional, participa com as autoridades das Regiões Autónomas na tarefa de desenvolvimento económico, na correcção das desigualdades derivadas da insularidade e na convergência económica e social com o restante território nacional e com a União Europeia.

2. A solidariedade nacional traduz-se, designadamente, no plano financeiro, nas transferências orçamentais previstas no presente diploma e deverá adequar‑se, em cada momento, ao nível de desenvolvimento das Regiões Autónomas, visando sobretudo criar as condições que venham a permitir uma melhor cobertura financeira pelas suas receitas próprias.

3. A solidariedade nacional visa assegurar um princípio fundamental de tratamento igual de todos os cidadãos portugueses e a possibilidade de todos eles terem acesso às políticas sociais definidas a nível nacional, bem como auxiliar a convergência económica e social com o restante território nacional e com a União […], e traduz‑se, designadamente, nas transferências orçamentais a concretizar de harmonia com o disposto no presente diploma.»

9        A Lei n.º 13/98 prevê, por outro lado, que o imposto nacional sobre o rendimento das pessoas singulares e o imposto nacional sobre o rendimento das pessoas colectivas constituem receita das Regiões Autónomas nos termos nela previstos. Nos termos do artigo 37.º da Lei n.º 13/98, as assembleias legislativas regionais estão autorizadas, designadamente, a reduzir as taxas dos impostos sobre o rendimento, aplicáveis nessas regiões, até ao limite de 30% das taxas previstas pela legislação nacional.

 Factos na origem do litígio

10      Por carta de 5 de Janeiro de 2000, as autoridades portuguesas notificaram à Comissão das Comunidades Europeias um regime que adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da Região Autónoma dos Açores. Através do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20 de Janeiro de 1999, Adaptação do sistema fiscal nacional (Diário da República I, série A, n.º 16, p. 323), conforme alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 33/99/A, de 30 de Dezembro de 1999 (a seguir «Decreto 2/99/A»), o órgão legislativo da Região Autónoma dos Açores aprovou as modalidades de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais. O Decreto 2/99/A produziu efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1999 e contém, em especial, uma vertente relativa às reduções das taxas dos impostos sobre o rendimento, que, segundo as autoridades portuguesas, se destinam designadamente a permitir que as empresas instaladas nos Açores superem as desvantagens estruturais decorrentes da sua localização numa região insular e ultraperiférica. Por este motivo, todos os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas devedores do imposto na Região Autónoma dos Açores beneficiam de reduções das taxas desses impostos, no valor de 20% (15% para o ano de 1999) para o primeiro destes impostos e de 30% para o segundo.

11      Este regime, cuja notificação foi efectuada tardiamente, em resposta a um pedido de informações dos serviços da Comissão de 7 de Dezembro de 1999, feito na sequência de artigos que surgiram na imprensa, e que entrou em vigor antes de ser autorizado pela Comissão, foi inscrito no registo dos auxílios não notificados.

12      Por carta de 26 de Abril de 2002, a Comissão informou a República Portuguesa da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no n.º 2 do artigo 88.º CE em relação à parte do regime referente às reduções das taxas do imposto sobre o rendimento, com o fundamento de que as autoridades portuguesas não lhe tinham fornecido elementos suficientes para provar que essas reduções eram, pela sua natureza e pelo seu nível, susceptíveis de atenuar os problemas específicos da Região Autónoma dos Açores, em especial no que diz respeito às actividades móveis, nomeadamente os serviços financeiros e as empresas do tipo «serviços intragrupo» ou «centro de coordenação».

13      Em 11 de Dezembro de 2002, a Comissão adoptou a Decisão 2003/442/CE, relativa à parte do regime que adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da Região Autónoma dos Açores referente à vertente das reduções das taxas do imposto sobre o rendimento (JO 2003, L 150, p. 52) (a seguir «decisão recorrida»).

14      A parte decisória da decisão recorrida compreende designadamente as seguintes disposições:

«Artigo primeiro

A parte do regime que adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da Região Autónoma dos Açores a que se refere a vertente relativa às reduções das taxas do imposto sobre o rendimento, posta em execução com base nos artigos 4.º e 5.º do [Decreto 2/99/A] é compatível com o mercado comum, sob reserva do disposto no artigo 2.º

Artigo segundo

A parte do regime de auxílios referida no artigo 1.º é incompatível com o mercado comum desde que seja aplicável a empresas que exerçam as actividades financeiras previstas na secção J (códigos 65, 66 e 67) da nomenclatura estatística das actividades económicas na Comunidade Europeia (NACE Rev. 1.1), bem como a empresas que exerçam as actividades previstas na secção K, código 74, da mesma nomenclatura, cujo fundamento económico é prestar serviços a outras empresas pertencentes ao mesmo grupo, como centros de coordenação, de tesouraria ou de distribuição.

Artigo terceiro

1. [A República Portuguesa] deve adoptar as medidas necessárias para recuperar, junto das empresas que exercem as actividades mencionadas no artigo 2.º, os auxílios pagos a título da parte do regime de auxílios referida no artigo 1.º.

[...]

Artigo quarto

[A República Portuguesa] deve informar a Comissão, num prazo de dois meses a contar da data da notificação da presente decisão, das medidas tomadas para lhe dar cumprimento.

Artigo quinto

A República Portuguesa é a destinatária da presente decisão.»

 Tramitação processual e pedidos das partes

15      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Fevereiro de 2003, o recorrente, o Banco Comercial dos Açores, SA, interpôs o presente recurso.

16      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 23 de Junho de 2003, o Banco Espírito Santo dos Açores, SA, pediu que fosse autorizada a sua intervenção no presente processo em apoio dos pedidos do recorrente. Por despacho de 30 de Setembro de 2003, o presidente da Segunda Secção Alargada do Tribunal admitiu essa intervenção. O interveniente apresentou as suas alegações, tendo as outras partes apresentado as respectivas observações sobre essas alegações dentro dos prazos fixados.

17      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Julho de 2003, o Government of Gibraltar apresentou um pedido de intervenção no presente processo em apoio dos pedidos do recorrente. Por despacho de 17 de Dezembro de 2003, o presidente da Segunda Secção Alargada do Tribunal indeferiu esse pedido de intervenção.

18      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Maio de 2003, a Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. O recorrente apresentou as suas observações sobre esta excepção em 17 de Julho de 2003. Por despacho do Tribunal de 16 de Janeiro de 2007, a questão prévia de inadmissibilidade foi junta à decisão de mérito e foi reservada para final a decisão quanto às despesas.

19      A convite do Tribunal, as partes apresentaram as suas observações sobre o impacto do acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Setembro de 2006, Portugal/Comissão, (C‑88/03, Colect., p. I‑7115), no presente litígio.

20      Na sequência da alteração da composição das secções do Tribunal de Primeira Instância, o juiz‑relator foi afecto à Quinta Secção Alargada, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído. Nos termos do artigo 14.º do Regulamento de Processo e sob proposta da Quinta Secção Alargada, o Tribunal decidiu, ouvidas as partes, remeter o processo a uma secção de julgamento restrita. O presente processo foi, por conseguinte, atribuído à Quinta Secção.

21      Na base de relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Quinta Secção) decidiu abrir a fase oral do processo. Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 29 de Janeiro de 2009.

22      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        rejeitar a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão;

–        ordenar a junção aos autos dos documentos constantes do processo administrativo que conduziu à adopção da decisão recorrida;

–        anular a última frase do artigo 1.º da decisão recorrida, concretamente a expressão «sob reserva do disposto no artigo 2.º», assim como os artigos 2.º, 3.º e 4.º da decisão recorrida, na medida em que estas disposições se referem às empresas que exercem as actividades financeiras previstas na secção J (códigos 65, 66 e 67) da nomenclatura estatística das actividades económicas na Comunidade Europeia (NACE Rev. 1.1);

–        condenar a Comissão na totalidade das despesas.

23      O interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne anular a parte final do artigo 1.° da decisão recorrida, concretamente a expressão «sob reserva do disposto no artigo 2.º», assim como os artigos 2.º, 3.º e 4.º da decisão recorrida.

24      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        negar provimento ao recurso como infundado;

–        condenar o recorrente e o interveniente nas despesas.

 Questão de direito

1.     Quanto à admissibilidade do recurso

25      Como fundamento da sua questão prévia de inadmissibilidade, a Comissão invoca a inexistência de legitimidade activa do recorrente.

 Argumentos das partes

26      A Comissão reconhece explicitamente que a decisão recorrida diz directamente respeito ao recorrente, na acepção do artigo 230.º, quarto parágrafo, CE, na medida em que este beneficiou de auxílios declarados incompatíveis com o mercado comum e tem obrigação de os restituir. Pelo contrário, a decisão recorrida não diz individualmente respeito ao recorrente, na acepção da referida disposição. Com efeito, segundo a jurisprudência, os recursos interpostos por beneficiários, efectivos ou potenciais, de um regime de auxílios de Estado, contra decisões que declaram tais regimes incompatíveis com o mercado comum e que ordenam a recuperação dos auxílios eventualmente pagos, são inadmissíveis.

