Language of document : ECLI:EU:T:2005:31

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção alargada)

3 de Fevereiro de 2005 (*)

«Organização comum dos mercados – Bananas – Acção de indemnização – Regulamento n.º 2362/98 – Acordo que institui a OMC e acordos anexos – Recomendações e decisões do Órgão de Resolução de Litígios da OMC»

No processo T-19/01,

Chiquita Brands International, Inc., com sede em Trenton, Nova Jérsia (Estados Unidos),

Chiquita Banana Co. BV, com sede em Breda (Países Baixos),

Chiquita Italia, SpA, com sede em Roma (Itália),

representadas por C. Pouncey, solicitor, e L. Van Den Hende, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandantes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por C. Van der Hauwaert e C. Brown, em seguida por L. Visaggio, C. Brown, e M. Niejahr e finalmente por L. Visaggio e C. Brown, na qualidade de agentes, assistidos por N. Khan, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto um pedido de indemnização pelo prejuízo alegadamente sofrido em virtude da adopção e da manutenção em vigor do Regulamento (CE) n.° 2362/98 da Comissão, de 28 de Outubro de 1998, que estabelece normas de execução do Regulamento (CEE) n.° 404/93 do Conselho, no que respeita ao regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 293, p. 32),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção alargada),

composto por: P. Lindh, presidente, R. García‑Valdecasas, J. D. Cooke, P. Mengozzi, e M. E. Martins Ribeiro, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Fevereiro de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico e antecedentes do litígio

1.     Regulamento n.° 404/93

1       O Regulamento (CEE) n.° 404/93 do Conselho, de 13 de Fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas (JO L 47, p. 1), substituiu, no título IV, a partir de 1 de Julho de 1993, os diferentes regimes nacionais por um regime comum de trocas comerciais com os países terceiros. Foi instituída uma distinção entre as «bananas comunitárias», produzidas na Comunidade, as «bananas países terceiros», provenientes de países terceiros que não os Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP), as «bananas tradicionais ACP» e as «bananas não tradicionais ACP». As bananas tradicionais ACP e as bananas não tradicionais ACP correspondiam às quantidades de bananas exportadas pelos países ACP que, respectivamente, não excedessem ou ultrapassassem as quantidades fixadas em anexo ao Regulamento n.° 404/93.

2       Nos termos do artigo 17.°, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 404/93, a importação de bananas para a Comunidade está sujeita à apresentação de um certificado de importação. Este certificado é emitido pelos Estados‑Membros em favor dos interessados que o solicitem, independentemente do local do seu estabelecimento na Comunidade, sem prejuízo das disposições especiais adoptadas para efeitos da aplicação dos artigos 18.° e 19.° do referido regulamento.

3       O artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 404/93 repartia o contingente pautal instituído pelo artigo 18.°, abrindo‑o até 66,5% à categoria dos operadores que haviam comercializado bananas países terceiros e/ou bananas não tradicionais ACP (categoria A), de 30% à categoria dos operadores que haviam comercializado bananas comunitárias e/ou bananas tradicionais ACP (categoria B) e de 3,5% à categoria dos operadores estabelecidos na Comunidade que haviam começado a comercializar bananas diferentes das bananas comunitárias e/ou tradicionais ACP a partir de 1992 (categoria C).

2.     Regulamento n.° 1442/93

4       Em 10 de Junho de 1993, a Comissão adoptou o Regulamento (CEE) n.° 1442/93 que estabelece normas de execução do regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 142, p. 6, a seguir também designado por «regime de 1993»). Este regime manteve‑se em vigor até 31 de Dezembro de 1998.

5       O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1442/93 definia como «operador» das categorias A e/ou B, para efeitos da aplicação dos artigos  18.° e 19.° do Regulamento n.° 404/93, o agente económico ou qualquer outra entidade que, por sua conta própria, tivesse realizado uma ou várias das seguintes funções:

«a)      Compra de bananas verdes originárias de países terceiros e/ou de países ACP aos produtores, ou, se for caso disso, produção, seguida de expedição e venda na Comunidade;

b)      Abastecimento e introdução em livre prática enquanto proprietário das bananas verdes e colocação à venda com vista a ulterior colocação no mercado comunitário; o ónus dos riscos de deterioração ou perda do produto é equiparado ao ónus do risco assumido pelo proprietário do produto;

c)      Amadurecimento enquanto proprietário de bananas verdes e colocação no mercado da Comunidade.»

6       O artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1442/93 previa:

«As autoridades competentes dos Estados‑Membros estabelecerão listas separadas dos operadores das categorias A e B e, em relação a cada operador, as quantidades que este tiver comercializado durante cada um dos três anos anteriores ao que precede o ano para o qual o contingente pautal é aberto, discriminando estas quantidades por função económica descrita no n.° 1 do artigo 3.° O registo dos operadores e o estabelecimento das quantidades comercializadas por cada um deles são efectuados por iniciativa e a pedido escrito do operador, apresentado num único Estado‑Membro por si.»

7       Nos termos do artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1442/93, as autoridades competentes dos Estados‑Membros deviam estabelecer anualmente, relativamente a cada operador das categorias A e B inscrito nos seus registos, a média das quantidades comercializadas nos três anos anteriores ao que precedia o ano para o qual o contingente pautal estava aberto, discriminadas de acordo com a natureza das funções exercidas pelo operador, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 1, do mesmo regulamento. Esta média era designada por «quantidade de referência» do operador. Nos termos do artigo 5.°, n.° 2, as quantidades comercializadas eram afectadas de coeficientes de ponderação, de acordo com as funções descritas no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1442/93.

8       Em aplicação desses coeficientes de ponderação, no cálculo das quantidades de referência, determinada quantidade de bananas não podia ser tida em conta num montante total que excedesse essa quantidade, quer tivesse sido tratada nos três estádios correspondentes às funções acima referidas pelo mesmo operador ou por dois ou três operadores diferentes. Segundo o terceiro considerando do dito regulamento, o objectivo desses coeficientes era, por um lado, ter em conta a importância da função económica desempenhada e os riscos comerciais assumidos e, por outro, corrigir os efeitos negativos de um cômputo múltiplo das mesmas quantidades de produtos em diferentes estádios da cadeia comercial.

3.     Regulamento n.° 1637/98

9       O Regulamento (CE) n.° 1637/98 do Conselho, de 20 de Julho de 1998, que altera o Regulamento n.° 404/93 (JO L 210, p. 28), introduziu alterações à organização comum dos mercados no sector da banana, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1999. Nomeadamente, substituiu os artigos 16.° a 20.° do título IV do Regulamento n.° 404/93 por novas disposições.

10     O artigo 16.° do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98, dispunha o seguinte:

«[...]

Para efeitos [das disposições previstas no título IV do Regulamento n.° 404/93] entende‑se por:

1.      ‘Importações tradicionais dos Estados ACP’, as importações, para a Comunidade, de bananas originárias dos Estados mencionados no anexo, até ao limite de 857 700 toneladas (peso líquido) por ano; as bananas objecto destas importações são denominadas ‘bananas tradicionais ACP’;

2.      ‘Importações não tradicionais dos Estados ACP’, as importações, para a Comunidade, de bananas originárias de Estados ACP não abrangidas pela definição no ponto 1; as bananas objecto destas importações são denominadas ‘bananas não tradicionais ACP’;

3.      ‘Importações de Estados terceiros não ACP’, as bananas importadas, para a Comunidade, originárias de Estados terceiros que não os Estados ACP; as bananas objecto destas importações são denominadas ‘bananas de Estados terceiros’.

