Language of document : ECLI:EU:T:2016:173

DESPACHO DO PRESIDENTE DA PRIMEIRA SECÇÃO DO TRIBUNAL GERAL

16 de março de 2016 (*)

«Intervenção — Interesse na resolução do litígio — Associação representativa que tem por objeto a defesa dos interesses dos seus membros — Publicação do pedido de intervenção na Internet — Abuso processual»

No processo T‑561/14,

Iniciativa de cidadania europeia «One of Us», e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo, representados por C. de La Hougue, advogado,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por J. Laitenberger e H. Krämer, e em seguida por H. Krämer, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Parlamento Europeu, representado por E. Waldherr e U. Rösslein, na qualidade de agentes,

e

Conselho da União Europeia, representado por K. Michoel e E. Rebasti, na qualidade de agentes,

que tem por objeto um pedido de anulação da Comunicação COM (2014) 355 final da Comissão, de 28 de maio de 2014, relativa à Iniciativa de cidadania europeia «One of Us»,

O PRESIDENTE DA PRIMEIRA SECÇÃO DO TRIBUNAL GERAL

profere o presente

Despacho

 Factos e tramitação processual

1        Em 25 de julho de 2014, os recorrentes — a Iniciativa de cidadania europeia «One of Us» e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo — interpuseram um recurso de anulação, a título principal, da Comunicação COM (2014) 355 final da Comissão, de 28 de maio de 2014, relativa à Iniciativa de cidadania europeia «One of Us» (a seguir «comunicação impugnada»), e, a título subsidiário, do artigo 10.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (UE) n.° 211/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, sobre a iniciativa de cidadania (JO L 65, p. 1).

2        Por força do artigo 24.°, n.° 6, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991, o resumo da petição inicial foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 17 de novembro de 2014 (JO C 409, p. 45).

3        Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 6 e 9 de fevereiro de 2015, respetivamente, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, indicados, juntamente com a Comissão Europeia, como recorridos na petição inicial, deduziram uma exceção de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991.

4        Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral nos mesmos dias, o Parlamento e o Conselho pediram autorização para intervir em apoio dos pedidos da Comissão caso o recurso fosse julgado inadmissível na parte que lhes dizia respeito.

5        Os pedidos acima referidos no n.° 4 foram notificados aos recorrentes, à Comissão, ao Parlamento, quanto ao pedido do Conselho, e ao Conselho, quanto ao pedido do Parlamento, em conformidade com o artigo 116.°, n.° 1, do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991.

6        Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de março de 2015, a International Planned Parenthood Federation (a seguir «IPPF») pediu autorização para intervir em apoio dos pedidos da Comissão, do Parlamento e do Conselho.

7        Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de abril de 2015, a Marie Stopes International (a seguir «MSI») pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão, do Parlamento e do Conselho.

8        Os pedidos acima referidos nos n.os 6 e 7 foram notificados aos recorrentes, à Comissão, ao Parlamento e ao Conselho, em conformidade com o artigo 116.°, n.° 1, do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991.

9        Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de maio e 2 de julho de 2015, os recorrentes deduziram oposição contra os pedidos de intervenção da MSI e da IPPF, respetivamente.

10      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de maio e 12 de junho de 2015, a Comissão indicou que não tinha observações a apresentar quanto os pedidos de intervenção da MSI e da IPPF, respetivamente.

11      O Parlamento e o Conselho não apresentaram observações quanto aos pedidos de intervenção acima referidos nos n.os 6 e 7.

12      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de junho de 2015, a MSI e a IPPF informaram o Tribunal Geral de que os recorrentes tinham publicado num sítio Internet o pedido de intervenção da MSI, juntamente com comentários negativos sobre esta organização. As duas intervenientes pediram ao Tribunal Geral, em particular, que recorresse aos meios de que dispunha, incluindo a condenação nas despesas, para prevenir futuros abusos processuais semelhantes por parte dos recorrentes.

