Language of document : ECLI:EU:T:2023:113

DESPACHO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

18 de outubro de 2023 (*)

«Auxílios de Estado — Zona Franca da Madeira — Regime de auxílios aplicado por Portugal — Decisão que declara a não conformidade do regime com as Decisões C(2007) 3037 final e C(2013) 4043 final, declara esse regime incompatível com o mercado interno e ordena a recuperação dos auxílios pagos ao abrigo do mesmo — Dever de fundamentação — Prazo razoável — Recuperação — Confiança legítima — Segurança jurídica — Direito a um processo equitativo — Recurso manifestamente desprovido de fundamento jurídico»

Nos processos T‑683/22 a T‑688/22, T‑690/22 a T‑693/22, T‑695/22 a T‑701/22, T‑707/22 e T‑708/22,

Newalliance Comércio Internacional, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal (Portugal), representada por S. Gemas Donário e S. Soares, advogadas,

recorrente no processo T‑683/22,

Norwood – Trading e Serviços, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑684/22,

Lycatelcom, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑685/22,

Kingbird – Consultores e Serviços, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑686/22,

Standbycom, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑687/22,

FOF – Fox Oil Fund, Lda., com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑688/22,

Kiana, Lda., com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑690/22,

Fontwell – Import, Export, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑691/22,

Dabrezco Internacional, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑692/22,

Hilza – Pharmaceuticals, Sociedade Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑693/22,

Khayamedia Comércio Internacional de Eventos Desportivos, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑695/22,

Fratelli Cosulich, Unipessoal, S. A. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑696/22,

Ommiacrest Trading, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑697/22,

Swan Lake Serviços e Consultores, Sociedade Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑698/22,

Seamist, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑699/22,

Mission – Trading, Gestão e Serviços, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑700/22,

Pamastock Investments, S. A. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑701/22,

Ostrava – Trading e Serviços Internacionais, Sociedade Unipessoal, Lda., com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑707/22,

White Pearl, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), com sede no Funchal, representada por S. Gemas Donário e S. Soares,

recorrente no processo T‑708/22,

contra

Comissão Europeia, representada por I. Barcew e P. Caro de Sousa, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: J. Svenningsen (relator), presidente, J. Martín y Pérez de Nanclares e M. Stancu, juízes,

secretário: V. Di Bucci,

vistos os autos, nomeadamente as Decisões de 13, 16 e 17 de janeiro de 2023 de não suspender os processos enquanto se aguarda decisão do Tribunal de Justiça que ponha termo à instância no processo C‑736/22 P, Portugal/Comissão,

profere o presente

Despacho

1        Com os seus recursos baseados no artigo 263.° TFUE, as recorrentes, a Newalliance Comércio Internacional, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Norwood  Trading e Serviços, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Lycatelcom, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Kingbird  Consultores e Serviços, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Standbycom, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), a FOF – Fox Oil Fund, Lda., a Kiana, Lda., a Fontwell – Import, Export, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Dabrezco Internacional, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Hilza – Pharmaceuticals, Sociedade Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Khayamedia Comércio Internacional de Eventos Desportivos, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Fratelli Cosulich, Unipessoal, S. A. (Zona Franca da Madeira), a Ommiacrest Trading, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Swan Lake Serviços e Consultores, Sociedade Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Seamist, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Mission – Trading, Gestão e Serviços, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Pamastock Investments, S. A. (Zona Franca da Madeira), a Ostrava – Trading e Serviços Internacionais, Sociedade Unipessoal, Lda. e a White Pearl, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), pedem a anulação da Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão, de 4 de dezembro de 2020, relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) (ex 2018/NN) aplicado por Portugal a favor da Zona Franca da Madeira (ZFM) — Regime III (JO 2022, L 217, p. 49; a seguir «decisão recorrida»).

 Antecedentes do litígio

2        O regime da Zona Franca da Madeira (Portugal) (a seguir «ZFM») assume a forma de diversos benefícios fiscais concedidos no âmbito do Centro Internacional de Negócios da Madeira, do Registo Internacional de Navios da Madeira e da Zona Franca Industrial.

3        Este regime foi inicialmente aprovado em 1987 pela Decisão da Comissão Europeia de 27 de maio de 1987 no processo N 204/86 [SG(87) D/6736] enquanto auxílio com finalidade regional compatível com o mercado único. A sua prorrogação foi posteriormente autorizada pela Decisão da Comissão de 27 de janeiro de 1992 no processo E 13/91 [SG (92) D/1118] e, em seguida, pela Decisão da Comissão de 3 de fevereiro de 1995 no processo E 19/94 [SG (95) D/1287].

4        O regime que lhe sucedeu (a seguir «Regime II») foi aprovado por uma Decisão da Comissão de 11 de dezembro de 2002 no processo N 222A/01 (a seguir «Decisão de 2002»).

5        Com base nas Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para o período 2007‑2013 (JO 2006, C 54, p. 13; a seguir «Orientações de 2007»), foi aprovado um terceiro regime (a seguir «Regime III») pela Decisão da Comissão de 27 de junho de 2007 no processo N 421/2006 (a seguir «Decisão de 2007»), para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2013. A Comissão aprovou este regime como auxílio ao funcionamento compatível com o mercado interno destinado à promoção do desenvolvimento regional e à diversificação da estrutura económica da Madeira, enquanto região ultraperiférica na aceção do artigo 299.°, n.° 2, CE (atual artigo 349.° TFUE).

6        O Regime III assume a forma de uma redução do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (a seguir «IRC») sobre os lucros resultantes de atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira (3 % de 2007 a 2009, 4 % de 2010 a 2012 e 5 % de 2013 a 2020), de uma isenção de impostos municipais e locais, bem como de uma isenção do imposto sobre a transmissão de bens imóveis para a criação de uma empresa na ZFM, até montantes máximos de auxílio baseados nos limites máximos da base tributável aplicáveis à base tributável anual dos beneficiários. Esses limites máximos são fixados em função do número de postos de trabalho mantidos pelo beneficiário em cada exercício. Em determinadas condições, as sociedades registadas na Zona Franca Industrial da ZFM podem beneficiar de uma redução adicional de 50 % sobre o IRC.

7        O acesso ao Regime III foi restringido às atividades que figuravam numa lista incluída na Decisão de 2007. Além disso, todas as atividades de intermediação financeira, seguros e atividades auxiliares financeiras e de seguros, bem como todas as atividades do tipo «serviços intragrupo» (centros de coordenação, de tesouraria e de distribuição), enquanto «serviços prestados a empresas, sobretudo», foram excluídas do âmbito de aplicação do Regime III.

8        A Decisão da Comissão de 2 de julho de 2013 no processo SA.34160 (2011/N) (a seguir «Decisão de 2013») aprovou uma versão alterada do Regime III para o período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2013. Esta mantém condições idênticas às previstas no Regime III, sob reserva de um aumento de 36,7 % dos limites máximos da base tributável a que é aplicável a redução do IRC.

9        Em seguida, a Decisão da Comissão de 26 de novembro de 2013 no processo SA.37668 (2013/N) aprovou a prorrogação até 30 de junho de 2014 do Regime III alterado. A Decisão da Comissão de 8 de maio de 2014 no processo SA.38586 (2014/N) aprovou a prorrogação do referido regime até final de 2014.