11     Quanto à repartição dos contingentes pautais das bananas Estados terceiros e das bananas não tradicionais ACP, o artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98, previa:

«No caso de não ser possível chegar a acordo com todas as partes contratantes da OMC seriamente interessadas no fornecimento de bananas, a Comissão fica autorizada a repartir, de acordo com o processo [do comité de gestão] previsto no artigo 27.°, os contingentes pautais estabelecidos nos n.os 1 e 2, bem como a quantidade ACP tradicional, entre os Estados seriamente interessados nesse fornecimento.»

12     O artigo 19.° do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98, estava redigido da seguinte forma:

«1.      A gestão dos contingentes pautais referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 18.°, bem como das importações de bananas tradicionais ACP, é efectuada mediante a aplicação do método baseado na tomada em consideração das correntes de comércio tradicionais (segundo o método dito «tradicionais/novos operadores»).

A Comissão adoptará as normas de execução requeridas de acordo com o processo previsto no artigo 27.°

Se tal se vier a revelar necessário, podem ser adoptados outros métodos adequados.

2.      O método de gestão adoptado terá em conta, sempre que se afigure adequado, as necessidades de abastecimento do mercado da Comunidade e a necessidade de salvaguardar o equilíbrio deste mercado.»

13     O artigo 20.° do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98, precisava:

«A Comissão adoptará as normas de execução do presente título de acordo com o processo previsto no artigo 27.° Estas normas incluirão nomeadamente:

[…]

c)      As condições de emissão e o período de validade das licenças de importação;

[…]

e)      As medidas necessárias para respeitar as obrigações decorrentes dos acordos concluídos pela Comunidade em conformidade com o artigo 228.° do Tratado.»

4.     Regulamento n.° 2362/98

14     Em 28 de Outubro de 1998, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 2362/98 que estabelece normas de execução do Regulamento n.° 404/93 no que respeita ao regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 293, p. 32). Este regulamento tornou‑se aplicável a partir de 1 de Janeiro de 1999. Por convenção, o Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98 e completado pelas medidas de execução definidas no Regulamento n.° 2362/98, é a seguir igualmente designado por «regime de 1999».

15     Nos termos do artigo 1.°, último parágrafo, e do anexo do Regulamento n.° 2362/98, os contingentes pautais (2 200 000 toneladas e 353 000 toneladas) mencionados no artigo 18.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 404/93 eram repartidos entre os principais países fornecedores como segue:

Equador:          26,17%
Costa Rica:          25,61%
Colômbia:          23,03%
Panamá:          15,76%
Outros:          9,43%

16     Há que salientar as seguintes diferenças entre os regimes de 1993 e de 1999:

a)      o regime de 1999 já não contém diferenças segundo as funções realizadas pelos operadores;

b)      o regime de 1999 tem em conta as quantidades de bananas importadas;

c)      a gestão dos certificados de importação, em aplicação do regime de 1999, é efectuada sem referência à proveniência (ACP ou países terceiros) das bananas;

d)      os contingentes pautais e a quota atribuída aos novos operadores foram aumentados pelo regime de 1999.

17     O artigo 2.° do Regulamento n.° 2362/98 previa, nomeadamente, que os contingentes pautais e as bananas tradicionais ACP, mencionados, respectivamente, no artigo 18.°, n.os 1 e 2, e no artigo 16.° do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98, estavam abertos até:

–       92% aos operadores tradicionais definidos no artigo 3.°;

–       8% aos novos operadores definidos no artigo 7.°

18     O artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2362/98 indicava que cada operador tradicional registado num Estado‑Membro era obrigado a obter, para cada ano e relativamente a todas as origens mencionadas no anexo I desse regulamento, uma quantidade de referência única, determinada em função das quantidades de bananas efectivamente importadas durante o período de referência. Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2362/98, no que respeita às importações realizadas em 1999, o período de referência era constituído pelos anos de 1994, 1995 e 1996.

5.     Regulamento n.° 216/2001

19     O Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 216/2001, de 29 de Janeiro de 2001, que altera o Regulamento n.° 404/93 (JO L 31, p. 2).

20     O artigo 18.° do Regulamento n.° 404/93 assim modificado prevê a abertura de três contingentes pautais (A, B e C) para a importação de bananas originárias de quaisquer países terceiros.

21     O artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 404/93 dispõe que os certificados de importação de bananas países terceiros são passados aos operadores em função «das correntes de comércio tradicionais (segundo o método dito ‘tradicionais/novos operadores’) e/ou […] de outros métodos».

6.     Regulamento n.° 896/2001

22     As normas de execução do título IV do Regulamento n.° 404/93 assim modificado foram definidas no Regulamento (CE) n.° 896/2001 da Comissão, de 7 de Maio de 2001, que estabelece normas de execução do Regulamento n.° 404/93 do Conselho no que respeita ao regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 126, p. 6). Estas disposições foram aplicáveis a partir de 1 de Julho de 2001, por força do artigo 2.° do Regulamento n.° 896/2001 (a seguir «regime de 2001»).

23     O Regulamento n.° 896/2001 já não contém a repartição dos contingentes pautais «A» e «B» entre os países fornecedores.

24     Além disso, prevê que os certificados de importação serão emitidos em favor dos operadores tradicionais que tenham importado bananas provenientes de Estados terceiros e/ou bananas não tradicionais ACP com base na média das suas importações primárias durante o período compreendido entre 1994 e 1996. De igual modo, relativamente aos operadores tradicionais que tenham importado bananas tradicionais ACP, os certificados de importação ser‑lhes‑ão atribuídos com base na média das suas importações primárias de bananas tradicionais ACP ao longo do mesmo período trienal.

7.     Resumo do contencioso «bananas» no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC)

25     Em 8 de Maio de 1996, foi criado um grupo especial com o objectivo de examinar as denúncias do Equador, da Guatemala, das Honduras, do México e dos Estados Unidos da América contra a Comunidade a respeito da compatibilidade do regime de 1993 com as regras da OMC (Processo Comunidades Europeias – Regime aplicável à importação, venda e distribuição de bananas, WT/DS27, a seguir processos «Bananas III»).

26     Em 22 de Maio de 1997, o grupo especial apresentou os seus relatórios, nomeadamente no processo que opunha os Estados Unidos da América à Comunidade (WT/DS27/R/USA, a seguir «relatório do grupo especial de 22 de Maio de 1997»), os quais foram objecto de recurso das partes.

27     Em 25 de Setembro de 1997, o Órgão de Resolução de Litígios (ORL) da OMC adoptou o relatório do Órgão de Recurso de 9 de Setembro de 1997 (WT/DS27/AB/R, a seguir «relatório do Órgão de Recurso de 9 de Setembro de 1997») e os relatórios do grupo especial, na versão modificada pelo relatório do Órgão de Recurso (a seguir «decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997»).