27      Em primeiro lugar, a decisão recorrida é um acto de alcance geral, em razão de o seu conteúdo incidir sobre uma medida aplicável a uma ou várias categorias de empresas e não sobre uma medida aplicável a empresas consideradas individualmente. Por um lado, a Comissão não deve em caso algum ter em conta a situação específica de um operador, devendo limitar‑se a examinar em abstracto o regime de auxílios instituído pelo Estado‑Membro. Por outro lado, o facto de a decisão recorrida remeter para uma situação definida no tempo, que ordena a recuperação de auxílios pagos ilegalmente, não indica que a referida decisão designa um círculo fechado de pessoas identificadas ou identificáveis e que perde o seu carácter geral para se transformar num feixe de decisões individuais.

28      Em segundo lugar, a Comissão considera que, se o tribunal comunitário considerou que o carácter geral de um acto não exclui que esse acto possa afectar individualmente determinadas pessoas, a decisão recorrida teve repercussões sobre a situação de todas as empresas que beneficiaram das reduções das taxas do imposto previstas na legislação da Região Autónoma dos Açores e as empresas beneficiárias não podem alegar qualidades que lhes são próprias ou uma situação de facto que as caracteriza em relação a qualquer outra empresa. A Comissão acrescenta que, no momento em que a decisão recorrida foi adoptada, não devia, nem podia, ter em conta as suas consequências sobre a situação específica desta ou daquela empresa.

29      Em terceiro lugar, a Comissão opõe‑se à interpretação da jurisprudência proposta pelo recorrente, segundo a qual, quando uma decisão negativa relativa a um regime de auxílios ilegal ordena a recuperação dos auxílios concedidos com base nesse regime, um beneficiário tem legitimidade para agir contra essa decisão.

30      Primeiro, os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 2000, Alzetta e o./Comissão (T‑298/97, T‑312/97, T‑313/97, T‑315/97, T‑600/97 a T‑607/97, T‑1/98, T‑3/98 a T‑6/98 e T‑23/98, Colect., p. II‑2319), e de 29 de Setembro de 2000, CETM/Comissão (T‑55/99, Colect., p. II‑3207), não expõem expressamente os motivos pelos quais os actos recorridos nesses processos diziam individualmente respeito aos recorrentes. Segundo, o acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão (C‑15/98 e C‑105/99, Colect., p. I‑8855, a seguir «acórdão Sardegna Lines»), explica‑se pelas circunstâncias do caso concreto, a saber o facto de que a recorrente tinha beneficiado da maior parte dos auxílios em causa, facto este que a Comissão conhecia quando se pronunciou sobre o regime de auxílios.

31      Terceiro, a solução adoptada no acórdão Sardegna Lines/Comissão, já referido no n.º 30 supra, não pode ser generalizada a todos os recursos interpostos por beneficiários de auxílios cuja recuperação foi ordenada, quando o regime de auxílios é examinado apenas nas suas modalidades abstractas. Quarto, relativamente às conclusões do advogado‑geral S. Alber proferidas no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão (C‑298/00 P, Colect., p. I‑4087, I‑4092), a Comissão sustenta que a análise do critério destinado a estabelecer quem é individualmente afectado atribui erradamente uma importância decisiva ao facto de os sujeitos de direito interessados no acto, mais precisamente na ordem de recuperação, constituírem um círculo fechado. Seja como for, as medidas controvertidas no caso em apreço não foram executadas por diferentes actos de execução relativamente a cada beneficiário, mas permitiram reduções fiscais aplicáveis automaticamente a qualquer empresa activa nos Açores. O próprio advogado‑geral S. Alber atribuiu um valor decisivo a esta distinção.

32      Quinto, a Comissão salienta, na contestação, que o Tribunal rejeitou, como total ou parcialmente inadmissíveis, 22 recursos interpostos de uma decisão relativa a um regime italiano de auxílios ilegais, em todos os casos em que o Governo italiano anunciara que não procederia à recuperação dos auxílios em questão junto das partes recorrentes (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 2005, Gruppo ormeggiatori del porto di Venezia e o./Comissão, T‑228/00, T‑229/00, T‑242/00, T‑243/00, T‑245/00 a T‑248/00, T‑250/00, T‑252/00, T‑256/00 a T‑259/00, T‑265/00, T‑267/00, T‑268/00, T‑271/00, T‑274/00 a T‑276/00, T‑281/00, T‑287/00 e T‑296/00, Colect., p. II‑787).

33      Em quarto lugar, a Comissão alega que, na medida em que o acórdão Sardegna Lines, já referido no n.º 30 supra, entendeu atribuir uma importância determinante à simples existência de uma ordem de recuperação para efeitos da análise da admissibilidade dos recursos, a Comissão convida respeitosamente o Tribunal a reexaminar esta solução.

34      Primeiro, para garantir o bom funcionamento do mecanismo de controlo dos auxílios estatais é essencial que um beneficiário efectivo de um regime de auxílios não notificado não possa beneficiar de regras processuais mais favoráveis do que um beneficiário potencial de um regime notificado, porque os Estados‑Membros seriam assim incitados a não notificar os auxílios. Segundo, a existência efectiva de uma obrigação de recuperação de auxílios junto das empresas só pode ser determinada no termo de verificações cuja natureza pode variar em função das circunstâncias. Terceiro, admitir a admissibilidade de recursos interpostos pelos beneficiários efectivos de auxílios concedidos no âmbito de um regime não notificado comporta o risco de prejudicar a tutela jurisdicional dessas empresas perante o juiz nacional em conformidade com a jurisprudência do acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Março de 1994, TWD Textilwerke Deggendorf (C‑188/92, Colect., p. I‑833). Na contestação, a Comissão acrescenta que o acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2006, Atzeni e o. (C‑346/03 e C‑529/03, Colect., p. I‑1875) confirma a sua abordagem segundo a qual o recorrente não estava obrigado a interpor um recurso de anulação para evitar um risco de preclusão. A este respeito, na tréplica, a Comissão contesta as diferenças, invocadas pelo recorrente, entre a situação do presente caso e a examinada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Atzeni e o., já referido. Por outro lado, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Maio de 2006, invocado pelo recorrente na réplica, não parece ser conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Quarto, a Comissão alerta que a admissibilidade de recursos interpostos pelos beneficiários efectivos de auxílios concedidos no âmbito de um regime não notificado comporta o risco de provocar uma avalanche de recursos, nos casos em que uma decisão relativa a um regime fiscal favorável ou a qualquer outra redução da carga fiscal venha a beneficiar um grande número de empresas. Quinto, uma extensão da legitimidade para agir dos particulares não parece justificada no plano teórico e pode parecer uma anomalia no quadro da jurisprudência tradicional do juiz comunitário.

35      Na audiência, a Comissão indicou que tinha conhecimento do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Novembro de 2008, Hotel Cipriani e o./Comissão (T‑254/00, T‑270/00, T‑277/00, ainda não publicado na Colectânea, n.º 84), segundo o qual a pertença a um círculo fechado dos beneficiários de um regime de auxílios, obrigados a restituir um auxílio recebido, lhes permite interpor recurso da decisão da Comissão para o Tribunal de Primeira Instância. No entanto, ao mesmo tempo que deixa a decisão à consideração do Tribunal, a Comissão questionou a aplicação deste critério a uma situação em que a aprovação desse regime não é seguida a nível nacional, como no presente caso, de actos individuais de concessão do auxílio, ao contrário do que sucedeu no processo que deu origem ao acórdão Itália/Comissão, já referido no n.º 31 supra, citado pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão Hotel Cipriani e o./Comissão, já referido.

36      Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal, a Comissão indicou que confirma que o recorrente beneficiou da medida de auxílio em causa, tendo esta declaração da Comissão ficado lavrada na acta da audiência.

37      O recorrente contesta os argumentos apresentados pela Comissão, segundo a qual a decisão recorrida não lhe diz individualmente respeito. Quanto a este aspecto, indica que é uma instituição financeira, cuja actividade corresponde ao código 65.12. da secção J da nomenclatura estatística das actividades económicas na Comunidade Europeia, que tem sede nos Açores e que, em função dos resultados dessa actividade, é tributado em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Precisa ainda que o Governo Regional dos Açores lhe notificou a decisão recorrida, através do ofício n.º 4936, de 18 de Dezembro de 2002, da Direcção Regional dos Assuntos Europeus da Secretaria Regional da Presidência para as Finanças e Planeamento. Nesse ofício, é indicado que a decisão recorrida implica o início imediato do procedimento de recuperação das importâncias não recebidas pelo erário público a título do regime em causa, a efectuar pela administração fiscal. Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal na audiência, o recorrente indicou que o procedimento de recuperação estava em curso junto da autoridade fiscal portuguesa, tendo esta declaração do recorrente ficado lavrada na acta da audiência. Na audiência, o recorrente evocou igualmente o n.º 84 do acórdão Hotel Cipriani e o./Comissão, já referido no n.º 35 supra, que veio precisar o acórdão Sardegna Lines, já referido no n.º 30 supra.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

38      Nos termos do artigo 230.º, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor, nas mesmas condições, recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

39      No presente caso, é facto assente que a destinatária da decisão recorrida é a República Portuguesa e não o recorrente. Há por conseguinte que verificar se a decisão recorrida lhe diz directa e individualmente respeito.