10      Em 12 de março de 2015, a Comissão iniciou, ao abrigo do artigo 108.°, n.° 1, TFUE e do artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.° TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), um exercício de monitorização do Regime III relativo aos anos de 2012 e 2013.

11      Por Ofício de 6 de julho de 2018, a Comissão informou a República Portuguesa da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE relativamente ao Regime III (JO 2019, C 101, p. 7; a seguir «decisão de dar início ao procedimento formal»).

12      Este procedimento foi aberto devido às dúvidas da Comissão quanto, por um lado, à aplicação das isenções de imposto sobre os rendimentos provenientes de atividades efetiva e materialmente realizadas na Região Autónoma da Madeira (a seguir «RAM») e, por outro, à ligação entre o montante do auxílio e a criação ou a manutenção de postos de trabalho efetivos na Madeira.

13      No termo do referido procedimento, a Comissão adotou a decisão recorrida, cujo dispositivo tem a seguinte redação:

«Artigo 1.°

O regime de auxílios “Zona Franca da Madeira (ZFM) — Regime III”, na medida em que foi aplicado por Portugal em violação da Decisão [de 2007] e da Decisão [de 2013], foi executado ilegalmente por Portugal em violação do artigo 108.o, n.o 3, [TFUE], e é incompatível com o mercado interno.

Artigo 2.°

Os auxílios individuais concedidos ao abrigo do regime referido no artigo 1.° não constituem auxílios se, no momento da respetiva concessão, preencherem as condições estabelecidas num regulamento adotado nos termos do artigo 2.° do Regulamento (UE) 2015/1588, aplicável à data da concessão do auxílio.

Artigo 3.o

Os auxílios individuais concedidos ao abrigo do regime referido no artigo 1.° que, à data da respetiva concessão, preencherem as condições estabelecidas nas decisões referidas no artigo 1.° ou num regulamento adotado nos termos do artigo 1.° do Regulamento [...] 2015/1588, são compatíveis com o mercado interno até ao limite das intensidades máximas de auxílio aplicáveis a este tipo de auxílios.

Artigo 4.o

1. Portugal deve proceder à recuperação dos auxílios incompatíveis concedidos ao abrigo do regime referido no artigo 1.° junto dos beneficiários.

[...]

4. Portugal deve revogar o regime de auxílios incompatível na medida referida no artigo 1.° e cancelar todos os pagamentos pendentes relativos aos auxílios, com efeitos a partir da data de notificação da presente decisão.

Artigo 5.°

1. A recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo do regime previsto no artigo 1.° deve ser imediata e efetiva.

2. Portugal deve assegurar a execução da presente decisão no prazo de oito meses a contar da data da respetiva notificação.

[…]»

 Pedidos das partes

14      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

15      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento aos recursos;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

16      Ouvidas as partes, o Tribunal Geral decidiu apensar os processos T‑683/22 a T‑688/22, T‑690/22 a T‑693/22, T‑695/22 a T‑701/22, T‑707/22 e T‑708/22 para efeitos do presente despacho, em conformidade com o artigo 68.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

 Quanto à aplicação do artigo 126 do Regulamento de Processo

17      Em apoio dos seus recursos, as recorrentes invocam cinco fundamentos relativos a violações, primeiro, do prazo razoável, segundo, do dever de fundamentação, terceiro, do princípio da proteção da confiança legítima, quarto, do princípio da segurança jurídica e, quinto, do direito a um processo equitativo.

18      Nos termos do artigo 126.° do Regulamento de Processo, se um recurso for manifestamente desprovido de fundamento jurídico, o Tribunal pode, sob proposta do juiz‑relator, decidir a todo o tempo, por despacho fundamentado, pondo assim termo à instância.

19      A este respeito, a negação de provimento do recurso por despacho fundamentado proferido com base no artigo 126.° do Regulamento de Processo não só contribui para a economia processual, como evita que as partes efetuem despesas ligadas à eventual realização de uma audiência, quando, da leitura dos autos, o Tribunal Geral, considerando‑se suficientemente esclarecido pelas peças dos autos do referido processo, fica plenamente convencido da inadmissibilidade manifesta da petição ou de que o processo é manifestamente desprovido de fundamento jurídico e considera, além disso, que a realização de uma audiência não é suscetível de fornecer elementos novos que possam alterar a sua convicção.

20      No caso em apreço, o Tribunal Geral observa que os fundamentos invocados pelas recorrentes suscitam, no essencial, questões semelhantes ou idênticas àquelas sobre as quais o Tribunal Geral já se pronunciou no Acórdão de 21 de setembro de 2022, Portugal/Comissão (Zona Franca da Madeira) (T‑95/21, pendente de recurso, EU:T:2022:567), proferido antes da interposição dos presentes recursos. Por outro lado, nos presentes processos, as recorrentes não contestam o mérito da conclusão de que as autoridades portuguesas, ao aplicarem o Regime III, não cumpriram os requisitos previstos nas Decisões de 2007 e de 2013.

21      Por conseguinte, o Tribunal Geral considera‑se suficientemente esclarecido pelas peças dos autos e decide pronunciar‑se, pondo assim termo à instância.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma violação do dever de fundamentação

22      Com o seu segundo fundamento, que importa começar por examinar, as recorrentes alegam que a decisão recorrida carece de fundamentação suficiente na parte em que declara que a República Portuguesa violou os requisitos relativos, por um lado, à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC e, por outro, à criação ou à manutenção de postos de trabalho, enunciados nas Decisões de 2007 e de 2013.

23      Quanto ao requisito relativo à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC, as recorrentes consideram que os fundamentos de facto e de direito invocados na decisão recorrida são descritivos e vagos.

24      A insuficiência de fundamentação da decisão recorrida é demonstrada pelo facto de, no momento da recuperação dos auxílios concedidos às recorrentes ao abrigo do Regime III, as autoridades portuguesas terem determinado a proporção dos lucros decorrentes das suas atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira segundo um método fixo, baseado na proporção dos seus trabalhadores estabelecidos na RAM.

25      Além disso, ao referir que o Regime III se destina a compensar o acréscimo de custos ligados ao exercício de uma atividade numa região ultraperiférica, a Comissão é omissa quanto ao facto de os plafonds estabelecidos no Regime III não aumentarem de forma proporcional ao número de postos de trabalho criados ou mantidos pelos beneficiários. Acresce que as recorrentes não tiveram acesso a nenhum dos vários documentos trocados entre a Comissão e a República Portuguesa durante o procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão recorrida, que teriam permitido colmatar a insuficiência de fundamentação dessa decisão.

26      No que se refere ao requisito relativo à criação ou à manutenção de postos de trabalho, as recorrentes consideram que a decisão recorrida carece de fundamentação suficiente, uma vez que a Comissão deixa a determinação do método de cálculo do tempo de trabalho à discricionariedade do Estado Português.

