ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)
15 de Setembro de 1998 (1)
«Concorrência - Transportes ferroviários - Acordos sobre os serviços
ferroviários nocturnos no túnel do canal da Mancha - Restrições à concorrência
- Directiva 91/440/CEE - Influência sensível no comércio - Fornecimento de
serviços indispensáveis - 'Elementos essenciais - Fundamentação -
Admissibilidade»
Nos processos apensos T-374/94, T-375/94, T-384/94 e T-388/94,
European Night Services Ltd (ENS), sociedade de direito inglês, com sede em
Londres,
Eurostar (UK) Ltd, anteriormente European Passenger Services Ltd (EPS),
sociedade de direito inglês, com sede em Londres,
representadas por Thomas Sharpe, QC, do foro de Inglaterra e do País de Gales,
e Alexandre Nourry, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório
de advogados Elvinger, Hoss e Prussen, 15, Côte d'Eich,
recorrentes nos processos T-374/94 e T-375/94, respectivamente
Union internationale des chemins de fer (UIC), associação de direito francês, com
sede em Paris,
NV Nederlandse Spoorwegen (NS), sociedade de direito neerlandês, com sede em
Utrecht (Países Baixos),
representadas por Erik H. Pijnacker Hordijk, advogado no foro de Amsterdão, com
domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Luc Frieden, 62,
avenue Guillaume,
recorrentes no processo T-384/94,
Société nationale des chemins de fer français (SNCF), sociedade de direito francês,
com sede em Paris, representada por Chantal Momège, advogada no foro de Paris,
com domicílio escolhido no Luxemburgo, no escritório do advogado Alex Schmitt,
62, avenue Guillaume,
recorrente no processo T-388/94,
apoiadas por
Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por Lindsey
Nicoll, na qualidade de agente, e K. Paul E. Lasok, QC, do foro de Inglaterra e do
País de Gales, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada do Reino
Unido, 14, boulevard Roosevelt,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por Francisco
Enrique González Diáz, membro do Serviço Jurídico, e posteriormente por
Giuliano Marenco, consultor jurídico principal, na qualidade de agentes, assistidos
por Ami Barav, barrister, do foro de Inglaterra e do País de Gales e advogado no
foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos
Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
que tem por objecto a anulação da Decisão 94/663/CEE da Comissão, de 21 de
Setembro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado
CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (IV/34.600 - «Night services») (JO L 259,
p. 20).
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),
composto por: A. Kalogeropoulos, presidente, C. W. Bellamy e J. Pirrung, juízes,
secretário: H. Jung
vistos os autos e após a audiência de 22 de Outubro de 1997,
profere o presente
Acórdão
- 1.
- A Directiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de Julho de 1991, relativa ao
desenvolvimento dos caminhos-de-ferro comunitários (JO L 237, p. 25, a seguir
«Directiva 91/440») tem por objectivo facilitar a adaptação dos caminhos-de-ferro
comunitários às exigências do mercado único e aumentar a respectiva eficácia. Por
um lado, garante a independência da gestão das empresas de transporte ferroviário,
para lhes permitir actuar segundo critérios comerciais, dispondo o artigo 5.°, n.° 3,
que estas empresas «podem, nomeadamente:
- constituir um agrupamento internacional com outra ou outras
empresas ferroviárias,
...
- controlar o fornecimento e a comercialização dos serviços e fixar a
respectiva tarifação...
...
- desenvolver a respectiva quota de mercado, criar novas tecnologias e
novos serviços e adoptar técnicas de gestão inovadoras,
- lançar novas actividades em domínios associados à actividade
ferroviária».
- 2.
- Por outro lado, prevê a separação entre a gestão da infra-estrutura ferroviária e a
actividade de transporte das empresas de transporte ferroviário, sendo a separação
das contabilidades obrigatória e a separação orgânica facultativa (artigo 1.° e
Secção III da Directiva).
- 3.
- Finalmente, a Directiva constitui uma primeira etapa na via da liberalização
progressiva do mercado dos transportes ferroviários, prevendo, pela primeira vez,
o reconhecimento, sob determinadas condições, a partir de 1 de Janeiro de 1993,de um direito de acesso às infra-estruturas ferroviárias situadas na Comunidade,
a favor de empresas ferroviárias de transporte combinado internacional e de
associações de empresas ferroviárias.
- 4.
- Com efeito, o artigo 10.° da Directiva estabelece:
«1. Serão reconhecidos aos agrupamentos internacionais direitos de acesso e de
trânsito nos Estados-Membros em que se encontram estabelecidas as
empresas de transporte ferroviário que os constituem, bem como direitos
de trânsito nos outros Estados-Membros para a prestação de serviços de
transporte internacionais entre os Estados-Membros em que se encontram
estabelecidas as empresas que constituem os citados agrupamentos.
2. Às empresas de transporte ferroviário abrangidas pelo âmbito de aplicação
do artigo 2.° será concedido um direito de acesso, em condições equitativas,
à infra-estrutura dos outros Estados-Membros para fins da exploração de
serviços de transporte internacionais de mercadorias.
...»
- 5.
- Para este efeito, o artigo 3.° da Directiva define empresa de transporte ferroviário
como sendo «qualquer empresa de estatuto privado ou público, cuja actividade
principal consista na prestação de serviços de transporte de mercadorias e/ou de
passageiros por caminho-de-ferro, devendo a tracção ser obrigatoriamente
assegurada por essa empresa». Segundo este mesmo artigo, constitui um
agrupamento internacional de empresas de transporte ferroviário «qualquer
associação de pelo menos duas empresas de transporte ferroviário estabelecidas em
Estados-Membros diferentes, com vista a fornecer serviços de transporte
internacionais entre Estados-Membros».
- 6.
- Em 19 de Junho de 1995, o Conselho, em execução da Directiva 95/440, adoptou
a Directiva 95/18/CE, de 19 de Junho de 1995, relativa às licenças das empresas de
transporte ferroviário (JO L 143, p. 70), e a Directiva 95/19/CE, relativa à
repartição das capacidades de infra-estrutura ferroviária e à cobrança de taxas de
utilização da infra-estrutura (JO L 143, p. 75).
Matéria de facto subjacente ao litígio
- 7.
- Em 29 de Janeiro de 1993, a Comissão recebeu um pedido de declaração de
inaplicabilidade do artigo 2.° do Regulamento (CEE) n.° 1017/68 do Conselho, de
19 de Julho de 1968, relativo à aplicação de regras de concorrência nos sectores
dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 175, p. 1, a
seguir «Regulamento n.° 1017/68») ou, em alternativa, de isenção nos termos do
artigo 5.° do referido regulamento, relativamente a certos acordos no âmbito do
transporte ferroviário de passageiros através do túnel do canal da Mancha.
- 8.
- Este pedido (a seguir «notificação») tinha sido apresentado pela European Night
Services Ltd (a seguir «ENS»), em nome da British Rail (a seguir «BR»), da
Deutsche Bundesbahn (a seguir «DB»), da NV Nederlandse Spoorwegen (a seguir
«NS») e da Société nationale des chemins de fer français (a seguir «SNCF»). A
notificação tinha também sido previamente aprovada pela Société nationale des
chemins de fer belges (a seguir «SNCB») que, nessa altura, era titular de uma
opção de participação na ENS, entretanto caducada em Julho de 1993. A SNCB
continua a ser parte num dos acordos de exploração celebrados com a ENS.
- 9.
- O primeiro acordo notificado dizia respeito à criação, pelas quatro companhias
ferroviárias acima mencionadas, a BR, a SNCF, a DB e a NS, directamente ou
através das suas filiais, da sociedade ENS, com sede no Reino Unido, tendo como
objecto a prestação e a comercialização de serviços nocturnos de transporte
ferroviário de passageiros entre a Grã-Bretanha e o Continente através do túnel
do canal da Mancha e nos trajectos seguintes: Londres-Amsterdão,
Londres-Frankfurt/Dortmund, Glasgow/Swansea-Paris, Glasgow/Plymouth-Bruxelas.
- 10.
- Por carta de 15 de Outubro de 1997, a ENS informou, porém, o Tribunal que os
serviços de transporte ferroviário com partida e destino a Bruxelas tinham sido
abandonados em Dezembro de 1994, que o trajecto Londres-Frankfurt/Dortmund
tinha sido substituído, em Agosto de 1996, pelo trajecto Londres-Colónia e que os
únicos trajectos então previstos eram Londres-Amsterdão/Colónia.
- 11.
- Em 9 de Maio de 1994, a European Passengers Services Ltd (a seguir «EPS»),
filial da BR no momento da notificação dos acordos ENS, foi cedida por esta
última aos poderes públicos britânicos e constitui, desde então, uma empresa de
transporte ferroviário, na acepção do artigo 3.° da Directiva 91/440, tal como a
SNCF, a DB e a NS (a seguir, incluindo nestas a EPS, «empresas de transporte
ferroviário em causa» ou «fundadores»). A participação da BR na ENS foi
concomitantemente transferida para a EPS. Por carta de 25 de Setembro de 1997,
a ENS e a EPS informaram o Tribunal da mudança de nome da EPS para
Eurostar (UK) Ltd (a seguir «EUKL») e solicitaram que qualquer referência à
EPS fosse considerada como feita à EUKL e vice-versa. Precisaram igualmente que
a participação dos poderes públicos britânicos no capital da EPS tinha sido
transferida, em 31 de Maio de 1996, para a London & Continental Railways. No
Reino Unido, a quase totalidade da rede ferroviária e das infra-estruturas conexas,
anteriormente propriedade da BR, pertence actualmente à Railtrack, o gestor da
infra-estrutura ferroviária.
- 12.
- A segunda categoria de acordos notificados era constituída por acordos de
exploração celebrados entre a ENS e as empresas de transporte ferroviário em
causa, bem como com a SNCB, nos termos dos quais cada uma das empresas se
comprometia a prestar à ENS determinados serviços, designadamente tracção
ferroviária na sua rede (locomotiva, pessoal de serviço e linhas horárias), serviços
de limpeza no interior dos comboios e de manutenção e reparação do equipamentoe serviços de passageiros. A EPS e a SNCF acordavam igualmente em assegurar
a tracção ferroviária no trajecto do túnel do canal da Mancha.
- 13.
- Para efeitos da exploração dos serviços de transporte nocturno de passageiros, as
empresas de transporte ferroviário em causa adquiriram, por intermédio da ENS,
adquiriram, por contratos de leasing a longo prazo, por 20 anos, aumentados, em
Janeiro de 1996, para 25 anos, material circulante especial capaz de circular nas
diferentes redes ferroviárias e no trajecto do túnel do canal da Mancha, cujo custo
global era de 136,7 milhões de UKL, aumentado, em Janeiro de 1996, para 158
milhões de UKL, incluindo o preço da locação, o custo previsível das peças e
acessórios, as modificações, as despesas de fornecimento, os testes e a colocação
em funcionamento, bem como os custos de desenvolvimento.
- 14.
- A ENS e as empresas de transporte ferroviário em causa explicavam na notificação
que, no mercado do serviço em questão, a ENS poderia, face à concorrência do
avião, do autocarro, dos ferry-boats e do automóvel individual, obter partes do
mercado globais de cerca de 2,4% na categoria das viagens de negócios, e de cerca
de 5%, na categoria de viagens de recreio. Afirmavam ainda que, mesmo que o
mercado do serviço em causa fosse definido de modo mais restrito, abrangendo
apenas os trajectos em questão, as partes do mercado globais da ENS continuariam
a ser insignificantes. Além disso, segundo a notificação, nenhuma das empresas detransporte ferroviário em causa poderia explorar sozinha um serviço comparável
nos trajectos assegurados pela ENS, e não haveria qualquer indício de que outro
agrupamento tivesse manifestado interesse pela mesma actividade ou dela pudesse
retirar lucros. As autoras da notificação garantiam igualmente que os acordos ENS
não criavam mais obstáculos do que os já existentes em relação a outras empresas
que tentassem oferecer no mercado serviços semelhantes, podendo estas constituir
«agrupamentos internacionais», na acepção do artigo 3.° da Directiva 91/440, que
poderiam obter acesso às infra-estruturas ferroviárias, ou seja, a linhas horárias nos
trajectos em causa, e que não teriam qualquer dificuldade em recrutar pessoal
qualificado e material circulante apropriado.
- 15.
- Nos termos do disposto no artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1017/68, foi
publicada uma comunicação sobre a notificação dos acordos ENS no Jornal Oficial
das Comunidades Europeias em 29 de Maio de 1993 (aviso 93/C 149/07, JO C 149,
p. 10). Nesta comunicação, a Comissão informava as empresas notificantes de que
tinha chegado à conclusão preliminar que os acordos notificados poderiam infringir
o n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CE e que, nessa fase do processo, ainda não tinha
tomado posição sobre a eventual aplicabilidade do artigo 5.° do referido
regulamento. A Comissão convidava ainda os terceiros interessados a
apresentarem-lhe as suas observações no prazo de 30 dias a contar da publicação
da comunicação.
- 16.
- Por carta de 23 de Julho de 1993, a Comissão fez saber às empresas autoras da
notificação, para efeitos do disposto no artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento
n.° 1017/68, que existiam sérias dúvidas quanto à aplicabilidade do artigo 5.° deste
regulamento aos acordos notificados.
- 17.
- Em 4 de Junho de 1994, a Comissão publicou no Jornal Oficial das Comunidades
Europeias uma comunicação nos termos do artigo 26.°, n.° 3, do Regulamento
n.° 1017/68 (JO C 153, p. 15), anunciando que os acordos notificados podiam
beneficiar de isenção nos termos dos artigos 85.°, n.° 3, do Tratado, e 53.°, n.° 3, do
Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «Acordo EEE»), desde que
fosse satisfeita uma condição, destinada essencialmente a permitir a novas
empresas interessadas a aquisição, às empresas autoras da notificação, dos mesmos
serviços de transporte que estas últimas se tinham comprometido a prestar à ENS.
Entretanto, a Comissão convidava os terceiros interessados a apresentarem-lhe as
suas observações no prazo de 30 dias a contar da publicação desta comunicação.
Porém, nenhum terceiro interessado respondeu a este convite da Comissão.
Decisão impugnada
- 18.
- Em 21 de Setembro de 1994, a Comissão adoptou a Decisão 94/663/CEE, relativa
a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE e do artigo 53.° do
Acordo EEE (IV/34.600 - «Night services») (JO L 259, p. 20, a seguir «decisão»
ou «decisão impugnada»). Esta decisão baseia-se no Regulamento n.° 1017/68,
mais particularmente no seu artigo 5.°, ao abrigo do qual a proibição de acordos
entre empresas, formulada pelo artigo 2.° em termos quase idênticos aos do artigo
85.°, n.° 1, do Tratado, pode ser declarada inaplicável com efeitos retroactivos a
certos acordos entre empresas.
- 19.
- A decisão distingue dois mercados de serviços relevantes: por um lado, o mercado
do transporte de pessoas em viagens de negócios, para as quais o transporte aéreo
em voo regular, o transporte ferroviário de alta velocidade e os serviços oferecidos
pela ENS constituem modos de transporte alternativos (ponto 26) e, por outro, o
mercado do transporte de pessoas em viagens de recreio, para as quais os serviços
alternativos podem incluir o avião em classe económica, o comboio, o autocarro
e, eventualmente, o automóvel individual (ponto 27).
- 20.
- Ao contrário do que as autoras da notificação tinham sustentado, a Comissão
entende que o mercado geográfico em causa não abrange o conjunto do Reino
Unido, da França, da Alemanha e dos países do Benelux, mas deve ser limitado às
quatro linhas efectivamente servidas pela ENS, ou seja: Londres-Amsterdão,
Londres-Frankfurt/Dortmund, Paris-Glasgow/Swansea e Bruxelas-Glasgow/Plymouth
(ponto 29).
- 21.
- Referindo-se à comunicação da Comissão de 16 de Fevereiro de 1993 relativa ao
tratamento das empresas comuns com carácter de cooperação à luz do artigo 85.°
do Tratado CEE (JO C 43, p. 2, a seguir «comunicação de 1993»), a decisão
indica, a seguir, que a ENS constitui uma empresa comum com carácter de
cooperação (pontos 30 a 37). Assinala que as empresas fundadoras da ENS não seretiram definitivamente do mercado em causa e que dispõem de meios técnicos e
financeiros para criarem facilmente um agrupamento internacional na acepção do
artigo 3. da Directiva 91/440, e fornecerem serviços de transporte nocturno de
passageiros. A decisão precisa ainda que estas empresas continuam especialmente
activas num mercado a montante do mercado da ENS, o dos serviços ferroviários
indispensáveis, que as empresas de transporte ferroviário vendem aos «operadores
de transporte» como a ENS. A empresa comum ENS constituiria, pois, um acordo
abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 85.° do Tratado, tal como os acordos
de exploração celebrados entre ela e cada uma das empresas de transporte
ferroviário fundadoras, bem como com a SNCB.
- 22.
- A decisão enumera, a seguir, as restrições à concorrência resultantes dos acordos
ENS (pontos 38 a 53).
- 23.
- Em primeiro lugar, os acordos em questão anulariam ou restringiriam
consideravelmente, entre fundadores, as possibilidades de concorrência criadas pelo
artigo 10.° da Directiva 91/440 (pontos 38 a 45). Com efeito, segundo a decisão, por
um lado, empresas de transporte ferroviário existentes, bem como eventuais novas
empresas ferroviárias, incluindo filiais das empresas existentes, poderiam pretender
exercer os direitos de acesso conferidos por esta disposição e, por outro, os
Estados-Membros teriam a possibilidade de adoptar legislações mais liberais em
matéria de acesso às infra-estruturas. O que teria como consequência que, por
exemplo, a DB ou a NS teriam a possibilidade de constituir um agrupamento
internacional com uma empresa ferroviária estabelecida no Reino Unido a fim de
explorar serviços de transportes internacionais via túnel do canal da Mancha. Uma
empresa ferroviária fundadora da ENS teria igualmente a possibilidade de realizar,
por si, actividades de «operador de transporte» ou de criar uma filial especializada
na qualidade de «operador de transporte», a fim de explorar serviços de transporte
internacionais, adquirindo às respectivas empresas de transporte ferroviário os
serviços ferroviários indispensáveis.
- 24.
- Em segundo lugar, tendo em conta a capacidade económica das empresas
fundadoras, a criação da ENS poderia dificultar o acesso ao mercado de
operadores de transporte susceptíveis de entrar em concorrência com a ENS
(pontos 46 a 48). As sociedades-mãe da ENS manteriam uma posição dominante
na prestação dos serviços ferroviários no respectivo Estado de origem,
nomeadamente no que diz respeito às locomotivas especializadas para o túnel do
canal da Mancha. Tendo em consideração o acesso directo da ENS a estes serviços
e as relações privilegiadas que mantém com as suas sociedades-mãe, os outros
operadores poderiam ser colocados numa situação concorrencial desfavorável no
que respeita à aquisição dos serviços ferroviários indispensáveis. Deveria ainda
ter-se em conta que a BR e a SNCF beneficiam de uma parte significativa das
linhas horárias disponíveis para os comboios internacionais no túnel da canal da
Mancha, em virtude da convenção celebrada com a Eurotunnel.
- 25.
- Por último, estas restrições à concorrência seriam reforçadas pelo facto de a ENS
se inserir numa rede de empresas comuns entre os fundadores. Com efeito, a
BR/EPS, a SNCF, a DB e a NS participariam, a diferentes níveis, numa rede de
empresas comuns que tem por objecto a exploração de serviços de transporte de
mercadorias e de passageiros, nomeadamente através do túnel do canal da
Mancha. A BR e a SNCF participariam assim na criação da Allied Continental
Intermodal Services Ltd (a seguir «ACI») para o transporte combinado de
mercadorias e a BR participaria igualmente, com a SNCB, na criação da
«Autocare Europe» para o transporte ferroviário de veículos automóveis (pontos
49 a 52).
- 26.
- Porém, segundo a decisão, os acordos em causa, embora não abrangidos pela
derrogação prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 1017/68 em relação aos
acordos técnicos, pelo facto de não terem apenas como objecto ou como efeito a
aplicação de melhoramentos técnicos ou a cooperação técnica, na acepção deste
artigo (pontos 55 a 58), satisfariam as condições previstas no artigo 5.° desse
mesmo regulamento e no artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE (pontos 59 a 70). Com
efeito, a criação da ENS favoreceria o progresso económico, assegurando
designadamente a concorrência entre os diversos modos de transporte e os utentes
beneficiariam directamente desses novos serviços. Por outro lado, as restrições da
concorrência verificadas seriam indispensáveis tendo em consideração o facto de
serem serviços totalmente novos, que implicam riscos financeiros elevados que uma
empresa sozinha dificilmente poderia suportar. Assim, e desde que seja satisfeita
uma condição destinada a garantir a presença no mercado de operadores de
transporte ferroviário concorrentes da ENS, a criação da ENS não eliminaria toda
a concorrência no mercado em causa.
- 27.
- Em consequência, a decisão declara inaplicáveis aos acordos ENS, por um prazo
de oito anos, isto é, até 31 de Dezembro de 2002, o n.° 1 do artigo 85.° do Tratado
e o n.° 1 do artigo 53.° do Acordo EEE (artigo 1.° da decisão), sujeitando esta
isenção à condição (a seguir «condição imposta») de «as empresas ferroviárias
parte no acordo ENS prestarem, se necessário, a qualquer agrupamento
internacional de empresas ferroviárias ou a qualquer operador de transporte que
deseje explorar comboios nocturnos de passageiros que utilizam o túnel do canal
da Mancha os serviços ferroviários indispensáveis que se comprometeram a prestar
à ENS. Esses serviços consistem na disponibilização da locomotiva, da sua
tripulação e dos itinerários em cada rede nacional e no túnel do canal da Mancha.
As empresas ferroviárias prestarão esses serviços nas suas redes nas mesmas
condições técnicas e financeiras que as concedidas à ENS» (artigo 2.° da decisão).
Tramitação processual
- 28.
- Por petições que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância
em 22 de Novembro de 1994, a ENS e a EPS interpuseram recursos que foram
registados respectivamente sob os números T-374/94 e T-375/94.
- 29.
- Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 5 de Dezembro de
1994, a União Internacional dos Caminhos de Ferro (a seguir «UIC») e a NS
interpuseram recurso, que foi registado sob o número T-384/94.
- 30.
- Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 13 de Dezembro de
1994, a SNCF interpôs um recurso, que foi registado sob o número T-388/94.
- 31.
- Por requerimento separado, que deu entrada em 6 de Fevereiro de 1995 na
Secretaria do Tribunal, a Comissão suscitou no processo T-388/94 uma questão
prévia de inadmissibilidade, com fundamento no artigo 114.° do Regulamento de
Processo do Tribunal de Primeira Instância. A demandante apresentou as suas
observações sobre esta questão prévia em 20 de Março de 1995.
- 32.