40      Quanto à afectação directa do recorrente, deve sublinhar‑se que a Comissão reconhece que, no presente caso, a decisão recorrida diz directamente respeito ao recorrente.

41      Quanto à afectação individual do recorrente, nos termos de jurisprudência assente, as pessoas que não são destinatárias de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se essa decisão as afectar devido a certas qualidades que lhes são próprias ou a uma situação de facto que as caracteriza em relação a qualquer outra pessoa, e assim os individualiza de maneira análoga à do destinatário dessa decisão (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect., 1962‑1964, p. 279, p. 284, e Sardegna Lines, já referido no n.º 30 supra, n.º 32).

42      O Tribunal de Justiça considerou, assim, que uma empresa não pode, em princípio, impugnar uma decisão da Comissão que proíbe um regime de auxílios sectorial se essa decisão apenas lhe diz respeito em virtude de pertencer ao sector em questão e da sua qualidade de potencial beneficiário do referido regime. Com efeito, esta decisão apresenta‑se, em relação à empresa recorrente, como uma medida de alcance geral que se aplica a situações determinadas objectivamente e que comporta efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de modo geral e abstracto (v. acórdão Itália/Comissão, já referido no n.º 31 supra, n.º 37, e jurisprudência citada).

43      Há que referir que a decisão recorrida não identifica a ou as empresa(s) beneficiária(s) do auxílio em causa. Resulta da leitura conjunta dos artigos 1.º e 2.º da decisão recorrida que, nesta decisão, a Comissão declara incompatível com o mercado comum a parte do regime, que adapta o sistema fiscal nacional às especificidades da Região Autónoma dos Açores, a que se refere a vertente relativa às reduções das taxas do imposto sobre o rendimento, executada nos termos dos artigos 4.º e 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, na medida em que a referida parte do regime é aplicável às empresas que exerçam actividades financeiras previstas na secção J (códigos 65, 66 e 67) da nomenclatura estatística das actividades económicas na Comunidade Europeia (NACE Rev. 1.1), bem como às empresas que exerçam as actividades previstas na secção K, código 74, da mesma nomenclatura, cujo fundamento económico consiste em prestar serviços a outras empresas pertencentes ao mesmo grupo, como centros de coordenação, de tesouraria ou de distribuição. Por conseguinte, a decisão recorrida aplica‑se a situações determinadas objectivamente e comporta efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de modo geral e abstracto, na acepção da jurisprudência acima referida.

44      No entanto, há que recordar que nos n.os 34 e 35 do acórdão Sardegna Lines, já referido no n.° 30 supra, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que a decisão em causa dizia respeito à Sardegna Lines não só enquanto empresa do sector do transporte marítimo da Sardenha, potencialmente beneficiária do regime de auxílios aos armadores sardos, mas também enquanto beneficiária efectiva de um auxílio individual concedido ao abrigo desse regime e cuja recuperação fora ordenada pela Comissão, a referida decisão lhe dizia individualmente respeito, pelo que era admissível o recurso que tinha interposto dessa decisão (acórdão Itália/Comissão, já referido no n.º 31 supra, n.os 38 e 39, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Setembro de 2007, Salvat père & fils e o./Comissão, T‑136/05, Colect., p. II‑4063, n.º 69).

45      Há por conseguinte que verificar se o recorrente é beneficiário efectivo de um auxílio individual concedido ao abrigo de um regime de auxílios sectorial e cuja recuperação foi ordenada pela Comissão.

46      A este respeito, é facto assente que o recorrente exerce actividades financeiras, como as referidas no artigo 2.º da decisão recorrida, e que é sujeito passivo de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas na Região Autónoma dos Açores, pelo que beneficiou da medida em causa, facto este que, de resto, a Comissão reconheceu na audiência. Por outro lado, resulta do artigo 3.º da decisão recorrida que a Comissão ordenou a recuperação dos auxílios pagos, ao abrigo da medida em causa, junto das empresas que exercem actividades financeiras mencionadas no artigo 2.º desta decisão. A este respeito, o recorrente indicou na audiência que o procedimento de recuperação estava em curso, facto que a Comissão não contestou.

47      O recorrente é, portanto, beneficiário efectivo de auxílios individuais cuja restituição foi solicitada. Por conseguinte, a decisão recorrida diz individualmente respeito ao recorrente.

48      O presente recurso é, consequentemente, admissível.

2.     Quanto ao mérito

49      O recorrente invoca cinco fundamentos, relativos, respectivamente, a um erro de direito na aplicação do artigo 87.º, n.º 1, CE, a um erro de facto, à não fundamentação da decisão recorrida, a uma violação do princípio da igualdade de tratamento, e a uma violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima.

50      Na réplica, o recorrente declarou que retirava o terceiro fundamento de anulação, relativo a falta de fundamentação da decisão recorrida. Na audiência, o recorrente confirmou a retirada deste fundamento, tendo essa declaração ficado lavrada na acta da audiência.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito na aplicação do artigo 87.º, n.º 1, CE

51      O recorrente, apoiado pelo interveniente, alega, numa primeira vertente, a inexistência de carácter selectivo da medida em causa e, numa segunda vertente, a não afectação da concorrência e das trocas intracomunitárias.

 Argumentos das partes

52      Em apoio da questão prévia invocada ao abrigo do artigo 114.º do Regulamento de Processo, a Comissão alega que este primeiro fundamento, relativo à qualificação da medida em causa como auxílio, é inadmissível. Uma vez que o recorrente pede a anulação da parte final do artigo 1.º da decisão recorrida, bem como dos artigos 2.º a 4.º da decisão recorrida, o petitum da petição inicial não abrange a referida qualificação. A sua nova formulação, na réplica, é manifestamente inadmissível, na medida em que alarga o petitum inicial.

53      A Comissão sustenta que, não havendo elementos novos ou diferentes dos que foram apresentados ao Tribunal de Justiça, este fundamento deve ser julgado improcedente no seu conjunto, baseando‑se no acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra, proferido no processo conexo intentado pela República Portuguesa.

54      No que respeita ao carácter selectivo da medida em causa, o Tribunal de Justiça rejeitou, nos n.os 52 a 85 do acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra, os argumentos semelhantes apresentados pelo Governo português. Além disso, o recorrente argumenta, na réplica e contrariando as suas observações apresentadas no seguimento daquele acórdão, que os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça deveriam tê‑lo conduzido a uma solução diferente no caso então em apreço. Ora, o Tribunal de Justiça indicou, designadamente, de forma muito clara nos n.os 70 a 76 do acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra, que a Região Autónoma dos Açores não assumia as consequências financeiras da medida em questão. Na audiência, a Comissão sustentou, respondendo à argumentação do recorrente relativa ao artigo 30.º da Lei n.º 13/98, que, no que respeita ao critério da compensação orçamental, esse acórdão do Tribunal de Justiça identificou e analisou as disposições de direito nacional relevantes para determinar as consequências da redução das receitas fiscais.

55      Quanto à não afectação da concorrência e das trocas intracomunitárias, as posições assumidas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra (n.os 88 a 92), respeitantes ao fundamento invocado pelo Governo português relativo a uma alegada insuficiência de fundamentação, permitem julgar este primeiro fundamento improcedente, ainda que diga respeito à questão da aplicação do artigo 87.º CE.

56      Respondendo à Comissão, que invocou a inadmissibilidade deste primeiro fundamento, o recorrente sustenta que o petitum da petição inicial tem por objecto a decisão recorrida e que o âmbito do seu pedido deve ser considerado à luz dos fundamentos invocados para demonstrar que o recorrente é directa e individualmente afectado pela decisão recorrida. Por outro lado, o Tribunal tem de analisar a qualificação da medida controvertida como auxílio, na acepção do artigo 87.º, n.º 1, CE, antes de fiscalizar a aplicação em concreto, pela Comissão, dos artigos 87.º CE e 88.º CE. No petitum, o recorrente limita‑se a requerer ao Tribunal que fiscalize o erro manifesto cometido pela Comissão no exercício das amplas competências de aplicação dos artigos 87.º CE e 88.º CE (acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra, n.º 99).

57      Quanto à falta de carácter selectivo da medida em causa, o recorrente alega que a referida medida não pode ter carácter selectivo, uma vez que se insere na economia geral do sistema fiscal português e tem por objecto o enquadramento de situações que, em termos objectivos, justificam um tratamento próprio.