13      No âmbito de uma nova medida de organização do processo adotada com base no artigo 89.°, n.° 3, alínea a), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, os recorrentes foram convidados a apresentar observações sobre as referidas alegações das intervenientes, o que fizeram por requerimento apresentado em 31 de agosto de 2015, no prazo fixado pelo Tribunal Geral.

14      No âmbito de uma nova medida de organização do processo adotada com base no artigo 89.°, n.° 3, alínea a), do Regulamento de Processo, e tendo em conta que os pedidos de intervenção da MSI e da IPPF se encontravam publicados no sítio Internet acima referido no n.° 12, os recorrentes foram convidados a especificar se tinham facultado a esse sítio os supramencionados pedidos de intervenção e, caso contrário, a explicar de que modo, em seu entender, os documentos foram disponibilizados no referido sítio Internet. Os recorrentes responderam por requerimento apresentado em 17 de novembro de 2015, no prazo fixado pelo Tribunal Geral.

15      Por despacho de 26 de novembro de 2015, a Primeira Secção do Tribunal Geral declarou o recurso inadmissível na parte em que impugnava o artigo 10.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 211/2011, pelo que o Parlamento e o Conselho deixaram de poder ser considerados recorridos.

16      Por decisão de 30 de novembro de 2015, o presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral deferiu os pedidos de intervenção apresentados pelo Parlamento e pelo Conselho, especificando que os seus direitos eram os previstos no artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991.

17      No âmbito de uma nova medida de organização do processo adotada pelo Tribunal Geral com base no artigo 89.°, n.° 3, alínea a), do Regulamento de Processo, a Comissão, por um lado, e a MSI e a IPPF, por outro, apresentaram observações em 4 de dezembro e em 11 de dezembro de 2015, respetivamente, sobre a resposta dos recorrentes que consta do requerimento de 17 de novembro de 2015 (v. n.° 14 supra).

 Questão de direito

18      Nos termos do artigo 40.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao processo no Tribunal Geral por força do artigo 53.°, primeiro parágrafo, desse estatuto, qualquer pessoa que demonstre interesse na resolução de uma causa que não seja entre Estados‑Membros, entre instituições da União, ou entre Estados‑Membros, de um lado, e instituições da União, do outro, pode intervir nessa causa.

19      Resulta de jurisprudência constante que o conceito de interesse na resolução da causa, na aceção da referida disposição, deve definir‑se à luz do próprio objeto do litígio e entender‑se como sendo um interesse direto e atual na procedência dos próprios pedidos e não um interesse referente aos fundamentos invocados. Com efeito, por «resolução» da causa, deve entender‑se a decisão final pedida ao juiz chamado a conhecer, tal como estiver consagrada na parte decisória do acórdão. Deve, nomeadamente, verificar‑se que o ato impugnado diz diretamente respeito ao interveniente e que é certo o seu interesse na resolução do litígio (v. despacho de 25 de fevereiro de 2003, BASF/Comissão, T‑15/02, Colet., EU:T:2003:38, n.° 26 e jurisprudência aí referida).

 Quanto ao pedido de intervenção da IPPF

20      Resulta dos autos que a IPPF constitui uma federação criada ao abrigo do direito do Reino Unido pelo International Planned Parenthood Federation Act de 1977 (Lei sobre a federação internacional para o planeamento familiar). Conforme resulta do artigo 4.° do International Planned Parenthood Federation Act, os seus objetivos consistem, em primeiro lugar, na promoção da educação dos povos do mundo nos domínios do planeamento familiar e da procriação responsável, em segundo lugar, na preservação e proteção da saúde física e mental de pais, filhos e jovens através da promoção e do apoio aos serviços de planeamento familiar efetivo, em terceiro lugar, no esclarecimento das pessoas sobre os problemas demográficos da sua própria comunidade e do mundo inteiro e, em quarto lugar, no incentivo à pesquisa adequada em todos os aspetos da fertilidade humana, a sua regulamentação e a divulgação dos resultados dessa pesquisa.

21      A IPPF referiu, sem ser contestada, que englobava 152 organizações nacionais, designadas «associações membros», exercendo cada uma delas as suas atividades em determinados países, em regiões inteiras e mesmo à escala internacional. Uma lista desses membros foi anexada ao pedido de intervenção.