- Em 28 de Junho de 1995, o Tribunal (Primeira Secção Alargada) decidiu, por
despacho, julgar a final a questão da inadmissibilidade levantada pela Comissão e
convidou a SNCF a responder a várias perguntas escritas e a apresentar um certo
número de documentos.
- 33.
- Por despachos do presidente da Primeira Secção Alargada do Tribunal de 9 de
Agosto de 1995, os pedidos de intervenção da União Internacional das sociedades
de transporte combinado ferro-rodoviário em apoio dos pedidos da Comissão nos
processos T-374/94, T-375/94 e T-384/94, que deram entrada na Secretaria do
Tribunal em 3 de Abril de 1995, não foram admitidos.
- 34.
- Por despacho do presidente da Primeira Secção Alargada do Tribunal de 9 de
Agosto de 1995, os pedidos de intervenção da SNCF em apoio dos pedidos das
recorrentes nos processos T-374/94 e T-384/94, que deram entrada na Secretaria
do Tribunal em 9 de Maio de 1995, foram admitidos.
- 35.
- Por despachos do presidente da Primeira Secção Alargada do Tribunal de 14 de
Julho e de 10 de Agosto de 1995, o Reino Unido foi admitido como interveniente
em apoio dos pedidos das recorrentes nos processos T-374/94, T-375/94, T-384/94
e T-388/94.
- 36.
- Por decisão do Tribunal de 2 de Outubro de 1995, o juiz-relator foi designado para
a Segunda Secção Alargada, à qual os processos foram consequentemente
atribuídos.
- 37.
- Por decisão do Tribunal, de 8 de Novembro de 1996, o processo foi atribuído a
uma secção de três juízes.
- 38.
- Por despacho do presidente da Segunda Secção de 6 de Agosto de 1997, os
processos T-374/94, T-375/94, T-384/94 e T-388/94 foram apensos para efeitos da
fase oral e do acórdão.
- 39.
- Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância
(Segunda Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Convidou,
porém, as partes a responder a algumas perguntas escritas, o que estas fizeram no
prazo estabelecido.
- 40.
- As alegações das partes e as respostas destas às perguntas do Tribunal foram
ouvidas na audiência realizada em 22 de Outubro de 1997.
Pedidos das partes
- 41.
- Nos processos T-374/94 e T-375/94, a ENS e a EPS concluem pedindo que o
Tribunal se digne:
- anular a decisão;
- ordenar à Comissão:
a) que declare inaplicáveis o artigo 2.° do Regulamento n.° 1017/68 e o
artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, ou
b) que conceda a isenção sem a condição imposta e por um período
correspondente ao prazo por que os compromissos foram assumidos
pelas empresas ferroviárias para o financiamento do material
circulante;
c) a título subsidiário, que conceda a isenção impondo uma condição que
seja necessária e proporcionada às alegadas restrições da concorrência
e por um período correspondente ao prazo por que os compromissos
foram assumidos pelas empresas ferroviárias para o financiamento do
material circulante;
- condenar a Comissão nas despesas da instância.
- 42.
- A SNCF, interveniente em apoio das conclusões da recorrente no processo
T-374/94, conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- anular a decisão;
- ordenar à Comissão:
a) que declare inaplicáveis o artigo 2.° do Regulamento n.° 1017/68 e o
artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, ou
b) que conceda a isenção sem a condição imposta e por um período
correspondente ao prazo por que os compromissos foram assumidospelas empresas ferroviárias para o financiamento do material
circulante;
- 43.
- Nos processos T-374/94 e T-375/94, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se
digne:
- rejeitar o recurso;
- rejeitar os argumentos da SNCF;
- condenar as recorrentes e a interveniente nas despesas da instância.
- 44.
- No processo T-384/94, a UIC e a NS concluem pedindo que o Tribunal se digne:
- declarar nula a decisão impugnada na sua totalidade;
- a título subsidiário, declarar nulos os artigos 2.° da decisão e o artigo 1.°, na
parte em que este limita o prazo da isenção a um período inferior a 20
anos;
- ordenar qualquer outra medida que, em seu prudente arbítrio, julgue
adequada;
- condenar a Comissão nas despesas.
- 45.
- A SNCF, interveniente em apoio dos pedidos das recorrentes, conclui pedindo que
o Tribunal se digne:
- declarar nula a decisão impugnada na sua totalidade;
- a título subsidiário, declarar nulo o artigos 2.° da decisão, por ser
injustificada a condição imposta e o artigo 1.°, por a Comissão ter concedido
uma isenção por um prazo inferior a 20 anos;
- ordenar quaisquer outras medidas que, em seu prudente arbítrio, julgue
adequadas;
- condenar a Comissão nas despesas.
- 46.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- julgar inadmissível o recurso interposto pela UIC, ou, em qualquer caso,
improcedente;
- rejeitar o recurso interposto pela NS;
- rejeitar os argumentos da interveniente;
- condenar as recorrentes e a interveniente nas despesas da instância.
- 47.
- No processo T-384/94, a SNCF conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- a título principal, anular a decisão impugnada;
- a título subsidiário, anular o artigo 2.° da decisão, por ser injustificada a
condição imposta, bem como o artigo 1.°, por a Comissão ter concedido a
isenção por um prazo inferior a 20 anos;
- ordenar qualquer outra medida que, em seu prudente arbítrio, julgue
adequada;
- condenar a Comissão nas despesas.
- 48.
- Nas observações que apresentou sobre a questão da inadmissibilidade suscitada
pela Comissão, a SNCF conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- julgar o recurso admissível;
- condenar a Comissão nas despesas.
- 49.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- julgar inadmissível o recurso e, em qualquer caso, improcedente;
- condenar a recorrente nas despesas.
- 50.
- O Reino Unido, interveniente em apoio dos pedidos das recorrentes nos processos
T-374/94, T-375/94, T-384/94 e T-388/94, conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- anular a decisão impugnada;
- condenar a Comissão nas despesas.
Quanto à admissibilidade
Quanto à admissibilidade dos pedidos nos processos T-374/94 e T-3375/94
Argumentação das partes
- 51.
- A Comissão considera que os recursos são inadmissíveis, pelo facto de as
recorrentes ENS e EPS, pedirem ao Tribunal que ordene à Comissão a) quedeclare inaplicáveis o artigo 2.° do Regulamento n.° 1017/68 e o artigo 85.°, n.° 1,
do Tratado, b) que conceda a isenção sem a condição imposta pela Comissão e por
um prazo correspondente ao prazo por que os compromissos foram assumidos
pelas empresas ferroviárias para o financiamento do material circulante; e c) a
título subsidiário, que conceda a isenção impondo uma condição que seja
necessária e proporcionada às restrições da concorrência alegadas e por um prazo
correspondente ao prazo por que os compromissos foram assumidos pelas
empresas de transporte ferroviário para o financiamento do material circulante;
Com efeito, segundo jurisprudência constante, o juiz comunitário não tem
competência, no âmbito de um recurso de anulação baseado no artigo 173.° do
Tratado, para dirigir injunções às instituições comunitárias (v., por último, o
acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 1995,
Ladbroke/Comissão, T-74/92, Colect., p. II-115, n.° 75).
- 52.
- As recorrentes, ENS e EPS, retorquem que a Comissão não contesta a
admissibilidade dos seus recursos na parte em que pedem a anulação da decisão,
nem a possibilidade de o Tribunal anular parcialmente a decisão, isto é, a condição
imposta no artigo 2.° desta.
Apreciação do Tribunal
- 53.
- O Tribunal recorda que, segundo jurisprudência constante, não cabe ao juiz
comunitário, no quadro da fiscalização da legalidade por ele exercida, dirigir
injunções às instituições ou substituir-se a estas últimas, mas que incumbe à
administração em causa tomar as medidas que comporta a execução de um
acórdão proferido no quadro de um recurso de anulação. Assim, os pedidos das
recorrentes acima expostos no n.° 41, alíneas a), b) e c), devem ser rejeitados por
inadmissíveis (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Janeiro de 1998,
Ladbroke Racing/Comissão, T-67/94, Colect., p. II-1, n.° 200). Os recursos nos
processos T-374/94 e T-375/94 só são, portanto, admissíveis quanto ao pedido de
anulação da decisão impugnada na sua totalidade (v. acima, n.° 41).
Quanto à admissibilidade do recurso no processo T-384/94
Argumentação das partes
- 54.
- As recorrentes UIC e NS explicam que a UIC é uma associação internacional de
empresas de transporte ferroviário da qual são membros todas as grandes empresas
ferroviárias sediadas nos Estados-Membros da Comunidade Europeia e que tem
por objecto a promoção da cooperação entre esses membros e a organização de
actividades de desenvolvimento do modo de transporte ferroviário na Europa,
consolidando a sua interfuncionalidade, tendo por fim reforçar a sua
competitividade. Segundo o artigo 2.° do seu estatuto, a UIC actua através da
elaboração de normas e linhas directrizes e intervindo junto de outras entidades em
representação e defesa dos interesses comuns dos seus membros. As empresas de
transporte ferroviário estabelecidas na Comunidade estão, além disso,representadas no quadro de um grupo especial designado «Comunidade dos
caminhos de ferro europeus» (a seguir «CCE»).
- 55.
- Sustentam que a UIC, não sendo embora destinatária da decisão impugnada, é, no
entanto, directa e individualmente afectada, na acepção do artigo 173.° do Tratado,
visto que a decisão afecta directamente os interesses dos seus membros
estabelecidos na Comunidade, representados pela CCE, bem como os seus próprios
interesses.
- 56.
- No que diz respeito aos interesses dos seus membros estabelecidos na Comunidade,
as recorrentes alegam que a decisão impugnada é susceptível de desmotivar a UIC
de tomar outras iniciativas inovadoras de cooperação entre empresas de transporte
ferroviário no domínio dos transportes internacionais de passageiros e acrescentam
que o recurso da UIC deveria ser julgado admissível, ao mesmo título que os dos
seus membros estabelecidos na Comunidade, quer sejam quer não sejam
destinatários da decisão.
- 57.
- Quanto ao interesse em agir da UIC, as recorrentes sustentam que a UIC é, ela
própria, directa e individualmente afectada pela decisão, pelo facto de esta
comprometer a plena realização de um dos seus principais objectivos estatutários,
ou seja, o reforço da competitividade da rede internacional de caminhos de ferro.
Acrescentam que embora a UIC não tenha participado no procedimento
administrativo que levou à adopção da decisão impugnada (acórdão do Tribunal
de Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, AAC e o./Comissão, T-442/93,
Colect., p. II-1329), um dos grupos internos à UIC, a CCE, participou
efectivamente em reuniões preparatórias à adopção da Directiva 91/440.
- 58.
- A Comissão alega que a UIC não é individual e directamente afectada pela decisão
impugnada e sustenta que o Tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a
legitimidade da UIC. Com efeito, a jurisprudência que afirma que, no caso de um
só recurso ser interposto por vários recorrentes, basta que um destes tenha
legitimidade para que o recurso seja considerado admissível no seu conjunto seria
susceptível de criar dificuldades relativamente às despesas da instância e ao direito
da recorrente em causa de interpor recurso da decisão a intervir para o Tribunal
de Justiça.
- 59.
- Acrescenta que, segundo a jurisprudência, uma associação, na sua qualidade derepresentante de uma categoria de empresários, não é individualmente atingida por
um acto que afecta os interesses gerais dessa categoria (acórdãos do Tribunal de
Justiça de 14 de Dezembro de 1962, Confédération nationale des producteurs de
fruits et légumes e o./Conselho, 16/62 e 17/62, Colect., p. 175, de 18 de Março de
1975, Union syndicale e o./Conselho, 72/74, Colect., p. 159; Recueil, p. 401, e
despacho do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1979, Fédération nationale des
producteurs de vins de table et vins de pays/Comissão, 60/79, Recueil, p. 2429).
- 60.
- A Comissão sustenta ainda que, não tendo a UIC participado no procedimento
administrativo prévio à adopção da decisão impugnada e não tendo apresentado
observações na sequência da publicação no Jornal Oficial das Comunidades
Europeias das comunicações da Comissão de 29 de Maio de 1993 e de 4 de Junho
de 1994, não teria nem interesse em agir nem legitimidade para interpor o presente
recurso (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 25 de Outubro de 1977,
Metro/Comissão, 26/76, Colect., p. 659, de 11 de Outubro de 1983, Demo-Studio
Schmidt, 210/81, Recueil, p. 3045, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de
24 de Janeiro de 1995, BEMIM/Comissão, T-114/92, Colect., p. II-147). Finalmente,
o papel desempenhado pela CCE no quadro da adopção da Directiva 91/440 não
poderia individualizar a UIC em relação à decisão impugnada.
Apreciação do Tribunal
- 61.
- O Tribunal salienta que a legitimidade da NS enquanto destinatária da decisão
impugnada não foi contestada e que, tratando-se de um único e mesmo recurso,
não há que examinar a legitimidade da UIC (acórdão do Tribunal de Justiça de 24
de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I-1125, n.° 31 e
acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1996,
Skibsværftsforeningen e o./Comissão, T-266/94, Colect., p. II-1399, n.° 51).
Quanto à admissibilidade do recurso no processo T-388/94
Argumentação das partes
- 62.
- A Comissão alega que a decisão impugnada foi notificada à recorrente na sua sede
por carta de 22 de Setembro de 1994, recebida em 29 de Setembro, como o atesta
o aviso de recepção dos correios que foi carimbado pela SNCF com a indicação
desta última data. Nos termos do decidido no acórdão do Tribunal de Justiça de
26 de Novembro de 1985, Cockerill-Sambre/Comissão (42/85, Recueil, p. 3749,
n.° 11), uma notificação na sede de uma sociedade satisfaz o critério da segurança
jurídica e permite à sociedade em causa tomar conhecimento do acto notificado,
independentemente da questão de saber se a pessoa competente para o efeito
segundo as regras internas da sociedade destinatária, pôde efectivamente dele
tomar conhecimento.
- 63.
- Tendo presente que, nos termos do disposto no artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento
de Processo do Tribunal, o prazo para interposição de um recurso de anulação
começa a correr, em caso de notificação, no dia a seguir a esta e que, no total, o
prazo se eleva, neste caso, a dois meses, acrescidos de uma dilação de seis dias
(artigo 102.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância
e artigo 1.° do Anexo II ao Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça), a
data limite para interposição do recurso da SNCF contra a decisão impugnada era
6 de Dezembro de 1994. Interposto em 13 de Dezembro de 1994, o recurso seria,
portanto, manifestamente inadmissível, porque extemporâneo (acórdãos do
Tribunal de Justiça, de 5 de Junho de 1980, Belfiore/Comissão, 108/79, Recueil,p. 1769, de 12 de Julho de 1984, Ferriera Valsabbia/Comissão, 209/83, Recueil,
p. 3089, n.° 14, e Cockerill-Sambre/Comissão, já referido, n.° 10).
- 64.
- A Comissão contesta o argumento da recorrente de que, por a decisão ter sido
entregue a um dos seus empregados não autorizado a receber o correio, não é este
aviso de recepção que deve ser tomado em consideração para o cômputo do prazo
de interposição do recurso, mas um segundo aviso de recepção que vinha dentro
do envelope da decisão e que foi assinado em 7 de Outubro de 1994 por uma
pessoa com competência para tal. A Comissão sublinha, em primeiro lugar, que,
nos termos decididos no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Maio
de 1991, Bayer/Comissão (T-12/90, Colect., p. II-219, n.° 20), o segundo aviso de
recepção incluído no envelope da notificação da decisão não constitui, de forma
alguma, uma segunda notificação distinta da que foi regularmente efectuada por
via postal, dado que o envio por carta registada com aviso de recepção constitui
sempre a forma de notificação adequada, visto permitir determinar com segurança
o início do prazo. O envio de um segundo aviso de recepção destina-se apenas a
permitir à Comissão certificar-se da data em que a empresa em causa tomou
conhecimento da decisão notificada, no caso de a administração dos correios em
causa não cumprir o seu dever, não lhe devolvendo o aviso de recepção depois de
assinado. A precaução de enviar um segundo aviso de recepção não se destinaria,
portanto, a remediar uma eventual deficiência dos correios consistente na entrega,
por lapso, do envio postal a uma pessoa empregada pelo destinatário não
autorizada a receber correio registado, mas sim a deficiência consistente na
eventual omissão de devolução do aviso de recepção. Resultaria, além disso, do
direito francês, que a assinatura do aviso de recepção postal por um funcionário
de uma pessoa colectiva destinatária não habilitado a receber correio registado não
afecta a validade da notificação efectuada por carta registada com aviso de
recepção.
- 65.
- Quanto ao argumento da SNCF baseado na invocação de caso fortuito e de força
maior, a Comissão alega que, segunda a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os
problemas de comunicação no interior da sociedade destinatária não constituem
casos fortuitos ou de força maior (acórdão Cockerill-Sambre/Comissão, já referido,
n.° 12), designadamente quando o desfuncionamento se deve a faltas de serviço dos
assalariados da empresa recorrente (acórdão do Tribunal de Justiça, de 15 de
Dezembro de 1994, Bayer/Comissão, C-195/91 P, Colect., p. I-5619, n.° 33).
- 66.
- Finalmente, quanto ao argumento da SNCF baseado em erro desculpável, a
Comissão sustenta que este conceito só pode reportar-se a circunstâncias
excepcionais, especialmente quando a instituição em causa tenha adoptado um
comportamento susceptível de provocar uma confusão admissível no espírito de um
particular de boa fé que faça prova de toda a diligência exigível a um operador
normalmente prudente (acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 15 de
Março de 1995, Cobrecaf e o./Comissão, T-514/93, Colect., p. II-621, n.° 40). Ora,no presente caso, o erro cometido seria devido ao comportamento de alguém que
não a Comissão.
- 67.
- A SNCF contesta a validade da notificação e, a título subsidiário, alega que, mesmo
que a notificação fosse válida, as circunstâncias em que foi recebida a decisão
notificada são constituintes de caso fortuito ou de força maior ou resultam de erro
desculpável.
- 68.
- Quanto à irregularidade da notificação, a SNCF sustenta que, nos termos do artigo
L 9 do código francês dos correios e telecomunicações, as cartas registadas devem
ser entregues em mão ao destinatário ou ao seu «procurador». De onde resulta
que o aviso de recepção que atesta ter ela recebido a decisão notificada é nulo.
Com efeito, não teria sido assinado por uma das pessoas às quais tinha sido
especificamente delegado o poder de assinar esses avisos de recepção. Além disso,
o agente dos correios teria aceitado que o aviso de recepção fosse assinado por
uma pessoa para tal não habilitada. Finalmente, o aviso de recepção teria sido
enviado à Comissão pelos correios franceses, infringindo a sua obrigação de
verificar a conformidade da assinatura da pessoa que tinha assinado efectivamente
o aviso de recepção com a assinatura da pessoa com poderes para o fazer.
- 69.
- A SNCF sustenta que, segundo a jurisprudência, o facto de um aviso de recepção
ser assinado por uma pessoa para tal habilitada, afecta aos serviços de correio da
empresa destinatária, é um elemento determinante da validade da notificação
(acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Maio de 1991,
Bayer/Comissão, já referido, n.os 4 e 20); conclusões do advogado-geral M. Darmon
no processo em que foi proferido o acórdão Cockerill-Sambre/Comissão, já
referido, p. 3750), como a própria Comissão o teria admitido no processo em que
foi proferido o acórdão Ferriera Valsabbia/Comissão, já referido.
- 70.
- De onde resulta, segundo a SNCF, que é o formulário do aviso de recepção
normal, junto pela Comissão à decisão notificada, a fim de lhe permitir conhecer,
com segurança, a data em que a empresa tomou conhecimento da decisão, que
deve ser tomado em consideração, visto que se destina a remediar as deficiências
dos correios (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Maio de 1991,
Bayer/Comissão, já referido). As deficiências a que a jurisprudência faz referência
não seriam apenas aquelas em que os correios não devolvem o aviso de recepção
à Comissão, mas também aquelas em que os correios apõem eles próprios a data
no aviso, sem recolherem a assinatura de um representante devidamente habilitado
da sociedade destinatária, de modo que um erro dos serviços de correios na sua
função de entrega dos envios registados deveria levar a ignorar as informações aí
apostas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, BASF
e o./Comissão, T-80/89, T-81/89, T-83/89, T-87/89, T-88/89, T-90/89, T-93/89,
T-95/89, T-97/89, T-99/89, T-100/89, T-101/89, T-103/89, T-105/89, T-107/89 e
T-112/89, Colect., p. II-729, n.os 54 a 60). Nestas condições, a data de recepção e,
por conseguinte, a data da notificação, é a data de 7 de Outubro de 1994, indicada
no segundo aviso de recepção.
- 71.
- A título subsidiário, a SNCF sustenta que, mesmo admitindo que o seu recurso é
extemporâneo, essa extemporaneidade é consequência de um caso fortuito ou de
força maior, uma vez que a assinatura do aviso de recepção por uma pessoa não
autorizada é totalmente independente da sua vontade e que, pelo seu lado, fez
prova de toda a diligência necessária para poder receber normalmente os envios
registados. Sublinha, a este propósito, que o agente dos correios que entregou a
decisão notificada em 29 de Setembro de 1994 sabia perfeitamente que a pessoa
que a recebeu não estava para tal habilitada e acrescenta que os tribunais franceses
consideram a entrega dos envios a uma pessoa não habilitada para tal como uma
falta grave dos serviços de correios, susceptível de pôr em causa a responsabilidade
da administração.
- 72.
- Segundo a SNCF, ainda que as circunstâncias da notificação da decisão impugnada
não fossem constitutivas de um caso de força maior, resultariam, pelos menos, de
erro desculpável. Retoma, a este propósito, os argumentos relativos à inobservância
pelos serviços de correios das suas instruções precisas em matéria de recepção dos
envios registados e sustenta que, tendo em conta o modo como estes serviços
cumprem geralmente as suas obrigações, a falta cometida no caso em apreço
constitui um caso isolado e excepcional. Ora, segundo a SNCF, o erro desculpável
tipificar-se-ia quando a deficiência excepcional dos serviços de correios provoca
confusão na empresa destinatária, visto que o conceito de erro desculpável não se
limita aos casos em que é a Comissão a provocar essa confusão (acórdão do
Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1994, Bayer/Comissão, já referido,
n.° 26).
- 73.
- A SNCF acusa ainda a Comissão de práticas pouco rigorosas em matéria de
notificação das decisões e considera que, no presente caso, o erro da SNCF foi
parcialmente provocado por essas práticas. Com efeito, relativamente a envios de
muito menor importância (informação sobre a apresentação de uma denúncia,
convite a apresentar observações), a Comissão teria o cuidado de designar
nominalmente o destinatário, ao passo que envia sem indicação do nome do
destinatário uma decisão final de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratadosusceptível de recurso de anulação, como a do presente caso.
- 74.