58      Em primeiro lugar, o recorrente recorda o enquadramento jurídico‑constitucional em que a medida nacional se insere. Na definição do sistema fiscal português, o Estado prossegue o objectivo de promoção da justiça social, assegurando a igualdade de oportunidades e operando as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal. De acordo com o artigo 229.º da Constituição, o desenvolvimento económico e social das Regiões Autónomas, em especial a correcção das desigualdades derivadas da insularidade, constitui uma das obrigações dos órgãos de soberania portugueses, através de uma cooperação estreita com os órgãos de Governo de cada Região Autónoma. A prossecução desse desenvolvimento, e a promoção e defesa dos interesses regionais, tal como previstos no artigo 225.º da Constituição, implicaram o reconhecimento de um estatuto de autonomia financeira da Região Autónoma dos Açores, aprovado através da Lei n.º 13/98. O recorrente recorda a possibilidade, prevista nessa lei, de uma taxa reduzida de tributação do rendimento, aplicada nas regiões autónomas, e a adopção, pelo órgão legislativo da Região Autónoma dos Açores, do Decreto 2/99/A, que estabelece as modalidades de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais.

59      Em segundo lugar, para qualificar a medida em causa, a Comissão devia ter analisado o alcance do critério da repartição espacial de competências e verificado a justificação da atribuição de competência legislativa aos órgãos de Governo da Região Autónoma dos Açores, com o intuito de acautelar as especificidades reconhecidas pelo artigo 225.º da Constituição e pelo artigo 299.º CE.

60      Por um lado, uma vez que a habilitação concedida pelo legislador nacional ao legislador regional teve na sua base o regime jurídico‑constitucional de autonomia regional que está em vigor desde 1976, o recorrente contesta o risco, evocado no considerando 27 da decisão recorrida, de uma modificação na repartição interna das competências para evitar a aplicação, numa parte do território, das disposições comunitárias em matéria de auxílios de Estado.

61      Por outro lado, a natureza e a economia do sistema, que, segundo o Tribunal de Justiça, podem justificar um tratamento diferenciado em relação à regulamentação de aplicação geral, referem‑se à existência de uma situação material diferente, e não a elementos formais, como o grau de autonomia da entidade territorial em questão. No entanto, na decisão recorrida, a Comissão só adoptou o critério de uma situação material diferente ao analisar a medida em causa na parte aplicável às empresas que operam fora do sector financeiro. Ora, é devido à sua situação económica e social estrutural que os Açores são qualificados como «região ultraperiférica» nos termos do artigo 299.º, n.º 2, CE e que o artigo 229.º, n.º 1, da Constituição estabelece como incumbência prioritária do Estado, designadamente, a correcção das desigualdades derivadas da insularidade. O Decreto 2/99/A é um acto de aplicação geral e abstracto, destinado a todos os entes económicos que exercem a sua actividade nos Açores, uma vez que tem por objectivo corrigir as desigualdades estruturais dessa Região, que resultam da sua localização ultraperiférica e afectam todas as entidades devido à sua localização nesse território. Por conseguinte, a distinção efectuada pela Comissão entre as empresas que desenvolvem a sua actividade nos Açores, consoante pertencem ao sector financeiro ou aos restantes sectores, não tem qualquer base legal, quer no plano da ordem constitucional portuguesa quer no plano da ordem jurídica comunitária.

62      Em terceiro lugar, o recorrente, na réplica, citando os n.os 57 e 58 do acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra, sustenta que, para apreciar a medida em causa, o território da Região Autónoma dos Açores constitui o território relevante, independentemente da existência de medidas de solidariedade financeira, uma vez que esta região ultraperiférica está dotada de um regime constitucional de autonomia legislativa. A este respeito, o recorrente interroga‑se sobre a aplicação do critério de aferição da selectividade de uma medida infra‑estatal, como consta dos n.os 67 e 68 desse acórdão, quando se trate de regiões ultraperiféricas. Com efeito, existem circunstâncias objectivas, reconhecidas pelo direito comunitário, que conduzem à conclusão de que as condições económicas existentes nas regiões ultraperiféricas são estruturalmente distintas das existentes no restante território do Estado‑Membro em causa. É da própria natureza das regiões ultra‑periféricas a necessidade de mecanismos de solidariedade financeira, como os previstos na Constituição e na lei portuguesa em relação à Região Autónoma dos Açores.

63      Em quarto lugar, na audiência, o recorrente sustentou que, desde o acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra, o juiz comunitário precisou que a constatação da inexistência de autonomia económica e financeira de uma região implica que seja determinada a existência de um nexo de causa e efeito entre a redução das receitas decorrente da medida regional e a transferência de recursos financeiros provenientes do Governo central para região em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2008, Unión General de Trabajadores de la Rioja, C‑428/06, ainda não publicado na Colectânea, n.º 129, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 2008, Government of Gibraltar e Reino Unido/Comissão, T‑211/04 e T‑215/04, ainda não publicado na Colectânea, n.os 106 e 107). Ora, se em 2006 o Tribunal de Justiça tivesse aplicado esta precisão, teria concluído que o regime de financiamento consagrado pela Lei n.º 13/98 não permite estabelecer essa relação de causa a efeito. Na realidade, a fórmula de cálculo do montante das transferências financeiras do Estado para a Região Autónoma dos Açores, prevista no artigo 30.º da Lei n.º 13/98, toma em consideração os índices de desenvolvimento e os programas de investimento da administração, mas não o montante das receitas fiscais da referida Região.

64      No que respeita à não afectação da concorrência e das trocas intracomunitárias, a Comissão não demonstrou que a medida em causa afecta as referidas trocas, sendo necessário analisar o efeito de um auxílio sobre a posição de um agente económico por comparação com a de outros concorrentes no mesmo mercado. Na decisão recorrida, a Comissão parece considerar que um auxílio distorce sempre a concorrência, quando, segundo jurisprudência assente, deve pelo menos ser realizada uma análise quantitativa do auxílio em causa. A este respeito, os únicos elementos quantificados, na decisão recorrida, relativos à determinação do benefício médio que a medida em causa acarreta para cada empresa, a saber 7 050 EUR por ano, situam‑se muito abaixo do limiar constante do Regulamento (CE) n.° 69/2001, da Comissão, de 12 de Janeiro de 2001, relativo à aplicação dos artigos 87.°[CE] e 88.° [CE] aos auxílios de minimis (JO L 10, p. 30). Por último, ainda que, num determinado caso, as circunstâncias em que o auxílio é concedido sejam suficientes para demonstrar que o auxílio é capaz de afectar as trocas intracomunitárias e distorcer a concorrência, a Comissão devia ter pelo menos indicado, na decisão recorrida, essas circunstâncias no presente caso.

65      O interveniente apoia a argumentação do recorrente e acrescenta que é conveniente analisar a aplicabilidade do Regulamento n.º 69/2001 ao presente caso. Na medida em que o Governo português não alegou essa aplicabilidade, o Tribunal de Justiça limitou‑se, no seu acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.° 19 supra, a apreciar a suficiência da fundamentação da decisão recorrida no que respeita à afectação do comércio entre os Estados‑Membros e da concorrência, à luz das exigências do artigo 253.° CE.

 Apreciação do Tribunal

66      Há que examinar, em primeiro lugar, a admissibilidade do primeiro fundamento, contestada pela Comissão.

–       Quanto à admissibilidade do primeiro fundamento

67      Resulta da petição inicial que o recorrente contesta com este primeiro fundamento, relativo a um erro de direito na aplicação do artigo 87.º, n.º 1, CE, a qualificação do regime de reduções da taxa do imposto em causa, na parte aplicável ao sector financeiro, como auxílio na acepção do referido artigo. Por conseguinte, os pedidos do recorrente devem ser entendidos como tendo por objectivo a anulação da decisão recorrida também na parte em que esta qualifica o regime de auxílios em causa como auxílio na acepção do artigo 87.º, n.º 1, CE.

68      O primeiro fundamento, relativo a um erro de direito na aplicação do artigo 87.º, n.º 1, CE, é, por conseguinte, admissível.

–       Quanto ao alegado carácter geral e não selectivo da medida

69      Em primeiro lugar, há que salientar que o recorrente contesta a análise da Comissão que conduz a distinguir, entre as empresas que exercem a sua actividade na Região Autónoma dos Açores, as que operam no sector financeiro das que operam noutros sectores. Com efeito, só para esta segunda categoria de empresas é que a Comissão tomou em consideração a necessidade de corrigir as desigualdades estruturais ligadas à insularidade desta região.

70      No entanto, há que constatar que, no considerando 34 da decisão recorrida, a Comissão qualificou a medida em causa como auxílio de Estado, independentemente do sector a que a medida se aplique. Em contrapartida, ao analisar a compatibilidade da medida em causa com o mercado comum, a Comissão distinguiu, em seguida, o sector financeiro do sector não financeiro. Deste modo, os argumentos do recorrente relativos à violação do artigo 87.º, n.º 1, CE pelo facto de a Comissão ter, na decisão recorrida, distinguido as empresas que operam no sector financeiro das que operam no sector não financeiro devem ser julgados improcedentes.