22      Por outro lado, a IPFF referiu, sem ser contestada, que, através de 65 000 pontos de assistência, estas associações membros fornecem serviços em matéria de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planeamento familiar, o aborto, a saúde materna e infantil, bem como o tratamento, a prevenção e os cuidados de doenças sexualmente transmissíveis. A IPPF especificou que defendia a saúde e os direitos de todos nos domínios sexual e reprodutivo. Conjuntamente com os seus membros, incentiva os governos e outros decisores‑chave, a nível nacional, regional e mundial, a promover a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos, a adotar políticas e legislações conformes com estas preocupações e a financiar programas e a prestação deste tipo de serviços.

23      A IPPF sustenta que o seu pedido de intervenção deve ser admitido, na medida em que é uma associação representativa cujo objeto consiste em proteger os seus membros no âmbito de processos, como o ora em apreço, que suscitem questões de princípio passíveis de os afetar.

24      Segundo jurisprudência constante, é admissível a intervenção de associações representativas que tenham por objeto a proteção dos seus membros nos processos que suscitem questões de princípio de natureza a afetar estes últimos [despachos de 17 de junho de 1997, National Power e PowerGen/Comissão, C‑151/97 P(I) e C‑157/97 P(I), Colet., EU:C:1997:307, n.° 66; de 28 de setembro de 1998, Pharos/Comissão, C‑151/98 P, Colet., EU:C:1998:440, n.° 6; e de 26 de julho de 2004, Microsoft/Comissão, T‑201/04 R, Colet., EU:T:2004:246, n.° 37]. Mais particularmente, uma associação pode ser admitida a intervir num processo desde que seja representativa de um número importante de empresas ativas no setor em causa, do seu objeto social faça parte a proteção dos interesses dos seus membros, o processo possa suscitar questões de princípio que afetem o funcionamento do setor em causa e, portanto, os interesses dos seus membros possam ser substancialmente afetados pelo acórdão a proferir (despachos de 8 de dezembro de 1993, Kruidvat/Comissão, T‑87/92, Colet., EU:T:1993:113, n.° 14; de 28 de maio de 2004, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, T‑253/03, Colet., EU:T:2004:164, n.° 18; e de 18 de outubro de 2012, ClientEarth e International Chemical Secretariat/ECHA, T‑245/11, EU:T:2012:557, n.° 12).

25      O Tribunal de Justiça precisou que a adoção de uma interpretação lata do direito de intervenção das associações visa permitir uma melhor apreciação no âmbito dos processos evitando uma multiplicidade de intervenções individuais que comprometeriam a eficácia e a boa tramitação processual (despachos National Power e PowerGen, n.° 24 supra, EU:C:1997:307, n.° 66, e ClientEarth e International Chemical Secretariat/ECHA, n.° 24 supra, EU:T:2012:557, n.° 13).

26      No caso em apreço, há que analisar, em primeiro lugar, se o processo pode suscitar questões de princípio que afetem o setor em causa de modo a que os interesses dos seus membros possam ser substancialmente afetados pelo acórdão a proferir.

27      A este respeito, a IPPF alega que um dos principais objetivos da iniciativa de cidadania em causa consiste em impedir o financiamento, pela União, do aborto e das organizações que incentivam ou promovem o aborto tanto na União como fora dela. Tal afeta as atividades da IPPF, que não se limita a prestar, através das suas associações membros, serviços de aborto, mas que luta igualmente a favor da saúde sexual e reprodutiva e do direito de todas as mulheres de escolherem e terem acesso a serviços de aborto seguros. Consequentemente, a iniciativa de cidadania em causa suscita uma questão de princípio importante que pode afetar a IPPF e os seus membros.