- Por último, a SNCF invoca o carácter enganador e susceptível de induzir em erro
da prática da Comissão consistente em juntar o seu próprio aviso de recepção às
decisões que notifica às empresas, sem chamar a atenção dos destinatários sobre
o facto de que uma decisão se considera notificada a partir do momento em que
o destinatário recebe a carta registada e assina o aviso de recepção.
Apreciação do Tribunal
- 75.
- O Tribunal recorda liminarmente que é pacífico que, nos termos das disposições
conjugadas do terceiro parágrafo do artigo 173.° do Tratado, do artigo 102.°, n.° 2,
do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância e do artigo 1.° doAnexo II do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, para o qual remete
o artigo 102.°, n.° 2, o prazo de recurso era, no caso vertente, de dois meses e seis
dias.
- 76.
- O Tribunal lembra, a seguir, que, segundo jurisprudência constante, a aplicação
estrita das regras comunitárias referentes aos prazos processuais dá satisfação à
exigência de segurança jurídica e à necessidade de evitar toda e qualquer
discriminação ou tratamento arbitrário na administração da justiça. É igualmente
jurisprudência constante que a existência de uma notificação válida na sede social
da empresa em causa não está minimamente dependente da tomada de
conhecimento efectivo pela pessoa que, segundo as regras internas da empresa
destinatária, tem competência na matéria, e que uma decisão é validamente
notificada quando é comunicada ao destinatário e este pode dela tomar
conhecimento (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1985,
Cockerill-Sambre/Comissão, já referido, n.° 10, e acórdão BASF e o./Comissão, já
referido, n.os 58 e 59).
- 77.
- Deve, portanto, verificar-se se a notificação à SNCF da decisão impugnada foi
validamente efectuada, nas condições previstas pela legislação aplicável em matéria
de distribuição do correio em França, no sentido de saber se a decisão terá sido
entregue a um empregado da SNCF devidamente habilitado a receber esse correio
(acórdão BASF e o./Comissão, já referido, n.° 60).
- 78.
- Há que salientar, quanto a este aspecto, que, como resulta dos autos e das
respostas da SNCF às perguntas escritas do Tribunal, os serviços de correios
franceses, embora na posse de procurações válidas passadas pela SNCF que
delegavam em pessoas com poderes para tal a recepção do correio endereçado aos
seus diferentes serviços e empregados, não entregaram a decisão ora impugnada
a uma dessas pessoas, mas a um terceiro para tal não habilitado. Ora, como a
recorrente sublinhou, sem ter sido contestada pela Comissão, segundo as regras
aplicáveis em França em matéria de distribuição do correio, os agentes dos correios
franceses só podem distribuir correio registado às pessoas nominalmente indicadas
ou, na ausência destas, aos seus procuradores, isto é, às pessoas munidas de
procuração válida para esse efeito.
- 79.
- De onde resulta que, tendo a decisão impugnada sido entregue, em violação das
regras acima mencionadas, a um agente da recorrente não autorizado a receber
correio, a decisão não foi validamente notificada à SNCF, de modo que o prazo de
recurso só começa a correr a partir da recepção e da assinatura do segundo aviso
de recepção, isto é, em 7 de Outubro de 1994, e não a partir da data da assinatura
do primeiro aviso de recepção, em 29 de Setembro de 1994. O Tribunal entende
que o acórdão Cockerill-Sambre/Comissão, já referido, invocado pela Comissão em
apoio do fundamento baseado no carácter extemporâneo do recurso, não é
pertinente no caso presente, porque esse processo não dizia respeito à questão da
validade da notificação, pelos serviços dos correios, de uma decisão da Comissão
a um funcionário da empresa destinatária devidamente habilitado a receber essecorreio, mas à possibilidade, para a empresa destinatária, na sequência de uma
notificação válida na sua sede social, de justificar a interposição tardia de um
recurso de anulação por invocação das suas regras internas quanto às pessoas
competentes para tomarem efectivamente conhecimento do correio que lhe tinha
sido endereçado (v. n.° 10 do acórdão Cockeril-Sambre/Comissão, já referido). O
mesmo se diga do acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1994,
Bayer/Comissão, já referido, em que não foi contestado que a notificação da
decisão impugnada tinha sido efectuada pelos serviços dos correios em condições
normais a um «representante» do serviço de correio da Bayer. Neste acórdão
também, a questão que se punha era unicamente a de saber se, apesar de a
decisão da Comissão ter sido regularmente notificada na sede social da Bayer, esta
última podia, mesmo assim, basear-se no funcionamento deficiente dos seus
serviços internos para justificar a interposição, fora de prazo, do seu recurso de
anulação (n.os 2 e 20 do acórdão). Ora, como acabámos de sublinhar, é a validade
da notificação, em si, que é posta em causa no presente processo, isto é, o
funcionamento dos serviços de correios (aspecto externo da notificação) e não o
funcionamento interno dos serviços da SNCF (aspecto interno da notificação).
- 80.
- Tendo, assim, sido interposto atempadamente, o recurso da SNCF deve ser julgado
admissível.
Quanto ao mérito
- 81.
- Segundo os fundamentos e argumentos dos recorrentes, a decisão impugnada
deveria ser anulada, essencialmente por quatro razões, a saber: em primeiro lugar,
nenhum dos elementos constitutivos das infracções a que se refere o artigo 85.°,
n.° 1, do Tratado se verifica no caso em apreço, não sendo os acordos ENS
susceptíveis de restringir a concorrência, de modo que a decisão estaria viciada por
uma apreciação incorrecta e incompleta dos factos, bem como por erro de direito
manifesto e falta de fundamentação; em segundo lugar, ao aplicar as regras da
concorrência, a Comissão teria excedido os limites do quadro legal traçado pela
directiva 91/440; em terceiro lugar, a Comissão teria feito depender a isenção
concedida de condições desproporcionadas e, em quarto lugar, a isenção concedida
para os acordos notificados seria demasiado curta (oito anos). Finalmente, no
recurso, T-384/94, a SNCF sustenta, além disso, que a decisão impugnada deverá
ser anulada, por a Comissão ter considerado que os acordos ENS não podiam
beneficiar da excepção por motivos técnicos prevista no artigo 3.° do Regulamento
n.° 1017/68.
Quanto ao primeiro fundamento, baseado em apreciação incorrecta e incompleta dos
factos e em erro de direito manifesto e/ou incumprimento da obrigação de
fundamentar devidamente a decisão impugnada, por a Comissão ter decidido que a
criação da ENS tinha como objectivo ou como efeito restringir a concorrência
- 82.
- Este fundamento subdivide-se em duas vertentes: a primeira, baseada numa errada
definição do mercado relevante e em inexistência de efeitos sensíveis dos acordos
ENS sobre o comércio entre Estados-Membros, e o segundo, na inexistência de
efeitos restritivos da concorrência provocados por esses acordos.
A primeira vertente: quanto à definição do mercado relevante e à inexistência de
efeitos sensíveis dos acordos ENS sobre o comércio entre Estados-Membros
Argumentos das partes
- 83.
- As recorrentes lembram que, na decisão, a Comissão definiu os mercados em causa
como sendo os do transporte, por um lado, de homens de negócios e, por outro,
de turistas em cada uma das linhas asseguradas pela ENS. Alegam que, com base
nas previsões sobre a procura para 1995, constantes da sua notificação (quadro 17,
p. 26 da notificação), os serviços da ENS não cobririam provavelmente mais do que
4% das diferentes partes desses mercados (ou seja, 2,4% do mercado das viagens
de negócios e 5% do mercado das viagens de recreio). Ora, à luz da comunicação
da Comissão de 13 de Setembro de 1986, relativa aos acordos de pequena
importância que não são abrangidos pelo disposto no n.° 1 do artigo 85.° do
Tratado CEE (JO 1986 C 231, p. 2), essas partes de mercado seriam insignificantes.
Ainda que se analisasse cada trajecto em separado, verificar-se-ia pelo quadro 17
da notificação que as únicas partes de mercado de mais de 4%, de que a ENS
provavelmente beneficia são, respectivamente, de 6% e 7% nas viagens de recreio
nas linhas Londres-Amsterdão e Londres-Frankfurt/Dortmund. Quanto à tese da
Comissão de que uma parte de mercado de 5% justificaria que se considerasse a
empresa em causa como tendo importância suficiente para que o seu
comportamento fosse, em princípio, susceptível de afectar as trocas entre
Estados-Membros, as recorrentes remetem para os acórdãos do Tribunal de
Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Langnese-Iglo/Comissão (T-7/93, Colect.,
p. II-1533) e Schöller/Comissão (T-9/93, Colect., p. II-1611), dos quais resultaria
que uma parte de mercado de 5% não basta, por si só, para se concluir pela
existência de uma restrição sensível à concorrência. Na notificação teria sido
sublinhado, além disso, que a parte do mercado da ENS permaneceria estável, ou
mesmo que diminuiria, porque o mercado deveria crescer mais depressa do que a
capacidade da ENS para aumentar a frequência dos seus serviços (notificação,
p. 27, ponto II.4.c.6). O mercado em causa dos dois serviços referidos (viagens de
negócios e de lazer) seria, portanto, muito vasto, e seria evidente que a ENS não
tem o poder de influenciar os preços, a qualidade e a disponibilidade dos serviços,
nem de afastar ou enfraquecer a concorrência.
- 84.
- Quanto à afirmação da Comissão, constante da sua contestação, segundo a qual a
parte do mercado da ENS no segmento das viagens de negócios deveria ser
calculada em relação aos voos do princípio da manhã e do final da tarde em vez
de o ser em relação ao conjunto dos voos disponíveis em cada período de 24 horas
num dado trajecto, as recorrentes sustentam que essa afirmação constitui umaredefinição do mercado em causa e que não é sustentada por nenhuma espécie de
prova.
- 85.
- A Comissão alega que a parte do mercado da ENS não deve ser calculada, como
as notificantes propunham na sua notificação, em relação ao mercado geral de
transporte de passageiros entre o Reino Unido, por um lado, e a França, a
Alemanha e os países do Benelux, por outro, mercado geográfico este em que a
ENS só detém 2,4% do segmento das viagens de negócios e 5% do segmento das
viagens de turismo, ou seja uma parte global de mercado de cerca de 4%. O
mercado em causa limitar-se-ia, com efeito, às linhas efectivamente servidas pela
ENS, ou seja: Londres-Amsterdão, Londres-Frankfurt, Paris-Glasgow/Swansea e
Bruxelas-Glasgow/Plymouth (decisão, ponto 29). Segundo esta definição, a ENS
representaria uma parte do mercado de, pelo menos, 7% no segmento das viagens
de negócios, e de 8%, no segmento das viagens turísticas, segundo os números
fornecidos pelas partes do acordo ENS na respectiva notificação.
- 86.
- Ora, segundo a jurisprudência, uma parte de mercado de 5% justificaria que se
considerasse uma empresa como tendo importância suficiente para que o seu
comportamento, seja, em princípio, susceptível de afectar as trocas comerciais entre
Estados-Membros (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 1 de Fevereiro de 1978,
Miller/Comissão, 19/77, Colect., p. 45, de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion
Française e o./Comissão, 100/80, 101/80, 102/80 e 103/80, Recueil, p. 1825, e de 25
de Outubro de 1983, AEG/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151). A mesma regra
seria válida para as restrições da concorrência susceptíveis de resultar de um
acordo entre empresas. A Comissão sustenta a este propósito que, ao contrário do
que as recorrentes alegam, não resulta dos acórdãos Langnese-Iglo/Comissão e
Schöller/Comissão, já referidos, que uma parte do mercado superior a 5% seja, por
si só, insuficiente para permitir concluir que há uma restrição significativa da
concorrência.
- 87.
- Além disso, segundo a Comissão, a parte do mercado da ENS no segmento das
viagens de negócios do mercado em causa seria muito mais importante. Com
efeito, resultaria da análise do mercado constante da notificação que a parte da
ENS neste segmento do mercado deveria ser calculada exclusivamente em relaçãoaos voos do princípio da manhã e do fim da tarde, em vez de o ser em relação ao
conjunto dos voos disponíveis em cada período de 24 horas numa determinada
linha. A Comissão sublinha ainda que a previsão da parte do mercado só abrange
o ano de 1995, quer dizer, o primeiro ano previsto de exploração dos serviços da
ENS e que, tendo em conta o poder efectivo das empresas de transporte
ferroviário em questão nos mercados em causa e a sua clientela actual e potencial,
é provável que essa parte de mercado aumente. Em consequência, haveria
fundamento para considerar que os acordos ENS eliminam ou restringem
sensivelmente as possibilidades de concorrência.
- 88.
- O Reino Unido, interveniente, sustenta que a definição, pela Comissão, dos
mercados em causa é artificialmente restritiva. Por um lado, o mercado geográfico
deveria abranger, em termos globais, o Reino Unido, a França, a Bélgica, os Países
Baixos, o Luxemburgo e a Alemanha. Por outro, o facto de os mercados em causa
abrangerem diversos modos de transporte só teria sido tomado em consideração
na parte da decisão relativa à concessão de uma isenção ao abrigo do artigo 85.°,
n.° 3, do Tratado. Finalmente, segundo o Reino Unido, as partes num acordo que
possuam uma parte do mercado inferior a 10% não exercem, em regra, nenhum
poder no mercado, qualquer que seja a importância do seu volume de negócios, de
modo que, abaixo desse limiar, só circunstâncias especiais podem tornar o objectivo
ou efeito anticoncorrencial do acordo em questão suficientemente nocivo ou
sensível.
- 89.
- A Comissão replica que a tese do Reino Unido, segundo a qual só uma parte do
mercado de 10% é susceptível de justificar a aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado, não tem qualquer apoio na jurisprudência.
Apreciação do Tribunal
- 90.
- Convém salientar liminarmente que, para apreciar os efeitos dos acordos ENS
sobre a concorrência e o comércio entre Estados-Membros, a Comissão definiu, na
decisão impugnada, dois mercados de serviços relevantes, isto é, o mercado do
transporte de pessoas em viagem de negócios, para as quais o transporte aéreo em
voo regular e o transporte ferroviário de alta velocidade constituem modos de
transporte alternativos (mercado «integrado» das viagens de negócios) e, por
outro, o mercado do transporte de pessoas em viagens de recreio, para as quais os
serviços alternativos podem incluir o avião em classe económica, o comboio, o
autocarro e, eventualmente, o automóvel individual (mercado «integrado» das
viagens de recreio) (pontos 26 e 27 da decisão).
- 91.
- Referindo-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 1989, Ahmed
Saeed Flugreisen e Silver Line Reisebüro (66/86, Colect., p. 803), a Comissão
considerou aliás que o mercado geográfico em causa deveria ser limitado às linhas
efectivamente servidas pela ENS (decisão, pontos 28 e 29), ou seja:
- Londres-Amsterdão,
- Londres-Frankfurt/Dortmund,
- Paris-Glasgow/Swansea,
- Bruxelas-Glasgow/Plymouth.
- 92.
- Não tendo esta definição do mercado geográfico sido posta em causa pelas
recorrentes, os acordos ENS só deveriam ter sido apreciados com base nos quatro
mercados geográficos distintos acima referidos e exclusivamente no âmbito de um
mercado integrado de vários meios de transporte, como o comboio, o avião, o
autocarro e o automóvel. Deve examinar-se, neste quadro, se a Comissão avaliou
correctamente as partes de mercado da ENS para daí concluir que os acordos ENSexerciam um efeito sensível sobre o comércio entre Estados-Membros, dado que,
segundo a notificação das recorrentes, estas partes de mercado não excedem o
limiar crítico dos 5% e são, em qualquer caso, insignificantes.
- 93.
- O Tribunal faz notar, quanto a este aspecto, que a decisão impugnada não contém
qualquer referência às partes de mercado da ENS, nem às partes de mercado dos
outros operadores concorrentes da ENS, que estão igualmente presentes nos
diferentes mercados integrados considerados pela Comissão mercados relevantes
para efeitos de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. De onde resulta que,
mesmo admitindo que, ao contrário do que sustentam as recorrentes, os acordos
ENS são restritivos da concorrência, na falta desses elementos de análise do
mercado relevante na decisão impugnada, o Tribunal não pode pronunciar-se sobre
a questão de saber se as hipotéticas restrições à concorrência têm um efeito
sensível sobre as trocas comerciais entre Estados-Membros e se caem, por isso, sob
a alçada do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, tendo em conta designadamente a
concorrência entre modos de transporte que, segundo a própria decisão, caracteriza
os dois mercados de serviços em causa.
- 94.
- Foi só na fase do processo contencioso no Tribunal que a Comissão se referiu, pela
primeira vez, à notificação das partes para sustentar que resulta desta que,
«mesmo com base nas previsões modestas - e, por natureza, restritivas - da ENS,
que se baseiam numa definição mais restrita do mercado, a parte da Night Services
seria de 7% no segmento das viagens de negócios e de 8% no segmento das
viagens de turismo». Além disso, foi também na fase escrita do processo
contencioso que a Comissão alegou, pela primeira vez, que, relativamente ao
mercado das viagens de negócios, se devia calcular a parte de mercado da ENS em
relação aos voos do princípio da manhã e do fim da tarde, em vez de o ser em
relação ao conjunto dos voos disponíveis em cada período de 24 horas num
determinado trajecto, o que provaria que a parte de mercado da ENS é, de facto,
muito mais importante.
- 95.
- Embora segundo jurisprudência constante, na fundamentação das decisões que é
levada a tomar para assegurar a aplicação das regras da concorrência, a Comissão
não seja obrigada a discutir todas as questões de facto e de direito e todas as
considerações que a levaram a tomar essa decisão, não é menos verdade que a
Comissão está obrigada, nos termos do artigo 190.° do Tratado, a mencionar, pelo
menos, os factos e as considerações que revestem uma importância essencial na
economia da sua decisão, permitindo assim ao tribunal comunitário e às partes
interessadas conhecer as condições em que aplicou o Tratado (acórdão do Tribunal
de Justiça de 17 de Janeiro de 1995, Publishers Association/Comissão, C-360/92 P,
Colect., p. I-23, n.° 39; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 27 de
Novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T-290/94, Colect., p. II-2137, n.° 150,
e de 19 de Fevereiro de 1998, DIR International Film e o./Comissão, T-369/94 e
T-85/95, Colect., p. II-357, n.° 117). Resulta, além disso, da jurisprudência que,
salvo circunstâncias excepcionais, uma decisão deve incluir, no próprio corpo dadecisão, a sua fundamentação e não pode ser fundamentada pela primeira vez e
a posteriori perante o juiz comunitário (acórdão do Tribunal de Primeira Instância,
de 2 de Julho de 1992, Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, T-61/89, Colect.,
p. II-1931, n.° 131, de 21 de Março de 1996, Farrugia/Comissão, T-230/94, Colect.,
p. II-195, n.° 36, e de 12 de Dezembro de 1996, Rendo e o./Comissão, T-16/91 RV,
Colect., p. II-1827, n.° 45).
- 96.
- Resulta desta referida jurisprudência que, quando uma decisão da Comissão que
aplica o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado está viciada por omissões importantes, como
é o caso da referência às partes de mercado das empresas em causa, a Comissão
não pode remediar essa situação, invocando pela primeira vez no Tribunal dados
e outros elementos de análise que permitam verificar que os elementos essenciais
de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, estão efectivamente reunidos nesse caso, salvo se
se tratar de elementos de análise não contestados por nenhuma das partes durante
o procedimento administrativo prévio.
- 97.
- Ora, verifica-se pelas estimativas apresentadas pelas recorrentes na notificação que
as partes de mercado da ENS não deviam exceder 4% e que só com base numa
definição restrita do mercado é que essas partes poderiam eventualmente atingir
7% do mercado das viagens de negócios e 8% do mercado das viagens de recreio
(v. ponto 2.1.2. do resumo da notificação), sem, no entanto, exercerem um efeito
sensível sobre a concorrência. De onde resulta que, no que se refere aos efeitos dos
acordos ENS sobre o comércio entre Estados-Membros, as recorrentes e a
Comissão não partiam da mesma premissa, considerando as primeiras que os
acordos em questão não tinham um efeito sensível sobre o comércio
intracomunitário. Em consequência, a Comissão era obrigada a fundamentar de
modo suficiente a importância dos efeitos dos acordos ENS sobre o comércio
interestatal.
- 98.
- Acrescente-se, por outro lado, que, ainda que fosse admissível que a Comissão
viesse invocar pela primeira vez, no Tribunal, dados e outros elementos de análise
para justificar a correcção da sua decisão, mesmo assim as conclusões retiradas
pela Comissão da notificação das partes (v. supra, n.° 94) não são correctas. Com
efeito, resulta do quadro 17 da notificação (p. 26), que as partes de mercado da
ENS no segmento das viagens de negócios se situam abaixo dos 5% em todas as
linhas em causa:
- Londres-Amsterdão : 3%
- Londres-Frankfurt/Dortmund : 3%
- Paris-Glasgow/Swansea : 4%
- Bruxelas-Glasgow/Plymouth : 1%
- 99.
- Quanto ao segmento das viagens de recreio, resulta ainda do quadro 17 da
notificação das partes que, em duas das quatro linhas que só a ENS assegura, a
parte do mercado da ENS excede os 5%, sem atingir, de qualquer modo, o limiar
dos 8% a que se refere a Comissão:
- Londres-Amsterdão : 7%
- Londres-Frankfurt/Dortmund : 6%
- Paris-Glasgow/Swansea : 4%
- Bruxelas-Glasgow/Plymouth : 4%
- 100.
- Resulta igualmente da notificação que as partes de mercado da ENS no mercado
das viagens de recreio deviam permanecer estáveis ou mesmo diminuir na
perspectiva de um crescimento do conjunto do mercado e tendo em conta as
possibilidades limitadas de aumento da capacidade da ENS. Ora, se é verdade que,
como acabamos de recordar, a Comissão não é obrigada a discutir todas as
questões de facto e de direito suscitadas no decurso do procedimento
administrativo prévio à adopção da decisão impugnada, este último argumento das
notificantes era essencial em apoio da tese do carácter insignificante dos efeitos dos
acordos ENS sobre o comércio interestatal. Não se pode, portanto, concluir, como
o fez a Comissão, que, segundo a notificação, a parte do mercado da ENS no
mercado das viagens de recreio era de 8%, ou sequer que excedia 5%.
- 101.