28     O relatório do Órgão de Recurso de 9 de Setembro de 1997 conclui nomeadamente:

«e)      […] a atribuição, através de acordo ou de afectação, de quotas do contingente pautal a certos membros que não tenham um interesse sério no fornecimento de bananas às Comunidades Europeias, e não a outros, é incompatível com o artigo XIII, n.° 1, do GATT de 1994;

f)      […] as regras de reatribuição do contingente pautal previstas pelo acordo‑quadro sobre as bananas são incompatíveis com o artigo XIII, n.° 1, do GATT de 1994, e modifica a conclusão do grupo especial ao considerar que as regras de reatribuição do contingente pautal previstas pelo acordo‑quadro sobre as bananas são igualmente incompatíveis com a parte introdutória do artigo XIII, n.° 2, do GATT de 1994;

n)      […] as regras [da Comunidade] relativas às funções e à exigência [da Comunidade] em matéria de licenças de exportação [do acordo‑quadro sobre as bananas] são incompatíveis com [o artigo I, n.° 1 ,] do GATT de 1994;

u)      […] a atribuição aos operadores da categoria B de 30% dos certificados que permitem a importação de bananas de países terceiros e de bananas não tradicionais ACP às taxas dos direitos relativos aos contingentes pautais é incompatível com os artigos II e XVII do [Acordo Geral sobre Comércio de Serviços];

v)      […] a atribuição aos amadurecedores de certa parte dos certificados das categorias A e B, que permitem a importação de bananas de países terceiros e de bananas não tradicionais ACP às taxas dos direitos relativos aos contingentes pautais, é incompatível com o artigo XVII do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços.»

29     Segundo a acta da reunião do ORL de 16 de Outubro de 1997 (documento WT/DSB/M/38, de 20 de Novembro de 1997, p. 3):

«O representante das Comunidades Europeias reiterou a declaração que havia feito na reunião do ORL de 25 de Setembro. Nesta última, sublinhara o profundo apego da Comunidade ao memorando de entendimento, seus princípios fundamentais e suas regras. Nos termos do artigo 21.°, n.° 3, do referido memorando, a Comunidade tinha a obrigação de informar o ORL das suas intenções a respeito da execução das recomendações deste. Confirmou que as Comunidades respeitariam plenamente as suas obrigações internacionais na matéria. Ao elaborar o presente regime, as Comunidades tiveram por objectivos apoiar os seus próprios produtores de bananas e satisfazer as suas obrigações internacionais, incluindo nomeadamente os seus compromissos a título de nação mais favorecida nos termos do acordo OMC e, relativamente aos países ACP, nos termos da Convenção de Lomé. Estes objectivos mantêm‑se inalterados.

As Comunidades haviam desencadeado um processo que lhe devia permitir apreciar todas as opções susceptíveis de conduzir ao respeito das suas obrigações. Atendendo ao processo decisório interno, ainda não podia, nesta fase, prever ou avaliar os resultados desse processo. As Comunidades desejavam chamar a atenção dos membros para a extrema complexidade desta matéria. O Órgão de Recurso havia reconhecido que a tarefa legislativa das Comunidades era difícil, uma vez que estavam obrigadas a respeitar as exigências da Convenção de Lomé ao mesmo tempo que elaboravam um mercado único da banana. Razão esta pela qual as Comunidades, embora devendo esforçar‑se por agir com celeridade, precisavam de um prazo razoável para examinar todas as opções que lhe permitiam satisfazer as suas obrigações internacionais.»

30     Em 7 de Janeiro de 1998, na sequência do processo de arbitragem previsto no artigo 21.°, n.° 3, alínea c), do Memorando de Entendimento sobre as Regras e Processos que regulam a Resolução de Litígios da OMC (a seguir «MRL»), um árbitro concedeu à Comunidade um «período de tempo razoável», de 25 de Setembro de 1997 até 1 de Janeiro de 1999, para aplicar a decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997 [documento WT/DS27/15: Arbitragem nos termos do artigo 21.°, n.° 3, alínea c), do MRL, decisão do árbitro de 7 de Janeiro de 1998, ponto 20].

31     Por entenderem que, ao adoptar o regime de 1999, a Comunidade não tinha eliminado totalmente as incompatibilidades com as obrigações que lhe incumbiam por força do GATT de 1994 e do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (a seguir «AGCS») dadas como provadas na decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997, os Estados Unidos da América solicitaram ao ORL, em 14 de Janeiro de 1999, nos termos do artigo 22.° do MRL, autorização para suspender, relativamente à Comunidade e aos seus Estados‑Membros, a aplicação de concessões pautais e obrigações conexas nos termos do GATT de 1994. Os Estados Unidos da América avaliaram o montante dessa suspensão em 520 milhões de dólares dos Estados Unidos (USD). Tendo a Comunidade contestado o nível de suspensão proposto pelos Estados Unidos da América, o processo foi sujeito a arbitragem nos termos do artigo 22.°, n.° 6, do MRL.

32     Foi nestas condições que, em 9 de Abril de 1999, os árbitros fixaram o nível da anulação ou da redução de benefícios sofrida pelos Estados Unidos da América no processo Bananas III em 191,4 milhões de USD por ano (decisão WT/DS27/ARB, a seguir «decisão dos árbitros de 9 de Abril de 1999»). Em consequência, decidiram que a suspensão, por parte dos Estados Unidos da América, da aplicação à Comunidade e aos seus Estados‑Membros de concessões pautais e obrigações conexas nos termos do GATT de 1994 relativas a trocas comerciais no montante anual máximo de 191,4 milhões de USD era incompatível com o artigo 22.°, n.° 4, do MRL.

33     Por outro lado, em 6 de Abril de 1999, no quadro de um processo paralelo nos termos do artigo 21.°, n.° 5, do MRL, o grupo especial ao qual foi submetida uma denúncia do Equador tendo como objectivo a aplicação pela Comunidade das recomendações formuladas pelo ORL no processo Bananas III apresentou o seu relatório às partes no litígio (relatório WT/DS27/RW/ECU, a seguir «relatório do grupo especial de 6 de Abril de 1999»). No termo da sua análise, o grupo especial concluiu que o regime de 1999 era, sob diversos aspectos, incompatível com certas disposições dos acordos da OMC. Especificamente, o grupo especial concluiu:

–       que o limite de 857 700 toneladas fixado para as importações de bananas tradicionais ACP no quadro do regime de 1999 «é incompatível com os n.os 1 e 2 do artigo XIII do GATT [de 1994]»;

–       que as quotas específicas por país atribuídas ao Equador e aos outros fornecedores com um interesse sério não são compatíveis com as prescrições do artigo XIII, n.° 2, do GATT de 1994;

–       que o nível de 857 700 toneladas para as importações tradicionais ACP admitidas com isenção de direitos pode ser considerado uma exigência da Convenção de Lomé mas «que não é razoável para as Comunidades concluírem que o protocolo n.° 5 anexo à Convenção de Lomé impõe uma subvenção colectiva a favor dos fornecedores tradicionais ACP»; que, consequentemente, o protocolo n.° 5 anexo à Convenção de Lomé não exige que importações que ultrapassam o melhor valor das exportações obtido por um Estado ACP individual até 1991 sejam admitidas com isenção de direitos e que, portanto, na inexistência de qualquer outra exigência aplicável por força da referida convenção, esses volumes excedentários não estão abrangidos pela derrogação de Lomé e o direito preferencial a seu favor é, por conseguinte, incompatível com o artigo I, n.° 1, do GATT de 1994 (relatório WT/DS27/RW/ECU, ponto 6.161).

34     Relativamente ao AGCS, o grupo especial determinou, em primeiro lugar, que, no quadro do regime de 1999, «os fornecedores equatorianos de serviços de comércio grossista estão, no que respeita à atribuição de certificados, sujeitos a um tratamento menos favorável de facto do que o tratamento concedido aos fornecedores comunitários ou ACP dos mesmos serviços, em violação dos artigos II e XVII do AGCS, e, em segundo lugar, que os critérios de aquisição do estatuto de ‘novo operador’ no quadro da revisão dos processos de licenças impõem aos fornecedores equatorianos condições de concorrência menos favoráveis de facto do que as condições de que beneficiam os fornecedores de serviços semelhantes da CE, em violação do artigo XVII do AGCS» (relatório WT/DS27/RW/ECU, ponto 6.163).