28      A IPPF especifica que tem um interesse na resolução da causa pelos seguintes três motivos.

29      Em primeiro lugar, caso o Tribunal Geral confirme a legalidade da comunicação impugnada, tal terá uma incidência direta nos interesses financeiros da IPPF, na medida em que essa comunicação garante juridicamente que as suas atividades não estão sujeitas a uma proibição total de financiamento da União. Em contrapartida, se for dado provimento ao recurso e a Comissão for obrigada a rever a sua posição expressa na comunicação impugnada, a IPPF arrisca‑se a perder importantes fontes de financiamento. Ainda que a anulação da comunicação impugnada não tenha como efeito imediato a redução do financiamento da IPPF e dos seus membros, essa anulação terá necessariamente uma consequência direta nos interesses devido à reabertura da discussão sobre o seu potencial financiamento futuro pela União. Além disso, se for dado provimento ao recurso, a IPPF e os seus membros serão obrigados a defender novamente a sua missão e a justificar o seu trabalho, o que implica suportar custos consideráveis.

30      Em segundo lugar, a IPPF alega que a petição inicial e os respetivos anexos contêm informações erradas sobre as suas atividades. Se essas informações forem reproduzidas no acórdão que decidirá a causa, a sua reputação poderá ser afetada, o que poderá ter uma incidência negativa na sua capacidade de angariar fundos. Consequentemente, a IPPF tem um interesse em intervir para corrigir essas informações e para defender a sua reputação.

31      Em terceiro lugar, a IPPF alega que o presente processo suscita questões de princípio essenciais relacionadas com a política da União em matéria de liberdade reprodutiva. A intervenção da IPPF em representação dos seus membros facilita a apreciação do processo no seu contexto geral. Enquanto organização que defende uma posição que diverge da dos recorrentes no que diz respeito ao direito à liberdade reprodutiva, incluindo o de escolher e de ter acesso a serviços de aborto seguros, a IPPF tem um interesse direto em refutar os argumentos dos recorrentes.

32      Os recorrentes deduziram oposição ao pedido de intervenção da IPPF, alegando, designadamente, que o seu interesse na resolução da causa, a existir, era demasiado indireto e incerto.

33      A este respeito, importa desde logo salientar que a iniciativa de cidadania em causa tem como objetivo, em substância, que a União ponha fim ao financiamento das atividades «que pressupõem a destruição de embriões humanos, em particular no que respeita à investigação, ajuda ao desenvolvimento e saúde pública». A este respeito, os organizadores desta iniciativa anexaram ao respetivo pedido de registo três propostas de alterações legislativas. Daqui se conclui, indubitavelmente, que o objetivo da iniciativa de cidadania em causa está em conflito com as atividades da IPPF e dos seus membros, na medida em que estes prestam serviços de aborto e promovem o planeamento familiar e os direitos sexuais e reprodutivos.

34      Em seguida, cumpre recordar que o recurso em apreço tem por objeto a anulação da comunicação impugnada adotada com base no artigo 10.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 211/2011, no âmbito do qual a Comissão considerou que não era necessário submeter uma proposta ao legislador da União com as alterações propostas pela iniciativa de cidadania em causa.

35      Com efeito, o artigo 10.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 211/2011 prevê que, quando receber uma iniciativa de cidadania que cumpre todos os procedimentos e todas as condições estabelecidas no referido regulamento, a Comissão deve:

«Apresentar no prazo de três meses, por meio de uma comunicação, as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a iniciativa de cidadania, as medidas que tenciona tomar, se for caso disso, e os motivos que a levam a tomar ou não tomar essas medidas.»

36      O disposto no artigo 10.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 211/2011 deve ser lido à luz do seu considerando 1, que especifica que:

«[...] [O] direito [de iniciativa de cidadania europeia] oferece aos cidadãos a possibilidade de abordarem diretamente a Comissão, convidando‑a a apresentar uma proposta de ato jurídico da União para aplicar os Tratados, semelhante ao direito conferido ao Parlamento Europeu pelo artigo 225.° [TFUE] e ao Conselho pelo artigo 241.° [TFUE].»

37      Daqui decorre que o provimento ou não do recurso no Tribunal Geral só pode afetar indireta e incertamente os interesses da IPPF e dos seus membros em relação ao financiamento das suas atividades pela União, na medida em que, através da comunicação impugnada, a Comissão se limita a recusar submeter ao legislador da União uma proposta de ato jurídico com as alterações propostas pela iniciativa da cidadania em causa.