- Saliente-se a este propósito que, se é verdade que nos pontos 2.1.2. do resumo da
notificação e II.4.c.5.2.(d) da notificação, as partes afirmaram designadamente que
a parte de mercado da ENS poderia eventualmente vir a atingir 7% no segmento
das viagens de negócios e 8% no segmento das viagens turísticas, há que sublinhar
que, segundo as notificantes, essas partes de mercado só deveriam ser assim
consideradas no quadro de uma definição mais restrita do mercado, baseada em
itinerários de «cidade a cidade» («city to city flows») e excluindo a concorrência
residual dos automóveis e dos autocarros. Além disso, estas estimativas das partes
reportar-se-iam a partes médias de um mercado geográfico global e não aos quatro
itinerários efectivamente assegurados pela ENS e considerados justamente pela
Comissão como sendo os diferentes mercados geográficos relevantes no quadro dos
quais os acordos ENS deviam ser apreciados. De onde resulta que, não tendo a
decisão impugnada, por um lado, definido os mercados em causa em relação a um
tráfego «de cidade a cidade», mas em relação a um tráfego que inclui vários
destinos (por exemplo, de Paris para Glasgow e Swansea) e, por outro, não tendo,
de modo nenhum excluído da definição do mercado a concorrência residual dos
automóveis e dos autocarros, e não tendo, finalmente, apreciado os efeitos dos
acordos ENS com base num mercado geográfico global, mas com base nos quatroitinerários efectivamente assegurados pela ENS, a Comissão não podia ter optado
pelas partes de mercado de 7% e 8% referidas.
- 102.
- De qualquer modo, mesmo que, como acabámos de verificar, a parte da ENS no
mercado do transporte de turistas excedesse, de facto, 5% em determinadas linhas,
elevando-se assim a 7% na rota Londres-Amsterdão e a 6% na rota
Londres-Frankfurt/Dortmund (v. supra, n.° 94), há que recordar que, segundo a
jurisprudência, um acordo pode escapar à proibição do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado quando apenas afecta o mercado de modo insignificante, tendo em conta
a posição pouco relevante que os interessados ocupam no mercado dos produtosou dos serviços em causa (acórdão de 9 de Julho de 1969, Völk, 5/69, Colect.
1969-1970, p. 95, n.° 7). No que se refere ao aspecto quantitativo da influência no
mercado, a Comissão alega que, em conformidade com a sua comunicação relativa
aos acordos de pequena importância, já referida, o artigo 85.°, n.° 1, se aplica a um
acordo quando a parte do mercado dos contratantes é de 5%. O Tribunal verifica,
no entanto, que o simples facto de se atingir esse limiar ou mesmo de o exceder
não permite concluir, com certeza, que um acordo fica abrangido pela proibição
do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Com efeito, resulta do próprio texto do ponto 3
desta comunicação que «a definição quantitativa do carácter sensível, dada pela
Comissão, não tem, contudo, valor absoluto» e que «é perfeitamente possível que,
em casos concretos, acordos concluídos por empresas que excedem os limiares...
indicados não afectem o comércio entre Estados-Membros ou a concorrência senão
numa medida insignificante, não sendo, por consequência, abrangidos pelo n.° 1 do
artigo 85.°» (v. também o acórdão Langnese-Iglo/Comissão, já referido, n.° 98).
Além disso, e a título puramente indicativo, deve observar-se que esta análise é
corroborada pela comunicação da Comissão de 1997 relativa aos acordos de
pequena importância (JO 1997 C 372, p. 13), que substitui a comunicação de 3 de
Setembro de 1986 acima citada, segundo a qual mesmo acordos que não são de
pequena importância podem não ser abrangidos pela proibição de acordos,
decisões e práticas concertadas devido aos seus efeitos exclusivamente positivos
sobre a concorrência.
- 103.
- Nestas condições, o Tribunal entende que, num caso como o presente em que
acordos horizontais entre empresas atingem ou excedem por pouco o limiar dos
5% considerado pela própria Comissão como o limiar crítico, susceptível de levar
à aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, a Comissão é obrigada a explicar de
modo suficiente as razões por que entende que esses acordos estão abrangidos pela
proibição do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. E é por maioria de razão assim quando,
como no presente caso, por um lado, como as recorrentes explicaram na sua
notificação, a ENS tem de operar em mercados que são, em larga medida,
dominados por outros meios de transporte, como o avião, e quando, por outro
lado, como alegam as recorrentes colocando-se na perspectiva de um acréscimo da
procura nos mercados relevantes e tendo em consideração as possibilidades
limitadas de aumento da capacidade da ENS, as suas partes do mercado irão
diminuir ou permanecer estáveis. Essa fundamentação era igualmente necessária
no presente caso pelo facto de que, como o Tribunal de Justiça afirmou no
acórdão Musique Diffusion Française e o./Comissão, já referido, um acordo é
susceptível de exercer uma influência sensível sobre a corrente das trocas
comerciais entre Estados-Membros, ainda que as partes do mercado das empresas
recorrentes não excedam 3%, se estas partes de mercado forem superiores às de
terceiros concorrentes (n.° 86).
- 104.
- Ora o Tribunal verifica que, no presente caso, essa fundamentação não existe.
- 105.
- Resulta do que acima se disse que a decisão impugnada não está suficientemente
fundamentada de modo a permitir ao juiz comunitário pronunciar-se sobre aspartes detidas pela ENS nos diversos mercados relevantes e, portanto, sobre os
efeitos sensíveis dos acordos ENS no comércio entre Estados-Membros, de modo
que a decisão deve ser anulada, com este fundamento.
A segunda vertente: quanto à apreciação dos efeitos restritivos dos acordos ENS sobre
a concorrência
Argumentação das partes
- 106.
- As recorrentes sustentam que os acordos ENS não restringem a concorrência nem
entre os fundadores, nem entre estes e a ENS, nem em relação a terceiros e que
não há nenhum reforço das alegadas restrições à concorrência que resulte da
presença de redes de empresas comuns no mercado ferroviário. Sustentam
igualmente que os efeitos favoráveis resultantes dos acordos ENS são mais
importantes do que as pretensas restrições daí resultantes. A decisão estaria, pois,
viciada por falta de fundamentação, ou, pelo menos, por erros manifestos de
apreciação.
- 107.
- No que se refere, em primeiro lugar, às restrições da concorrência entre
fundadores e entre estes e a ENS, as recorrentes alegam que, tendo em conta as
importantes dificuldades com que se irão deparar as empresas de transporte
ferroviário e a ENS, não se pode afirmar que poderá aparecer nesses mercados
uma concorrência significativa entre as empresas de transporte ferroviário em torno
dos novos serviços propostos pela ENS. A ENS e a EPS invocam, a este propósito,
uma carta de Lazard Brothers, de 27 de Abril de 1992, enviada à BR (anexo 7 da
notificação), da qual se depreenderia que nenhuma das empresas de transporte
ferroviário teria assumido sozinha esses riscos - o que a própria Comissão teria
reconhecido na sua decisão. Além disso, a aquisição do material circulante
implicaria diversos custos fixos, de um tal montante que uma empresa só poderia
ter lucros se a sua produção atingisse um volume mínimo do nível que a ENS
espera realizar. Individualmente, nenhuma das empresas de transporte ferroviário
teria podido aumentar o volume dos seus serviços de modo a atingir essa
quantidade mínima.
- 108.
- Quanto a este aspecto, a UIC e a NS acrescentam que não pode haver restrições
à concorrência potencial entre as partes nos acordos ENS, posto que, segundo a
Directiva 91/440, nenhuma das empresas de transporte ferroviário está em
condições de assegurar por si só qualquer das linhas em causa, mas é obrigada a
participar num agrupamento internacional. Por exemplo, a linha
Londres-Amsterdão não poderia ter sido assegurada pela SNCF e pela EPS sem
a participação da NS. Sendo a EPS e a NS «parceiros obrigatórios» em qualquer
agrupamento internacional que assegure esta linha, a participação suplementar da
SNCF, que não seria um concorrente actual nem potencial da NS ou da EPS na
linha em causa não poderia, portanto, constituir uma restrição à concorrência.
Quanto ao facto de a ENS assegurar uma linha cujo ponto de destino se situa naBélgica, sem que a empresa ferroviária belga, a SNCB, participe nos acordos ENS,
as recorrentes sublinham que o facto de a SNCB ter que fornecer à ENS «serviços
indispensáveis» resulta de uma decisão puramente comercial e não de uma
obrigação imposta pelo direito comunitário.
- 109.
- Se as quatro linhas asseguradas pela ENS devessem ser consideradas como
constituindo quatro mercados geográficos distintos (decisão, n.° 29), isso teria como
consequência que as quatro ligações também não poderiam ser consideradas como
estando em concorrência recíproca, pelo que a exploração combinada dessas
quatro ligações por um único agrupamento não poderia constituir uma restrição à
concorrência.
- 110.
- A tese de que os acordos ENS restringem a concorrência entre as partes nos
acordos e novas empresas ferroviárias, incluindo filiais de empresas existentes seria
igualmente infundada. Posto que se trataria, nesse caso, de empresas novas, esta
consideração seria efectivamente impertinente no quadro da análise de eventuais
restrições à concorrência entre empresas participantes. A afirmação de que os
fundadores poderiam criar fora do seu país de estabelecimento, em países onde a
ENS está presente, filiais que poderiam adquirir o estatuto de «empresas de
transporte ferroviário» na acepção da Directiva 91/440, e com as quais nenhuma
das empresas de transporte ferroviário em causa poderia organizar transportes
nocturnos através de um agrupamento que excluísse qualquer outro participante
da ENS, seria meramente hipotética. Por um lado, nenhuma das empresas de
transporte ferroviário que participam na ENS possui efectivamente essas filiais. Por
outro, as empresas ferroviárias não teriam a possibilidade de criar filiais com o
estatuto de empresas de transporte ferroviário nos Estados-Membros onde estão
estabelecidas outras empresas de transporte ferroviário, pelo menos antes de
entrarem em vigor as duas propostas de directiva que completam o quadro
regulamentar da Directiva 91/440. Aliás, mesmo que esse quadro legal já existisse,
seria totalmente irrealista, numa perspectiva comercial, pensar que a DB, por
exemplo, criaria a sua própria empresa ferroviária nos Países Baixos para explorar
com a EPS uma ligação ferroviária nocturna entre o Reino Unido e Amsterdão
sem passar pela NS. De qualquer modo, as conclusões da Comissão prestar-se-iam
tanto mais a contestação quanto a cooperação no interior da ENS não é exclusiva,
não havendo nada nos acordos ENS que impeça os participantes de entrarem num
agrupamento concorrente da ENS.
- 111.
- A SNCF acrescenta a este propósito que, ao contrário do que sustenta a Comissão,
a possibilidade, para as companhias ferroviárias, de criarem filiais noutro
Estado-Membro para constituírem com elas agrupamentos não existe, porque
existem monopólios legais nos Estados-Membros e porque não existe legislação do
Conselho que confira esse direito de estabelecimento. Por outro lado, a
participação de várias empresas ferroviárias nos acordos ENS não teria
consequências, uma vez que operam em eixos distintos e não estão, portanto, em
situação de concorrência em cada um dos outros mercados geográficos
considerados. Finalmente, a SNCF sublinha que os riscos financeiros ligados àconstituição da ENS não são suportáveis por uma única empresa, como a própria
Comissão admite no ponto 63 da sua decisão.
- 112.
- Do mesmo modo, o argumento da Comissão de que cada empresa ferroviária
poderia desempenhar o papel de «operador de transporte» ferroviário fora do seu
país de estabelecimento, através da compra às empresas em causa dos serviços
ferroviários indispensáveis, assentaria numa descrição pouco realista do mercado
e seria incompatível com o regime instituído pela Directiva 91/440. Não faria,
assim, sentido, por exemplo, imaginar que a DB teria interesse em criar uma
estrutura especial e em negociar direitos de acesso com o gestor da infra-estrutura
britânica, a SNCF e a NS, para criar uma ligação ferroviária nocturna entre
Amsterdão e Londres. Esse comportamento não seria, aliás, comercialmente
possível, não dispondo nenhuma das partes nos acordos ENS de meios financeiros
e comerciais suficientes para tal.
- 113.
- O raciocínio da Comissão basear-se-ia igualmente numa descrição do mercado
incompatível com o regime da Directiva 91/440. Com efeito, ao efectuar uma
distinção artificial entre as empresas de transporte ferroviário e uma nova categoria
hipotética de participantes no mercado, chamados «operadores de transporte», a
Comissão teria criado direitos de acesso e trânsito não previstos pela directiva. A
análise da Comissão levaria, aliás, a considerar que qualquer formação de um
agrupamento internacional restringe, por si só, a concorrência, pelo simples facto
de que os seus participantes teriam podido criar um outro agrupamento. Este
raciocínio seria tanto mais inaceitável quanto seria impossível, para as empresas de
transporte ferroviário participantes, determinar como é que os serviços da ENS
deverão ser estruturados após o termo da isenção concedida, o que tem como
efeito desencorajar outras iniciativas das empresas ferroviárias da Comunidade em
matéria de novos serviços internacionais de transporte.
- 114.
- Em segundo lugar, no que se refere a alegadas restrições ao acesso de terceiros
(pontos 46 a 48 da decisão impugnada), as recorrentes sustentam que a análise da
Comissão está viciada por erros de facto e de direito. Primeiro, a possibilidade de
exclusão de terceiros deveria ser apreciada em relação aos mercados integrados em
causa nos quais a empresa comum irá operar e nos quais, segundo os pontos 26 e
27 da decisão, existem outros meios de transporte alternativos. Ora, a análise emquestão basear-se-ia numa outra definição de mercado, isto é, o mercado de
fornecimento de serviços ferroviários indispensáveis, que é diferente da definição
expressamente escolhida na decisão.
- 115.
- Segundo, a apreciação da Comissão basear-se-ia na premissa, errada, de que a
ENS deve ser considerada como um «operador de transporte» ao qual as
sociedades-mãe fornecem serviços ferroviários. Ora, a ENS é, não um operador de
transporte, mas um agrupamento internacional de empresas de transporte
ferroviário na acepção da Directiva 91/440, constituído com o objectivo de permitir
às suas empresas fundadoras fornecer prestações de transporte internacional depassageiros, nos termos do n.° 1 do artigo 10.° da directiva. O facto de as
sociedades-mãe terem optado por um agrupamento sob a forma de sociedade é
irrelevante para efeitos da caracterização jurídica da ENS. Assim, ao contrário do
que sustenta a Comissão, uma vez que as empresas fundadoras fornecem, elas
próprias, através do agrupamento em causa, prestações de transporte de
passageiros, não pode existir um mercado a montante de fornecimento de serviços
ferroviários a operadores e um outro mercado distinto, no qual operaria a ENS,
como se afirma na decisão. Em qualquer caso, as conclusões da Comissão
assentariam no pressuposto errado de que um «operador de transporte», qualquer
que seja a sua natureza (por exemplo, uma cadeia hoteleira) pode pedir o
fornecimento da locomotiva.
- 116.
- Terceiro, o argumento da Comissão basear-se-ia na hipótese errada de que a EPS
é uma filial a 100% da BR e/ou do gestor de infra-estrutura britânico Railtrack e
que ocupa uma posição dominante no Reino Unido, quando, na realidade, a EPS
foi cedida pela BR ao Governo do Reino Unido (v. supra, n.° 11) e a sua posição
está longe de ser dominante em qualquer mercado. Com efeito, a EPS teria
lembrado à Comissão, na sua carta de 30 de Junho de 1994 (anexo 9 à petição
inicial), que não é nem proprietária nem gestora de infra-estruturas e que só tem
acesso às linhas horárias que lhe estão reservadas e de que necessita na rede do
Reino Unido, que representam uma pequena parte das linhas horárias nos trajectos
em causa. Do mesmo modo, a EPS só emprega pouco pessoal ferroviário e o seu
parque de locomotivas é reduzido. De onde resultaria que a EPS não está em
posição dominante quanto ao acesso à infra-estrutura da rede britânica.
- 117.
- Quarto, a Comissão não teria explicado como é que o alegado poder económico
das empresas de transporte ferroviário participantes constitui, enquanto tal, um
obstáculo ao acesso de terceiros ao mercado. Com efeito, o argumento baseado na
existência de concorrentes actuais ou potenciais, bem como no prejuízo que seria
causado à concorrência nos mercados a montante pelas alegadas relações
privilegiadas entre as empresas de transporte ferroviário e a ENS é meramente
especulativo. Mesmo que as empresas de transporte ferroviário sejam as únicas a
possuir locomotivas e ainda que cada uma delas recuse fornecer locomotivas a um
novo operador, o efeito nos mercados em causa, correctamente definidos, seria, de
facto, mínimo. Por outro lado, segundo a Directiva 91/440, as empresas de
transporte ferroviário participantes são, de qualquer modo, obrigadas, na sua
qualidade de gestoras de infra-estruturas, a fornecer determinados serviços a
terceiros. Além disso, a aquisição de locomotivas (designadamente usadas) por
locação, leasing ou qualquer outro meio não representa nenhum investimento de
grande monta para terceiros e nada permite à Comissão presumir que só as
empresas ferroviárias em causa possuem esses meios ou que qualquer novo
candidato teria dificuldades em obtê-los. Seria possível, além disso, em vez de
encomendar locomotivas novas ou especiais, adaptar as locomotivas existentes a
fim de as tornar aptas à circulação no túnel do canal da Mancha. Em qualquer
caso, o simples facto de a criação de uma empresa comum necessitar de
determinados investimentos importantes em capital não pode ser considerado comouma barreira à entrada no mercado. Quanto à referência feita pela Comissão nos
articulados por ela apresentados ao efeito de exclusão que derivaria da convenção
de utilização do túnel do canal da Mancha, as recorrentes sustentam que esta
convenção foi objecto de uma isenção concedida pela Comissão nos termos do n.° 3
do artigo 85.° do Tratado e sublinham que as linhas horárias a utilizar pela ENS
são uma parte das linhas reservadas pela convenção Eurotunnel à SNCF e à BR,
de modo que o número de linhas reservadas a terceiros não é diminuído.
- 118.
- Em terceiro lugar, relativamente aos efeitos restritivos devidos à existência de uma
rede de empresas comuns, as recorrentes sublinham que essas outras empresas
comuns operam em mercados de produtos ou de serviços diferentes do mercado
em que a ENS operará, isto é, o mercado do transporte combinado de mercadorias
e o mercado do transporte ferroviário de veículos, e que não exercem actividades
concorrentes nem sequer complementares. Ora a decisão não conteria qualquer
análise do modo como a alegada existência de uma rede de empresas comuns
ferroviárias afecta a concorrência no mercado do transporte de passageiros e
estaria, além disso, em contradição com os princípios defendidos pela Comissão na
sua comunicação de 1993.
- 119.
- Por último, no que diz respeito à apreciação global dos efeitos dos acordos ENS,
a ENS e a EPS alegam que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de
Justiça (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 30 de Junho de 1966, LTM, 56/65,
Colect. 1965-1968, p. 381; de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão,
56/64 e 58/64, Colect. 1965-1968, p. 423; Metro/Comissão, já referido; de 8 de
Junho de 1982, Nungesser e Eisele/Comissão, 258/78, Recueil, p. 2015; de 28 de
Janeiro de 1986, Pronuptia, 161/84, Colect., p. 353, e de 28 de Fevereiro de 1991,
Delimitis, C-234/89, Colect., p. I-935), os efeitos favoráveis de um acordo sobre a
concorrência devem ser ponderados em relação aos efeitos anticoncorrenciais. Se
os efeitos favoráveis à concorrência forem mais importantes do que os efeitos
anticoncorrenciais e se estes últimos forem necessários à aplicação do acordo, este
não pode considerar-se como tendo por objecto ou por efeito impedir, restringir
ou falsear a concorrência no interior do mercado comum, para efeitos do artigo
85.°, n.° 1, do Tratado.
- 120.
- As recorrentes sustentam, quanto a este aspecto, que os acordos em questão
contribuem largamente para favorecer a concorrência nos dois mercados de
serviços em causa, tal como estes são definidos nos pontos 26 e 27 da decisão. O
mercado do transporte de passageiros em viagens de negócios, por exemplo, para
destinos assegurados pela ENS seria dominado por um reduzido número de
companhias aéreas, que, segundo o estudo do fluxo internacional de passageiros
(International Passenger Survey) efectuado pelo Office of Population Censures and
Surveys, detinham 74% deste mercado em 1991. A ENS teria demonstrado
igualmente, na sua notificação, que podia vir a obter 7% deste mercado, quando
as companhias aéreas deverão deter 78%, pelo que a criação da ENS atenua, em
certa medida, o domínio do mercado pelas transportadoras aéreas. A Comissãoteria, aliás, admitido que a situação era a mesma no mercado das viagens de
turismo. Em última análise, os efeitos favoráveis dos acordos em causa são,
portanto, mais importantes do que qualquer efeito anticoncorrencial hipotético.
- 121.
- A Comissão explica que o facto de os participantes na ENS terem assumido riscos
comerciais consideráveis e suportado custos elevados não significa que uma
concorrência importante entre as empresas de transporte ferroviário em causa no
mercado relevante seja improvável. Segundo a Comissão, uma empresa ferroviária
estabelecida num Estado-Membro tem direito a constituir um agrupamento
internacional com outra empresa ferroviária estabelecida noutro Estado-Membro,
adquirindo à Eurotunnel, na qualidade de gestora da infra-estrutura, as linhas
horárias necessárias para atravessar o túnel do canal da Mancha, a fim de explorar
serviços de transportes internacionais (decisão, ponto 42). Além disso, qualquer
empresa ferroviária parte no acordo ENS pode colocar-se ela própria em situação
de «operador de transporte» e criar uma filial que, através da aquisição às
empresas em causa dos serviços ferroviários indispensáveis, poderia igualmente
explorar serviços internacionais de transporte (decisão, pontos 43 e 44). Ao
concederem a exploração e a comercialização destes serviços à sua empresa
comum ENS, as recorrentes restringem consideravelmente as possibilidades de
concorrência no mercado em causa (decisão, ponto 45). Finalmente, a prova de
que a possibilidade, para uma empresa ferroviária parte nos acordos ENS, de criar
uma filial no Reino Unido e/ou noutros Estados-Membros não é irrealista nem
ilusória seria dada pela decisão da empresa ferroviária alemã DB de formar uma
empresa comum com os caminhos-de-ferro austríacos, a fim de explorar serviços
nocturnos entre as cidades suíças, alemãs e austríacas.
- 122.
- Quanto ao facto de cada uma das recorrentes ser um parceiro obrigatório na
exploração das linhas servidas pela ENS, a Comissão riposta que a ENS não é uma
empresa ferroviária na acepção da Directiva 91/440, mas um «operador de
transporte» que adquire os serviços ferroviários necessários às empresas de
transporte ferroviário. Além disso, o facto de a linha Bruxelas-Glasgow/Plymouth
dever ser explorada pela ENS, embora a SNCB não seja parte no acordo,
demonstra que a participação de cada uma das quatro empresas de transporte
ferroviário estabelecidas nos Estados-Membros em causa não era uma condição
sine qua non da exploração desses serviços.
- 123.