71      Em segundo lugar, o recorrente, apoiado pelo interveniente, alega que a Comissão devia ter analisado o alcance do critério da repartição espacial de competências e verificado a justificação da atribuição de competência legislativa aos órgãos de Governo da Região Autónoma dos Açores. O recorrente contesta o carácter selectivo da medida em causa, que se insere na economia geral do sistema fiscal português e que tem por objecto o enquadramento de situações que, em termos objectivos, justificam um tratamento próprio.

72      Refira‑se que estes argumentos do recorrente relativos ao pretenso carácter geral da medida em causa, ao seu exame no âmbito geográfico da Região Autónoma dos Açores e à sua justificação pela natureza ou pela economia do sistema fiscal português são semelhantes aos argumentos do Governo Português examinados pelo Tribunal de Justiça no processo paralelo que deu origem ao acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra (n.os 38 a 41).

73      Ora, importa referir que o Tribunal de Justiça julgou esses argumentos improcedentes, nos n.os 52 a 85 desse acórdão.

74      O Tribunal de Justiça começou por indicar a forma como deve ser definido o quadro jurídico pertinente para examinar o carácter selectivo de uma medida como a que está em causa na decisão recorrida. Na situação em que uma autoridade regional ou local adopta, no exercício de poderes suficientemente autónomos em relação ao poder central, uma taxa de imposto inferior à taxa nacional e aplicável unicamente às empresas presentes no território sob jurisdição dessa autoridade, o Tribunal de Justiça indicou que o quadro jurídico pertinente para apreciar a selectividade da medida poderia limitar‑se à zona geográfica em questão no caso de a entidade infra‑estatal, designadamente em razão do seu estatuto e dos seus poderes, desempenhar um papel fundamental na definição do contexto político e económico em que operam as empresas presentes no território sob sua jurisdição (n.os 58, 65 e 66). O Tribunal de Justiça definiu então três critérios para que se possa considerar que uma decisão, tomada em tais circunstâncias, foi adoptada no exercício de poderes suficientemente autónomos (n.os 67 e 68).

75      Em seguida, o Tribunal de Justiça examinou se a decisão do Governo da Região Autónoma dos Açores de exercer o seu poder de redução das taxas do imposto nacional sobre o rendimento, para permitir aos operadores económicos da região ultrapassar os inconvenientes estruturais decorrentes da sua localização insular e ultraperiférica, foi adoptada no respeito desses três requisitos, tendo concluído que tal não foi o caso (n.os 69 a 77). O Tribunal de Justiça concluiu então que a selectividade da medida em causa deve ser apreciada em relação ao conjunto do território português e que, nesse quadro, é selectiva (n.os 78 e 79).

76      Por último, o Tribunal de Justiça considerou que a Comissão concluiu com razão, no considerando 33 da decisão recorrida, que a diferenciação em matéria de encargos resultante das reduções das taxas de imposto em causa não se justifica pela natureza ou pela economia do sistema fiscal português (n.os 80 a 84). O Tribunal de Justiça considerou, designadamente, que embora seja verdade que as desvantagens ligadas à insularidade dos Açores podem, em princípio, afectar qualquer operador económico, independentemente da sua situação financeira, o simples facto de o sistema fiscal regional estar concebido de forma a assegurar a correcção de tais desigualdades não permite considerar que qualquer benefício fiscal concedido pelas autoridades da Região Autónoma dos Açores seja justificado pela natureza e pela economia do sistema fiscal nacional (n.os 80 a 84). O facto de se actuar com base numa política de desenvolvimento regional ou de coesão social não basta para que uma medida adoptada no quadro de tal política possa ser considerada justificada por esse simples facto.

77      Embora, na réplica, o recorrente questione a aplicação do critério de aferição da selectividade de uma medida infra‑estatal, como consta dos n.os 67 e 68 do acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.° 19 supra, quando se trate de regiões ultraperiféricas, que, pela sua própria natureza, têm necessidade da adopção e execução de mecanismos de solidariedade financeira como os previstos na Constituição e na lei portuguesa em relação aos Açores, há no entanto que referir que o recorrente não apresenta nenhum argumento que não tenha sido apresentado ao Tribunal de Justiça.

78      Em terceiro lugar, o recorrente sustentou, na audiência, que desde o acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra, o juiz comunitário precisou que a constatação da inexistência de autonomia económica e financeira da região em causa implica que seja determinada a existência de um nexo de causa e efeito entre a redução das receitas decorrente da medida regional e a transferência de recursos financeiros provenientes do Governo central para região em causa. Ora, baseando‑se no artigo 30.º da Lei n.º 13/98, o recorrente alega que o regime de financiamento consagrado na referida lei não permite estabelecer essa relação de causa a efeito.

79      A este respeito, recorde‑se que o Tribunal de Justiça salientou, no n.º 71 do acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra, que o Governo português não demonstrou que a Região Autónoma dos Açores não recebe nenhum financiamento do Estado para compensar a redução de receitas fiscais eventualmente decorrente das reduções das taxas de imposto.

80      Segundo o Tribunal de Justiça, o princípio constitucional da solidariedade nacional foi precisado e aplicado pelo artigo 5.°, n.º 1, e pelo artigo 32.º da Lei n.º 13/98 no âmbito da adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais. Por outro lado, o Tribunal de Justiça sublinhou, como reconhece o Governo português, que foi enquanto corolário deste edifício constitucional e legal que o Decreto n.° 2/99/A procedeu à adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais (n.os 72 a 74).

81      O Tribunal de Justiça refere em seguida, no n.º 75 desse acórdão, que, embora a diminuição de receitas fiscais eventualmente decorrente, para a Região dos Açores, das reduções das taxas de imposto em causa possa afectar a realização do objectivo, reconhecido pelo Governo português, de correcção das desigualdades em matéria de desenvolvimento económico, essa diminuição é, de qualquer modo, compensada por um mecanismo de financiamento gerido a nível central, expressamente previsto no artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 13/98, sob a forma de transferências orçamentais.

82      O Tribunal de Justiça concluiu, no n.º 76 desse acórdão, que os dois aspectos da política fiscal do Governo regional, ou seja, por um lado, a decisão de diminuir a pressão fiscal regional, exercendo o seu poder de redução das taxas do imposto sobre o rendimento, e, por outro, o cumprimento da sua missão de correcção das desigualdades decorrentes da insularidade, estão indissociavelmente ligados e dependem, do ponto de vista financeiro, das transferências orçamentais geridas pelo Governo central.

83      Por conseguinte, contrariamente ao que o recorrente afirma, a correlação entre a decisão do Governo da Região Autónoma dos Açores de diminuir a pressão fiscal regional, exercendo o seu poder de redução das taxas do imposto em causa, e as transferências orçamentais, geridas pelo Governo central, foi tomada em consideração pelo Tribunal de Justiça quando concluiu, no n.º 77 do acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra, que a Região Autónoma dos Açores não assume as consequências financeiras da decisão do seu governo de exercer o seu poder de redução das taxas do imposto nacional sobre os rendimentos.

84      Por outro lado, esta conclusão não pode ser posta em causa pela argumentação desenvolvida pelo recorrente, na parte em que invoca mais especificamente o artigo 30.º da Lei n.º 13/98, que prevê a fórmula de cálculo das transferências orçamentais do Governo central para a Região Autónoma dos Açores. Com efeito, mesmo que esta argumentação, apresentada pela primeira vez na audiência, sem no entanto resultar de elementos de direito ou de facto revelados durante o processo, pudesse ser tomada em consideração pelo Tribunal, teria de ser afastada. Há que referir que a referida fórmula toma em consideração diversos parâmetros, entre os quais se incluem o valor dos projectos do programa de investimento e das despesas de desenvolvimento da administração central, com financiamento nacional, o valor desses projectos a realizar nos Açores e um coeficiente de correcção específico para esta região. Deste modo, o recorrente não provou que esta fórmula de cálculo, precisada na própria lei que permite reduzir as taxas de tributação sobre o rendimento aplicáveis na Região Autónoma dos Açores, não toma em consideração, num dos seus parâmetros, a eventual diminuição das receitas decorrente da medida regional, de forma a não afectar a realização do objectivo, reconhecido pelo Governo português, de correcção das desigualdades resultantes da insularidade.

85      Atendendo ao exposto, a primeira parte do primeiro fundamento é julgada improcedente.

–       Quanto ao impacto da medida em causa nas trocas intracomunitárias e na concorrência

86      Recorde‑se que, para efeitos da qualificação de uma medida como auxílio de Estado, não é necessário demonstrar a incidência real do auxílio nas trocas comerciais entre Estados‑Membros e a distorção efectiva da concorrência, mas apenas examinar se o auxílio é susceptível de afectar essas trocas e de falsear a concorrência. Em especial, quando um auxílio concedido por um Estado‑Membro reforça a posição de uma empresa relativamente às demais empresas concorrentes nas trocas comerciais intracomunitárias, deve entender‑se que estas últimas são influenciadas pelo auxílio (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, Colect., p. I‑289, n.os 140 e 141, e jurisprudência citada).