27      A Comissão contesta esta argumentação.

28      Segundo a jurisprudência, a fundamentação exigida pelo artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE, deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar clara e inequivocamente o raciocínio da instituição, autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização (v. Acórdão de 8 de março de 2017, Viasat Broadcasting UK/Comissão, C‑660/15 P, EU:C:2017:178, n.° 43 e jurisprudência referida). Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.° TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (v. Acórdão de 25 de julho de 2018, Comissão/Espanha e o., C‑128/16 P, EU:C:2018:591, n.° 82 e jurisprudência referida).

29      No caso em apreço, há que observar que a Comissão expôs de forma clara e inequívoca o seu raciocínio com base no qual concluiu, nos considerandos 167 e 179 da decisão recorrida, que a aplicação pela República Portuguesa do Regime III no que respeita aos requisitos relativos, por um lado, à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC e, por outro, à criação ou à manutenção de postos de trabalho na RAM violava as Decisões de 2007 e de 2013.

30      Em primeiro lugar, em apoio da sua conclusão de que o requisito relativo à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC tinha sido violado, a Comissão referiu, nos considerandos 153 e 154 da decisão recorrida, que as Orientações de 2007, e mais especificamente os seus n.os 6 e 76, enunciam que podem excecionalmente ser concedidos auxílios ao financiamento nas regiões que beneficiam da derrogação prevista no artigo 87.°, n.° 3, alínea a), CE [atual artigo 107.°, n.° 3, alínea a), TFUE], como a RAM, cujo estatuto de região ultraperiférica é reconhecido pela Comissão, desde que se justifiquem em função do seu contributo para o desenvolvimento regional e da sua natureza e que o seu nível seja proporcional às desvantagens que pretendem atenuar.

31      Conforme resulta do considerando 156 da decisão recorrida, a razão de ser dos auxílios regionais ao funcionamento para as regiões ultraperiféricas consiste em compensar os custos adicionais suportados pelas empresas nessas regiões devido às desvantagens que afetam estas últimas, como as enumeradas no considerando 155 da decisão recorrida. A este propósito, a Comissão recordou igualmente, no considerando 157 da decisão recorrida, que a apreciação da compatibilidade do Regime III, na Decisão de 2007, tinha sido efetuada com base nos custos adicionais suportados pelas empresas que exercem a sua atividade na RAM e não fora desta.

32      Ora, nos considerandos 158 e 160 da decisão recorrida, a Comissão salientou que, para as autoridades portuguesas, a redução do IRC não se devia limitar geograficamente aos lucros provenientes de atividades realizadas na RAM, mas que podia ser aplicada a lucros provenientes de atividades realizadas fora desta região.

33      Tendo em conta a finalidade dos auxílios regionais ao funcionamento, a Comissão concluiu, no considerando 167 da decisão recorrida, que a aplicação do Regime III no que respeita ao requisito relativo à origem dos lucros não estava em conformidade com as Decisões de 2007 e de 2013.

34      Por outro lado, no considerando 152 da decisão recorrida, a Comissão recordou igualmente o contexto em que a Decisão de 2007 foi adotada, indicando que, no procedimento administrativo que conduziu à adoção da referida decisão que autorizou o Regime III, a República Portuguesa não tinha contestado o facto de as reduções fiscais previstas nesse regime se limitarem às atividades realizadas na Madeira.

35      A este respeito, como resulta do considerando 226 da decisão recorrida, a Comissão «tinha solicitado a introdução, no projeto de lei notificado pela [República Portuguesa] em 28 de junho de 2006, de uma disposição expressa nos termos da qual as reduções do imposto apenas seriam aplicáveis aos lucros resultantes de atividades realizadas na Madeira» e a República Portuguesa recusou proceder a essa introdução porque «essa disposição não era necessária, uma vez que a restrição em causa decorria da base jurídica da ZFM».

36      Estes elementos, mesmo que não tenham sido levados ao conhecimento das recorrentes, devem ser considerados como fazendo indissociavelmente parte do regime de auxílios notificado e, a esse título, devem ser tomados em consideração para apreciar se a Comissão violou o seu dever de fundamentação (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2010, Kahla Thüringen Porzellan/Comissão, C‑537/08 P, EU:C:2010:769, n.° 45). Tanto mais que, no caso em apreço, foi precisamente com base nessas informações que a Comissão decidiu não levantar objeções ao Regime III, conforme notificado.

37      Além disso, considera‑se que a expressão «atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira», na sua aceção habitual, não pode ser interpretada no sentido de que visa atividades realizadas fora da RAM, mesmo por sociedades registadas na ZFM [v., neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 2022, Portugal/Comissão (Zona Franca da Madeira), T‑95/21, pendente de recurso, EU:T:2022:567, n.° 129]. Dado que esta interpretação é suficientemente clara, a conclusão de que o Regime III foi aplicado em violação deste requisito não exigia uma fundamentação adicional.

38      Em segundo lugar, em apoio da sua conclusão de que o requisito relativo à criação ou à manutenção de postos de trabalho tinha sido violado, a Comissão referiu, em substância, nos considerandos 168 a 174 da decisão recorrida, que este requisito era uma condição para aceder ao Regime III e que, enquanto parâmetro de cálculo do montante do auxílio, se devia basear num método objetivo, verificável e comprovado, como o subjacente às definições dos postos de trabalho como «unidades de trabalho anuais» (UTA) e «equivalente a tempo inteiro» (ETI). Segundo a Comissão, trata‑se do melhor método para incluir, sem discriminação, todos os tipos de relações e de contratos de trabalho, dado que o tempo de trabalho efetivo do trabalhador na empresa da ZFM é calculado de forma objetiva e verificável.

39      Ora, nos considerandos 175 e 176 da decisão recorrida, a Comissão salientou que, no entender das autoridades portuguesas, constituía um «posto de trabalho» para efeitos da aplicação do Regime III, qualquer emprego, de qualquer natureza jurídica, independentemente do número de horas, dias e meses de trabalho ativo por ano, declarado pelos beneficiários sem que essas autoridades pudessem verificar quanto tempo foi efetivamente despendido pelo titular do cargo no seu posto ou converter esse tempo em ETI.

40      Assim, considerando que o Regime III, por si autorizado, tinha sido aplicado em moldes substancialmente diferentes dos previstos no projeto de regime de auxílios notificado pela República Portuguesa e, por isso, substancialmente diferentes dos tomados em consideração para apreciar a compatibilidade desse regime, a Comissão considerou que o Regime III, conforme aplicado, não podia ser considerado autorizado e, como tal, não podia ser qualificado de regime de auxílios existente. Consequentemente, nos considerandos 180, 211 e 228, assim como no artigo 1.° da decisão recorrida, a Comissão qualificou o Regime III, conforme aplicado, de «auxílio ilegal» e, por conseguinte, de «novo auxílio» na aceção do artigo 1.°, alínea c), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.° TFUE (JO 2015, L 248, p. 9), pago em violação do artigo 108.°, n.° 3, TFUE.

41      Em terceiro lugar, no que respeita à fundamentação da ordem de recuperação, a Comissão expôs de forma clara, desde logo, nos considerandos 213 e 214 da decisão recorrida, de que modo as autoridades portuguesas deveriam distinguir, de entre os beneficiários dos benefícios fiscais previstos no Regime III, os que tinham beneficiado do auxílio declarado ilegal e incompatível com o mercado interno daqueles que poderiam provar, nomeadamente, ter recebido um auxílio em conformidade com os requisitos previstos nas Decisões de 2007 e de 2013 que autorizaram este regime.