- Relativamente ao argumento das recorrentes de que não seria possível, para as
empresas de transporte ferroviário em causa, criar filiais com o estatuto de
empresas de transporte ferroviário nos diferentes Estados-Membros e constituir
assim outros agrupamentos internacionais em concorrência com a ENS, a Comissão
alega que não existe nenhum obstáculo jurídico que impeça as empresas
ferroviárias de se estabelecerem noutros Estados-Membros. O princípio da
liberdade de estabelecimento do artigo 52.° do Tratado tornou-se plenamente
aplicável desde o termo do período de transição, de modo que o facto de o
Conselho não ter ainda adoptado, na altura em que foi publicada a decisão
impugnada, a proposta de directiva relativa às autorizações das empresas detransporte ferroviário seria irrelevante, uma vez que o objectivo dessa directiva era
apenas o de facilitar o exercício do direito de estabelecimento, e não o de conferir
tal direito (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 1974, Reyners, 2/74,
Colect., p. 325).
- 124.
- Quanto ao argumento das recorrentes de que o quadro jurídico criado pela
Directiva 91/440 não permite às empresas de transporte ferroviário criar uma filial
na qualidade de operador de transporte, a Comissão salienta que, se é verdade que
esta directiva só se aplica às empresas de transporte ferroviário cuja actividade
principal consista na prestação de serviços de transporte de mercadorias e/ou de
passageiros por caminho-de-ferro, devendo a tracção ser obrigatoriamente
assegurada por essa empresa (artigo 3.°), não é menos verdade que os operadores
de transporte que não têm eles próprios o estatuto de empresa de transporte
ferroviário na acepção do artigo 3.° desta directiva, e que não dispõem assim do
direito de acesso à infra-estrutura ferroviária, podem, no entanto, oferecer serviços
de transporte de mercadorias por caminho de ferro e/ou outros serviços, adquirindo
às empresas de transporte ferroviário os serviços de tracção e o direito de acesso
à infra-estrutura ferroviária. Seria precisamente assim que operaria a ACI
relativamente ao transporte combinado e a ENS relativamente ao transporte de
passageiros.
- 125.
- A Comissão sublinha a este propósito que já defendeu esta tese nas cartas que
enviou às notificantes em 29 de Outubro de 1993 (documento n.° 4 junto à
contestação) e em 28 de Fevereiro de 1994 e que, depois de ter consultado as
empresas de transporte ferroviário que fazem parte da ENS, o presidente da ENS,
por carta de 13 de Abril de 1994, dirigida à Comissão (documento n.° 6 junto à
contestação), confirmou o acordo das suas empresas para fornecimento de serviços
nocturnos aos concorrentes da ENS nas mesmas linhas.
- 126.
- Quanto ao facto de os acordos ENS não conterem nenhuma cláusula de
exclusividade e não impedirem, por conseguinte, as empresas ferroviárias
interessadas de constituírem agrupamentos internacionais diferentes capazes decompetir com a ENS, a Comissão sublinha que essa hipótese é altamente
improvável, dado que, no decurso do procedimento administrativo, as empresas de
transporte ferroviário em causa insistiram na necessidade de conjugar as suas
experiências e os seus recursos financeiros para assegurar o sucesso comercial da
ENS.
- 127.
- A Comissão contesta, a seguir, que tenha apreciado incorrectamente os efeitos
restritivos do acordo ENS sobre os terceiros e remete, quanto a este aspecto, para
os pontos 46 a 48 da decisão impugnada. A Comissão entende que, se a formação
da ENS não cria restrições ao acesso de terceiros aos outros modos de transporte,
que são alternativos dos serviços prestados pela ENS, o acesso das empresas
ferroviárias e dos operadores de transporte ao segmento ferroviário do mercado
relevante poderia, porém, ser entravado, pelo facto de a ENS ser constituída porempresas de transporte ferroviário poderosas que controlam tanto a utilização da
infra-estrutura ferroviária como o abastecimento em serviços de tracção. Segundo
a Comissão, não é indispensável que esse entrave ao acesso se produza em relação
a cada segmento do mercado, quando se trata, como no presente caso, de um
mercado complexo. Acrescenta que o facto de a convenção Eurotunnel, assinada
entre a Eurotunnel, a BR e a SNCF, ter sido objecto de uma decisão de isenção
ao abrigo do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado não retira pertinência à avaliação da
posição económica da EPS e da SNCF, que detêm 75% das linhas horárias
reservadas aos comboios internacionais no túnel do canal da Mancha.
- 128.
- Relativamente às restrições da concorrência decorrentes do fornecimento à ENS
de serviços ferroviários indispensáveis, a Comissão reconhece que, relativamente
às linhas horárias, os agrupamentos internacionais podem, nos termos da directiva,
adquirir directamente aos gestores de infra-estrutura acesso à infra-estrutura. Tal
não seria, porém, aplicável aos operadores de transporte tanto em relação às linhas
horárias como em relação ao fornecimento da tracção e do pessoal qualificado.
Com efeito, tendo em conta que a tracção só pode ser assegurada pelas empresas
de transporte ferroviário e que estas empresas detêm tanto as locomotivas
destinadas à tracção no túnel do canal da Mancha como o pessoal especializado
capaz de as pôr em funcionamento, justificar-se-ia a conclusão de que operadores
económicos que tentassem obter serviços semelhantes ficariam em desvantagem,
se não os obtivessem em condições não discriminatórias às sociedades-mãe da ENS.
- 129.
- Relativamente à participação das empresas fundadoras numa rede de empresas
comuns, a Comissão sustenta que esta rede é uma rede de exploração de serviços
de transporte de mercadorias e de passageiros, isto é, a empresa Intercontainer,
de que são membros todas as empresas notificantes, a empresa ACI, criada pela
BR, a SNCF e Interncontainer e, por último, a empresa Autocare Europe. O
argumento de que as empresas comuns de transporte combinado de mercadorias
e de transporte ferroviário de veículos automóveis não influenciariam os serviços
nocturnos de transporte de passageiros como os que a ENS explora não teria
fundamento, uma vez que, segundo a comunicação de 1993, o jogo da concorrência
é mais gravemente afectado quando se multiplicam as empresas comuns criadas
para produtos ou serviços complementares ou diferentes entre parceiros
concorrentes de um mesmo sector com estrutura oligopolística.
- 130.
- A Comissão contesta, por último, o argumento de que os acórdãos a que as
recorrentes se referem lhe imponham uma obrigação de aplicar uma «regra de
razoabilidade» («rule of reason») e que aprecie os efeitos positivos e negativos do
acordo em causa sobre a concorrência. Esta abordagem só deveria ser adoptada
no quadro do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado e não para efeitos da apreciação das
restrições à concorrência no quadro do n.° 1 do mesmo artigo 85.°.
- 131.
- O Reino Unido, interveniente, sustenta, em primeiro lugar, que, no quadro da
aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado aos acordos ENS, a Comissão não teve
em conta o contexto económico e designadamente a concorrência existente semesses acordos. Os acordos ENS não restringiriam a concorrência, uma vez que
foram concebidos para permitir e facilitar o lançamento de um serviço que não
existe actualmente e que nenhuma empresa poderia, com razoabilidade, criar
sozinha.
- 132.
- Diferentes passagens da fundamentação da decisão controvertida comprovariam
aliás a natureza favorável à concorrência dos acordos ENS, a novidade do serviço
oferecido, os riscos financeiros importantes que implica, a justificação, tanto
financeira como técnica, de uma colaboração, a conjugação do know how e a
necessidade de esperar vários anos até que os investimentos sejam rentáveis
(pontos 59, 61, 63, 64 e 74 a 77 da decisão). O facto de estas afirmações só
constarem da parte da decisão respeitante à isenção dos acordos ENS e não da
parte respeitante à aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado seria, pois,
significativo.
- 133.
- Por outro lado, a decisão impugnada não explica de modo bastante como é que as
sociedades-mãe da ENS estão em concorrência ou poderiam verdadeiramente estar
em concorrência no mercado em causa. A decisão impugnada não explicaria a
verosimilhança dessa concorrência, o que comprovaria que a Comissão ou não
procedeu à necessária análise do contexto económico ou não observou o disposto
no artigo 190.° do Tratado.
- 134.
- Em resposta ao Reino Unido, a Comissão observa que, se a análise de um acordo
deve ter em conta o seu contexto económico, tal não significa, porém, que seja
necessário recorrer à «regra da razoabilidade», conceito que o Tribunal de Justiça
teria recusado utilizar até hoje. Esta conclusão não seria infirmada pelo acórdão
do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1994, DLG (C-250/92, Colect.,
p. I-5641), que só se refere à validade das restrições acessórias no quadro particular
das organizações cooperativas e não pode, portanto, considerar-se como a
expressão de um princípio geral. Em consequência, segundo a Comissão, a
ponderação das vantagens e dos inconvenientes de um acordo sobre a concorrência
seria necessária para a concessão de isenções ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do
Tratado, mas não para apreciar restrições à concorrência na acepção do n.° 1 do
mesmo artigo 85.°, que, ao contrário do que alega o Reino Unido, teriam sido
largamente desenvolvidas na decisão.
Apreciação do Tribunal
- 135.
- O Tribunal salienta que, segundo a decisão impugnada, os acordos ENS têm efeitos
restritivos da concorrência actual e potencial, em primeiro lugar, entre os
fundadores, em segundo lugar, entre estes e a ENS, em terceiro lugar, face a
terceiros, e, em quarto lugar, que essas restrições são agravadas ainda mais pela
existência de uma rede de empresas comuns criada pelos fundadores.
- 136.
- Antes de examinar os argumentos das partes quanto à correcção da análise da
Comissão a respeito das restrições à concorrência, o Tribunal recorda,
liminarmente, que a apreciação de um acordo ao abrigo do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado deve ter em conta o quadro concreto em que esse acordo produz os seus
efeitos e designadamente o contexto económico e jurídico em que as empresas em
causa operam, a natureza dos serviços visados por esse acordo, bem como as
condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado em causa (acórdãos
do Tribunal de Justiça Delimitis, já referido, DLG, já referido, n.° 31, de 12 de
Dezembro de 1995, Oude Luttikhuis e o., C-399/93, Colect., p. I-4515, n.° 10;
acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1997, VGB e
o./Comissão, T-77/94, Colect., p. II-759, n.° 140), salvo se se tratar de um acordo
com restrições manifestas à concorrência como a fixação dos preços, a repartição
do mercado ou o controlo das vendas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância,
de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão, T-148/89, Colect., p. II-1063, n.° 109).
Com efeito, neste último caso, só no quadro do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado é que
essas restrições podem ser ponderadas face aos efeitos alegadamente favoráveis à
concorrência, para efeitos de concessão de uma isenção da proibição constante do
n.° 1 do mesmo artigo.
- 137.
- Deve sublinhar-se igualmente que a análise das condições de concorrência assenta
não só na concorrência actual das empresas já presentes no mercado em causa,
mas também na concorrência potencial, a fim de saber se, tendo em conta a
estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico em que se enquadra o seu
funcionamento, existem possibilidades reais e concretas de as empresas envolvidas
competirem entre si, ou de um novo concorrente entrar no mercado em causa e
fazer concorrência às empresas já estabelecidas nesse mesmo mercado (acórdão
Delimitis, já referido, n.° 21). Acrescente-se a este respeito que, segundo a
comunicação da Comissão de 1993 relativa ao tratamento das empresas comuns
com carácter de cooperação à luz do artigo 85.° do Tratado, «Só pode existir uma
relação de concorrência potencial se cada um dos fundadores estiver em condições
de desempenhar sozinho as funções confiadas à empresa comum, não perdendo
esta capacidade com a criação da empresa comum. Na apreciação dos casos
concretos, deverá ser adoptada uma abordagem económica realista» (ponto 18 da
comunicação).
- 138.
- É à luz destas considerações que deve, em consequência, ser examinada a justeza
da apreciação, efectuada pela Comissão, dos efeitos restritivos dos acordos ENS.
- Quanto às restrições da concorrência entre fundadores
- 139.
- O Tribunal verifica que, tal como resulta dos autos, as empresas de transporte
ferroviário dos Estados-Membros não estavam, antes da adopção da Directiva
91/440, em concorrência actual ou potencial, e isto porque existiam direitos
exclusivos que impediam, de direito e de facto, na maioria dos Estados-Membros,
a prestação de serviços de transporte internacional de passageiros e o acesso à
infra-estrutura (rede nacional). Como as partes sublinharam, antes da adopçãodesta directiva, era unicamente com base nos acordos de cooperação tradicionais
entre as empresas de transporte ferroviário que operavam nas diferentes redes que
esses serviços eram fornecidos na Comunidade. Porém, após a adopção da
Directiva 91/440, as condições de concorrência no mercado ferroviário alteraram-se,
de modo que as empresas de transporte ferroviário que operam nas redes
nacionais se transformaram, em certa medida, em concorrentes potenciais no
domínio do transporte internacional de passageiros, desde que formem
«agrupamentos internacionais» com outras empresas ferroviárias estabelecidas em
Estados-Membros diferentes, com vista a fornecer serviços de transporte
internacionais entre esses Estados-Membros (artigos 3.° e 10.° da directiva).
- 140.
- O Tribunal faz notar que resulta dos argumentos da Comissão que a possibilidade
de fornecer serviços de transporte internacional, por intermédio de agrupamentos
internacionais, não está aberta apenas às empresas ferroviárias existentes, mas
também às novas empresas ferroviárias, incluindo filiais de empresas ferroviárias
existentes e que foi a partir desta premissa que a Comissão considerou que os
acordos ENS restringiam a concorrência entre fundadores, dado que a) cada uma
das partes nos acordos ENS podia constituir um agrupamento quer com uma
empresa estabelecida no Reino Unido quer com a sua própria filial britânica,
fazendo assim concorrência à ENS, b) cada parte nos acordos ENS podia criar uma
filial especializada na qualidade de «operador de transporte» e adquirir às
empresas partes nos acordos ENS os mesmos serviços ferroviários indispensáveis
que estes vendiam à ENS e c) cada empresa ferroviária podia colocar-se, ela
própria, em situação de operador de transporte e explorar os serviços
internacionais de comboios nocturnos adquirindo às empresas de transporte
ferroviário em causa os serviços ferroviários indispensáveis.
- 141.
- Relativamente à possibilidade de cada parte nos acordos ENS constituir umagrupamento quer com uma empresa estabelecida no Reino Unido, quer com a sua
própria filial britânica a constituir, fazendo assim concorrência à ENS, saliente-se,
em primeiro lugar, que, dado que segundo o artigo 10.° da Directiva 91/440, uma
linha internacional só poder ser assegurada por um agrupamento internacional
constituído pelas empresas de transporte ferroviário estabelecidas em cada um dos
países em causa, os únicos «parceiros obrigatórios» para constituir um tal
agrupamento internacional em cada linha são necessariamente as empresas de
transporte ferroviário estabelecidas em cada um dos Estado em causa. Como as
recorrentes sublinharam, por exemplo a propósito da linha Londres-Amsterdão, na
altura dos factos, os únicos parceiros obrigatórios eram a NS e a EPS, de modo
que a participação da SNCF e da DB neste agrupamento não podia ter quaisquer
efeitos na concorrência actual, porque, no contexto estabelecido pela Directiva
91/440, nenhuma destas duas empresas ferroviárias podia entrar em concorrência
com a EPS e a NS nessa linha. O mesmo acontecia em relação a cada uma das
outras três linhas efectivamente servidas pela ENS (v. supra, n.° 9). De onde se
conclui que a exploração em comum das quatro linhas em causa pela EPS, pelaDB, pela SNCF e pela NS não pode ter como efeito restringir sensivelmente a
concorrência actual entre os fundadores.
- 142.
- Quanto às restrições à concorrência potencial resultantes do facto de cada uma das
empresas fundadoras poder criar filiais nos Estados-Membros dos outros
fundadores e constituir quer com as suas próprias filiais quer com outras empresas
ferroviárias estabelecidas nos outros Estados-Membros agrupamentos
internacionais, em concorrência directa com a ENS, o Tribunal entende que se
está, nesse caso, perante uma hipótese que nenhum facto vem sustentar, tal como
nenhuma análise das estruturas do mercado relevante permite concluir que se trata
de uma possibilidade real e concreta. Com efeito, nem a decisão impugnada nem
os autos contêm indicações sobre a existência de empresas ferroviárias que
possuam noutros Estados-Membros filiais que tenham, elas próprias, o estatuto de
empresa de transporte ferroviário, comprovando um exercício efectivo da liberdade
de estabelecimento no mercado ferroviário comunitário.
- 143.
- Sublinhe-se, a este propósito, que, no quadro das medidas de organização
processual por ele ordenadas, o Tribunal convidou a Comissão a indicar se
empresas ferroviárias estabelecidas nos Estados-Membros possuem filiais com o
estatuto de empresa de transporte ferroviário, na acepção da Directiva 91/440,
noutros Estados-Membros e, em caso de resposta afirmativa, a precisar quais as
empresas ferroviárias criadas após a entrada em vigor da Directiva 91/440. Na
resposta, a Comissão reconheceu que não tinha conhecimento de outras filiais
criadas nem antes nem depois da adopção da Directiva 91/440 pelas empresas
fundadoras da ENS, reiterando no entanto a sua tese de que o direito de
estabelecimento é conferido directamente a qualquer empresa ferroviária
interessada pelo artigo 52.° do Tratado.
- 144.
- O Tribunal entende que este argumento da Comissão de que não existe, em teoria,
nenhum obstáculo jurídico que impeça as empresas ferroviárias de se
estabelecerem num Estado-Membro diferente do da sua sede social, não tem em
conta o contexto económico e as características do mercado relevante tal como
estas resultam dos autos e não é, pois, bastante, por si só, para demonstrar a
existência de restrições à concorrência potencial entre fundadores e entre estes e
a ENS.
- 145.
- Tal como as recorrentes expuseram largamente nos seus articulados, se se tiver
presente a novidade dos serviços de transporte ferroviário nocturno em causa e os
seus aspectos particulares, não é realista imaginar que os fundadores procedam à
criação de outras filiais noutros Estados-Membros com o estatuto de empresa de
transporte ferroviário, com o objectivo único de formar uma nova empresa comum
para fazer concorrência à ENS. O custo proibitivo do investimento requerido para
esse tipo de serviços que utilizam o túnel do canal da Mancha e a falta de
economias de escala resultante da exploração de uma única linha ferroviária, ao
contrário do que acontece com as quatro linhas exploradas em comum pela ENS
demonstram, com efeito, a natureza pouco realista da concorrência potencial entreos fundadores e entre estes e a ENS. Acresce que, como resulta dos autos, na
sequência da publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias da
comunicação da Comissão convidando as partes interessadas a apresentarem-lhe
as suas observações sobre os acordos ENS, tal como estes foram resumidos nessa
publicação, nenhum terceiro interessado se manifestou durante o procedimento
administrativo apresentando observações enquanto concorrente potencial,
eventualmente afectado ou atingido pela aplicação dos acordos ENS (v. supra,
n.° 17). Finalmente, a existência, no caso em apreço, de concorrentes quer actuais
quer potenciais da ENS pode igualmente ser seriamente posta em dúvida tendo em
conta o facto de que, como a Comissão admitiu nas respostas às perguntas escritas
do Tribunal, nenhuma filial foi criada, até à presente data, por empresas
ferroviárias comunitárias noutros Estados-Membros nem antes nem depois da
adopção da Directiva 91/440.
- 146.
- Com base em quanto precede, o Tribunal considera que a apreciação da Comissão
de que os acordos ENS são susceptíveis de reduzir sensivelmente a concorrência
actual e/ou potencial entre os fundadores e entre estes e a ENS padece de falta de
fundamentação e/ou está viciada por erro de apreciação.
- 147.
- Relativamente às restrições à concorrência entre fundadores, pelo facto de cada
uma das empresas de transporte ferroviário parte nos acordos ENS poder ou criar
uma empresa especializada na qualidade de operador de transporte, ou colocar-se
ela própria em situação de operador de transporte e competir com a ENS,
adquirindo às empresas de transporte ferroviário em causa os mesmos serviços
ferroviários indispensáveis, o Tribunal entende que esta apreciação da Comissão
se funda igualmente, numa análise do mercado que não corresponde à realidade.
Com efeito, a Comissão parte da ideia de que, no mercado do transporte
ferroviário de passageiros, existe, a par das empresas de transporte ferroviário, uma
outra categoria de operadores económicos, a dos operadores de transporte, que
forneceriam o mesmo serviço que as empresas de transporte ferroviário, isto é, o
transporte de passageiros, mas comprando ou alugando a estas os «serviços
ferroviários indispensáveis», isto é, as locomotivas, o pessoal de serviço e o acesso
à infra-estrutura. Sendo a sociedade ENS, segundo a decisão, um operador de
transporte, poderia estar sujeita à concorrência quer de filiais especializadas, na
qualidade de operadores de transporte, criadas pelas empresas de transporte
ferroviário, quer destas actuando directamente no mercado nesta qualidade, de
modo que a sua criação implicaria uma restrição à liberdade das partes de operar
individualmente, enquanto operador de transporte, no mercado em causa.
- 148.
- Porém, o exame desta apreciação da Comissão pressupõe que se responda à
questão de saber se, para além dos agrupamentos internacionais a que se refere
a Directiva 91/440, os serviços internacionais de transporte de passageiros são
igualmente fornecidos por operadores de transporte. Tendo esta questão sido
levantada pelas recorrentes no quadro do segundo fundamento por elas invocado,
será nesse quadro que iremos examiná-la (v. infra, n.os 161 a 189).
- Quanto às restrições à concorrência face a terceiros
- 149.
- O Tribunal recorda que a decisão impugnada sublinha que o acesso de terceiros
aos mercados em causa arrisca ser entravado devido, por um lado, à existência de
relações privilegiadas entre a ENS e as sociedades-mãe que colocam os outros
operadores numa situação concorrencial desfavorável no que respeita à aquisição
de serviços ferroviários indispensáveis fornecidos pelas sociedades-mãe e, por outro,
à convenção de utilização do túnel do canal da Mancha entre a BR, a SNCF e a
Eurotunnel, que permite à BR e à SNCF conservarem uma parte significativa, isto
é, 75%, das linhas horárias disponíveis para os comboios internacionais.
- 150.
- No que se refere, em primeiro lugar, às relações privilegiadas da ENS com as
empresas de transporte ferroviário em causa, verifica-se que a análise da Comissão
parte da premissa de que o mercado ferroviário de transporte de passageiros está
cindido em dois mercados, um mercado a montante de fornecimento de «serviços
ferroviários indispensáveis» (linhas horárias, locomotivas especiais e pessoal
respectivo) e um mercado a jusante de transporte de passageiros no qual operam,
a par das empresas de transporte ferroviário, operadores de transporte, como a
ENS. Segundo a decisão, as empresas-mãe poderiam abusar da sua posição
dominante no mercado a montante recusando a terceiros, concorrentes da ENS,
que operam no mercado a jusante, o fornecimento dos serviços ferroviários
indispensáveis.
- 151.