35     Não tendo a Comunidade recorrido desse relatório do grupo especial, o mesmo foi adoptado em 6 de Maio de 1999 (acta da reunião do ORL de 6 de Maio de 1999, WT/DSB/M/61 de 30 de Junho de 1999).

36     Em 8 de Novembro de 1999, o Equador solicitou ao ORL, nos termos do artigo 22.° do MRL, autorização para suspender, relativamente à Comunidade e a treze dos seus Estados‑Membros, a aplicação de concessões pautais e obrigações conexas nos termos do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (a seguir «ADPIC»), do AGCS e do GATT de 1994, no montante de 450 milhões de USD.

37     Tendo a Comunidade contestado o nível de suspensão proposto pelo Equador, o processo foi sujeito a arbitragem, em 19 de Novembro de 1999, nos termos do artigo 22.6 do MRL.

38     Por decisão divulgada em 24 de Março de 2000, os árbitros fixaram o nível da anulação ou da redução de benefícios sofrida pelo Equador em 201,6 milhões de USD por ano e autorizaram esse Estado a suspender concessões nos termos do GATT de 1994, do AGCS e do acordo sobre os ADPIC até aquele montante.

39     Em 11 de Abril de 2001, os Estados Unidos da América e a Comunidade concluíram um memorando de acordo sobre as bananas, onde «definiram os meios que podem permitir resolver o diferendo de longa data respeitante ao regime de importação de bananas» na Comunidade. Esse memorando prevê que a Comunidade se compromete a «[pôr] em prática um regime exclusivamente pautal para as importações de bananas, o mais tardar em 1 de Janeiro de 2006». O referido memorando de acordo define as medidas que a Comunidade se compromete a tomar durante o período intermédio que expira em 1 de Janeiro de 2006. Em contrapartida, os Estados Unidos da América comprometeram‑se a suspender provisoriamente a aplicação de direitos acrescidos que estavam autorizados a cobrar sobre as importações comunitárias pela decisão dos árbitros de 9 de Abril de 1999 (documento WT/DS27/58). Os Estados Unidos da América precisaram, contudo, por comunicação de 26 de Junho de 2001 dirigida ao ORL, que esse memorando de acordo «não constitu[ía] em si mesmo uma solução mutuamente acordada nos termos do artigo [3.°, n.° 6, do MRL] [e que,] além disso, tendo em conta as medidas que todas as partes devem ainda tomar, seria ainda prematuro retirar esse ponto da ordem do dia do ORL» (documento WT/DS27/59 – G/C/W/270, documento de 2 de Julho de 2001).

 Tramitação processual

40     Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Janeiro de 2001, a Chiquita Brands International, a Chiquita Banana Co. e a Chiquita Italia, três sociedades pertencentes ao grupo Chiquita (a seguir «demandante»), um dos maiores produtores e distribuidores de bananas do mundo, instauraram conjuntamente a presente acção.

41     Por carta de 29 de Junho de 2001, posterior à apresentação da contestação da Comissão, a demandante requereu ao Tribunal, a título de medidas de organização do processo, que este convidasse as partes:

–       a concentrar as suas observações no princípio da responsabilidade da Comunidade (existência de uma ilegalidade, um prejuízo e um nexo de causalidade entre estes elementos) a fim de reservar a questão da avaliação do montante preciso do alegado prejuízo para um estádio posterior do processo, e

–       a reservar a produção de provas sobre a quantificação do prejuízo para um estádio posterior do processo.

42     Por carta de 13 de Julho de 2001, a Comissão subscreveu esta proposta, sublinhando ao mesmo tempo que pretendia continuar a contestar tanto a admissibilidade como o mérito da acção.

43     Em 25 de Setembro de 2001, o Tribunal decidiu, nos termos do artigo 64.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, convidar as partes a concentrar a sua argumentação, na réplica e na tréplica sobre a admissibilidade da acção e da responsabilidade da Comunidade.

44     A pedido da Comissão, o Tribunal precisou, por ofício de 25 de Outubro de 2001, que a tramitação processual ia ser dividida em duas etapas, nos seguintes termos: «O Tribunal começará por decidir da admissibilidade da acção tendo em conta o respectivo fundamento, tal como este resulta da petição e seus anexos; sob reserva desta questão, decidirá seguidamente da responsabilidade na medida em que implica a questão da existência de um acto ou de um comportamento alegadamente ilegal por parte da demandada.» Deste modo, pelo presente acórdão, o Tribunal decidirá da admissibilidade da acção e da questão da existência, no caso vertente, de um acto ou de um comportamento ilegal da Comunidade.

45     Por carta de 5 de Fevereiro de 2003, a Comissão requereu que o presente processo fosse suspenso até ser proferido o acórdão do Tribunal de Justiça que ponha termo ao processo Léon van Parys (C‑377/02). O Tribunal não acedeu a este pedido.

46     Em aplicação do artigo 14.° do Regulamento de Processo e sob proposta da Quinta Secção, o Tribunal decidiu, ouvidas as partes nos termos do artigo 51.° do referido regulamento, remeter o processo a uma secção alargada.

47     Com base no relatório preliminar do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção Alargada) decidiu dar início à fase oral.

48     Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas colocadas pelo Tribunal na audiência de 12 de Fevereiro de 2004.

 Pedidos das partes

49     A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       condenar a Comunidade a reparar o prejuízo resultante da aplicação, a seu respeito, do Regulamento n.° 2362/98, avaliado provisoriamente no montante de 564,1 milhões de euros, acrescido de juros à taxa anual de 8%;

–       condenar a Comissão nas despesas.

50     A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–       julgar a acção inadmissível ou, a título subsidiário, improcedente;

–       condenar a demandante nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

1.     Argumentação das partes

51     Sem suscitar uma questão prévia da admissibilidade ao abrigo do artigo 114.° do Regulamento de Processo, a Comissão entende que a acção é inadmissível. Alega, no essencial, que a petição não é consentânea com o artigo 44.°, n.° 1, alíneas c) e e), do Regulamento de Processo, nos termos do qual a petição contém, nomeadamente, «o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido» bem como «as provas oferecidas, se for caso disso».

52     Efectivamente, a Comissão sustenta que a petição não satisfaz os requisitos do Regulamento de Processo segundo os quais uma petição que vise a reparação de danos causados por uma instituição comunitária deve conter elementos que permitam identificar o comportamento que o recorrente reprova à instituição, as razões pelas quais considera que existe um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo que pretende ter sofrido, bem como a natureza e extensão deste prejuízo (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1990, Automec/Comissão, T‑64/89, Colect., p. II‑367, n.° 73). Essa irregularidade é tanto mais grave quanto a demandante pretende ser indemnizada pelos lucros cessantes, prejuízo este que, por natureza, está sujeito a exigências de prova particularmente rigorosas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Jullho de 1967, Kampffmeyer e o./Comissão CEE, 5/66, 7/66 e 13/66 a 24/66, Colect. 1965‑1968, p. 637, e de 14 de Maio de 1975, CNTA/Comissão, 74/74, Colect., p. 183). A Comissão entende que a demandante reclama um montante extremamente avultado apesar de apenas oferecer, a título de justificação, algumas explicações lacónicas. O valor de 543,6 milhões de euros de lucro cessante invocado baseia‑se na diferença entre as vendas efectivamente efectuadas pela demandante e as que poderia ter efectuado caso não existisse o Regulamento n.° 2362/98.