42      Em seguida, no caso de ser identificado um beneficiário do auxílio declarado ilegal e incompatível com o mercado interno, a Comissão esclareceu, no considerando 216 da decisão recorrida, o método segundo o qual o montante do auxílio a recuperar devia ser calculado.

43      Por último, nos considerandos 220 a 227 da decisão recorrida, a Comissão examinou se os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, invocados pela República Portuguesa e por um número reduzido de partes interessadas, se opunham à adoção de uma decisão de recuperação. Nesse âmbito, indicou, nomeadamente, no considerando 225 da decisão recorrida, que o facto de ter aprovado o Regime III não permitia concluir que tinha dado garantias precisas, incondicionais e concordantes de que o Regime III, aplicado em moldes substancialmente diferentes dos notificados pela República Portuguesa, seria considerado um auxílio compatível com o mercado interno.

44      Atendendo ao exposto, há que concluir que, com essa fundamentação, a Comissão permitiu aos interessados conhecer as justificações da conclusão a que tinha chegado e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização.

45      Esta conclusão não é afastada pela argumentação das recorrentes segundo a qual a determinação do método de cálculo do tempo de trabalho é deixada à discricionariedade do Estado Português.

46      Com efeito, conforme referido acima nos n.os 41 e 42, a quantificação do montante do auxílio a recuperar deve ser efetuada em conformidade com a metodologia clara e unívoca definida pela Comissão no considerando 216 da decisão recorrida.

47      Ao fazê‑lo, a Comissão forneceu as indicações necessárias, e também suficientes, para permitir às autoridades portuguesas determinar, sem dificuldades excessivas, os montantes a restituir. De resto, isto não é contestado de forma séria pelas recorrentes que, em apoio da admissibilidade dos seus recursos, alegam que «a decisão [recorrida] encerra todos os elementos essenciais para a sua mera execução p[ela] [República Portuguesa]».

48      É irrelevante para esta conclusão a alegação de que, na prática, as autoridades portuguesas quantificaram o montante dos auxílios a recuperar junto de cada beneficiário segundo um método fixo. Com efeito, essa crítica visa as modalidades de recuperação dos auxílios em causa, que estão sujeitas à fiscalização exclusiva dos órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, A2A/Comissão, C‑320/09 P, não publicado, EU:C:2011:858, n.° 162).

49      À luz do que precede, a Comissão não violou, assim, o artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE. Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

50      Decorre igualmente do que precede que a alegação das recorrentes, de que a Comissão qualificou o Regime III, conforme aplicado, de «auxílio utilizado de forma abusiva» na aceção do artigo 1.°, alínea g), do Regulamento 2015/1589, assenta numa leitura errada dos fundamentos da decisão recorrida. De resto, resulta do artigo 1.°, alínea g), deste regulamento que a qualificação do Regime III, conforme aplicado, de «auxílio utilizado de forma abusiva» pressupõe que sejam os beneficiários a utilizar o auxílio em violação das Decisões de 2007 e de 2013 que aprovaram o referido regime (v., por analogia, Acórdão de 20 de setembro de 2011, Regione autonoma della Sardegna e o./Comissão, T‑394/08, T‑408/08, T‑453/08 e T‑454/08, EU:T:2011:493, n.° 181).

51      Ora, no caso em apreço, a violação das Decisões de 2007 e de 2013 não é imputável aos beneficiários, na aceção do artigo 1.°, alínea g), do Regulamento 2015/1589, mas às autoridades portuguesas que aplicaram o Regime III em moldes substancialmente diferentes dos tomados em consideração para apreciar a compatibilidade deste regime com o mercado interno, razão pela qual a Comissão qualificou o Regime III, conforme aplicado, de «auxílio ilegal» e, por conseguinte, de «novo auxílio» na aceção do artigo 1.°, alínea c), do Regulamento 2015/1589.

52      Por outro lado, como foi exposto acima no n.° 20, o mérito da fundamentação recordada nos n.os 30 a 40 não é contestado pelas recorrentes. Consequentemente, não há que examinar, nos presentes recursos, se a mesma contém erros de direito na parte em que a Comissão concluiu que o Regime III tinha sido aplicado pela República Portuguesa em moldes substancialmente diferentes dos previstos no projeto de regime de auxílios notificado por este Estado‑Membro.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação, pela Comissão, do prazo razoável na adoção da decisão recorrida

53      Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes sustentam que a decisão recorrida foi adotada em violação do princípio do prazo razoável garantido pelos artigos 41.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e pelo artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

54      A este respeito, as recorrentes criticam a Comissão por terem decorrido vinte anos entre as primeiras diligências de investigação dos auxílios concedidos ao abrigo da ZFM e a adoção da decisão recorrida, bem como, eventualmente, sete anos entre o início do exercício de monitorização e a publicação da decisão recorrida.

55      No que respeita ao primeiro período de vinte anos, as recorrentes alegam que a Comissão é obrigada a examinar permanentemente os regimes de auxílios existentes, em conformidade com o artigo 17.°, n.° 1, TUE e o artigo 108.°, n.os 1 e 2, TFUE, que exige uma análise periódica de uma amostra das medidas implementadas pelos Estados‑Membros. Em particular, desde 2006 e apesar de conhecer o contexto do direito português e a incorreção do método de concessão dos auxílios concedidos no âmbito da ZFM, a Comissão absteve‑se de intervir, em prejuízo das empresas beneficiárias.

56      No que se refere ao segundo período de sete anos, a violação do prazo razoável é ainda mais significativa, posto que as empresas afetadas pelas medidas nacionais de recuperação não tiveram conhecimento dos elementos com base nos quais a decisão recorrida foi adotada e que, a título preventivo, a Comissão não emitiu uma injunção de suspensão do Regime III nem ordenou à República Portuguesa que recuperasse provisoriamente os auxílios ilegais, o que, contudo, é possível ao abrigo do Regulamento 2015/1589. Além disso, as empresas beneficiárias não podem ser prejudicadas pelos atrasos de Portugal nas suas trocas de correspondência com a Comissão no âmbito dos procedimentos iniciados a partir de 2015, nem estes atrasos podem justificar o tempo excessivo que esta instituição demorou para adotar a decisão recorrida.

57      Por último, o caráter prejudicial do tempo que a Comissão demorou para adotar a decisão recorrida é reforçado pelo facto de, durante esse período, ter renovado o regime da ZFM em termos substancialmente idênticos.

58      A Comissão contesta esta argumentação.

59      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, no âmbito de um processo instaurado por uma empresa beneficiária de um regime de auxílios de Estado ilegal declarado incompatível pela Comissão, a qual ordenou igualmente a sua recuperação, que a inobservância do princípio do prazo razoável, na falta de uma violação dos direitos de defesa, não afeta a validade do procedimento administrativo levado a cabo com base no artigo 108.°, n.° 2, TFUE (Acórdão de 1 de fevereiro de 2017, Portovesme/Comissão, C‑606/14 P, não publicado, EU:C:2017:75, n.° 40).