- Porém, o exame deste aspecto da análise da Comissão depende, também ele, da
questão de saber se existem, para além dos agrupamentos internacionais,
operadores de transporte que operam igualmente nesses mercados, questão esta
que examinaremos no quadro do segundo fundamento, tal como a questão de saber
se os serviços prestados pelos fundadores à ENS podem ser qualificados como
«serviços ou elementos essenciais ou indispensáveis», que se enquadra no terceiro
fundamento e deve, por conseguinte, ser examinada no quadro deste (v. infra,
n.os 190 a 221).
- 152.
- Em segundo lugar, no que diz respeito aos efeitos restritivos resultantes da
convenção de utilização do túnel do canal da Mancha, o Tribunal lembra que a
decisão da Comissão que isentou esta convenção da proibição do n.° 1 do artigo
85.° do Tratado (a seguir «decisão Eurotunnel») foi anulada por acórdão do
Tribunal de 22 de Outubro de 1996, SNCF e British Railways/Comissão (T-79/95
e T-80/95, Colect., p. II-1491), por a Comissão ter cometido um erro de facto ao
interpretar as disposições desta convenção relativas à repartição das linhas horárias
no túnel, entre a SNCF e a BR, por um lado, e a Eurotunnel, por outro.
- 153.
- No quadro das medidas de organização do processo que ordenou, o Tribunal
convidou as partes a tomarem posição sobre a pertinência deste acórdão do
Tribunal no presente litígio. Na resposta a esta questão, a Comissão alegou que
este acórdão não era pertinente para efeitos de apreciação da legalidade da
decisão impugnada e que, do ponto 47 desta resultava que a BR e a SNCF, nãobeneficiando embora da totalidade das linhas horárias disponíveis para os comboios
internacionais, dispunham de parte significativa. Pelo seu lado, as recorrentes
responderam que o acórdão do Tribunal confirma que o acesso ao túnel do canal
da Mancha não está fechado e que os efeitos restritivos da convenção de utilização
do túnel face a terceiros foram mal avaliados pela Comissão.
- 154.
- O Tribunal entende que, dado que, por um lado, foi precisamente na «convenção
Eurotunnel» que a Comissão se baseou para demonstrar, na decisão impugnada,
que o acesso alegadamente privilegiado da SNCF e da BR às linhas horárias no
túnel colocava as empresas concorrentes da ENS numa posição concorrencial
desfavorável e, por outro, que a decisão Eurotunnel foi anulada pelo Tribunal por
erro de facto na interpretação das disposições da mencionada convenção relativa
à repartição das linhas horárias, a Comissão não pode basear nela nenhum
argumento válido para efeitos de apreciação dos acordos ENS.
- Quanto ao reforço dos efeitos restritivos da concorrência resultantes da existência
de uma rede de empresas comuns
- 155.
- No que diz respeito, por último, ao alegado reforço das restrições da concorrência
resultante da existência de redes de empresas comuns (pontos 49 a 53 da decisão),
o Tribunal recorda, liminarmente, que segundo a comunicação da Comissão de
1993 relativa ao tratamento das empresas comuns com carácter de cooperação, a
existência de redes de empresas comuns deve ser objecto de uma análise particular,
quer sejam criadas pelos mesmos fundadores, por um dos fundadores com
diferentes parceiros ou, paralelamente, por vários fundadores (ponto 17 da
comunicação). As redes de empresas comuns poderiam nomeadamente restringir
a concorrência quando os fundadores concorrentes criem várias empresas comunspara produtos complementares destinados a ser transformados por eles próprios,
ou mesmo para produtos não complementares por eles próprios comercializados,
aumentando deste modo a extensão e a intensidade da restrição à concorrência.
Estas considerações valem igualmente para o sector dos serviços (ponto 29 da
comunicação).
- 156.
- Na decisão impugnada, a Comissão considerou que era esse o caso, uma vez que
a BR/EPS, a SNCF, a DB e a NS participam, a diferentes níveis, numa rede de
empresas comuns que tem por objecto não só a exploração de serviços de
transporte de mercadorias, mas também de passageiros, nomeadamente através do
túnel do canal da Mancha. A Comissão referiu-se a este propósito à empresa
comum ACI, criada conjuntamente, designadamente pela BR e pela SNCF, que é
um operador de transporte combinado de mercadorias [Decisão 94/594/CE da
Comissão, de 27 de Julho de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo
85.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo n.° IV/34.518 - ACI)
(JO L 224, p. 28), a seguir «decisão ACI»], e à Autocare Europe, na qual a BR
e a SNCB têm uma participação, e que assegura o transporte ferroviário de
veículos automóveis. Nos articulados, a Comissão referiu-se ainda, e pela primeiravez, à empresa comum Intercontainer, criada por 29 empresas ferroviárias, entre
as quais se contam a BR e a SNCF, e que opera igualmente no mercado do
transporte combinado de mercadorias.
- 157.
- A decisão impugnada não precisa, no entanto, quais as empresas comuns criadas
pelos fundadores especializadas no serviço de transporte de passageiros. O
Tribunal, no quadro das medidas de organização do processo, convidou a Comissão
a precisar quais as empresas comuns que operam no mercado do transporte de
passageiros em que, segundo o ponto 51 da decisão, participam os fundadores da
ENS. Na resposta, a Comissão declarou não ter conhecimento de outras empresas
comuns das empresas fundadoras da ENS para o transporte de passageiros.
Salientou, porém, que «a SNCF, a SNCB e a BR (e, na sequência da privatização
desta última, a London & Continental Railways Ltd) participam conjuntamente na
Eurostar para o transporte de passageiros entre o Reino Unido e o continente»,
não sustentando, no entanto, que era à empresa Eurostar que o ponto 51 se referia
implicitamente. O Tribunal entende assim que a decisão impugnada, no que se
refere à alegada existência de uma rede de empresas comuns criadas pelos
fundadores para o transporte de passageiros, está viciada por falta de
fundamentação.
- 158.
- Quanto à participação dos fundadores em empresas comuns para o transporte
combinado de mercadorias, resulta do ponto 29 da comunicação da Comissão de
1993 que, quando os fundadores criam empresas comuns para serviços «não
complementares», a concorrência pode ser restringida quando esses serviços «não
complementares» são comercializados pelos próprios fundadores.
- 159.
- O Tribunal faz notar que nada na decisão impugnada indica que os fundadores
asseguram eles próprios a comercialização dos serviços fornecidos pela ACI,
Intercontainer e Autocar. No quadro das medidas de organização do processo, o
Tribunal convidou as recorrentes a precisar se são elas ou uma empresa terceira
que asseguram a comercialização dos serviços de transporte fornecidos pelas três
referidas empresas. Resulta das respostas que nenhuma das empresas fundadoras
assegura a comercialização ou vende serviços fornecidos pela ACI, a Intercontainer
ou a Autocare. Mesmo admitindo que assim era, o Tribunal verifica que, de
qualquer modo, a decisão impugnada não explica as razões por que considera que
a participação de alguns ou de todos os fundadores numa rede de empresas
comuns operando em mercados diferentes do da ENS restringiria a concorrência
entre eles ao nível da criação da ENS. De onde se conclui que a apreciação da
Comissão dos efeitos agravantes das restrições à concorrência resultantes da
existência de uma rede de empresas comuns não está suficientemente
fundamentada.
- 160.
- Conclui-se de quanto precede que, relativamente à apreciação das restrições à
concorrência resultantes dos acordos ENS, a decisão impugnada padece de falta
ou de insuficiência de fundamentação.
Quanto ao segundo fundamento, baseado em violação do Regulamento n.° 1017/68
e do quadro legal estabelecido pela Directiva 91/440
Argumentos das partes
- 161.
- As recorrentes sustentam que a Comissão, ao impor a condição constante do artigo
2.° da decisão impugnada, utilizou poderes que lhe são conferidos pelo artigo 5.°
do Regulamento n.° 1017/68, de modo incompatível com as disposições da Directiva
91/440.
- 162.
- Com efeito, a Comissão teria alargado o âmbito de aplicação da directiva, uma vez
que, nos termos do seu artigo 10.°, n.° 1, os direitos de acesso às infra-estruturas
só seriam concedidos aos agrupamentos internacionais de empresas ferroviárias, tal
como estes são definidos na directiva, e não a qualquer operador de transporte
interessado na exploração de comboios. Acrescentam que, além disso, a Comissão,
quando exerce os seus poderes ao abrigo do Regulamento n.° 1017/68, tem, a
obrigação de ter em conta orientações fundamentais da política comum dos
transportes, tal como estas são definidas pelo Conselho. O controlo jurisdicional da
apreciação pela Comissão dos acordos ENS, em aplicação do artigo 85.° do
Tratado, deveria, pois, exercer-se no contexto da legislação comunitária relativa ao
sector dos transportes ferroviários, que constitui o quadro legislativo no qual a
concorrência neste sector deve funcionar.
- 163.
- Mais particularmente, os elementos fundamentais da política comum dos
transportes da Comunidade no sector ferroviário estariam actualmente consagrados
na Directiva 91/440, que, pela primeira vez, teria introduzido um certo grau de
concorrência entre modos de transporte e que teria como objectivo a realização do
objectivo principal da política dos transportes ferroviários, a saber, a melhoria da
eficácia dos transportes ferroviários e da sua competitividade em relação aos outros
modos de transporte. Ora, por força da directiva, os direitos de acesso e trânsito
seriam concedidos unicamente às empresas com o estatuto de empresas de
transporte ferroviário e aos agrupamentos internacionais formados por estas. Além
disso, a directiva só diria respeito a direitos de acesso à infra-estrutura e não
concederia direitos relativos ao fornecimento de serviços ferroviários como o
fornecimento da tracção (locomotivas e pessoal de trânsito). A directiva também
não conteria regras de separação da gestão das locomotivas e do pessoal dos
comboios da exploração de outros serviços ferroviários, como por exemplo, nem
regras relativas à repartição dos serviços de tracção e ao pagamento desses
serviços, o que seria conforme à finalidade da directiva, que é a de permitir às
empresas ferroviárias organizarem-se em moldes comerciais e adaptarem-se às
necessidades do mercado, designadamente através da criação de novos serviços.
- 164.
- Pelas razões que precedem, a distinção feita pela Comissão entre empresas de
transporte ferroviário e operadores de transporte constituiria assim uma distinção
artificial porque, por razões ligadas à segurança e à responsabilidade pelos riscosde transporte, só as empresas de transporte ferroviário estariam autorizadas à
matrícula dos vagões e ao transporte de pessoas através da infra-estrutura
ferroviária. Fora das empresas de transporte ferroviário e dos agrupamentos
internacionais que estas criam, nenhuma outra pessoa poderia oferecer ao público
serviços de transporte ferroviário de passageiros. Tal não excluiria a possibilidade
de uma empresa ferroviária colocar um comboio inteiro à disposição, por exemplo,
de uma cadeia hoteleira, ou mesmo de alugar os vagões, mas, mesmo nesta
hipótese, a empresa ferroviária continuaria a ser o operador de transporte que
suportaria todos os riscos inerentes ao serviço de transporte. Neste exemplo, a
cadeia hoteleira, por seu lado, limitar-se-ia a vender ao público capacidades em
lugares sentados ou em «couchettes» de comboio. Segundo as recorrentes, a
actividade essencial das empresas de transporte ferroviário não é a de assegurar
um serviço de base consistente em fazer circular, a pedido dos operadores de
transporte, locomotivas em redes ferroviárias, permitindo assim a estes ligar vagões
a uma locomotiva de uma empresa ferroviária e fazê-los circular numa determinada
linha, mas fornecer directamente ao público serviços integrados de transporte de
passageiros.
- 165.
- Por outro lado, segundo as recorrentes, embora a ENS seja uma empresa comum
criada por quatro empresas de transporte ferroviário, constitui, na realidade, um
agrupamento internacional de empresas ferroviárias, na acepção do artigo 3.° da
Directiva 91/440, e não um «operador de transporte». Resultaria do n.° 3 do artigo
5.° da Directiva 91/440 que as empresas ferroviárias são livres de constituir com
«outra ou outras» empresas ferroviárias um agrupamento internacional, sem que
seja imposta uma forma jurídica específica para essa associação. A Comissão
também não poderia inferir dos acordos de exploração celebrados entre a ENS e
a SNCB que a ENS constitui um operador de transporte. Com efeito, seria numa
base voluntária que a SNCB teria decidido, antes do abandono definitivo da linha
Bruxelas-Glasgow/Plymouth, fornecer à ENS «serviços ferroviários indispensáveis»,
e não em consequência de uma qualquer obrigação decorrente da Directiva 91/440
ou do direito comunitário da concorrência.
- 166.
- De onde se concluiria que a ENS não é um operador de transporte activo no
mercado a jusante, diferente daquele em que operam os seus fundadores, mas,
precisamente devido ao seu estatuto de agrupamento internacional de empresas
ferroviárias, um instrumento por meio do qual os seus fundadores põem ao dispor
do público transportes ferroviários. Esta distinção do mercado ferroviário geral
entre um mercado a jusante e um mercado a montante, feita pela Comissão para
demonstrar que a ENS é um operador de transporte, seria tanto mais artificial
quanto, no que se refere ao transporte de passageiros, numerosos serviços de
transporte são fornecidos por «comboios com locomotiva integrada», em que a
locomotiva é uma parte inseparável do resto do comboio, de modo que, mesmo de
um ponto de vista puramente técnico, seria impossível distinguir estes dois
mercados.
- 167.
- O facto de a ENS ter que ir buscar tracção às empresas de transporte ferroviário
para oferecer os seus serviços também não a privaria da sua qualidade de
agrupamento internacional, na acepção do artigo 3.° da directiva, visto que basta
à ENS ser a emanação dessas empresas de transporte ferroviário, que estão, por
definição, aptas a assegurar a tracção. É a este agrupamento que está reservado
o benefício dos direitos de acesso à infra-estrutura ferroviária dos
Estados-Membros onde as empresas fundadoras estão estabelecidas. Admitir a tese
da Comissão equivaleria, pelo contrário, a permitir a qualquer empresa oferecer
serviços de transporte internacional de passageiros mesmo que essa empresa não
seja uma emanação de empresas de transporte ferroviário e não esteja, portanto,
em condições de assegurar a tracção através delas.
- 168.
- As recorrentes acrescentam que a criação desta nova categoria de operadores de
transporte, conjugada com o facto de os serviços ferroviários indispensáveis serem
considerados «elementos essenciais» teria como efeito esvaziar de conteúdo a
Directiva 91/440, porque, na sua pretensa qualidade de operador de transporte,
uma empresa ferroviária poderia, efectivamente, reclamar o acesso às redes dos
Estados-Membros sem ter que satisfazer as condições requeridas pela directiva, isto
é, estar estabelecida num dos Estados-Membros ou ter constituído um
agrupamento com uma empresa ferroviária estabelecida num desses
Estados-Membros.
- 169.
- As recorrentes sustentam, além disso, que, ao impor às empresas de transporte
ferroviário o fornecimento a operadores de transporte de locomotivas e do pessoal
respectivo, em condições técnicas e financeiras idênticas às concedidas ao seu
agrupamento, a Comissão teria esquecido que o direito de acesso à infra-estrutura
está dependente da condição prévia de esse operador poder assegurar a tracção,
e, portanto, de ter a qualidade de empresa ferroviária ou de agrupamento de
empresas ferroviárias. Esta condição seria, além disso, incompatível com oobjectivo, visado pela directiva, de garantir às empresas de transporte ferroviário
um estatuto de operador independente, que lhe permita actuar em moldes
comerciais, adaptando-se às necessidades do mercado (terceiro considerando) e,
para tal, assegurar-lhes a liberdade de «controlar o fornecimento e a
comercialização dos serviços e (de) fixar a respectiva tarifação» (artigo 5.°, n.° 3,
da Directiva 91/440).
- 170.
- Finalmente, a UIC e a NS sustentam que a decisão impugnada tem como resultado
comprometer o direito de constituir agrupamentos internacionais, visto que a
Comissão interpreta o n.° 1 do artigo 85.° de tal modo que a criação de qualquer
agrupamento internacional constituiria, doravante, uma violação deste artigo.
Segundo as recorrentes, ainda que a criação de um agrupamento internacional
pudesse beneficiar da isenção da proibição prevista no n.° 3 do artigo 85.°, ainda
assim as condições das quais a Comissão faz depender, no caso concreto, essa
isenção, isto é, por um período limitado a sete anos e com a obrigação de fornecer
a qualquer operador de transporte serviços ferroviários indispensáveis nas mesmascondições que à ENS, tornariam ilusória a aplicação da Directiva 91/440. As
condições impostas pela Comissão obrigariam indirectamente os participantes em
agrupamentos internacionais a fornecer ao seu agrupamento os «serviços
ferroviários indispensáveis» em condições não privilegiadas, privando-os desse
modo da liberdade de determinarem as condições comerciais em que fornecem os
seus serviços a terceiros. Os participantes num agrupamento poderiam, assim,
ver-se obrigados a partilhar com qualquer terceiro o benefício da sua cooperação,
quando esse terceiro em nada contribuiu para os custos de implementação de um
projecto inovador, nem participa nos riscos comerciais daí decorrentes.
- 171.
- A Comissão alega que o argumento de que as regras da concorrência do Tratado
não se aplicam aos transportes ferroviários contraria a jurisprudência nesta matéria
e deve, consequentemente, ser rejeitado (v. acórdãos do Tribunal de Justiça, de 4
de Abril de 1974, Comissão/França, 167/73, Colect., p. 187, e de 30 de Abril de
1986, Asjes e o., 209/84, 210/84, 211/84, 212/84 e 213/84, Colect., p. 1425).
- 172.
- A Comissão sublinha que a participação conjugada das quatro empresas de
transporte ferroviário não é, no presente caso, indispensável à exploração das
linhas a que os acordos ENS dizem respeito. Considera que cada linha em que a
ENS opera poderia ser explorada por um agrupamento internacional constituído
por duas empresas ferroviárias estabelecidas respectivamente num Estado-Membro
de partida e num Estado-Membro de destino final. Assim, a linha
Londres-Frankfurt/Dortmund poderia ser assegurada por um grupo constituído pela
BR e pela DB, que têm direitos de acesso às infra-estruturas no seu Estado de
estabelecimento respectivo e direitos de trânsito na Bélgica, em França e no túnel
do canal da Mancha. Do mesmo modo, o serviço entre Londres e Amsterdão
poderia ser explorado por um agrupamento composto pela BR e pela NS, que têm
direitos de acesso no Reino Unido e nos Países Baixos e de trânsito na Bélgica, em
França e no túnel do canal da Mancha.
- 173.
- Segundo a Comissão, esta análise seria corroborada por três elementos. Em
primeiro lugar, a ENS não seria uma empresa ferroviária na acepção da directiva,
mas um operador de transporte que, para fornecer os serviços ferroviários
nocturnos em questão, compraria os serviços ferroviários necessários às empresas
de transporte ferroviário. A Comissão contesta o argumento das recorrentes de que
a ENS é apenas um instrumento através do qual as empresas fundadoras podem
oferecer, no quadro legal estabelecido pela Directiva 91/440, serviços internacionais
de transporte ferroviário ao público. Com efeito, a ENS não exerceria por ela
mesma o direito concedido pela directiva aos agrupamentos internacionais de
empresas ferroviárias, isto é, o direito de explorar comercialmente os seus próprios
comboios, fornecendo a sua própria tracção ferroviária, porque tem que comprar
esses serviços às suas empresas fundadoras e à SNCB. Em consequência, a ENS
escaparia ao domínio coberto pela directiva, porque na realidade é apenas uma
variante da forma tradicional de cooperação entre empresas ferroviárias e, ao
contrário do que afirmam as recorrentes, a ENS e as empresas de transporte
ferroviário em causa não operam, portanto, no mesmo mercado. Em consequência,o argumento de que a decisão estaria em contradição com a directiva e alargaria
a categoria de empresas habilitadas a aceder às infra-estruturas ferroviárias seria
destituído de pertinência. Em apoio da alegação de que a ENS e as empresas
fundadoras operam em dois mercados distintos, a Comissão invoca a jurisprudência
segundo a qual se deve, em determinados casos, distinguir entre dois mercados que,
apesar de ligados entre si, nem por isso deixam de ser distintos (acórdãos do
Tribunal de Justiça, de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e
Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 119, de 31 de Maio de 1979,
Hugin/Comissão, 22/78, Recueil, p. 1869, de 3 de Outubro de 1985, CBEM, 311/84,
Recueil, p. 3261; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 10 de Julho de
1991, RTE/Comissão, T-69/89, Colect., p. II-485 e BBC/Comissão, T-70/89, Colect.,
p. II-535).
- 174.
- Quanto ao argumento das recorrentes de que a distinção entre mercado de serviços
de transporte e mercado de serviços ferroviários indispensáveis é tanto mais
injustificada quanto um bom número de serviços de transporte no sector do
transporte de passageiros são assegurados por «comboios com motor integrado»,
nos quais a locomotiva é indissociável do resto do comboio, a Comissão responde
que a própria ENS só obtém as locomotivas das suas empresas fundadoras com as
carruagens à parte.
- 175.
- Em segundo lugar, a linha Bruxelas-Glasgow/Plymouth seria explorada pela ENS,
embora a SNCB não seja parte no acordo, o que demonstra que a participação de
cada uma das quatro empresas de transporte ferroviário estabelecidas nos
Estados-Membros em causa não é uma condição sine qua non à exploração dos
serviços em causa.
- 176.
- Em terceiro lugar, a BR, a SNCF, e a Intercontainer teriam formado uma empresa
comum denominada ACI, especializada no transporte combinado de mercadorias
entre o Reino Unido e o continente, que também não seria uma empresa
ferroviária na acepção da directiva, mas um operador de transporte, que só conta
entre os seus accionistas duas empresas de transporte ferroviário e que opera de
modo análogo à ENS, quer dizer, adquirindo serviços ferroviários indispensáveis
às empresas de transporte ferroviário para fornecimento das prestações de
transporte.
- 177.
- A Comissão alega ainda que os operadores de transporte que não têm, eles
próprios, o estatuto de empresa de transporte ferroviário, e que não dispõem,
portanto, de direitos de acesso à infra-estrutura ferroviária, devem, apesar disso,
poder propor prestações de transporte por caminho de ferro, comprando às
empresas de transporte ferroviário os serviços de tracção e os direitos de acesso
à infra-estrutura, a exemplo da ENS e da ACI. De onde se concluiria que o direito
de oferecer serviços de transporte ferroviário de passageiros não poderia ser
reservado à ENS. O presidente da ENS teria, aliás, por carta de 13 de Abril de
1994, dirigida à Comissão (documento n.° 6 junto à contestação), confirmado oacordo das empresas de transporte ferroviário para fornecimento dos serviços
necessários aos concorrentes nas mesmas linhas. Segundo a Comissão, mesmo antes
dessa carta, a ENS, por carta datada de 4 de Junho de 1992, tê-la-ia informado da
decisão das notificantes de fornecer «sem condições» a tracção e os outros serviços
indispensáveis a concorrentes da ENS que operam nas linhas por ela asseguradas.