87      Além disso, não é necessário que a própria empresa beneficiária participe nas trocas comerciais intracomunitárias. De facto, quando um Estado‑Membro concede um auxílio a uma empresa, a produção interna pode ser mantida ou aumentada, daí resultando que as hipóteses de as empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros penetrarem no mercado deste Estado‑Membro são diminuídas. Além disso, um reforço de uma empresa que, até então, não participava nas trocas comerciais intracomunitárias pode colocá‑la numa situação que lhe permita entrar no mercado de outro Estado‑Membro (v. acórdão Cassa di Risparmio di Firenze e o., já referido no n.º 86 supra, n.º 143, e jurisprudência citada).

88      Resulta do considerando 24 da decisão recorrida que a Comissão, em conformidade com a jurisprudência acima referida, examinou se a medida em causa era susceptível de falsear a concorrência e afectar as trocas intracomunitárias. Para fundamentar a sua conclusão neste sentido, a Comissão baseou‑se no facto de que, atendendo às características do sistema em causa e ao âmbito geral das reduções das taxas do imposto que o mesmo sistema implica uma vez que essas reduções se aplicam a todos os sectores económicos dos Açores, pelo menos uma parte das empresas abrangidas pela referida medida exercerá uma actividade que é objecto de trocas comerciais entre os Estados‑Membros.

89      Estas constatações são suficientes, nos termos da jurisprudência acima referida nos n.os 86 e 87, para fundamentar a conclusão da Comissão sobre o impacto da medida em causa nas trocas intracomunitárias e na concorrência.

90      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelos argumentos do recorrente e do interveniente segundo as quais o reduzido montante dos auxílios tem como consequência que sendo inferior ao limiar constante do Regulamento n.º 69/2001, a medida em causa não é susceptível de afectar o comércio intracomunitário.

91      Com efeito, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, a importância relativamente fraca de um auxílio ou a dimensão relativamente modesta da empresa beneficiária não excluem a priori a eventualidade de as trocas comerciais entre Estados‑Membros serem afectadas (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Julho de 2005, Xunta de Galicia, C‑71/04, Colect., p. I‑7419, n.º 41, e jurisprudência citada, e do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Vlaams Gewest/Comissão, T‑214/95, Colect., p. II‑717, n.º 48, e jurisprudência citada). De qualquer modo, há que constatar que os valores, mencionados pelo recorrente, que figuram no considerando 37 da decisão recorrida, estão definidos em termos médios e dizem apenas respeito a uma parte das empresas beneficiárias, a saber, as que não operam no sector financeiro.

92      Por outro lado, o interveniente acusa a Comissão de não ter examinado, na decisão recorrida, a medida em causa à luz do conceito dos auxílios de minimis. No entanto, há que salientar que, no considerando 44 da decisão recorrida, a Comissão especifica que auxílios individuais concedidos ao abrigo do regime de auxílios examinado podem, eventualmente, ser abrangidos pelas regras de minimis. Há ainda que recordar que, ao analisar um regime de auxílios e não auxílios individuais, a Comissão não estava obrigada a examinar cada caso específico de aplicação do regime que não tivesse ultrapassado o montante máximo de auxílio de minimis fixado no Regulamento n.º 69/2001 (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C‑148/04, Colect., p. I‑11137, n.º 69).

93      Atendendo ao exposto, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento e, conseguinte, o primeiro fundamento na totalidade.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de facto

 Argumentos das partes

94      O recorrente, apoiado pelo interveniente, alega que a decisão recorrida assenta no pressuposto de que as desvantagens estruturais, que afectam os agentes económicos que desenvolvem a sua actividade nos Açores, e que justificam, segundo a Comissão, o regime de reduções da taxa do imposto sobre o rendimento, valem para todas as empresas, menos para as empresas do sector financeiro. Esta assunção não se baseia em quaisquer dados de natureza económica e não é objecto de qualquer explicação na decisão recorrida.

95      Em primeiro lugar, as empresas do sector financeiro, como as dos outros sectores de actividade, são afectadas pelas desvantagens estruturais, reconhecidas na decisão recorrida, que não se traduzem apenas em custos financeiros imediatos, mas também em perdas financeiras indirectas, que decorrem do dispêndio acrescido de tempo e no esforço suplementar que a dispersão das ilhas impõe às empresas que, como o recorrente, desenvolvem a sua actividade em todo o arquipélago. Custos acrescidos provocados pela insularidade, sendo alguns exemplos desses custos citados pelo recorrente, são devidos ao arranque da actividade, mas também ao exercício da actividade de uma instituição financeira.

96      Em segundo lugar, as empresas do sector financeiro que desenvolvem a sua actividade exclusivamente na Região Autónoma dos Açores suportam encargos suplementares. Por um lado, esses encargos, entre os quais, designadamente, os custos do transporte de valores por via aérea, e os custos ligados às actividades de armazenagem e ao controlo das divisas atendendo à ausência de economias de escala, impendem em geral sobre as empresas do sector financeiro. Por outro, encargos específicos, como os custos acrescidos ligados à publicidade, às dificuldades em obter pessoal especializado, ao volume potencial de clientela e ao nível médio de rendimentos dos clientes, impendem sobre as empresas do sector financeiro com vocação puramente regional, designadamente pela dificuldade acrescida em obter economias de escala.

97      Em terceiro lugar, a existência de custos suplementares na prossecução da actividade financeira numa região com as especificidades estruturais que caracterizam as regiões ultraperiféricas, na acepção do artigo 299.° CE, não torna atractivo o mercado para os bancos nacionais, mesmo considerando o regime do imposto sobre o rendimento. Por conseguinte, cabe aos bancos regionais, como o recorrente, um papel muito importante na garantia da prestação de serviços bancários de qualidade às populações mais isoladas, sendo que esta missão é desempenhada em franca desvantagem relativamente à prossecução da mesma actividade no território português continental.

98      A Comissão alega que este fundamento deve ser rejeitado, na medida em que corresponde, em substância, ao fundamento invocado pelo Governo português, baseado num alegado erro manifesto de apreciação e que foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.° 19 supra (n.os 99 a 107). Por um lado, a argumentação do recorrente não pode pôr em causa a constatação do Tribunal de Justiça, segundo a qual o Governo português não foi capaz de fornecer à Comissão elementos que demonstrassem que, em relação ao sector financeiro, o nível das vantagens concedidas era proporcional aos custos adicionais que se destinavam a compensar. Com efeito, o recorrente não pode invocar no Tribunal de Primeira Instância elementos de facto expostos pela primeira vez na sua petição inicial e que não foram alegados no decurso do procedimento administrativo. Por outro lado, não há necessidade de examinar os argumentos relativos à vocação regional do recorrente, que a Comissão, aliás, põe em causa, visto que a decisão recorrida diz respeito ao regime no seu conjunto e não à situação especial de uma empresa beneficiária.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

99      Há que referir, em primeiro lugar, que os argumentos do recorrente respeitam à abordagem diferente adoptada pela Comissão, nos considerandos 38 e 39 da decisão recorrida, relativas aos sectores financeiros e não financeiros. Com este segundo fundamento, relativo a um erro de facto, o recorrente, apoiado pelo interveniente, contesta a decisão recorrida porquanto a Comissão declarou, no considerando 39, o regime de auxílios incompatível, na medida em que é aplicável ao sector financeiro, nos termos do artigo 87.º, n.º 3, alínea a), CE. Por conseguinte, o recorrente invoca um erro na aplicação do artigo 87.º, n.º 3, alínea a), CE pela Comissão.

100    Em seguida, há que recordar que, na aplicação do artigo 87.°, n.° 3, CE, a Comissão goza de um amplo poder de apreciação, cujo exercício envolve avaliações de ordem económica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário. O juiz comunitário, ao fiscalizar a legalidade do exercício dessa liberdade, não pode substituir a apreciação do autor da decisão pela sua própria apreciação na matéria, devendo limitar‑se a examinar se aquela está viciada por erro manifesto ou por desvio de poder (acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra, n.º 99).

101    Ora, há que constatar que os argumentos do recorrente são semelhantes aos do Governo português, relativos a um erro manifesto de apreciação da Comissão na aplicação do artigo 87.º, n.º 3, CE, apresentados ao Tribunal de Justiça no processo paralelo que deu origem ao acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra (n.os 93 e 94), e que o Tribunal de Justiça julgou improcedentes nos n.os 99 a 107 desse acórdão. Assim, o Tribunal de Justiça recordou, nos n.os 100 e 101 do referido acórdão, que, nos termos do ponto 4.16.2 das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional, nas regiões ultraperiféricas que beneficiam da derrogação prevista no n.º 3, alíneas a) e c), do artigo 87.° CE, podem ser autorizados auxílios ao funcionamento na medida em que contribuam para compensar os custos adicionais do exercício da actividade económica inerentes aos factores enunciados no n.º 2 do artigo 299.° CE, cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o desenvolvimento destas regiões. No entanto, compete ao Estado‑Membro avaliar a importância desses custos adicionais e demonstrar a correlação que existe com os referidos factores. Tais auxílios devem justificar‑se pelo seu contributo para o desenvolvimento regional e pela sua natureza, e o seu nível deve ser proporcional aos custos adicionais que visam compensar.