38      Assim, mesmo que seja dado provimento ao recurso, esta circunstância só pode resultar, na hipótese menos favorável para a IPPF e os seus membros, na apresentação, pela Comissão, de uma proposta de ato jurídico com as referidas alterações ao legislador da União. Ora, esta proposta de ato jurídico é apenas uma etapa numa série de atos e eventos futuros cujo objetivo é a adoção de um ato jurídico da União que proíba o financiamento das atividades «que impliquem a destruição de embriões humanos» (v., neste sentido e por analogia, despacho de 18 de maio de 2015, Izsák e Dabis/Comissão, T‑529/13, EU:T:2015:325, n.° 29).

39      De igual modo, contrariamente ao que a IPPF alega, a eventual confirmação pelo Tribunal Geral da legalidade da comunicação impugnada não fornece minimamente à IPPF ou aos seus membros uma garantia jurídica de que as suas atividades não sejam objeto de uma proibição de financiamento por parte da União, podendo uma iniciativa legislativa neste sentido emanar tanto do Parlamento, nos termos do artigo 225.° TFUE, como do Conselho, nos termos do artigo 241.° TFUE.

40      Além disso, importa referir que a própria IPPF reconhece que a eventual anulação, pelo Tribunal Geral, da comunicação impugnada não tem um efeito imediato no seu financiamento e o dos seus membros (v. n.° 29 supra). A circunstância invocada, segundo a qual esta anulação terá uma consequência direta nos interesses da IPPF e dos seus membros devido à reabertura da discussão sobre o seu potencial financiamento futuro pela União e ao facto de terem de defender novamente a sua missão e o seu trabalho no âmbito dessa discussão, não pode ser acolhida, na medida em que não demonstra uma afetação atual e certa da IPPF e dos seus membros, na aceção da jurisprudência acima referida no n.° 19.

41      Por outro lado, há que rejeitar a alegação da IPPF segundo a qual a sua intervenção é justificada pelo seu interesse em corrigir informações constantes dos autos que afetam a sua reputação (v. n.° 30 supra), na medida em que o referido interesse não diz respeito ao objeto e à resolução da causa, na aceção da jurisprudência acima referida no n.° 19. Consequentemente, a invocação do referido interesse não é pertinente para efeitos da apreciação do interesse da IPPF em intervir.

42      Por último, importa salientar que o presente processo suscita essencialmente, por um lado, questões relativas à impugnabilidade da comunicação impugnada, na aceção do artigo 263.° TFUE, e, por outro, conforme resulta dos fundamentos de anulação invocados, questões relacionadas com a natureza e o conteúdo das obrigações da Comissão no âmbito do artigo 10.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 211/2011. Daqui se conclui que o «centro de gravidade» do presente processo não diz respeito a questões ligadas à política da União em matéria de liberdade reprodutiva e que, consequentemente, a intervenção da IPPF enquanto associação que fornece, através dos seus membros, serviços em matéria de saúde sexual e reprodutiva e que promove o direito à liberdade reprodutiva não contribui para a melhor apreciação, pelo Tribunal Geral, do âmbito do processo, na aceção da jurisprudência acima referida no n.° 25.

43      Atendendo aos elementos precedentes, há que concluir que, independentemente da questão de saber se a IPPF constitui uma associação representativa e se o seu objeto abrange a proteção dos interesses dos seus membros, estes interesses não podem ser afetados de forma importante pelo acórdão a proferir, na aceção da jurisprudência acima referida no n.° 24. O pedido de intervenção da IPPF deve, por conseguinte, ser indeferido.

 Quanto ao pedido de intervenção da MSI

44      Segundo afirma, a MSI é uma fundação constituída ao abrigo das leis de Inglaterra e do País de Gales, que presta serviços em matéria de saúde sexual e reprodutiva, incluindo uma gama completa de métodos de contraceção e o acesso a serviços de aborto seguros, incluindo o período pós aborto, através dos seus gabinetes e dos seus parceiros associados em 37 países no mundo. Conforme resulta dos seus estatutos, a MSI é mandatada não só para prestar os referidos serviços mas também para reduzir a mortalidade materna, impedir a pobreza e a angústia decorrentes de uma conceção não planeada e realizar ou promover pesquisas relacionadas com os referidos serviços de saúde.