60      Ora, no caso em apreço, as recorrentes não invocam, de modo nenhum, uma violação dos seus direitos de defesa, dos quais, aliás, segundo jurisprudência constante, não dispõem no âmbito de um procedimento instaurado com base no artigo 108.°, n.° 2, TFUE (Acórdãos de 24 de setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, C‑74/00 P e C‑75/00 P, EU:C:2002:524, n.° 83, e de 8 de maio de 2008, Ferriere Nord/Comissão, C‑49/05 P, não publicado, EU:C:2008:259, n.° 69). Também não invocam uma violação dos direitos processuais que tenham retirado do estatuto de «parte interessada» no procedimento que conduziu à adoção da decisão recorrida, no qual, aliás, não referem ter participado.

61      Assim, a eventual violação pela Comissão da sua obrigação resultante do artigo 41.°, segundo parágrafo, da Carta de tratar os processos num prazo razoável deve, se for caso disso, ser punida mediante uma ação de indemnização intentada no Tribunal Geral, uma vez que essa ação constitui uma solução eficaz [v., neste sentido, Acórdãos de 18 de janeiro de 2012, Djebel — SGPS/Comissão, T‑422/07, não publicado, EU:T:2012:11, n.° 175, e de 16 de outubro de 2014, Portovesme/Comissão, T‑291/11, EU:T:2014:896, n.° 73 (não publicado)].

62      No entanto, dado que a alegação relativa à ultrapassagem do prazo razoável é, em substância, invocada igualmente em apoio do terceiro e quarto fundamentos, relativos a violações dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, a procedência desta argumentação será examinada em seguida.

63      Por último, as recorrentes não podem invocar utilmente o artigo 47.° da Carta, e menos ainda o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, uma vez que esta convenção não constitui, enquanto a União a ela não aderir, um instrumento jurídico formalmente integrado na ordem jurídica da União (v. Acórdão de 14 de setembro de 2017, K., C‑18/16, EU:C:2017:680, n.° 32 e jurisprudência referida), para criticar o caráter razoável do prazo que conduziu à adoção da decisão recorrida, visto que estas disposições dizem respeito à tramitação dos processos judiciais e não à tramitação dos procedimentos administrativos.

64      Tendo em conta o que precede, o primeiro fundamento deve ser julgado manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

65      Com o seu terceiro fundamento, as recorrentes sustentam que, ao ordenar à República Portuguesa que procedesse à recuperação dos auxílios pagos em violação das Decisões de 2007 e de 2013, a Comissão violou o princípio da proteção da confiança legítima.

66      Primeiro, as recorrentes basearam‑se, legitimamente, no texto da lei nacional e, sobretudo, na ação de controlo e de vigilância da Comissão, que não podia ignorar o modo como o Regime III era aplicado e deveria ter imposto a sua alteração, por exemplo fazendo uso do mecanismo de injunção para prestação de informações previsto no artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento 2015/1589 e ordenando a suspensão do pagamento dos auxílios ilegais.

67      Segundo, o requisito relativo à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC não figura no texto da lei nacional e, por outro lado, as Decisões de 2007 e de 2013 não se encontram publicadas no Jornal Oficial da União Europeia. Nestas condições, é possível concluir que a sistemática do sistema do Regime III era fomentar o exercício de atividades internacionais, abertas ao mercado exterior, o que a Comissão sempre soube.

68      Além disso, embora a Comissão tenha considerado que a lei portuguesa não era clara, aprovou‑a, contudo, sem alterações em 2007 e posteriormente em 2013.

69      Mais acresce que o argumento segundo o qual a República Portuguesa não podia desconhecer a interpretação da Comissão deste requisito relativo à origem dos benefícios não pode ser usado contra os beneficiários que não participaram nos procedimentos administrativos que conduziram à adoção das Decisões de 2007 e de 2013.

70      Terceiro, os critérios que permitem comprovar o preenchimento do requisito relativo à criação ou à manutenção de postos de trabalho nunca foram definidos.

71      Na ausência de definição dos critérios para efetuar tal cálculo pela Comissão, as recorrentes limitaram‑se a cumprir, escrupulosamente, a prática reiterada, oficial e pública das autoridades portuguesas em matéria de cálculo do número de postos de trabalho criados ou mantidos na RAM, nomeadamente o Despacho de 18 de agosto de 2009 adotado pela Secretaria Regional do Plano e Finanças da RAM. Além disso, a Comissão não fiscalizou em tempo útil se os requisitos previstos nas Decisões de 2007 e de 2013 eram corretamente aplicados pelas autoridades portuguesas, em violação do artigo 108.°, n.° 1, TFUE. Esta falta de diligência repetiu‑se em cada aprovação do regime da ZFM.

72      Neste contexto, o facto de, na decisão recorrida, ter sido imposto um método de cálculo do número de postos de trabalho em UTA, que figura nas Orientações de 2007, constitui uma verdadeira surpresa para as recorrentes. Este método é inadequado para proceder à recuperação dos auxílios pagos ao abrigo do Regime III, conforme aplicado.

73      A Comissão contesta esta argumentação.

74      No que respeita à obrigação, imposta pela decisão recorrida à República Portuguesa, de proceder à recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo do Regime III em violação das Decisões de 2007 e de 2013, importa recordar que a supressão de um auxílio ilegal e incompatível, através de recuperação, é a consequência lógica da declaração da incompatibilidade desse auxílio. Com efeito, a obrigação do Estado‑Membro em causa de suprimir um auxílio considerado pela Comissão incompatível com o mercado interno visa o restabelecimento da situação anterior, fazendo perder ao beneficiário a vantagem de que efetivamente beneficiou relativamente aos seus concorrentes [v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2021, Comissão/Espanha (TNT em Castela‑Mancha), C‑704/19, não publicado, EU:C:2021:342, n.° 48 e jurisprudência referida].

75      Contribui para esse mesmo objetivo o pagamento, pelo beneficiário de um auxílio ilegal declarado incompatível, de juros a contar da data em que o auxílio ilegal foi colocado à disposição desse beneficiário e até ao momento da sua recuperação, conforme resulta do artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento 2015/1589, lido em conjugação com o considerando 25 deste regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2015, A2A, C‑89/14, EU:C:2015:537, n.° 42).

76      Além disso, de acordo com o artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento 2015/1589, a Comissão é sempre obrigada a ordenar a recuperação de um auxílio que declara incompatível com o mercado interno, salvo se essa recuperação for contrária a um princípio geral do direito da União (Acórdão de 28 de julho de 2011, Mediaset/Comissão, C‑403/10 P, não publicado, EU:C:2011:533, n.° 124).

77      Quanto ao princípio da proteção da confiança legítima, há que recordar que o direito de invocar este princípio pressupõe que tenham sido fornecidas ao interessado garantias precisas, incondicionais e concordantes, provenientes de fontes autorizadas e fiáveis, pelas autoridades competentes da União (v. Acórdão de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.° 97 e jurisprudência referida).