102    Ora, nem o recorrente nem o interveniente contestam que as autoridades portuguesas não forneceram elementos de prova susceptíveis de demonstrar que, no caso do sector financeiro, o nível das vantagens assim concedidas é proporcional aos custos adicionais que visam compensar, como indicam os considerandos 18 e 39 da decisão recorrida e como o Tribunal de Justiça indicou no n.º 103 do acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra.

103    Assim, como indicado pelo Tribunal de Justiça nos n.os 104 e 105 desse acórdão, há que considerar que a Comissão não excedeu os limites do seu poder de apreciação e que, ao declarar incompatível com o mercado comum a parte do regime de auxílios referida no artigo 1.° da decisão recorrida na parte em que se aplica às empresas que exercem actividades financeiras, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação.

104    Aliás, esta conclusão não pode ser posta em causa pela argumentação do recorrente segundo o qual os custos adicionais são suportados pelas empresas que exercem actividades no sector financeiro.

105    Com efeito, importa recordar que cabe ao Estado‑Membro em causa demonstrar não apenas a importância dos custos adicionais, mas também o carácter proporcional do nível das vantagens concedidas relativamente aos custos adicionais que visam compensar. De qualquer modo, no âmbito de um recurso de anulação interposto ao abrigo do artigo 230.º CE, a legalidade do acto comunitário em causa deve ser analisada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data em que esse acto foi adoptado. Deste modo, a legalidade de uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve ser analisada em função dos elementos de informação de que a Comissão dispunha no momento em que esse acto foi adoptado. Um recorrente não pode assim alegar no tribunal comunitário elementos de facto que não foram apresentados no decurso do procedimento pré‑contencioso previsto no artigo 88.º CE (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 2008, Componenta/Comissão, T‑455/05, não publicado na Colectânea, n.os 60 e 61, e jurisprudência citada). Por conseguinte, os elementos apresentados pelo recorrente pela primeira vez no âmbito do presente recurso não podem ser tomados em consideração pelo Tribunal.

106    Por outro lado, não há que examinar os argumentos do recorrente, relativos à sua vocação regional, uma vez que a decisão recorrida diz respeito ao regime de auxílios enquanto tal e não à situação específica de uma empresa beneficiária. Neste caso, a Comissão pode limitar‑se a analisar as características gerais do regime em causa, sem ser obrigada a examinar cada caso de aplicação específico (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Setembro de 2007, Itália/Comissão, T‑239/04 e T‑323/04, Colect., p. II‑3265, n.º 142, e jurisprudência citada).

107    Atendendo ao exposto, o segundo fundamento é julgado improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

 Argumentos das partes

108    O recorrente alega que o princípio da igualdade de tratamento impõe que situações idênticas sejam tratadas de forma idêntica. Ora, a decisão recorrida viola este princípio na medida em que trata situações idênticas, a saber o desenvolvimento de uma actividade económica numa região caracterizada por desvantagens estruturais, de forma distinta, sem fundamentação objectiva. Com efeito, devido à existência de factores objectivos de ordem estrutural, reconhecidos pelo artigo 299.° CE e pelo artigo 225.° da Constituição, que conduzem à existência de condições de concorrência distintas no território de Portugal Continental e nas Regiões Autónomas, a diferenciação efectuada pela Comissão entre as empresas que pertencem ao sector financeiro e as que pertencem aos restantes sectores não encontra justificação no direito comunitário. A este respeito, a Comissão não enuncia uma única razão, objectiva e verificável que justifique a conclusão, no considerando 39 da decisão recorrida, segundo a qual, no que respeita à aplicação da medida em causa às empresas do sector financeiro, a referida medida não se justifica em função do seu contributo para o desenvolvimento regional e o seu nível não é proporcional às deficiências que visam atenuar. Segundo o recorrente, os dados relativos à importância da sua própria actividade para o desenvolvimento da Região Autónoma dos Açores levam a concluir em sentido contrário.

109    Segundo o interveniente, os dados fornecidos pelas autoridades portuguesas deviam ter permitido que a Comissão concluísse que as empresas do sector financeiro suportam também custos adicionais, se esta instituição não tivesse utilizado critérios diferentes, sem fundamentos objectivos e em violação do princípio da igualdade de tratamento, consoante estivessem em causa empresas pertencentes ao sector financeiro ou pertencentes a outros sectores. Tal tratamento discriminatório é patente na avaliação, levada a cabo pela Comissão, da medida nacional no âmbito do procedimento administrativo. No convite para apresentar observações nos termos do n.° 2 do artigo 88.° CE, a Comissão aceitou que a observação dos custos adicionais decorrentes do exercício de uma actividade económica, independentemente da sua natureza, na Região Autónoma dos Açores, possa assentar em dados abstractos. Ora, de acordo com o teor da decisão recorrida, não foram apresentados à Comissão, no decurso do procedimento administrativo, quaisquer elementos que pudessem levá‑la a pôr em causa esta conclusão. No entanto, na decisão recorrida, a Comissão sustentou que não existiam elementos quantificados que permitissem medir objectivamente os custos adicionais com que se defrontam as sociedades financeiras, sem precisar contudo, como salientou o Tribunal de Justiça, por que razão tais elementos eram essenciais para as empresas deste sector (acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra, n.º 104). Ora, devido à dificuldade de calcular de forma objectiva a incidência de cada um dos factores enunciados no artigo 229.°, n.° 2, CE e ao facto de a medida em causa abranger o conjunto da economia regional, a avaliação do acréscimo dos custos em termos abstractos aplica‑se a toda e qualquer empresa, independentemente do ramo da respectiva actividade.

110    Segundo a Comissão, este fundamento retoma, em substância, os argumentos desenvolvidos pelo recorrente no quadro do seu fundamento relativo a um erro de facto, e os argumentos do Governo português no âmbito do seu terceiro fundamento, rejeitado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra (n.os 99 a 107). De qualquer modo, as empresas do sector financeiro não foram alvo de nenhuma discriminação e não existe qualquer contradição entre a decisão de abertura do procedimento e a fundamentação que consta da decisão recorrida. O interveniente pretende pôr em causa as conclusões do Tribunal de Justiça sem demonstrar, mesmo tardiamente, que os auxílios eram proporcionais aos custos adicionais suportados pelas empresas do sector financeiro.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

111    Resulta da jurisprudência que o princípio da igualdade de tratamento proíbe que situações comparáveis sejam tratadas de modo diferente, causando uma desvantagem para certos operadores em relação a outros, excepto se esse tratamento for objectivamente justificado (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 2000, Karlsson e o., C‑292/97, Colect., p. I‑2737, n.º 39, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Abril de 2006, Deutsche Bahn/Comissão, T‑351/02, Colect., p. II‑1047, n.º 137).

112    Por outro lado, no acórdão Portugal/Comissão, já referido no n.º 19 supra (n.os 100 e 101), o Tribunal de Justiça recordou que compete ao Estado‑Membro em causa avaliar não apenas a importância dos custos adicionais da actividade económica inerentes aos factores enunciados artigo 299.°, n.º 2, CE, cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o desenvolvimento destas regiões ultraperiféricas, mas também demonstrar, designadamente, que o nível dos auxílios concedidos é proporcional a esses custos que visam compensar.

113    A este respeito, a Comissão indica, no considerando 12 da decisão recorrida, que, tendo em vista demonstrar a conformidade das reduções das taxas do imposto sobre o rendimento com as condições estabelecidas nas Orientações em matéria de auxílios ao funcionamento, as autoridades portuguesas procederam à análise de um certo número de indicadores financeiros relativos a uma amostragem de 1 083 empresas sujeitas ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, das quais 100 situadas nos Açores. A Comissão acrescenta, no considerando 13, que as autoridades portuguesas lhe apresentaram um estudo econométrico baseado na mesma amostragem de empresas. No entanto, a Comissão precisa, no considerando 14, que nenhuma empresa do sector financeiro figura entre as empresas utilizadas na amostra de base e que o facto de não serem tidas em conta seria, em princípio, susceptível de limitar de maneira significativa o alcance dos resultados obtidos.