53     Por outro lado, a Comissão é de opinião que a demandante nem sequer ofereceu um princípio de prova do prejuízo invocado. Quanto a este aspecto, as circunstâncias da presente acção são distintas das do processo que deu lugar ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Fevereiro de 2001, T. Port/Comissão (T‑1/99, Colect., p. II‑465), no qual a demandante tinha, pelo menos, comunicado valores precisos respeitantes ao preço dos certificados de importação que havia adquirido e aos juros bancários que havia sido obrigada a suportar.

54     A esse respeito, a Comissão recorda que, como foi declarado no n.° 37 do acórdão T. Port/Comissão, já referido, a petição «deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir o recurso, eventualmente, sem outras informações». Além disso, nos termos do artigo 44.°, n.° 1, alínea e), e do artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, todos os elementos de prova que sustentam a acção deveriam ter sido juntos à petição.

55     No caso vertente, a petição não contém nenhuma prova da existência e da causa do alegado prejuízo, embora a demandante proponha, no n.° 146 da petição, apresentar informações mais amplas «num estádio posterior do presente processo». Na medida em que resulta implicitamente dessa declaração que a demandante já possui as provas em questão, nenhuma razão válida pode justificar o atraso verificado no seu oferecimento na acepção do artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

56     A Comissão considera essas lacunas tanto mais flagrantes quanto a demandante é a primeira empresa de produção e de distribuição de bananas do mundo e dispõe de meios consideráveis. O alegado prejuízo já foi invocado em apoio de uma acção instaurada pelos Estados Unidos da América nas instâncias da OMC, no quadro da qual a ora demandante, embora não sendo parte nesse processo, apresentou mais informações do que no quadro da presente acção.

57     Segundo a Comissão, a demandante não pode colmatar as irregularidades que afectam a sua petição remetendo para as decisões da OMC, a saber, a decisão dos árbitros de 9 de Abril de 1999 e o relatório do grupo especial de 6 de Abril de 1999. Além de não serem vinculativas, tais decisões não apresentam qualquer pertinência no que respeita à regularidade da petição.

58     A demandante entende que a acção é admissível. Segundo entende, a petição satisfaz os critérios dos acórdãos Automec/Comissão, já referido (n.° 73), e T. Port/Comissão, já referido (n.° 37).

59     Em primeiro lugar, a demandante declara ter claramente identificado os dois aspectos do comportamento relacionado com o Regulamento n.° 2362/98 cuja ilegalidade invoca. Trata‑se, por um lado, do sistema de atribuição dos certificados de importação de bananas e, por outro, da repartição dos contingentes pautais para as bananas latino‑americanas em contingentes nacionais.

60     Em segundo lugar, a demandante recorda que, na petição, se pronunciou igualmente sobre o nexo de causalidade entre essa ilegalidade e o prejuízo sofrido.

61     Em terceiro lugar, a demandante recorda ter especificado, no n.° 155 da petição, os diferentes tipos de prejuízo cuja reparação reclama. Relativamente ao período de 1 de Janeiro de 1999 até 31 de Dezembro de 2000, trata‑se de um lucro cessante no valor de 543,6 milhões de euros e de despesas não recorrentes no valor de 20,5 milhões de euros.

62     Além disso, a demandante refuta a tese da Comissão que parece sustentar que os pedidos de indemnização pelos lucros cessantes estão sujeitos a critérios de admissibilidade mais rigorosos do que os acima enunciados.

63     Tendo em conta a multiplicidade de litígios a que deu lugar a organização comum dos mercados no sector da banana, a Comissão não pode alegar não estar numa situação que lhe permita compreender as explicações fornecidas na petição relativas ao prejuízo invocado.

2.     Apreciação do Tribunal

 Quanto à conformidade da petição com o artigo 44.° n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo

64     Nos termos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve indicar o objecto do litígio e uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir o recurso, se for o caso, sem outras informações. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que uma acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta se baseia resultem, pelo menos sumariamente mas de modo coerente e compreensível, do texto da própria petição (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 1993, De Hoe/Comissão, T‑85/92, Colect., p. II‑523, n.° 20, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Janeiro de 1998, Dubois e Fils/Conselho e Comissão, T‑113/96, Colect., p. II‑125, n.° 29).

65     A fim de preencher estas condições, uma petição destinada a obter a reparação de prejuízos causados alegadamente por uma instituição comunitária deve conter os elementos que permitam identificar o comportamento que o demandante censura à instituição, as razões por que considera que existe um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo que alega ter sofrido e o carácter e a extensão deste prejuízo (acórdão Dubois e Fils/Conselho e Comissão, já referido, n.° 30, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Julho de 2003, Hameico Stuttgart e o./Conselho e Comissão, T‑99/98, Colect., p. II‑2195, n.° 26).

66     Ao invés, um pedido destinado a obter uma indemnização qualquer carece da necessária precisão e deve, por isso, ser julgado inadmissível (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 1971, Zuckerfabrik Schöppenstedt/Conselho, 5/71, Colect., p. 375, n.° 9; acórdão Automec/Comissão, já referido, n.° 73, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 2000, Camar e Tico/Comissão e Conselho, T‑79/96, T‑260/87 e T‑117/98, Colect., p. II‑2193, n.° 181).

67     No caso vertente, a demandante expôs, nos n.os 142 a 154 da petição, a natureza dos diferentes tipos de prejuízo cuja reparação reclama, bem como a metodologia utilizada para determinar o respectivo montante. Indicou, de forma suficientemente detalhada, as circunstâncias em que se baseia para demonstrar o carácter real e certo do prejuízo invocado, assim como o seu alcance.

68     Com efeito, no que diz respeito ao carácter real e certo do prejuízo, a demandante recordou que o regime de 1999 afectou profundamente a sua actividade e os seus resultados. Alegou, nomeadamente, que esse prejuízo está patente de forma evidente na sua capitalização, que, desde a adopção do regime de 1993, diminuiu em mais de 96%. A demandante alegou que, entre 1999 e 2000, a referida capitalização passou de 625 milhões para 79,2 milhões de USD, isto é, uma redução de 87%. Uma vez que a Chiquita Brands International Inc. está cotada na Bolsa, esses elementos constituem informações públicas que beneficiam de uma ampla divulgação, nomeadamente na imprensa.

69     No que diz respeito ao alcance do referido prejuízo e à quantificação da indemnização reclamada, a demandante distingue o lucro cessante sofrido das despesas que foi obrigada a suportar. Quanto ao lucro cessante, recorreu ao método seguido pelos árbitros da OMC para quantificar o prejuízo sofrido pelos Estados Unidos da América e pelo Equador pelo facto da incompatibilidade do regime de 1993 com as regras da OMC, incompatibilidade que diz igualmente respeito ao regime de 1999. A partir destes elementos e do seu volume de negócios em 1999 e 2000, a demandante procedeu a um cálculo para determinar o volume de negócios que teria realizado caso não existisse incompatibilidade do regime de 1999 com o direito da OMC. Alega que o valor desse lucro cessante é igual à diferença entre os lucros que poderia ter obtido sobre aquele volume de negócios hipotético e os lucros efectivamente obtidos em 1999 e 2000. Feitos os cálculos, a demandante avalia esse lucro cessante em 543,6 milhões de euros. Quanto às referidas despesas extraordinárias, a demandante explicou que se trata dos custos relativos às reduções de pessoal em 1999, à sobrecapacidade de transporte em 1999 e 2000 e a despesas com advogados. A demandante avalia essas despesas em 20,5 milhões de euros.

70     Assim, a exposição do carácter e do alcance do alegado prejuízo levada a cabo pela demandante na petição satisfaz as disposições do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo. Esta última permite à Comissão defender‑se e ao Tribunal efectuar a sua fiscalização.