78      Daqui resulta, desde logo, que o facto de terem sido eventualmente dadas garantias pelas autoridades portuguesas, nomeadamente pelo Despacho de 18 de agosto de 2009, não pôde, em todo o caso, gerar qualquer confiança legítima nas recorrentes, na falta de origem num comportamento das autoridades competentes da União (v., por analogia, Acórdão de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.° 104 e jurisprudência referida).

79      Além disso, no domínio dos auxílios de Estado, é jurisprudência constante que, tendo em conta o caráter imperativo da fiscalização dos auxílios de Estado operada pela Comissão nos termos do artigo 108.° TFUE, por um lado, as empresas beneficiárias de um auxílio só podem, em princípio, ter uma confiança legítima na regularidade de um auxílio se este tiver sido concedido no respeito do procedimento previsto no referido artigo e, por outro, um operador económico diligente deve normalmente poder assegurar‑se de que este procedimento foi respeitado (v. Acórdão de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.° 98 e jurisprudência referida).

80      Ora, no caso em apreço, as recorrentes não demonstram, no que respeita aos auxílios pagos em violação das Decisões de 2007 e de 2013, que, por este motivo, foram pagos em violação do artigo 108.°, n.° 3, TFUE, a Comissão lhes tenha fornecido garantias precisas, incondicionais e concordantes, mas igualmente conformes com as normas aplicáveis, suscetíveis de criar uma expectativa legítima no seu espírito, como exige a jurisprudência.

81      Com efeito, quando um regime de auxílios não é notificado à Comissão, a alegada inação desta é desprovida de sentido (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2004, Demesa e Territorio Histórico de Álava/Comissão, C‑183/02 P e C‑187/02 P, EU:C:2004:701, n.° 52, e Despacho de 7 de dezembro de 2017, Aughinish Alumina/Comissão, C‑373/16 P, não publicado, EU:C:2017:953, n.° 54). Assim, dado que o Regime III, conforme aplicado, não foi previamente notificado à Comissão, as recorrentes não podem utilmente invocar, em apoio do seu fundamento relativo a uma violação do princípio da proteção da confiança legítima, eventuais inações por parte da Comissão.

82      É igualmente irrelevante o facto de o Regime III, conforme notificado, ter sido aprovado duas vezes pela Comissão, uma vez que, como foi recordado acima no n.° 40, este regime foi aplicado em moldes substancialmente diferentes dos previstos no projeto de regime de auxílios notificado pela República Portuguesa, o que as recorrentes não contestam (v. n.° 52, supra). Por conseguinte, dado que este regime foi aplicado sem notificação nem autorização da Comissão, as recorrentes não podem acusar a Comissão de ter violado o artigo 108.°, n.° 1, TFUE, que diz respeito à monitorização dos regimes de auxílios existentes.

83      Por outro lado, as Decisões de 2007 e de 2013 foram efetivamente publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, sob a forma de um resumo, em conformidade com o artigo 26.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, com a indicação de que o texto dessas decisões estava disponível no sítio Internet da Comissão. Além disso, em conformidade com o artigo 24.°, n.° 3, do Regulamento 2015/1589, qualquer parte interessada poderá obter, a seu pedido, cópia de qualquer decisão adotada com base nos artigos 4.° e 9.°, no artigo 12.°, n.° 3, e no artigo 13.° deste regulamento. Por conseguinte, contrariamente ao que sustentam, as recorrentes estavam em condições de se certificar de que os requisitos previstos nas Decisões de 2007 e de 2013 eram corretamente aplicados pelas autoridades portuguesas.

84      Além disso, o facto de as recorrentes invocarem a pretensa falta de publicação das Decisões de 2007 e de 2013 que autorizam o Regime III, qualificado de «auxílio de Estado» em princípio incompatível com o mercado interno em conformidade com o artigo 107.°, n.° 1, TFUE, revela, mesmo que a violação dessas decisões seja imputável às autoridades portuguesas (v. n.° 50, supra), que não agiram como operadores económicos diligentes ao procurarem assegurar‑se de que esse regime era efetivamente aplicado no respeito dos requisitos previstos nessas decisões.

85      No que respeita mais especificamente ao requisito relativo à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC, há que salientar que, tendo em conta a sua redação clara e precisa, a sua interpretação não deixava margem para dúvidas.

86      Com efeito, resulta claramente tanto da redação das Decisões de 2007 e de 2013 como dos objetivos da regulamentação da União em matéria de auxílios regionais de Estado, na qual se baseiam estas decisões, que a compensação na devida proporção dos custos adicionais próprios da RAM constitui um elemento central que levou a Comissão a declarar a compatibilidade do Regime III com o mercado interno.

87      Por conseguinte, a argumentação das recorrentes, que se baseia na premissa de que o Regime III tem por objetivo promover o investimento estrangeiro na RAM e a internacionalização da sua economia, é errada e não pode servir de base a uma confiança legítima que se oponha à recuperação dos auxílios pagos ao abrigo deste Regime III, conforme aplicado.

88      Quanto ao requisito relativo à criação ou à manutenção de postos de trabalho na RAM, há que recordar que este requisito é uma condição para aceder ao Regime III e que, enquanto parâmetro do cálculo do montante do auxílio, deve assentar em métodos objetivos e verificáveis (v. n.° 38, supra). Além disso, a apreciação da proporcionalidade do Regime III, em relação aos custos adicionais que o mesmo devia compensar, foi efetuada à luz desta condição.

89      Assim, embora as Decisões de 2007 e de 2013 não imponham a aplicação de um método determinado de cálculo do número de postos de trabalho criados ou mantidos na RAM por cada beneficiário, como reconhece a Comissão, não deixa de ser certo que estas decisões exigiam a utilização de um método objetivo capaz de permitir verificar a realidade e a permanência dos postos de trabalho declarados pelos beneficiários do Regime III.

90      Ora, dado que o método utilizado pelas autoridades portuguesas, acima descrito no n.° 39, não cumpria manifestamente esse requisito e que as referidas autoridades não apresentaram outro método objetivo que permitisse uma verificação da realidade e da permanência dos postos de trabalho declarados pelos beneficiários, com o objetivo único de recuperar os auxílios pagos ao abrigo do Regime III, conforme aplicado, a Comissão exigiu, no considerando 216 da decisão recorrida, que o cálculo do montante do auxílio a recuperar fosse efetuado em conformidade com o método UTA.

91      Atentas estas circunstâncias, o facto de ter imposto o recurso a esse método, que decorre apenas do dever da Comissão de fornecer ao Estado‑Membro em causa as indicações que lhe permitam determinar por si próprio, sem dificuldades excessivas, o montante dos auxílios a recuperar, não é suscetível de violar o princípio da proteção da confiança legítima dos beneficiários.

92      Por último, o argumento relativo ao facto de a Comissão não ter adotado nenhuma medida de injunção para suspender ou recuperar provisoriamente o auxílio não pode ser acolhido.