- 178.
- A Comissão considera, por outro lado, que a independência das empresas de
transporte ferroviário não está de modo nenhum comprometida pela condição
imposta. Como todas as empresas comunitárias, estas empresas estariam sujeitas
à obrigação de não discriminação e às regras do direito da concorrência, como
resulta dos acórdãos do Tribunal de Justiça, Comissão/França e Asjes e o., já
referidos.
- 179.
- Por último, a Comissão contesta as acusações da recorrente, por um lado, de que
consideraria que qualquer agrupamento internacional recai sob a alçada do
disposto no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e, por outro, de que imporia aos
notificantes condições dissuasivas que comprometem os objectivos da Directiva
91/440 e a criação de outros agrupamentos internacionais. O favorecimento da
constituição desses agrupamentos não implica que todos os agrupamentos
internacionais de empresas ferroviárias devam, automaticamente, ser considerados
compatíveis com o direito comunitário da concorrência.
Apreciação do Tribunal
- 180.
- O Tribunal salienta que, segundo a decisão impugnada, as empresas de transporte
ferroviário abrangidas estão presentes em dois mercados, um mercado a montante,
ou seja, o mercado do fornecimento de serviços ferroviários indispensáveis, e um
mercado a jusante, ou seja, o mercado da prestação de serviços de transporte de
passageiros. Neste último mercado operariam não só empresas de transporte
ferroviário, mas também uma outra categoria de empresas, a dos operadores de
transporte, empresas estas que, no entanto, a fim de poderem operar neste
mercado, são obrigadas a adquirir previamente os serviços ferroviários
indispensáveis fornecidos pelas empresas de transporte ferroviário no mercado a
montante. A ENS constitui, segundo a Comissão, um exemplo concreto desta
categoria de operador de transportes, de modo que, qualquer tratamento
privilegiado desta pelas empresas notificantes deverá igualmente ser concedido a
terceiros, quer sejam agrupamentos internacionais ou operadores de transporte, nas
mesmas condições técnicas e financeiras. Finalmente, segundo o artigo 2.° da
decisão, os serviços indispensáveis em questão dizem respeito ao fornecimento da
locomotiva, ao pessoal desta e à linha horária, em cada rede nacional e no túnel
do canal da Mancha.
- 181.
- Deve, assim, examinar-se se, ao impor aos fundadores a condição de os serviços
ferroviários indispensáveis serem fornecidos não só a agrupamentos internacionais,
mas também a operadores de transporte, como a ENS, a Comissão aplicou, como
sustentam as recorrentes, as regras da concorrência em violação do quadro legalcriado pela Directiva 91/440, de modo que a decisão impugnada estaria viciada por
desvio de poder ou por falta de competência. Esta análise implica que se responda
previamente à questão de saber se a ENS constitui um operador de transporte,
como sustenta a Comissão, ou um agrupamento internacional, na acepção da
Directiva 91/440, como defendem as recorrentes. Será com base na resposta a esta
questão que se examinará, igualmente, a correcção da análise efectuada pela
Comissão das restrições à concorrência entre fundadores, resultante do facto de
cada uma das empresas de transporte ferroviário parte no acordo ENS poder, quer
criar uma empresa especializada na qualidade de operador de transporte, quer
colocar-se ela própria na situação de operador de transporte e fazer concorrência
à ENS, adquirindo às empresas de transporte ferroviário em causa os mesmos
serviços ferroviários indispensáveis (v. supra, n.os 147 e 148).
- 182.
- O Tribunal lembra que, nos termos do artigo 3.° da Directiva 91/440, um
agrupamento internacional se define como «qualquer associação de pelo menos
duas empresas de transporte ferroviário estabelecidas em Estados-Membros
diferentes, com vista a fornecer serviços de transporte internacionais entre
Estados-Membros». Esta disposição não define as formas precisas que esta
associação deve revestir. Com efeito, o elemento essencial que se destaca desta
definição é que deve tratar-se de uma forma de associação que permita tornar
possível o fornecimento de prestações de serviço de transporte internacional,
independentemente, portanto, da forma escolhida para o efeito. Nestas condições,
o Tribunal entende que, ao contrário do que a Comissão sustenta, não existindo no
texto da Directiva uma definição precisa, a utilização do conceito de «agrupamento
internacional» não pode ser reservada apenas às formas de associação de tipo«cooperativo» entre empresas de transporte ferroviário («acordos tradicionais de
exploração em comum»), com exclusão de qualquer outra forma de sociedade,
como uma empresa comum de natureza cooperativa, ou mesmo fruto de uma
concentração.
- 183.
- Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de, por força do artigo 2.° da
Directiva 91/440, esta se aplicar apenas às empresas de transporte ferroviário, quer
dizer às únicas empresas cuja actividade principal é o transporte de mercadorias
e/ou de passageiros por caminho de ferro e que asseguram elas próprias a tracção
(artigo 3.° da Directiva 91/440), de modo que a ENS, porque compra a tracção às
empresas notificantes, não poderia prevalecer-se das disposições da directiva e da
qualidade de agrupamento internacional. Em primeiro lugar, como a própria
Comissão sublinhou nas peças processuais por ela apresentadas, aquando da
adopção da Directiva 91/440, uma declaração conjunta da Comissão e do Conselho
precisou que a noção de tracção não implicava necessariamente a propriedade
desta. Se é verdade que este tipo de declarações é desprovido de valor jurídico,
não é menos verdade que a Comissão já fez sua essa declaração na sua prática
decisional nesta matéria, como se pode ver no ponto 6 da sua Decisão 93/174/CEE,
de 24 de Fevereiro de 1993, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do
Tratado CEE (IV/34.494 - Estruturas tarifárias de transporte combinado demercadorias) (JO L 73, p. 38), segundo o qual «deve entender-se por empresa de
transporte ferroviário as empresas estabelecidas ou que venham a estabelecer-se
num Estado-Membro e que disponham dos meios de tracção ferroviária, tendo em
conta que a noção de tracção não implica necessariamente que a empresa seja
proprietária do material de tracção nem que utilize o seu próprio pessoal».
- 184.
- Em segundo lugar, uma vez que, tal como acabámos de ver, um agrupamento
internacional pode revestir a forma de uma empresa comum cooperativa, como a
ENS, resulta da própria natureza desta forma que os fundadores, na sua qualidade
de empresas de transporte ferroviário que exercem os direitos que a directiva lhes
reconhece, podem, em vez de dotar directamente a sua empresa comum do
material e do pessoal necessário para exercerem as suas funções no mercado,
fornecer-lhos, com base em acordos de cooperação com ela celebrados, sem que
essa escolha do modo de funcionamento da empresa comum possa afectar a sua
qualificação jurídica de agrupamento internacional na acepção da Directiva 91/440.
Com efeito, como as recorrentes explicaram nas respostas escritas às perguntas do
Tribunal e na audiência, sem contestação por parte da Comissão, a opção de
fornecimento à ENS de locomotivas e do respectivo pessoal com base em acordos
de exploração devia-se unicamente a considerações de ordem fiscal e não ao facto
de a ENS ser suposta actuar no mercado como operador de transporte. O facto de
a ENS não se ter registado no Reino Unido como empresa ferroviária, como as
recorrentes indicaram nas suas respostas às perguntas escritas do Tribunal em nada
afecta a sua qualificação jurídica como agrupamento internacional, porque, como
a própria Comissão declarou na audiência, as licenças ferroviárias das empresas
fundadoras bastam para que os comboios da ENS possam circular nas linhas em
causa.
- 185.
- Em terceiro lugar, resulta dos autos que, como alegaram as partes, a actividade de
operador de transporte se revela, no contexto económico do sector ferroviário,
como uma actividade desconhecida em relação ao transporte ferroviário de
passageiros. Aliás, nem na decisão impugnada nem nos articulados, a Comissão deu
exemplos dessa categoria de empresas em matéria de transporte ferroviário de
passageiros. A referência da Comissão à empresa ACI não é pertinente a este
respeito. Com efeito, essa referência ignora as especificidades do mercado
ferroviário do transporte de passageiros, que se distingue claramente do mercado
do transporte combinado de mercadorias no qual a ACI opera efectivamente
enquanto operador de transporte. Mais precisamente, no mercado do transporte
combinado de mercadorias, as empresas de transporte ferroviário não vendem
directamente prestações de transporte aos carregadores, salvo raras excepções,
para remessas importantes. Neste mercado, as prestações de transporte combinado
são preparadas e vendidas aos carregadores por operadores de transporte
combinado, que são, eventualmente, filiais das empresas de transporte ferroviário.
Estes operadores são empresas de transporte que dispõem de um material
específico, isto é, de equipamento para manutenção e de vagões especiais, e que,
para realizarem as suas prestações de serviço, devem comprar os serviços de
tracção ferroviária e o acesso às infra-estruturas às empresas de transporteferroviário que são as únicas capazes de os fornecer [v. pontos 6 a 8 da decisão
ACI, já referida, e Decisão 94/210/CE da Comissão, de 29 de Março de 1994,
relativa a um processo nos termos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE
(IV/(33.941 - HOV SVZ/MCN) (JO L 104, p. 34, pontos 10 a 12)].
- 186.
- Ora, se é verdade que actualmente, o mercado ferroviário do transporte combinado
de mercadorias se caracteriza por uma certa abertura, no sentido de que as
empresas de transporte ferroviário não são as únicas a operar nesse mercado, o
mesmo não acontece no mercado do transporte de passageiros onde só operam
empresas de transporte ferroviário e, em certa medida, agrupamentos
internacionais destas.
- 187.
- Daqui resulta que a Comissão não pode validamente referir-se às características de
um mercado separado e distinto, isto é, o mercado do transporte combinado de
mercadorias, a fim de justificar a qualificação da ENS como operador de
transporte.
- 188.
- Esta conclusão também não pode ser infirmada pelo facto de a ENS dever
inicialmente assegurar a linha Bruxelas-Glasgow/Plymouth, quando a SNCB, à qual
a ENS tinha adquirido o direito de acesso à infra-estrutura belga não se conta
entre os seus fundadores. Com efeito, como alegam as recorrentes, trata-se, neste
caso, de um acordo de cooperação tradicional entre diferentes redes. Além disso,
a possibilidade, para a ENS, enquanto agrupamento internacional na acepção da
Directiva 91/440, de assinar esses acordos com empresas ferroviárias terceiras, para
obter um acesso contratual à respectiva infra-estrutura, não é posta em causa por
essa directiva.
- 189.
- O Tribunal entende - sem que seja necessário examinar se a Comissão cometeu
desvio de poder ou se a decisão impugnada está viciada por falta de competência
- que resulta do que precede que a apreciação da Comissão sobre a qualificação
jurídica da ENS como operador de transporte se baseia em premissas erradas. Por
outro lado, uma vez que, como acabámos de ver, a actividade de operador de
transporte é uma actividade estranha às realidades actuais do mercado ferroviário
do transporte de passageiros, a análise da Comissão, a respeito das restrições à
concorrência entre fundadores ligadas ao facto de que cada um deles poderia agir
no mercado em causa, enquanto operador de transporte, em concorrência com a
ENS e os outros fundadores (v. supra, n.° 147) assenta, igualmente, nas mesmas
premissas erradas e também não merece, portanto, acolhimento (v. supra, n.° 148).
Quanto ao terceiro fundamento baseado no carácter desproporcionado e não
necessário da condição imposta no artigo 2.° da decisão impugnada
- 190.
- A EPS, a ENS e a SNCF sustentam que a Comissão, ao impor às notificantes a
obrigação de fornecer a outros agrupamentos internacionais e operadores de
transporte os mesmos serviços ferroviários indispensáveis que fornecem à ENS,teria efectuado uma errada aplicação da teoria dos «elementos essenciais», dado
que, pondo de parte o fornecimento das linhas horárias imposto pela Directiva
91/440 em determinadas condições, nenhum dos serviços fornecidos à ENS pode
satisfazer as condições de aplicação desta teoria. A NS acrescenta, a este respeito,
que essa obrigação teria como efeito, não apenas comprometer os esforços das
empresas ferroviárias para constituir agrupamentos internacionais, mas também
obrigá-las a partilhar com terceiros os frutos dessa cooperação sem que estes
últimos tenham que suportar os riscos comerciais inerentes. Segundo a NS, os
efeitos económicos da obrigação, para as empresas de transporte ferroviário, de
fornecimento a operadores de transporte de serviços indispensáveis em condições
que não podem determinar livremente equivaleria a uma expropriação.
- 191.
- As recorrentes alegam, além disso, que a teoria dos elementos essenciais só se
aplica no quadro do artigo 86.° do Tratado e quando uma empresa recusa aos seus
concorrentes o acesso a instalações ou a serviços essenciais tanto para a
competitividade do concorrente como para a existência da concorrência.
- 192.
- No caso em apreço, a Comissão não teria efectuado nenhuma distinção entre as
instalações ou serviços que correspondem apenas a uma vantagem para os
concorrentes e as que são essenciais à manutenção da concorrência. Mais
precisamente, esta última condição não teria sido examinada, uma vez que, por um
lado, embora a posse ou o domínio da infra-estrutura possa ser considerada uma
«instalação ou serviço essencial» o acesso a esta é garantido aos agrupamentos
internacionais pela Directiva 91/440 e que, por outro, relativamente às locomotivas
utilizadas para o serviço nocturno via túnel do canal da Mancha e ao pessoal de
condução ou de gestão, a decisão não contém a mínima prova de que as empresas
de transporte ferroviário tenham o respectivo acesso exclusivo ou que qualquer
concorrente actual ou potencial teria dificuldades em obtê-los. A este propósito,
a ENS e a EPS alegam que as locomotivas concebidas especialmente para a
travessia do canal da Mancha ou susceptíveis de nele circular podem ser adquiridas
aos construtores ou alugadas a outros operadores de serviços ferroviários num
mercado livre. A Comissão também não teria examinado a questão da
disponibilidade das locomotivas ou do pessoal de comboio e não teria demonstrado
a existência de penúria de pessoal ferroviário qualificado. Além disso, a condição
imposta obrigaria as empresas de transporte ferroviário a fornecer os serviços
ferroviários necessários a agrupamentos internacionais e a operadores de
transporte na sua rede, quer dizer, para além e fora dos itinerários em causa.
- 193.
- As recorrentes consideram, a seguir, que a condição imposta não é necessária. Por
um lado, não teria qualquer ligação com a primeira restrição à concorrência
identificada na decisão, isto é, a que existiria entre as partes em consequência da
criação da empresa comum. Por outro lado, não teria qualquer justificação
relativamente à restrição à concorrência em relação a terceiros, resultante da
posição dominante que seria detida pelas sociedades-mãe da ENS no fornecimento
de serviços ferroviários no Estado-Membro de origem. Em primeiro lugar,
nenhuma das empresas de transporte ferroviário teria estabelecido qualquerrelação exclusiva com a ENS, de modo que seriam livres de fazer beneficiar
qualquer outra empresa das suas locomotivas, do seu pessoal e de qualquer via
férrea à qual tenham direitos. Por outro lado, sendo os mercados das viagens de
negócios e das viagens de turismo nos referidos itinerários igualmente explorados
pelos transportes aéreos, pelo autocarro e pelo automóvel, a ENS não ocupa uma
posição dominante, e a recusa de fornecimento a um terceiro dos serviços em
causa na decisão não teria efeito na concorrência nos mercados a jusante. De onde
resulta que não é indispensável que um futuro prestador de serviços de transporte
de passageiros obtenha os serviços ferroviários em causa para poder estar presente
no mercado, tal como este é definido na decisão. De qualquer modo, a Comissão
não teria apresentado qualquer prova fornecida por terceiros, designadamente
operadores actuais ou potenciais de serviços concorrentes, em apoio da sua
afirmação de que a empresa comum arrisca colocar os outros operadores numa
posição desfavorável. A preocupação da Comissão seria, portanto, da ordem das
hipóteses.
- 194.
- A Comissão começa por lembrar que uma condição semelhante foi imposta pela
decisão ACI, ACI esta que é uma empresa comum da BR, da SNCF e da
Interncontainer para o transporte de mercadorias entre o Reino Unido e o
continente, e invoca o facto de esta decisão não ter sido objecto de nenhum
recurso interposto pelas empresas fundadoras.
- 195.
- A Comissão precisa igualmente que a condição imposta não obriga ao
fornecimento a terceiros, pelas empresas fundadoras da ENS, do conjunto dos
serviços que estas fornecem à sua filial comum (limpeza, comercialização), e, em
especial, que não é imposta nenhuma obrigação às empresas fundadoras da ENS
relativamente aos vagões cujo custo constitui, porém, segundo as próprias empresas
fundadoras, o principal obstáculo à penetração no mercado.
- 196.
- A Comissão alega ainda que o acesso à infra-estrutura ferroviária é, actualmente
e na maior parte dos casos, controlado pelas empresas de transporte ferroviário na
sua qualidade de gestoras da infra-estrutura e que o acesso à infra-estrutura
constitui uma barreira importante à entrada no segmento ferroviário do mercado
em causa. Como os gestores da infra-estrutura e as empresas de transporte
ferroviário constituem entidades distintas, a obrigação decorrente da condição
imposta para estas empresas não teria, portanto, qualquer efeito.
- 197.
- Relativamente às locomotivas especiais com o respectivo pessoal, a Comissão
salienta que, embora possam teoricamente pertencer a outros que não as empresas
de transporte ferroviário fundadoras da ENS e possam, eventualmente, ser
adquiridas ou alugadas pelos operadores de transporte, só as empresas de
transporte ferroviário fundadoras da ENS as possuem de facto. Existiria, assim,
uma impossibilidade real e prática de encontrar alternativa para os operadores de
transporte. Nestas condições, não se poderia negar que, no mercado dos serviços
essenciais, as empresas de transporte ferroviário ocupam uma posição dominante,o que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira
Instância (Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão,
CBEM, RTE/Comissão, já referidos), justificaria a condição imposta.
- 198.
- Quanto ao argumento baseado no carácter desproporcionado da condição imposta,
a Comissão alega que o direito de acesso à infra-estrutura, reservado pela directiva
às empresas de transporte ferroviário e aos agrupamentos internacionais destas
empresas, não significa que outros operadores de transporte não possam explorar
serviços idênticos aos propostos pela ENS. Como só as empresas de transporte
ferroviário é que têm acesso à infra-estrutura e um novo concorrente não está
habilitado pela directiva a solicitar por si uma linha horária aos gestores da
infra-estrutura em causa, as empresas de transporte ferroviário deveriam fornecer
uma linha horária aos operadores a fim de lhes garantir o acesso ao mercado.
Além disso, só seriam visados pela condição imposta os serviços ferroviários
indispensáveis à entrada no segmento ferroviário dos mercados relevantes, pelo que
a condição não seria desproporcionada e permitiria assegurar a presença de vários
operadores de transporte ferroviários, a fim de intensificar a concorrência com os
outros modos de transporte.
- 199.
- A Comissão contesta, por outro lado, a interpretação que leva a entender que a
condição imposta às empresas de transporte ferroviário em causa as obriga a
fornecer os serviços ferroviários indispensáveis no conjunto das redes, quer dizer,
para além das linhas em discussão. Com efeito, a obrigação só existiria em relação
ao acesso aos mercados identificados na decisão impugnada.
- 200.
- Por último, a Comissão sustenta que o carácter não exclusivo do acordo entre as
empresas de transporte ferroviário e a ENS não tem qualquer relevância. Com
efeito, como no quadro do acordo, as empresas de transporte ferroviário distribuem
os lucros e os prejuízos da ENS, seria pouco provável, segundo a Comissão, que
estas mesmas empresas quisessem fornecer serviços a concorrentes potenciais.
- 201.
- O Reino Unido, interveniente, sustenta que a condição imposta não pode ser
considerada indispensável, dado que, no ponto 65 da decisão, a Comissão já se
tinha pronunciado no sentido de que as restrições à concorrência eram necessárias.
A justificação invocada, respeitante à necessidade de garantir a presença nos
mercados de operadores de transporte ferroviário concorrentes da ENS, seria, além
disso, inadequada, uma vez que esses operadores concorrentes não existem. Por
esta razão, a Comissão teria falseado as condições da concorrência, ao encorajar
artificialmente operadores a entrarem no mercado, actuação para a qual a
Comissão não tem competência com base no artigo 13.° do Regulamento
n.° 1017/68.
- 202.
- A decisão impugnada estaria igualmente viciada por falta de fundamentação, por
não expor de modo adequado e suficiente os motivos por que a Comissão aplicou
a teoria dos «elementos essenciais». Em qualquer caso, as condições exigidas para
a aplicação desta teoria não estariam reunidas. Por um lado, como as empresas detransporte ferroviário não ocupam uma posição dominante nos mercados
identificados pela Comissão na sua decisão, os serviços ferroviários em causa não
podem ser havidos como essenciais para a entrada de concorrentes nos mercados.
A justificação da condição imposta, baseada na divisão dos mercados em causa em
diferentes segmentos, demonstraria aliás a imperfeição do raciocínio da Comissão,
que estaria, a este respeito, em contradição com a análise do mercado exposta na
decisão. Por outro lado, a Comissão, ao referir, na decisão, que as partes nos
acordos ENS devem fornecer os «serviços ferroviários indispensáveis» aos novos
candidatos a entrar no mercado, no caso de estes não poderem fornecê-los eles
próprios, está implicitamente a admitir que as empresas de transporte ferroviário
não são as únicas a controlar as instalações e serviços relativamente aos quais o
acesso é considerado essencial, de modo que a condição imposta seria, de facto,
injustificada.
- 203.
- Respondendo ao Reino Unido, a Comissão começa por afirmar que o facto de
admitir que um acordo que cria uma empresa comum implica restrições à
concorrência que considera necessárias não significa que todas as restrições sejam
indispensáveis. A condição imposta destinar-se-ia precisamente a evitar que as
restrições à concorrência excedam o indispensável. Por outro lado, a condição
imposta reflectiria uma preocupação distinta da teoria dos «elementos essenciais»,
que se destinaria, no presente caso, a permitir que as condições de isenção
previstas pelo n.° 3 do artigo 85.° do Tratado e pelo artigo 5.° do Regulamento
n.° 1017/68 sejam satisfeitas.
- 204.
- Por último, a Comissão alega que, num mercado complexo como o definido na
decisão, não é necessário que as barreiras contra o acesso sejam erigidas em todos
os segmentos do mercado. Se assim fosse, a consequência seria que, em caso de
predominância de um modo de transporte num mercado integrado, só os
obstáculos ao acesso de terceiros a esse modo de transporte cairiam sob a alçada
do disposto no artigo 85.° do Tratado, ficando os restantes modos de transporte
subtraídos ao direito da concorrência.
Apreciação do Tribunal
- 205.
- O Tribunal sublinha que, segundo o ponto 79 da decisão impugnada, a condição
constante do artigo 2.° do dispositivo é imposta a fim de«evitar que as restrições
de concorrência ultrapassem o indispensável».