45      Em apoio do seu pedido de intervenção, a MSI invoca exatamente os mesmos elementos que a IPPF para justificar o seu interesse na resolução da causa (v. n.os 27 a 31 supra). Mais especificamente, alega, em primeiro lugar, que a confirmação, pelo Tribunal Geral, da legalidade da comunicação impugnada teria uma incidência direta nos seus interesses financeiros, em segundo lugar, que tem interesse em intervir para corrigir informações erradas constantes dos autos relativamente às suas atividades e para defender a sua reputação e, em terceiro lugar, que a sua intervenção facilita a apreciação, pelo Tribunal Geral, do processo no seu contexto geral. Pelos motivos acima expostos nos n.os 33 a 42, há que concluir que estes elementos não demonstram a existência de um interesse direto, certo e atual na resolução da causa, na aceção da jurisprudência referida no n.° 19 supra. O pedido de intervenção da MSI deve, por conseguinte, ser indeferido.

 Quanto às despesas

46      Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, aplicável ao caso em apreço por força do artigo 144.°, n.° 6, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Todavia, nos termos do artigo 135.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode condenar as partes, ainda que vencedoras, parcialmente ou mesmo totalmente nas despesas, se a sua atitude o justificar.

47      No caso em apreço, a IPPF e a MSI, no âmbito das suas observações apresentadas em 11 de dezembro de 2015 (v. n.° 17 supra), requereram a condenação dos recorrentes nas suas despesas respeitantes aos pedidos de intervenção ou, pelo menos, nas suas despesas decorrentes do facto de aqueles pedidos terem sido publicados na Internet. A IPPF e a MSI fundamentaram os seus pedidos relativos à condenação nas despesas alegando que os recorrentes eram responsáveis pela referida divulgação, tendo, assim, cometido um abuso processual.

48      Os recorrentes, embora contestem ter agido ilegalmente, não apresentaram quaisquer pedidos relativos às despesas. A Comissão também não apresentou quaisquer pedidos nesse sentido.

49      Importa recordar que, em aplicação das regras que regulam o tratamento dos processos no Tribunal Geral, as partes beneficiam de proteção contra a utilização inadequada das peças processuais (acórdão de 17 de junho de 1998, Svenska Journalistförbundet/Conselho, T‑174/95, Colet., EU:T:1998:127, n.° 135). Assim, nos termos do artigo 5.°, n.° 8, das Instruções ao secretário do Tribunal Geral, aplicáveis à data da publicação no sítio Internet, acima referido no n.° 12, dos pedidos de intervenção da IPPF e da MSI, os terceiros, privados ou públicos, não podem consultar os autos do processo ou os atos processuais sem autorização expressa do presidente do Tribunal Geral ou, quando o processo ainda esteja pendente, do presidente da formação do Tribunal à qual o processo foi distribuído, ouvidas as partes, especificando‑se que esta autorização só pode ser concedida mediante requerimento escrito acompanhado da justificação detalhada do interesse legítimo na consulta dos autos.

50      Esta disposição reflete um aspeto essencial do princípio geral da boa administração da justiça segundo o qual as partes têm o direito de defender os seus interesses independentemente de qualquer influência externa, designadamente por parte do público (acórdão Svenska Journalistförbundet/Conselho, n.° 49 supra, EU:T:1998:127, n.° 136). Daqui resulta que uma parte à qual é facultado o acesso aos atos processuais das outras partes só pode utilizar esse direito para efeitos da defesa da sua própria causa, com exclusão de qualquer outro objetivo, como suscitar críticas do público em relação aos argumentos apresentados pelas outras partes no processo (acórdão Svenska Journalistförbundet/Conselho, n.° 49 supra, EU:T:1998:127, n.° 137). Isto contribui, assim, para garantir, ao longo de todo o processo jurisdicional, que os debates entre as partes e a decisão do órgão jurisdicional em causa sobre o processo judicial possam decorrer com serenidade e para evitar que possam ser exercidas, mesmo que só na perceção do público, pressões externas sobre a atividade jurisdicional e que a serenidade dos debates não seja prejudicada (v. despacho de 25 de fevereiro de 2015, BCP Lux 2 e o./Comissão, T‑812/14 R, EU:T:2015:119, n.° 14 e jurisprudência aí referida).