93      Com efeito, na fase inicial do exercício de monitorização relativo a auxílios ou a regimes de auxílios autorizados, não se podia considerar que a Comissão devesse demonstrar especial diligência, na medida em que o princípio da cooperação leal, enunciado no artigo 4.°, n.° 3, TUE, implicava que a República Portuguesa assegurasse que não aplicaria o Regime III em violação das Decisões de 2007 e de 2013 que o autorizavam. Além disso, na fase da adoção da decisão de dar início ao procedimento formal prevista no artigo 108.°, n.° 2, TFUE, que determinou a obrigação de suspender o Regime III, conforme aplicado (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.° 53), as recorrentes não alegam que todos os critérios previstos no artigo 13.°, n.° 2, do Regulamento 2015/1589 relativos às injunções de recuperação estavam preenchidos.

94      Tendo em conta o que precede, não se pode declarar a existência de uma violação do princípio da proteção da confiança legítima, pelo que o terceiro fundamento deve ser julgado manifestamente improcedente por ser desprovido de fundamento jurídico.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da segurança jurídica

95      Com o seu quarto fundamento, as recorrentes alegam que, ao ordenar à República Portuguesa que procedesse à recuperação dos auxílios pagos em violação das Decisões de 2007 e de 2013, a Comissão violou o princípio da segurança jurídica.

96      A Comissão pôs abruptamente em causa, através de uma decisão cuja fundamentação é pouco clara, imprecisa e imprevisível, as modalidades de aplicação dos auxílios pagos ao abrigo do Regime III que os beneficiários julgaram cumprir durante anos. Segundo as recorrentes, as condições previstas nas Decisões de 2007 e de 2013 não tinham o alcance que passaram a ter na decisão recorrida.

97      A Comissão contesta esta argumentação.

98      Quanto ao princípio da segurança jurídica, que se distingue do princípio da proteção da confiança legítima (v., neste sentido, Acórdão de 2 de fevereiro de 2023, Espanha e o./Comissão, C‑649/20 P, C‑658/20 P e C‑662/20 P, EU:C:2023:60, n.° 83), importa salientar que, em matéria de auxílios de Estado, os argumentos destinados a impugnar a obrigação de recuperação com fundamento numa violação do princípio da segurança jurídica só são acolhidos em circunstâncias absolutamente excecionais [v., neste sentido, Acórdãos de 22 de abril de 2008, Comissão/Salzgitter, C‑408/04 P, EU:C:2008:236, n.° 106, e de 21 de setembro de 2022, Portugal/Comissão (Zona Franca da Madeira), T‑95/21, pendente de recurso, EU:T:2022:567, n.° 204].

99      A este respeito, resulta da jurisprudência que há que examinar uma série de elementos a fim de apurar a existência de uma violação do princípio da segurança jurídica, designadamente a falta de clareza do regime jurídico aplicável (v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2010, Nuova Agricast e Cofra/Comissão, C‑67/09 P, EU:C:2010:607, n.° 77) ou a inação da Comissão durante um período prolongado sem justificação (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão, 223/85, EU:C:1987:502, n.os 14 e 15, e de 22 de abril de 2008, Comissão/Salzgitter, C‑408/04 P, EU:C:2008:236, n.os 106 e 107).

100    No que se refere, em primeiro lugar, à alegação de falta de clareza das Decisões de 2007 e de 2013, há que recordar que tanto a redação destas decisões como o contexto em que se inserem, e ainda os objetivos prosseguidos pela regulamentação aplicável aos auxílios regionais, não deixam margem para dúvidas quanto à interpretação do requisito relativo à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC.

101    Do mesmo modo, no que respeita ao requisito relativo à criação ou à manutenção de postos de trabalho na RAM, resulta das Decisões de 2002, 2007 e 2013 que o acesso aos benefícios fiscais previstos no Regime II, na senda do qual surge o Regime III, estava limitado às sociedades que criavam uma atividade realmente nova e respondia a requisitos de elegibilidade especiais, assentes no número de postos de trabalho novos criados por essas sociedades a título permanente (e nos seis primeiros meses de atividade) (v. secção II da Decisão de 2002). Assim, o limite máximo da matéria coletável objeto do benefício fiscal a título do IRC dependia do número de postos de trabalho criados pelo beneficiário (v. secção II da Decisão de 2002; considerandos 18, 19 e 60 da Decisão de 2007; considerandos 10 e 11 da Decisão de 2013).

102    Ora, este requisito só pode ser interpretado no sentido de que visa a criação de postos de trabalho pelas empresas em causa, calculada com base em postos de trabalho a tempo inteiro.

103    Uma interpretação diferente levaria a dissociar a extensão do apoio às empresas previsto no Regime III da contribuição destas para a criação de atividades realmente novas na RAM, embora esse objetivo constitua um dos requisitos para aceder a este regime e a apreciação da proporcionalidade do referido regime pela Comissão tenha sido feita à luz deste requisito.

104    Em particular, a interpretação deste requisito realizada pelas autoridades portuguesas permitiu, com efeito, que empresas que criassem ou mantivessem postos de trabalho a tempo parcial beneficiassem injustificadamente dos benefícios fiscais correspondentes à criação ou à manutenção de postos de trabalho a tempo inteiro e, em termos mais gerais, que várias empresas que contratassem a tempo parcial o mesmo trabalhador por conta de outrem, beneficiassem, cada uma delas, dos benefícios fiscais correspondentes à criação ou à manutenção de postos de trabalho a tempo inteiro.

105    Além disso, cumpre observar que nem a Decisão de 2002 nem as Decisões de 2007 e de 2013 podem ser entendidas no sentido de que permitem ter em conta postos de trabalho que não correspondem a postos de trabalho a tempo inteiro, para efeitos da determinação do limite máximo da matéria coletável objeto do benefício fiscal a título do IRC.

106    Por outro lado, pelas mesmas razões, não é válido sustentar que a inexistência de prática decisória da Comissão ou de jurisprudência do juiz da União relativa aos conceitos de «manutenção ou criação de emprego» ou de «atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira» no âmbito de um regime de auxílios a favor de uma região ultraperiférica devesse levar a considerar que as recorrentes podiam confiar que o Regime III, conforme aplicado, estava em conformidade com as Decisões de 2007 e de 2013.

107    No que respeita, em segundo lugar, à alegação relativa a períodos prolongados de inação por parte da Comissão que permitem às empresas em causa invocar o princípio da segurança jurídica, importa recordar que esta instituição é obrigada a agir num prazo razoável no âmbito de um procedimento formal de investigação de auxílios de Estado e que não está autorizada a perpetuar um estado de inação durante a fase preliminar de investigação. Convém acrescentar que o caráter razoável do prazo do procedimento deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo, como a complexidade deste e o comportamento das partes (Acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.os 81 e 82).

108    Ora, em primeiro lugar, relativamente ao tempo decorrido desde a aprovação do Regime I, basta observar que o mesmo não previa que a concessão dos auxílios às empresas registadas na ZFM estivesse sujeita ao preenchimento dos dois requisitos em causa nos presentes processos, uma vez que estes só foram introduzidos no regime da ZFM quando da aprovação do Regime II.

109    Em segundo lugar, no que respeita ao tempo decorrido entre as Decisões de 2007 e de 2013, por um lado, e o início, em 12 de março de 2015, do exercício de monitorização do Regime III, ou mesmo a decisão de dar início ao procedimento formal, notificada à República Portuguesa em 6 de julho de 2018 e publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 15 de março de 2019, por outro, o mesmo não pode ser considerado irrazoável.