 Quanto à conformidade da petição com o artigo 44.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento de Processo

71     Resulta da letra do artigo 44.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento de Processo, mais precisamente da expressão «se for caso disso», que a petição não tem obrigatoriamente que conter as provas oferecidas. A única sanção em matéria de oferecimento de provas consiste na rejeição por intempestividade quando são apresentadas, pela primeira vez e sem justificação para esse facto, na réplica ou na tréplica (artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo).

72     Nos termos do artigo 43.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, «[todos o]s actos processuais devem ser acompanhados das peças e documentos em apoio, e de uma relação dos mesmos». Resulta da jurisprudência que o não respeito dessa obrigação pode acarretar a inadmissibilidade do recurso quando seja de natureza a prejudicar as outras partes na preparação dos seus argumentos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 2003, Ineichen/Comissão, T‑293/01, ColectFP, pp. I‑A‑83 e II‑441, n.os 29 e segs.).

73     No caso vertente, importa referir que a Comissão apresentou uma contestação particularmente detalhada, o que permite considerar que não foi de modo algum afectada pela não comunicação das peças juntamente com a petição.

74     As críticas da Comissão sobre a prova da existência de um prejuízo constituem, portanto, matéria que deve ser apreciada em sede de mérito do litígio e não da sua admissibilidade (v., neste sentido, acórdão Hameico Stuttgart e o./Conselho e Comissão, já referido, n.° 32).

75     Por conseguinte, a acção é admissível.

 Quanto ao mérito

76     Resulta de jurisprudência constante que a responsabilidade extracontratual da Comunidade na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE está sujeita à reunião de um conjunto de condições, ou seja, a ilegalidade do comportamento censurado à instituição, a realidade do prejuízo e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo invocado (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 1996, International Procurement Services/Comissão, T‑175/94, Colect., p. II‑729, n.° 44; de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T‑336/94, Colect., p. II‑1343, n.° 30; e de 11 de Julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, T‑267/94, Colect., p. II‑1239, n.° 20). Quando uma destas condições não está preenchida, o pedido deve ser julgado improcedente na sua totalidade, sem ser necessário apreciar as outras condições da referida responsabilidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1994, KYDEP/Conselho e Comissão, C‑146/91, Colect., p. I‑4199, n.os 19 e 81, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Fevereiro de 2002, Förde‑Reederei/Conselho e Comissão, T‑170/00, Colect., p. II‑515, n.° 37).

77     Quanto à apreciação dos pedidos de indemnização à luz da primeira dessas condições, a saber, a relativa à existência de um comportamento ilegal. Quanto a esta condição, importa recordar que a jurisprudência exige que fique provada uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tenha por objecto conferir direitos aos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 42). Quanto à exigência de que a violação seja suficientemente caracterizada, o critério decisivo que permite considerá‑la satisfeita é o da violação manifesta e grave, pela instituição comunitária em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Quando esta instituição apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (acórdão Comafrica e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, já referido, n.° 134; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Fevereiro de 2004, Afrikanische Frucht‑Compagnie/Conselho e Comissão, T‑64/01 e T‑65/01, Colect., p. II‑0000, n.° 71).

1.     Exposição sumária dos fundamentos

78     A demandante alega que, ao adoptar e manter em vigor as disposições do Regulamento n.° 2362/98 relativas à distribuição dos certificados de importação e à repartição dos contingentes pautais entre certos países da América Latina, a Comissão violou de forma caracterizada regras jurídicas destinadas a proteger os particulares ou que lhes conferem direitos, violações essas de natureza a desencadear a responsabilidade da Comunidade com fundamento no artigo 235.° CE.

79     No que respeita à distribuição dos certificados de importação para as bananas originárias de países terceiros, a demandante alega que o regime de 1993 instaurou um mecanismo destinado a enfraquecer a posição concorrencial das grandes empresas que, como ela, estão integradas verticalmente e especializadas no comércio de bananas da América Latina. Efectivamente, o regime de 1993 atribuiu esses certificados a certos operadores cuja actividade não consistia na importação de bananas países terceiros. Os negociantes em bananas comunitárias ou ACP haviam, deste modo, disposto de 30% dos certificados destinados à importação de bananas países terceiros. De igual modo, os amadurecedores haviam recebido determinada quantidade desses certificados. Foi assim que o regime de 1993 incitou os importadores de bananas países terceiros a adquirir os certificados dos amadurecedores e dos negociantes de bananas ACP e comunitárias. Os importadores de bananas países terceiros foram levados a transferir parte dos seus recursos para os seus concorrentes, sendo o valor desses certificados de aproximadamente 200 euros por tonelada de bananas. Além disso, esse mecanismo permitiu a certos operadores, até então especializados no comércio de bananas ACP, a importar bananas directamente da América Latina e entrar em concorrência directa com a demandante.

80     As modificações decorrentes do regime de 1999 agravaram esta situação. A demandante observa que o Regulamento n.° 2362/98 não reservava mais do que 30% dos certificados para os importadores de bananas ACP ou comunitárias, funcionando segundo o sistema dito «do lote comum». Nos termos deste sistema, os certificados de importação para os contingentes pautais ACP e Estados terceiros eram geridos conjuntamente. Os certificados eram atribuídos aos operadores em função da quantidade de bananas efectivamente importadas durante a vigência do regime de 1993 (período compreendido entre 1994 e 1996, denominado «período de referência»), independentemente da sua origem. Além do facto de assentar num período de referência afectado pelas ilegalidades mencionadas na decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997, esse sistema teve como consequência prática aumentar a procura de certificados de importação países terceiros por parte dos operadores tradicionalmente especializados no comércio de bananas ACP ou comunitárias. Correlativamente, a quantidade de bananas que a demandante podia importar atingiu um nível inferior à quantidade de referência a que podia pretender tendo em conta o volume das suas importações anteriores.

81     No que respeita à repartição dos contingentes pautais em subcontingentes nacionais, a demandante sublinha que a fonte mais importante das suas importações de bananas é o Panamá. Observa que o regime de 1993 reservava 49,40% dos contingentes pautais países terceiros aos signatários de outros acordos internacionais, nomeadamente a Convenção de Lomé e o acordo celebrado em 28 e 29 de Março de 1994 entre a Comunidade e a República da Colômbia, a República da Costa Rica, a República da Nicarágua e a República Bolivariana da Venezuela (a seguir «acordo‑quadro»), do qual o Panamá não fazia parte. Após a decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997 ter dado como provada a incompatibilidade dessa repartição com o artigo XIII do GATT de 1994, o regime de 1999 modificou a repartição do contingente pautal em subcontingentes nacionais. A quota reservada ao Panamá foi então fixada em 15,76%. A demandante sustenta que essa distribuição por país é injustificada. A referida distribuição é igualmente arbitrária pois a Colômbia e a Costa Rica dispunham de uma quota superior aos volumes de trocas comerciais a que podiam aspirar caso não existissem restrições quantitativas a essas trocas. Seja qual for o motivo na origem dessa repartição por país, a demandante sublinha que a mesma tem por base as trocas comerciais realizadas sob a vigência do regime de 1993. Ora, como se observou no relatório do grupo especial de 6 de Abril de 1999, a escolha desse período de referência teve como consequência perpetuar as discriminações resultantes do regime de 1993, dadas como provadas na decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997.

82     A fim de demonstrar a ilegalidade do comportamento da Comissão, a demandante invoca quatro fundamentos que podem ser resumidos como segue. O primeiro fundamento é relativo a uma violação das regras da OMC. O segundo fundamento é relativo a uma violação do mandato que o Conselho conferiu à Comissão para aplicar o Regulamento n.° 1637/98. O terceiro fundamento é relativo a violações de princípios gerais do direito comunitário. O quarto fundamento é relativo a uma violação dos princípios da boa fé e da confiança legítima em direito internacional.