51      Resulta da jurisprudência que uma ação contrária ao aspeto essencial do princípio geral da boa administração da justiça acima referido constitui uma utilização abusiva do processo que será tida em conta ao proceder à repartição das despesas (v., neste sentido, acórdão Svenska Journalistförbundet/Conselho, n.° 49 supra, EU:T:1998:127, n.os 139 e 140).

52      Além disso, há que referir que a proteção concedida às partes no processo jurisdicional por força do aspeto essencial do princípio geral da boa administração da justiça acima referido deve estender‑se aos intervenientes no Tribunal Geral. Com efeito, esse interveniente participa na atividade jurisdicional e, como tal, deve beneficiar do mesmo nível de proteção que as partes no processo no que diz respeito à possibilidade de defender os seus interesses, independentemente de qualquer influência externa, designadamente por parte do público.

53      No caso em apreço, é facto assente que os pedidos de intervenção apresentados pela IPPF e pela MSI foram publicados, sob a forma de hiperligações para o respetivo conteúdo, em artigos disponibilizados num sítio Internet cuja criação constitui, segundo os seus autores e editores, «um meio de promover uma sociedade baseada numa compreensão coerente da dignidade humana — uma dignidade que aproveita a todos os seres humanos, desde a sua conceção até à sua morte natural». Importa salientar também que esses artigos faziam diretamente referência ao processo em apreço no Tribunal Geral e retratavam as duas intervenientes de forma negativa, com a intenção de criar sentimentos negativos a seu respeito, por parte do público.

54      Em resposta à questão do Tribunal Geral acima referida no n.° 14, os recorrentes afirmaram que, como lhes parecia ser legítimo e adequado, tinham comunicado todas as informações relativas ao recurso, incluindo os documentos pertinentes, unicamente àqueles que representavam, a saber, as organizações que faziam parte da Iniciativa de cidadania europeia «One of Us». Segundo os recorrentes, esta comunicação poderia ter resultado, indiretamente, na publicação de certos documentos na Internet, ainda que não tenha sido essa a sua intenção. Além disso, os recorrentes esclareceram que não tinham qualquer responsabilidade editorial sobre o conteúdo do sítio Internet em causa e que tinham enviado uma mensagem de correio eletrónico aos respetivos responsáveis, pedindo que as hiperligações para os pedidos de intervenção da IPPF e da MSI fossem retiradas do sítio Internet.

55      A este respeito, importa referir que os recorrentes não fornecem elementos que permitam identificar as «organizações» a que se referem e que esta informação não resulta dos autos. Além disso, e em todo o caso, importa salientar que nenhuma dessas «organizações» é identificada como parte recorrente na petição inicial. Essa petição identifica, como recorrentes, a Iniciativa de cidadania europeia «One of Us» e as sete pessoas singulares que, na sua qualidade de organizadores na aceção do artigo 2.° do Regulamento n.° 211/2011, são membros do comité de cidadãos desta iniciativa.

56      Por outro lado, os recorrentes reconhecem que a comunicação a essas «organizações» dos pedidos de intervenção da IPPF e da MSI poderia ter tido, indiretamente, como consequência que tais documentos fossem publicados na Internet.

57      Além disso, importa referir que, como resulta do sítio Internet acima apresentado no n.° 53, os seus autores e editores afirmam o seu apoio, sem haver qualquer afiliação, de certas organizações e entidades, entre as quais a Iniciativa de cidadania europeia «One of Us», e recomendam a navegação no sítio Internet daquela iniciativa de cidadania.