110    Com efeito, antes de mais, em conformidade com o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento 2015/1589, a Comissão não estava vinculada por prazos específicos, como os previstos no capítulo II deste regulamento, relativo ao processo aplicável aos auxílios notificados (v., neste sentido, Despacho de 20 de janeiro de 2021, KC/Comissão, T‑580/20, não publicado, EU:T:2021:14, n.° 26).

111    Em seguida, no que respeita aos exercícios de monitorização relativos a auxílios ou a regimes de auxílios autorizados, como no caso em apreço, não se pode considerar que a Comissão devia dar provas de especial diligência, uma vez que o princípio da cooperação leal, enunciado no artigo 4.°, n.° 3, TUE, impõe aos Estados‑Membros que tomem todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União.

112    No domínio dos auxílios de Estado, como indicado acima no n.° 93, isso implica, em particular, que esses Estados devem providenciar no sentido de não implementar auxílios ou regimes de auxílios em violação de decisões de autorização prévia, muito especialmente, como no caso em apreço, quando a compreensão das condições de execução desses auxílios ou desses regimes de auxílios é inicialmente partilhada pela Comissão e pelo Estado‑Membro em causa, como referido acima nos n.os 34 e 35.

113    Por último, tendo em conta a descrição do procedimento prévio à decisão de dar início ao procedimento formal, exposta nos considerandos 1 e 2 da decisão recorrida, não é possível identificar no presente caso nenhuma inação da Comissão durante um período prolongado e sem justificação.

114    Em terceiro lugar, quanto à duração de vinte e nove meses do procedimento formal de investigação, esta também não pode ser considerada irrazoável, tendo em conta, como resulta dos considerandos 3 a 9 e 96 da decisão recorrida, a necessidade de a Comissão tratar o pedido das autoridades portuguesas sobre a confidencialidade da decisão de dar início a esse procedimento, de pedir várias vezes a essas autoridades a comunicação de informações em falta, e de tratar as observações do enorme número de partes interessadas que participaram no procedimento.

115    Neste sentido, o procedimento que conduziu à decisão recorrida distingue‑se claramente do que estava em causa no procedimento que deu origem ao Acórdão de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, EU:C:1987:502), que as recorrentes não podem, assim, validamente invocar.

116    Ainda que considerados em conjunto, tanto os períodos prévios como os períodos posteriores à decisão de dar início ao procedimento formal não podem ser considerados irrazoáveis, visto que as recorrentes — como todas as empresas que beneficiaram do Regime III, conforme aplicado —, estavam em devidas condições de tomar conhecimento, o mais tardar em 15 de março de 2019, da decisão de dar início ao procedimento formal através da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia e dos riscos de recuperação a que estavam sujeitas.

117    Além disso, em relação às recorrentes que continuaram a gozar dos benefícios fiscais previstos no Regime III, conforme aplicado, após a publicação da decisão de dar início ao procedimento formal e que, a esse título, foram sujeitas a correções à liquidação do imposto, não se lhes pode reconhecer nenhuma segurança jurídica que se oponha à recuperação dos auxílios pagos durante esse período.

118    Consequentemente, não se pode concluir pela existência de uma violação do princípio da proteção da segurança jurídica. Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do direito a um processo equitativo

119    Com o seu quinto fundamento, as recorrentes sustentam que, tendo em conta o facto de os projetos de correções à liquidação do imposto adotados pelas autoridades portuguesas em execução da decisão recorrida serem inimpugnáveis no direito interno, o seu direito a um processo equitativo é violado caso se considere que não têm legitimidade para recorrer da decisão recorrida para o Tribunal Geral.

120    A Comissão contesta esta argumentação.

121    A este título, basta observar que esta argumentação não diz respeito à legalidade da decisão recorrida, contra a qual, aliás, as recorrentes puderam interpor recurso, o que é suficiente para demonstrar que o seu direito à ação, enunciado no artigo 47.° da Carta, o qual, segundo as Anotações relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 17), corresponde ao direito a um processo equitativo conforme decorre do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, não foi violado.

122    Quanto à alegada ausência de vias de recurso contra os projetos de correções à liquidação do imposto de que são destinatárias, importa recordar que o contencioso relativo às medidas nacionais de recuperação de um auxílio declarado ilegal e incompatível com o mercado interno compete exclusivamente ao juiz nacional (v., neste sentido, Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Mediaset, C‑69/13, EU:C:2014:71, n.° 34 e jurisprudência referida).

123    Além disso, o Tribunal de Justiça declarou expressamente que a fiscalização, pelo juiz nacional, das medidas adotadas pelas autoridades nacionais de um Estado‑Membro para a recuperação de um auxílio e a eventual anulação destes devem ser consideradas uma mera emanação do princípio da proteção jurisdicional efetiva que constitui, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um princípio geral do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, Comissão/Alemanha, C‑527/12, EU:C:2014:2193, n.o 45 e jurisprudência referida).

124    Daqui resulta que compete ao juiz nacional, caso seja interpelado, pronunciar‑se sobre o caráter impugnável dos projetos de correções à liquidação do imposto de que as recorrentes alegam ser destinatárias e apreciar se os auxílios concedidos às recorrentes ao abrigo do Regime III o foram em conformidade com as Decisões de 2007 e de 2013 que o autorizam, se for esse o caso, após ter submetido uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.° TFUE.

125    Por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

126    Tendo em conta tudo o que precede, há que negar provimento a todos os presentes recursos ao abrigo do artigo 126.° do Regulamento de Processo por serem manifestamente desprovidos de fundamento jurídico.

 Quanto às despesas

127    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      Os processos T683/22 a T688/22, T690/22 a T693/22, T695/22 a T701/22, T707/22 e T708/22 são apensados para efeitos do presente despacho.

2)      É negado provimento aos recursos por serem manifestamente desprovidos de fundamento jurídico.

3)      A Newalliance Comércio Internacional, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Norwood – Trading e Serviços, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Lycatelcom, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Kingbird – Consultores e Serviços, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Standbycom, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), a FOF – Fox Oil Fund, Lda., a Kiana, Lda., a Fontwell – Import, Export, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Dabrezco Internacional, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Hilza – Pharmaceuticals, Sociedade Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Khayamedia Comércio Internacional de Eventos Desportivos, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Fratelli Cosulich, Unipessoal, S. A. (Zona Franca da Madeira), a Ommiacrest Trading, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Swan Lake Serviços e Consultores, Sociedade Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Seamist, Lda. (Zona Franca da Madeira), Mission – Trading, Gestão e Serviços, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira), a Pamastock Investments, S. A. (Zona Franca da Madeira), a Ostrava – Trading e Serviços Internacionais, Sociedade Unipessoal, Lda. e a White Pearl, Unipessoal, Lda. (Zona Franca da Madeira) são condenadas nas despesas.

Feito no Luxemburgo, em 18 de outubro de 2023.

O Secretário

 

O Presidente

V. Di Bucci

 

J. Svenningsen



*      Língua do processo: português.