2.     Quanto ao primeiro fundamento, relativo a violação das regras da OMC

 Quanto à interpretação da jurisprudência Nakajima

 Argumentação das partes

83     A demandante alega que o Regulamento n.° 2362/98 é incompatível com as regras da OMC, tendo esta incompatibilidade sido constatada no relatório do grupo especial de 6 de Abril de 1999. Afirma que, com o presente fundamento, não procura invocar directamente uma violação do direito da OMC. Uma vez que este é desprovido de efeito directo, uma acção em matéria de responsabilidade extracontratual directamente baseada numa violação do direito da OMC está votada ao fracasso (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2001, Bocchi Food Trade International/Comissão, T‑30/99, Colect., p. II‑943, n.° 56; Cordis/Comissão, T‑18/99, Colect., p. II‑913, n.° 51, e T. Port/Comissão, T‑52/99, Colect., p. II‑981, n.° 51).

84     A demandante precisa que o presente fundamento assenta na jurisprudência constante segundo a qual os órgãos jurisdicionais comunitários podem fiscalizar a legalidade de um acto de direito derivado à luz das regras da OMC, entre as quais o GATT, quando «a Comunidade [tenha] decidido cumprir uma obrigação determinada assumida no quadro da OMC, ou [...] o acto comunitário remet[a] de modo expresso para disposições precisas dos acordos OMC» [acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho, C‑149/96, Colect., p. I‑8395, n.° 49; v., igualmente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1998, Itália/Conselho, C‑352/96, Colect., p. I‑6937, a seguir «acórdão Itália/Conselho (Arroz)», n.° 19, e de 5 de Outubro 1994, Alemanha/Conselho, C‑280/93, Colect., p. I‑4973, a seguir «acórdão Alemanha/Conselho (Bananas)», n.° 111]. A origem deste princípio remonta ao acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho (C‑69/89, Colect., p. I‑2069, a seguir «acórdão Nakajima»).

85     Para interpretar o princípio decorrente do acórdão Nakajima, como foi posteriormente enunciado e aplicado pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Primeira Instância (a seguir «jurisprudência Nakajima»), a demandante examina sucessivamente a razão de ser, as condições de aplicabilidade e a pertinência do acórdão Portugal/Conselho, já referido.

86     Em primeiro lugar, no que diz respeito à razão de ser da jurisprudência Nakajima, a demandante sustenta que a ideia subjacente é permitir uma fiscalização jurisdicional à luz das regras da OMC sempre que o órgão legislativo da Comunidade tenha decidido executar obrigações decorrentes dessas regras, cuja inexistência de efeito directo perde, em virtude desse facto, toda a pertinência. Os órgãos jurisdicionais comunitários não controlam a compatibilidade dos actos da Comunidade com as regras da OMC mas avaliam‑nos à luz da decisão fundamental de executar uma obrigação decorrente das regras da OMC. Com efeito, a demandante sublinha que, «nestas hipóteses, a possibilidade de invocar disposições do GATT não se fundava no efeito directo das mesmas, mas sim na existência de um acto comunitário que tinha executado essas disposições ou, pelo menos, expresso a vontade de as aplicar» [(conclusões do advogado‑geral G. Tesauro no processo Hermès (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1998, C‑53/96, Colect., p. I‑3603, nota n.° 45)].

87     A demandante entende, além disso, que a jurisprudência Nakajima deve ser enquadrada na perspectiva geral do efeito directo dos acordos internacionais na ordem jurídica comunitária, efeitos este de que o GATT e os acordos da OMC são desprovidos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1972, International Fruit Company e o., 21/72 a 24/72, Colect., p. 407, e Portugal/Conselho, já referido).

88     Esta situação não exclui toda e qualquer fiscalização jurisdicional da compatibilidade dos actos comunitários com as regras do GATT e dos acordos da OMC. A jurisprudência Nakajima permite, pelo contrário, garantir uma fiscalização jurisdicional estritamente limitada, mas essencial para a tutela do direito fundamental a uma protecção judicial efectiva [conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Países Baixos/Parlamento e Conselho (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2001, C‑377/98, Colect., pp. I‑7079, I‑7084, a seguir «acórdão Biotecnologias»)].

89     Em segundo lugar, no que diz respeito às condições de aplicabilidade da jurisprudência Nakajima, a demandante sustenta que são duas: em primeiro lugar, a intenção da Comunidade de cumprir («intention to comply») e, em segundo lugar, uma «obrigação específica» decorrente dos acordos da OMC.

90     A demandante explica a primeira dessas condições pelo facto de, sempre que a Comunidade teve a intenção de cumprir as regras da OMC, as preocupações que conduziram o Tribunal de Justiça a afastar o efeito directo dos acordos da OMC perderem a sua pertinência. A Comunidade nunca pode ser coagida a aplicar o direito da OMC contra sua vontade; a jurisprudência Nakajima em nada põe em causa esse princípio.

91     A obrigação do direito da OMC que a Comunidade teve intenção de cumprir deve igualmente constituir uma «obrigação específica»; essa obrigação deve ser «suficientemente clara e precisa» para que o juiz a possa aplicar.

92     Com base nos elementos precedentes, a demandante refuta quatro interpretações concorrentes destinadas a restringir as condições de aplicabilidade da jurisprudência Nakajima.

93     Primeiro, é errado, em direito, restringir a aplicação da jurisprudência Nakajima apenas às circunstâncias em que o acto comunitário em causa se refere expressamente a uma disposição específica do GATT ou dos acordos da OMC. Efectivamente, a demandante considera que uma interpretação dessa natureza confunde as circunstâncias do acórdão Nakajima com as do acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1989, Fediol/Comissão (70/87, Colect., p. 1781), o qual respeita, de facto, à hipótese de uma referência expressa às disposições do GATT ou dos acordos da OMC. A condição de aplicação da jurisprudência Nakajima é «a intenção de dar execução a uma obrigação específica» nos termos do GATT ou dos acordos da OMC. A esse respeito, a demandante sublinha que, no acórdão Nakajima, o acto comunitário em causa não se refere a uma disposição específica do GATT.

94     É certo que, por vezes, a jurisprudência cita conjuntamente os acórdãos Nakajima e Fediol/Comissão, já referido, quando se refere a uma regra segundo a qual o juiz pode fiscalizar a legalidade de um acto comunitário à luz das disposições do GATT ou dos acordos da OMC, embora não produzam efeito directo. Contudo, estes dois acórdãos visam condições de aplicabilidade distintas daquela regra (conclusões do advogado‑geral A. Saggio no processo Portugal/Conselho, já referido, nota n.° 20).

95     A demandante acrescenta que a ideia de que a aplicação da jurisprudência Nakajima possa estar condicionada à existência de uma referência específica a disposições do GATT ou a acordos da OMC é absurda. Com efeito, a fiscalização jurisdicional não pode depender de uma condição formal deixada apenas ao critério do autor do acto em causa. Uma condição dessa natureza é incompatível com o Estado de direito.

96     Segundo, é errado, em direito, restringir a aplicação da jurisprudência Nakajima aos casos em que a obrigação decorrente do GATT ou dos acordos da OMC esteja formulada de forma positiva.