- 206.
- Ora, como resulta da análise efectuada pelo Tribunal dos primeiro e segundo
fundamentos, deve considerar-se que a Comissão não analisou de modo correcto
e bastante, na decisão impugnada, o contexto económico e jurídico no qual se
inscrevem os acordos ENS. Em consequência, não ficou demonstrado que os
acordos ENS sejam restritivos da concorrência, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado e que, por isso, necessitem de uma isenção ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3,
do Tratado. Nestas condições, não havendo na decisão impugnada elementos deanálise pertinentes a propósito da estrutura e do funcionamento do mercado em
que a ENS opera, nem sobre o grau de concorrência existente nesse mercado, nem,
por conseguinte, sobre a natureza e a extensão das restrições à concorrência
alegadas, a Comissão não podia avaliar se a condição imposta pelo artigo 2.° da
decisão impugnada é ou não indispensável, no quadro de uma eventual isenção ao
abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.
- 207.
- Porém, mesmo que a Comissão tivesse efectuado uma avaliação suficiente e
correcta das restrições à concorrência em causa, dever-se-ia, ainda assim, examinar
se, ao impor às notificantes a condição de que as linhas horárias, as locomotivas
e o respectivo pessoal sejam fornecidos a terceiros nas mesmas condições que à
ENS, pelo facto de serem indispensáveis ou constituírem, como foi discutido pelas
partes nos articulados e na audiência, elementos essenciais, a Comissão fez uma
correcta aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.
- 208.
- Quanto a este aspecto, o Tribunal faz notar que resulta da jurisprudência relativa
à aplicação do artigo 86.° do Tratado que um produto ou serviço só pode
considerar-se essencial ou indispensável se não existir qualquer alternativa real ou
potencial (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 1995, RTE e
ITP/Comissão, C-241/91 P e C-242/91 P, Colect., p. I-743, n.os 53 e 54, e acórdão
do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Junho de 1997, Tiercé
Ladbroke/Comissão, T-504/93, Colect., p. II-923, n.° 131).
- 209.
- Em consequência, quando, como no presente caso, se está perante um acordo de
criação de uma empresa comum abrangido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, o
Tribunal entende que as empresas-mãe e/ou a empresa comum assim criada só
podem ser consideradas como estando na posse de infra-estruturas, de produtos
ou serviços «indispensáveis» ou «essenciais» para o acesso ao mercado relevante
se essas infra-estruturas, produtos ou serviços não forem «alternativos entre si» e
se, pelas suas características particulares, designadamente o custo proibitivo da sua
reprodução e/ou do tempo razoável requerido para esse efeito, não existirem
alternativas viáveis para os potenciais concorrentes da empresa comum, que
ficariam, por isso, excluídos do mercado.
- 210.
- É à luz destas considerações e por analogia com a jurisprudência que referimos (v.
supra, n.° 208) que deve examinar-se, por um lado, se a Comissão podia
validamente qualificar, no presente caso, o fornecimento pelos fundadores à ENS
de a) linhas horárias, b) de locomotivas, e c) de pessoal, como serviços essenciais
ou indispensáveis, que tenham que ser prestados a terceiros nas mesmas condições
do que à ENS e, por outro lado, se, ao fazê-lo, a Comissão fundamentou de modo
suficiente a sua decisão. Finalmente, é com base neste exame que se deve verificar
igualmente a correcção da análise da Comissão sobre as alegadas restrições à
concorrência em relação a terceiros, resultantes dos laços privilegiados entre os
fundadores e a ENS (v. supra, n.° 151).
- 211.
- Em primeiro lugar, no que diz respeito às linhas horárias, se é verdade que o artigo
2.° da decisão impugnada impõe às empresas notificantes o dever de «prestarem,
se necessário, a qualquer agrupamento internacional de empresas ferroviárias [as
linhas horárias]» não é menos verdade que, segundo a jurisprudência, o dispositivo
de uma decisão deve ser lido à luz dos fundamentos que lhe servem de suporte,
isto é, no presente caso, o ponto 81 da decisão impugnada. Ora, segundo este
ponto 81, as empresas notificantes «não devem... ser obrigadas a fornecer um
itinerário se a entidade que o solicita intervém na qualidade de agrupamento de
empresas ferroviárias nos termos do artigo 10.° da Directiva 91/440/CEE, e pode,
por conseguinte, ela própria solicitar esse itinerário aos respectivos gestores de
infra-estruturas». Assim, esta obrigação só é imposta pela decisão impugnada no
caso de os terceiros serem não agrupamentos internacionais mas, como sustenta
a Comissão, operadores de transporte, como a ENS. Ora, como acabámos de
verificar, a ENS não é um operador de transporte, mas um agrupamentointernacional na acepção da Directiva 91/440. Por outro lado, o conceito de
operador de transporte é um conceito estranho às realidades actuais do mercado
ferroviário do transporte de passageiros. Em consequência, sendo a condição ora
em exame baseada em premissas incorrectas, na medida em que se destina a
obrigar os fundadores que já estão na posse das linhas horárias a fornecê-las a
terceiros que actuem no mercado como operadores de transporte, é desprovida de
fundamento.
- 212.
- Em segundo lugar, quanto ao fornecimento das locomotivas, há que lembrar que,
como acabámos de sublinhar, para que as locomotivas possam ser consideradas
elementos essenciais ou indispensáveis, é necessário que o sejam para os
concorrentes da ENS, no sentido de que, por delas não disporem, estes últimos não
podem nem penetrar no mercado em causa nem continuar a nele operar. Ora,
tendo a decisão, por um lado, definido o mercado em causa como um mercado
integrado de transporte de passageiros em viagens de negócios e outro, igualmente
integrado, de transporte de passageiros em viagem de recreio, e, por outro, tendo
determinado que nestes dois mercados integrados, a parte do mercado da ENS não
ultrapassa 7% ou 8%, segundo a Comissão, ou 5%, segundo a notificação das
partes, não se pode admitir que a recusa eventual das empresas notificantes de
fornecimento a concorrentes da ENS de locomotivas especiais para a passagem do
túnel do canal da Mancha tenha como efeito excluí-las do mercado em causa, tal
como este é definido na decisão impugnada. Com efeito, não se provou que uma
empresa que detém uma parte do mercado tão pouco significativa esteja em
condições de exercer uma qualquer influência no funcionamento e na estrutura do
mercado em causa.
- 213.
- Só se nos colocarmos num mercado totalmente diferente, isto é, no mercado
integrado do transporte ferroviário de pessoas em viagem de negócios e de turismo,
no qual as empresas de transporte ferroviário detêm presentemente uma posição
dominante, é que a recusa de fornecimento das locomotivas poderia,
eventualmente, ter efeitos sobre a concorrência. Deve sublinhar-se, no entanto, quenão foi finalmente este mercado integrado que foi considerado relevante pela
Comissão, mas o mercado integrado de transporte (v. pontos 17 a 27 da decisão
impugnada). Foi só na fase escrita que a Comissão se referiu, pela primeira vez,
ao mercado integrado dos serviços ferroviários como segmento do mercado
integrado do transporte de pessoas em viagens de negócios e de turistas para
justificar a obrigação de fornecimento das locomotivas a concorrentes da ENS
imposta às empresas notificantes. Ora, se não é de excluir que a análise dos efeitos
de um acordo possa ser efectuada tanto no mercado principal como em segmentos
deste, tal - isto é, tanto a distinção entre mercado principal e segmento(s) desse
mercado como as razões em que essa distinção se funda - deve resultar de modo
claro e não ambíguo de uma decisão de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado,
o que não acontece no presente caso.
- 214.
- Mesmo admitindo que as explicações fornecidas a este respeito pela Comissão na
fase escrita não implicam uma redefinição do mercado relevante, tal como este é
definido nos pontos 17 a 27 da decisão impugnada, constituindo tão só uma
clarificação dessa definição, ainda assim a apreciação da Comissão estaria, neste
caso, viciada por falta de fundamentação.
- 215.
- Com efeito, como alegaram as recorrentes, a decisão impugnada não contém
elementos de análise que comprovem o carácter essencial ou indispensável das
locomotivas em causa. Mais precisamente, a leitura da decisão impugnada não
permite concluir que os terceiros não possam adquirir essas locomotivas quer
directamente aos construtores, quer indirectamente, comprando-as ou tomando-as
de aluguer a terceiros. Também não consta dos autos qualquer correspondência
entre a Comissão e terceiros, da qual resulte que estes estão impossibilitados de
adquirir as locomotivas em causa no mercado. Ora, como sublinharam as
recorrentes, qualquer empresa interessada em explorar os mesmos serviços
ferroviários que a ENS utilizando o túnel do canal da Mancha pode livremente
adquirir ou alugar as locomotivas no mercado. Resulta dos autos, além disso, que
não consta dos contratos de fornecimento das locomotivas celebrados entre as
notificantes e a ENS qualquer cláusula de exclusividade a favor da ENS, sendo
todas as empresas notificantes livres de fornecer as mesmas locomotivas a terceiros
e não apenas à ENS.
- 216.
- Acrescente-se a este propósito que a Comissão não contestou o facto de que os
terceiros podem livremente comprar ou alugar as locomotivas em causa no
mercado, limitando-se a considerar que se trata, na realidade, de uma possibilidade
puramente teórica e que só as empresas notificantes estão efectivamente na posse
dessas locomotivas. Este argumento da Comissão não merece, porém, acolhimento.
O facto de as empresas notificantes terem sido as primeiras a adquirir no mercado
as locomotivas em causa não significa que só elas é que podem adquiri-las.
- 217.
- De onde se conclui que a apreciação, efectuada pela Comissão, do carácter
essencial ou indispensável das locomotivas especiais para a passagem do túnel do
canal da Mancha e, portanto, a obrigação, imposta aos fundadores, de fornecerema terceiros essas locomotivas, padece de falta, ou, pelo menos, de insuficiência de
fundamentação.
- 218.
- Pelas mesmas razões que as acima expostas, a obrigação imposta aos fundadores
de fornecerem também a terceiros o pessoal das locomotivas especiais para a
passagem do túnel do canal da Mancha está ferida do mesmo vício de falta ou
insuficiência de fundamentação.
- 219.
- De onde se conclui que a decisão impugnada, na parte em que impõe às
recorrentes a obrigação de fornecer a terceiros, concorrentes da ENS, os mesmos
«serviços indispensáveis» que fornecem a esta, padece de falta, ou, pelo menos, de
insuficiência, de fundamentação.
- 220.
- Resulta igualmente do que precede que a análise da Comissão das restrições à
concorrência em relação a terceiros, devido às relações privilegiadas dos
fundadores com a ENS, também não tem fundamento (v. supra, n.os 150 e 151).
Com efeito, uma vez que, como foi demonstrado acima, a ENS não é um operador
de transporte, o mercado ferroviário não pode, finalmente, ser cindido em dois
mercados de serviços distintos, isto é, um mercado integrado de prestação de
serviços de transporte de passageiros no qual se movem as empresas ferroviárias
e os seus agrupamentos internacionais e um mercado de acesso e gestão da
infra-estrutura, gerido por gestores de infra-estrutura, na acepção da Directiva
91/440 (v. supra, enquadramento jurídico, n.os 1 a 6). Acresce que o argumento
invocado pela Comissão na audiência, segundo o qual resulta do n.° 55 do acórdão
do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1997, Deutsche
Bahn/Comissão (T-229/94, Colect., p. II-1689), que o mercado dos serviços
ferroviários constitui um submercado distinto do mercado dos transportes
ferroviários em geral, não tem fundamento, visto que as conclusões do Tribunal
nesse processo dizem apenas respeito ao mercado ferroviário do transporte
combinado. É, pois, nos dois mercados acima referidos que a análise das restrições
à concorrência em relação a terceiros deve ser efectuada.
- 221.
- Assim em primeiro lugar, em relação à infra-estrutura (linhas horárias), o Tribunal
faz notar que, se é verdade que o acesso de terceiros a essa infra-estrutura pode
ser dificultado quando são empresas concorrentes que controlam esse acesso, não
é menos verdade que a obrigação das empresas de transporte ferroviário, que são
simultaneamente gestoras da infra-estrutura, de permitir o acesso a esta
infra-estrutura em condições equitativas e não discriminatórias a agrupamentos
internacionais concorrentes da ENS está expressamente consagrada e garantida
pela Directiva 91/440. Em consequência, os acordos ENS não podem, por
definição, dificultar o acesso de terceiros à infra-estrutura. Quanto ao fornecimento
à ENS de locomotivas especiais para a passagem do túnel do canal da Mancha,
bem como do pessoal destas, o benefício deste serviço, por si só, só pode dificultar
o acesso de terceiros ao mercado a jusante se essas locomotivas e o respectivo
pessoal deverem ser considerados como elementos essenciais. Ora, não podendoas locomotivas especiais e o respectivo pessoal, pelas razões acima expostas (v.
n.os 210 a 215) ser qualificadas como elementos essenciais, o facto de os acordos
de exploração dos serviços nocturnos de comboio preverem o seu fornecimento à
ENS não pode ser visto como implicando uma restrição da concorrência em
relação a terceiros. Por conseguinte, esta análise da Comissão das restrições à
concorrência relativamente a terceiros também não tem fundamento (v. supra,
n.os 150 e 151).
Quanto ao quarto fundamento, baseado na insuficiência do período de isenção
concedido
Argumentos das partes
- 222.
- As recorrentes sublinham que nos acordos ENS está em causa um investimento
importante a longo prazo e que o rendimento do projecto assenta na obtenção de
uma financiamento vantajoso, por um prazo de 20 anos, para compra do material
circulante especial, de modo que a limitação da isenção a um prazo de oito anos
seria insuficiente. A referência, na decisão, ao prazo julgado necessário por
determinadas empresas ferroviárias para assegurar a viabilidade de um outro
acordo, relativo a serviços de transporte combinado de mercadorias via túnel do
canal da Mancha, seria destituída de pertinência, por dizer respeito a uma empresa
comum que opera num sector diferente da ENS, do qual nenhuma das notificantes
é parte.
- 223.
- Quanto à justificação, invocada no ponto 73 da decisão, baseada no facto de o
prazo de eficácia da isenção depender, nomeadamente, do período em que, de
forma razoável, se pode considerar que as condições de funcionamento do mercado
não irão ser sensivelmente alteradas, as recorrentes entendem que a Comissão não
apresenta nenhum dado que permita prever que essas modificações irão ocorrer
no termo do período de isenção, sabendo-se que os riscos financeiros se
acentuariam devido à duração, relativamente curta, do período de isenção.
- 224.
- As recorrentes acrescentam, a este propósito, que na sua prática decisória, a
Comissão sempre considerou que as empresas comuns que exigiam investimentos
importantes a longo prazo, e cujo objecto é o desenvolvimento de um novo
produto, precisam necessariamente de um longo período para rentabilizar o capital
investido. Entendem que a consideração, constante da decisão, de que a aquisição
de material em comum seria dissociável do modo de exploração comercial desse
mesmo material não tem fundamento no presente caso, visto que o material
circulante utilizado pela ENS só pode servir para percursos entre o Reino Unido
e o continente. Por todas estas razões, as recorrentes concluem que a decisão
impugnada está viciada por erro manifesto de apreciação e/ou falta ou insuficiência
de fundamentação.
- 225.
- A Comissão, por sua vez, explica que o prazo da isenção deve ser determinado
tendo em conta as condições do mercado existentes no momento de tomada dadecisão, à luz das modificações razoavelmente previsíveis que poderão ocorrer
nesse mercado. Entende que, no presente caso, o prazo da isenção concedida, isto
é, dez anos a contar da notificação e oito a contar da data da decisão, permite
conciliar previsões económicas realistas, por um lado, com a necessidade de
segurança jurídica das empresas, por outro. Com efeito, resultaria da notificação
dos acordos que as projecções financeiras das empresas ferroviárias em causa
indicam que os serviços nocturnos prestados pela ENS criarão receitas suficientes
para cobrir as despesas a partir do quarto ano da exploração (notificação, p. 35,
ponto II.4.e.1.4., documento n.° 1 junto à contestação). Segundo a Comissão, o
facto de o financiamento da aquisição de material circulante se estender por um
período de 20 anos não é justificação para a concessão de uma isenção a longo
prazo, porque a aquisição de material em comum seria dissociável do modo de
exploração comercial desse mesmo material.
- 226.
- A Comissão acrescenta que, de qualquer modo, por força do n.° 2 do artigo 13.°
do Regulamento n.° 1017/68, a isenção pode ser renovada mais de uma vez, se ascircunstâncias o exigirem, e que, na prática, a renovação é concedida sempre que
as condições do mercado não se tenham alterado significativamente. Mesmo em
caso de alterações importantes, a Comissão pode sempre renovar a decisão de
isenção e subordiná-la a condições diferentes das previstas na decisão anterior.
- 227.
- O Reino Unido, interveniente, sustenta que a condição imposta às empresas de
transporte ferroviário e a duração da isenção alteram a base financeira em que as
partes nos acordos ENS se apoiaram para assumir o compromisso de fornecimento
dos novos serviços ferroviários em causa. A importância do investimento acordado
pelas partes deveria ter sido, segundo este interveniente, um elemento essencial da
determinação da duração da isenção. Não tendo tomado em consideração este
elemento, a decisão é incompatível com a política de favorecimento da participação
do sector privado no desenvolvimento das redes transeuropeias.
- 228.
- Em resposta, a Comissão afirma que a duração da isenção concedida é
simultaneamente suficiente e justificada e acrescenta que, ao contrário do que
pretende o Reino Unido, a sua decisão é conforme à sua política a respeito do
papel do sector privado no desenvolvimento das redes transeuropeias.
Apreciação do Tribunal
- 229.
- Como resulta da análise efectuada pelo Tribunal dos primeiro e segundo
fundamentos, deve considerar-se que a Comissão não analisou de modo correcto
e bastante, na decisão impugnada, o contexto económico e jurídico no qual se
inscrevem os acordos ENS. Em consequência, não ficou demonstrado que os
acordos ENS sejam restritivos da concorrência, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado e que, por isso, necessitem de uma isenção ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3,
do Tratado. A Comissão não tinha, portanto, os meios de avaliar que prazo era
adequado para uma eventual isenção ao abrigo deste artigo.
- 230.
- Porém, mesmo que a Comissão tivesse efectuado, na decisão, uma avaliação
suficiente e correcta das restrições à concorrência em causa, o Tribunal entende
que o prazo por que é concedida uma isenção ao abrigo do n.° 3 do artigo 85.° do
Tratado, ou, como no caso em apreço, ao abrigo do artigo 5.° do Regulamento
n.° 1017/68 e do artigo 53.°, n.° 3, do Acordo EEE, deve ser suficiente para permitir
aos beneficiários realizar os benefícios que justificam a isenção em questão, isto é,
no presente caso, o contributo para o progresso económico e as vantagens
resultantes para os utentes da implementação de novos serviços de transporte de
um elevado nível de qualidade, como se refere nos pontos 59 a 61 da decisão
impugnada. Por outro lado, dado que esse progresso económico e essas vantagens
não podem ser conseguidos sem investimentos importantes, o período necessário
para rentabilizar esses investimentos constitui necessariamente um elemento
essencial na avaliação do prazo da isenção, tanto mais quanto, como no caso ora
em apreço, é manifesto que se trata de serviços totalmente novos que necessitam
de investimentos consideráveis e implicam riscos financeiros importantes e a
colocação em comum do Know how das empresas participantes (pontos 63, 64 e
75 da decisão impugnada).
- 231.
- Nestas condições, é entendimento do Tribunal que a afirmação constante do ponto
73 da decisão, de que «o prazo de eficácia da isenção depende, nomeadamente,
do período em que, de forma razoável, se pode considerar que as condições de
funcionamento do mercado não irão ser sensivelmente alteradas» não pode ser
havida como um elemento determinante, por si só, para a determinação do prazo
de isenção, sem ter em conta, igualmente, o período de tempo necessário para
permitir às partes obter uma remuneração suficiente do seu capital.
- 232.
- Ora, o Tribunal verifica que a decisão impugnada não contém uma avaliação
circunstanciada do prazo necessário para rentabilizar os investimentos em causa em
condições de segurança jurídica, tomando em consideração, designadamente, o
facto de os compromissos financeiros das partes para a compra de material
circulante especial terem sido assumidos por 20 anos. A afirmação da Comissão,
constante do ponto 76 da decisão, de que no domínio do transporte combinado de
mercadorias, as empresas ferroviárias lhe tinham comunicado ser necessário um
período de cinco anos para conseguir assegurar a viabilidade de novos serviços, é
impertinente, posto que, como acabámos de verificar (v. supra, n.os 185 a 187), se
está perante uma empresa comum que opera num mercado diferente do da ENS.
- 233.
- Quanto à afirmação da Comissão, constante do ponto 75 da decisão impugnada,
de que o montante dos investimentos não pode constituir um elemento
determinante para a fixação do período de isenção, porque a aquisição do material
em comum é dissociável das modalidades da sua exploração comercial, é forçoso
concluir que a decisão não contém qualquer dado que permita compreender por
que é que a exploração comercial desse material é «dissociável» da sua aquisição,
quando é sabido que o material circulante em causa foi adquirido e os
compromissos financeiros correspondentes assumidos unicamente no quadro dos
acordos notificados. De qualquer modo, a Comissão não contestou a afirmação dasrecorrentes de que outras possibilidades de utilização do material circulante em
causa eram extremamente limitadas.
- 234.
- De onde se conclui que, qualquer que seja o caso, a decisão da Comissão, de
limitar a oito anos o prazo de concessão da isenção aos acordos ENS padece de
falta de fundamentação.
- 235.
- Tendo em conta o que acima se disse, o quarto fundamento das recorrentes deve
considerar-se procedente.
- 236.
- Resulta de quanto precede, e sem que seja necessário que o Tribunal se pronuncie
sobre o fundamento invocado pela SNCF no processo T-384/94, baseado em
violação do artigo 3.° do Regulamento n.° 1017/68, que a decisão impugnada deve
ser anulada.
Quanto às despesas
- 237.
- Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte
vencida deve ser condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo a
Comissão sido vencida e tendo as recorrentes apresentado o correspondente
pedido, há que condená-la nas despesas, incluindo as efectuadas pela SNCF,
interveniente nos processos T-374/94 e T-384/94.
- 238.
- Nos termos do n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de
Primeira Instância, o Reino Unido suportará as suas próprias despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção),
decide:
- 1.
- A Decisão 94/663/CEE da Comissão, de 21 de Setembro de 1994, relativa
a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE e do artigo 53.° do
Acordo EEE (IV/34.600 - «Night services») é anulada.
- 2.
- A Comissão é condenada no pagamento das despesas.
- 3.
- O Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte, interveniente,
suportará as suas próprias despesas.
KalgeropoulosBellamy
Pirrung
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Setembro de 1998.
O secretário
O presidente
H. Jung
A. Kalogeropoulos