114    Além disso, a Comissão precisa, no considerando 18, que, nas observações apresentadas no âmbito do procedimento formal de investigação, as autoridades portuguesas indicaram que essa ausência, na amostra de base, de empresas do sector financeiro se justifica por falta de dados estatísticos. Segundo a Comissão, as referidas autoridades reconheceram igualmente que, para esse sector, não lhes seria possível demonstrar de maneira rigorosa que a medida em causa é, pela sua natureza e nível, susceptível de resolver os problemas específicos da Região Autónoma dos Açores. Por outro lado, a Comissão indica, no considerando 19 da decisão recorrida, que as autoridades portuguesas declararam estar dispostas a proceder aos ajustamentos legislativos necessários para garantir a conformidade da medida em causa com as regras aplicáveis aos auxílios estatais, nomeadamente excluindo as actividades financeiras do seu âmbito de aplicação.

115    Por último, há que referir que, na apreciação que fez da medida em causa para o sector não financeiro, a Comissão se refere, no considerando 37 da decisão recorrida, aos resultados do estudo transmitido pelas autoridades portuguesas e às observações destas no âmbito do procedimento formal de investigação e indica os respectivos valores. No considerando 38 da decisão recorrida, a Comissão concluiu que a medida em causa, na parte aplicável ao sector não financeiro, é compatível à luz do artigo 87.º, n.º 3, alínea a), CE. Em contrapartida, no considerando 39, a Comissão relembra a inexistência de elementos quantificados para o sector financeiro, concluindo pela incompatibilidade da medida em causa, à luz do artigo 87.º, n.º 3, alínea a), CE, uma vez que se aplica a empresas que operam no sector financeiro.

116    Deste modo, há que considerar que, atendendo às obrigações que incumbem ao Estado‑Membro em causa, recordadas no n.º 112 supra, a Comissão distinguiu correctamente, na decisão recorrida, o sector não financeiro, em relação ao qual dispunha de elementos transmitidos pelas autoridades financeiras, do sector financeiro, relativamente ao qual esses elementos não foram transmitidos. Por conseguinte, a Comissão não tratou de forma diferente situações semelhantes e não violou o princípio da igualdade de tratamento.

117    Há assim que julgar o quarto fundamento improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo a uma violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima

 Argumentos das partes

118    O recorrente e o interveniente alegam que a competência da Comissão para impor à República Portuguesa uma obrigação de recuperação dos auxílios concedidos está balizada pelo dever de respeito dos princípios gerais do direito comunitário e dos princípios constitucionais dos Estados‑Membros. Ora, o artigo 3.° da decisão recorrida viola os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima.

119    Além disso, não se pode exigir aos beneficiários de uma medida nacional, quando estejam em causa medidas de natureza legislativa, de carácter geral e abstracto, cuja aplicação não depende de uma manifestação de vontade dos particulares abrangidos pelas referidas medidas, que os referidos beneficiários garantam que o apoio lhes é concedido em conformidade com as normas jurídicas relevantes. Com efeito, tal equivaleria a exigir‑se aos particulares que fiscalizassem a conformidade do direito nacional com o direito comunitário.

120    Além disso, o recorrente alega que, no caso concreto, foi a administração fiscal portuguesa que aplicou às declarações de rendimentos apresentadas pelos contribuintes a taxa fixada pelo órgão legislativo competente. Desta forma, impor que anos mais tarde esta mesma administração ordene que os contribuintes paguem, a uma taxa majorada e acrescidos de juros, os impostos que já pagaram nos termos da lei equivale a exigir que a administração viole a Constituição.

121    Por último, a posição, que parece decorrer da prática da Comissão, de simplesmente remeter a questão da protecção da confiança legítima para a ordem jurídica interna não pode ser aceite. Se a administração fiscal portuguesa, em cumprimento da decisão recorrida, procedesse a uma liquidação adicional de impostos referentes a exercícios passados, o recorrente invocaria garantias constitucionais perante o órgão judicial nacional.

122    A Comissão sustenta que as acusações suscitadas pelo recorrente são contrariadas por jurisprudência comunitária bem consolidada e que a forma do acto pelo qual foram concedidos auxílios ilegais é absolutamente irrelevante para efeitos da obrigação de restituir esses auxílios declarados incompatíveis. A Comissão cita, a este respeito, diversos acórdãos dos tribunais comunitários relativos a medidas fiscais gerais.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

123    Recorde‑se que o artigo 14.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.º] CE (JO L 83, p. 1) prevê a obrigação de a Comissão recuperar os auxílios ilegais, que declarou incompatíveis, a fim de restaurar a situação anterior à concessão dos auxílios. Por conseguinte, a decisão de não impor a recuperação, quando esta seja contrária a um princípio geral de direito comunitário, constitui uma excepção.

124    Por outro lado, tendo em conta a natureza imperativa da fiscalização dos auxílios de Estado efectuada pela Comissão nos termos do artigo 88.° CE, por um lado, as empresas beneficiárias de um auxílio só podem, em princípio, depositar confiança legítima na regularidade do auxílio se este tiver sido concedido com observância do procedimento previsto no referido artigo e, por outro, um operador económico diligente deve normalmente poder assegurar‑se de que esse procedimento foi respeitado. Nem o Estado‑Membro em causa nem o operador interessado podem invocar, em seguida, o princípio da segurança jurídica, com o objectivo de impedir a restituição do auxílio (v., neste sentido, acórdão Unicredito Italiano, já referido no n.º 92 supra, n.º 104, e jurisprudência citada). Com efeito, a recuperação de um auxílio concedido sem observância do procedimento previsto no artigo 88.°, n.º 3, CE constitui um risco previsível para o operador que dele beneficia (v., neste sentido, acórdão Unicredito Italiano, n.º  92 supra, n.os 109 e 110).

125    Ora, é facto assente que, no presente caso, a medida em causa foi notificada tardiamente à Comissão, em resposta a um pedido de informações dos serviços da Comissão na sequência de artigos que surgiram na imprensa, e que a referida medida entrou em vigor antes de ser autorizada pela Comissão. Por conseguinte, os auxílios concedidos ao abrigo da medida em causa não foram atribuídos no respeito do procedimento previsto no artigo 88.º CE.

126    Por outro lado, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a supressão de um auxílio ilegal através da respectiva recuperação é a consequência lógica da declaração da sua ilegalidade. Ora, tal consequência não depende da forma como o auxílio foi concedido (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Junho de 1993, Comissão/Grécia, C‑183/91, Colect., p. I‑3131, n.º 16, e jurisprudência citada). Deste modo, ao contrário do que é alegado pelo recorrente, por um lado, o facto de os auxílios terem sido concedidos através de uma medida geral, cuja aplicação não depende de uma manifestação de vontade dos particulares em causa, não altera a obrigação de reembolsar esses auxílios quando estes tenham sido declaradas incompatíveis. Numa situação semelhante, o Tribunal de Justiça já declarou que o beneficiário de um auxílio ilegal não pode invocar os princípios da confiança legítima e da segurança jurídica (acórdão Unicredito Italiano, já referido no n.º 92 supra). Por outro lado, o facto de ter sido a administração portuguesa a aplicar a medida em causa não constitui uma circunstância excepcional susceptível de criar uma base para a confiança legítima dos beneficiários do auxílio em causa, como o recorrente, no carácter regular do referido auxílio.

127    Há por conseguinte que julgar improcedente o quinto fundamento.

128    Resulta de todas as considerações que precedem que há que negar provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto ao pedido de medidas de organização do processo

129    O recorrente requer ao Tribunal, para que os seus direitos processuais possam ser exercidos de forma útil e eficaz e com respeito do «princípio da igualdade de armas», que ordene a junção aos autos dos documentos que constam do procedimento administrativo, que conduziu à adopção da decisão recorrida, opondo‑se a Comissão a este pedido.

130    O Tribunal considera que há que indeferir este pedido de medidas de organização do processo formulado pela recorrente, porquanto o referido pedido é, enquanto tal, desprovido de interesse para a solução do litígio [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 2002, British American Tobacco (Investments)/Comissão, T‑311/00, Colect., p. II‑2781, n.º 50].

 Quanto às despesas

131    Nos termos do artigo 87.º, n.º 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente sido vencido, há que condená‑lo nas despesas da Comissão, em conformidade com os pedidos desta. Tendo o interveniente sido vencido nos seus pedidos, suportará as suas próprias despesas, em conformidade com os pedidos destas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Banco Comercial dos Açores, SA suportará as suas próprias despesas e as efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias.

3)      O Banco Espírito Santo dos Açores, SA suportará as suas próprias despesas.

Vilaras

Prek

Ciucă

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de Setembro de 2009.

Assinaturas

Índice


Quadro jurídico

1.  Regulamentação comunitária

2.  Legislação nacional

Factos na origem do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

1.  Quanto à admissibilidade do recurso

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

2.  Quanto ao mérito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito na aplicação do artigo 87.º, n.º 1, CE

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

–  Quanto à admissibilidade do primeiro fundamento

–  Quanto ao alegado carácter geral e não selectivo da medida

–  Quanto ao impacto da medida em causa nas trocas intracomunitárias e na concorrência

Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de facto

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao quinto fundamento, relativo a uma violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao pedido de medidas de organização do processo

Quanto às despesas


** Língua do processo: português.