58      A alegação dos recorrentes segundo a qual não era sua intenção que os pedidos de intervenção da IPPF e da MSI fossem publicados no sítio Internet não convence o Tribunal Geral. Com efeito, os artigos disponibilizados num sítio Internet que contêm hiperligações para esses pedidos de intervenção referem‑se explícita e detalhadamente ao processo jurisdicional em apreço, argumentam agressivamente a favor da posição dos recorrentes defendida no Tribunal Geral e contêm igualmente hiperligações para os articulados destes últimos e, até, passagens desses articulados. Em todo o caso, mesmo que correspondesse à verdade, esta alegação dos recorrentes não obsta, como a Comissão afirmou corretamente nas suas observações acima mencionadas no n.° 17, ao facto de, ao comunicar às «organizações» acima referidas os pedidos de intervenção da IPPF e da MSI, os recorrentes terem criado, objetivamente, o risco de haver lugar à publicação controvertida na Internet.

59      Atendendo a estas circunstâncias, os recorrentes não devem ser considerados alheios ao que levou à publicação no sítio Internet, acima mencionado no n.° 53, dos referidos pedidos de intervenção e, assim, à violação do direito das duas intervenientes de defenderem os seus interesses independentemente de qualquer influência externa na aceção da jurisprudência referida n.° 50 supra. Daqui decorre igualmente que os recorrentes fizeram uma utilização indevida desses articulados, na aceção da jurisprudência acima referida no n.° 49.

60      Além disso, importa rejeitar, por ser desprovida de pertinência a alegação dos recorrentes que consta das suas observações de 17 de novembro de 2015 (v. n.° 14 supra), segundo a qual os pedidos de informação da IPPF e da MSI não continham informações confidenciais. Com efeito, a proibição de uma das partes utilizar o seu direito de acesso aos articulados das outras partes para fins que não estejam ligados à defesa da sua própria causa tem por objetivo assegurar o respeito do princípio geral da boa administração da justiça e não proteger o conteúdo alegadamente confidencial dos referidos articulados.

61      Há, portanto, que concluir que os recorrentes cometeram um abuso processual, no sentido da jurisprudência acima referida no n.° 51, que pode ser tido em conta na repartição das despesas nos termos do artigo 135.°, n.° 2, do Regulamento de Processo.

62      À luz do exposto, será feita uma justa apreciação das circunstâncias do caso concreto ao decidir que os recorrentes, que não apresentaram qualquer pedido relativo às despesas, suportarão as suas próprias despesas e, em razão da utilização abusiva de processo que fizeram, três quartos das despesas efetuadas pela IPPF e pela MSI.

63      A IPPF e a MSI suportarão um quarto das suas despesas.

64      Não tendo a Comissão apresentado qualquer pedido relativo às despesas, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O PRESIDENTE DA PRIMEIRA SECÇÃO DO TRIBUNAL GERAL

decide:

1)      Os pedidos de intervenção apresentados pela International Planned Parenthood Federation e pela Marie Stopes International são indeferidos.

2)      A International Planned Parenthood Federation e a Marie Stopes International suportarão um quarto das suas despesas.

3)      A Iniciativa de cidadania europeia «One of Us» e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo suportarão as suas próprias despesas respeitantes aos pedidos de intervenção da International Planned Parenthood Federation e da Marie Stopes International, bem como três quartos das despesas efetuadas por estas duas entidades.

4)      A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas respeitantes aos pedidos de intervenção indeferidos.

Feito no Luxemburgo, em 16 de março de 2016.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

       H. Kanninen

Anexo

Patrick Grégor Puppinck, residente em Estrasburgo (França),

Filippo Vari, residente em Roma (Itália),

Josephine Quintavalle, residente em Londres (Reino Unido),

Edith Frivaldszky, residente em Tata (Hungria),

Jacub Baltroszewicz, residente em Cracóvia (Polónia),

Alicia Latorre Canizares, residente em Cuenca (Espanha),

Manfred Liebner, residente em Zeitlofs (Alemanha).


* Língua do processo: inglês.