97     Desde logo, uma condição dessa natureza seria artificial, pois qualquer obrigação positiva poderia ser enunciada sob a forma de uma interdição, como os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação. Seguidamente, a demandante sublinha que os artigos II, n.° 1, e XVII do AGCS bem como o artigo XIII do GATT de 1994, pertinentes no caso vertente, contêm todos obrigações positivas. Por fim, essa limitação é infirmada pelo acórdão Nakajima, respeitante à compatibilidade da legislação comunitária antidumping com o artigo 1.° do acordo relativo à interpretação e à aplicação do artigo VI do GATT, aprovado, em nome da Comunidade, pela Decisão 80/271/CEE do Conselho, de 10 de Dezembro de 1979, relativa à conclusão dos acordos multilaterais resultantes das negociações comerciais de 1973‑1979 (JO 1980, L 71, p. 1; EE 11 F12 p. 38, a seguir «código antidumping de 1979»). Essa disposição contém uma obrigação negativa, que proíbe as partes contratantes de aplicarem direitos antidumping sem respeitar as regras do código antidumping de 1979.

98     Terceiro, é errado, em direito, restringir a aplicação da jurisprudência Nakajima aos casos em que a obrigação decorrente do GATT ou dos acordos da OMC foi incorporada ou transposta no acto comunitário em causa. Efectivamente, a demandante sublinha que uma interpretação dessa natureza não assenta em nenhuma decisão do Tribunal de Justiça ou do Tribunal de Primeira Instância. Admite que, no contexto dos processos antidumping, o código antidumping de 1979 havia sido transposto para o direito comunitário. Contudo, contesta que esse elemento permita sustentar o postulado geral segundo o qual a jurisprudência Nakajima só é aplicável quando o acto comunitário impugnado transpõe uma norma decorrente do GATT ou dos acordos da OMC. Esse postulado é contrariado pelo acórdão Itália/Conselho (Arroz), no qual o Tribunal de Justiça aplicou a jurisprudência Nakajima apesar de a Comunidade não ter transposto o artigo XXIV, n.° 6, do GATT para o direito comunitário.

99     Quarto, é errado, em direito, restringir a aplicação da jurisprudência Nakajima apenas aos casos em que a conformidade com as regras decorrentes do GATT ou dos acordos da OMC constitui o único objectivo visado pelo acto comunitário impugnado. Uma vez que tais hipóteses são raríssimas, a demandante entende que uma interpretação dessa natureza esvaziaria a jurisprudência Nakajima de toda a sua substância. Considera que a referida jurisprudência é aplicável mesmo quando o acto impugnado prossegue diversos objectivos contraditórios, sendo que, nestes casos, o único limite que se impõe ao juiz é não quebrar o equilíbrio que o legislador conseguiu instaurar.

100   Em terceiro lugar, a demandante sustenta que a sua interpretação da jurisprudência Nakajima não é afectada pelo acórdão Portugal/Conselho, já referido. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça refutou a tese do efeito directo dos acordos da OMC por um motivo de política judicial. O Tribunal de Justiça considerou que admitir tal tese equivaleria a amputar unilateralmente a «margem de manobra» da Comunidade no quadro da OMC, mesmo quando nenhuma outra parte contratante subscreveu qualquer compromisso recíproco com a Comunidade.

101   Efectivamente, a demandante considera que a jurisprudência Nakajima ficaria esvaziada de substância se devesse ser sujeita à condição de reciprocidade posta em destaque no acórdão Portugal/Conselho, já referido. Recorda que a razão de ser da jurisprudência Nakajima está ligada precisamente ao facto de que, por definição, apenas visa hipóteses em que a Comunidade já não dispõe de «margem de manobra» ao decidir implantar normas decorrentes do GATT ou dos acordos da OMC.

102   A demandante entende que não há que temer que uma interpretação dessa natureza dê azo a uma avalanche de acções sempre que a Comunidade não dê cumprimento a uma decisão do ORL pois essas acções continuam sujeitas à condição de a Comunidade ter decidido claramente cumprir uma obrigação, nos termos do acordo da OMC. As circunstâncias em que o juiz comunitário pode aplicar a jurisprudência Nakajima são, por conseguinte, limitadas. Na prática, respeitam apenas às hipóteses em que o Conselho decidiu claramente transpor uma decisão de resolução de um litígio adoptada por órgãos da OMC, mas em que a transposição dessa decisão para a ordem jurídica comunitária é contrária ao objectivo do Conselho.

103   A este respeito, a demandante insiste nas circunstâncias que opõem o presente processo ao litígio «Carne de vaca com hormonas» (relatório do Órgão de Recurso de 16 de Janeiro de 1998, WT/DS26/AB/R WT/DS48/AB/R, adoptado em 13 de Fevereiro de 1998 pelo ORL) submetido à OMC. Neste último, a Comunidade havia claramente decidido não alterar a sua legislação a fim de cumprir as decisões tomadas no termo do processo de resolução dos litígios da OMC. Não tendo chegado a uma solução negociada quanto ao montante da indemnização, a Comunidade decidiu expor‑se a medidas de retaliação da parte vencedora, a saber, os Estados Unidos da América. No presente processo, a Comunidade não decidiu manter em vigor os aspectos da organização comum dos mercados no sector da banana que foram declarados incompatíveis com as suas obrigações decorrentes dos acordos da OMC. Pelo contrário, indicou que pretendia cumprir as decisões tomadas pelas instâncias de resolução de conflitos da OMC.

104   A Comissão recusa essa interpretação da jurisprudência Nakajima. Recorda que, não obstante o carácter monista da ordem jurídica comunitária, a jurisprudência sempre rejeitou a tese do efeito directo dos acordos da OMC (acórdãos International Fruit Company e o. e Portugal/Conselho, já referidos) Um relatório do ORL só pode ser tomado em consideração para efeitos da verificação da compatibilidade de uma norma comunitária com uma regra da OMC se a obrigação subjacente a esta última dispuser de efeito directo (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1999, Atlanta/Comunidade Europeia, C‑104/97 P, Colect., p. I‑6983, n.° 20).

105   A Comissão contesta igualmente a interpretação das condições de aplicabilidade da jurisprudência Nakajima expostas pela demandante.

106   Contrariamente ao que afirma a demandante, a primeira dessas condições não é a intenção «cumprir» («to comply») mas a intenção de «executar» («to implement») uma obrigação específica (acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 49). Essas expressões não são equivalentes: «cumprir» tem um sentido muito mais lato do que «executar». É frequente que um Estado ou a Comunidade tenha intenção de cumprir certas obrigações, sem no entanto as executar.

107   A Comissão contesta a interpretação da segunda condição relativa à exigência de uma «obrigação específica». Entende‑se que uma obrigação é «específica» por oposição a uma obrigação «geral».

108   A Comissão entende que, em razão do carácter restritivo dessas condições, os exemplos de aplicação da jurisprudência Nakajima são raros. Esses exemplos respeitam, em primeiro plano, aos recursos interpostos de regulamentos antidumping (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1992, NMB/Comissão, C‑188/88, Colect., p. I‑1689; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Maio de 1995, NTN Corporation e Koyo Seiko/Conselho, T‑163/94 e T‑165/94, Colect., p. II‑1381; de 5 de Junho de 1996, NMB France e o./Comissão, T‑162/94, Colect., p. II‑427; e de 15 de Dezembro de 1999, Petrotub e Republica/Conselho, T‑33/98 e T‑34/98, Colect., p. II‑3837, n.° 105). O único exemplo de aplicação da jurisprudência Nakajima fora do domínio antidumping é o acórdão Itália/Conselho (Arroz). Todas as outras tentativas de aplicação da jurisprudência Nakajima fracassaram [acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2001, Kloosterboer Rotterdam, C‑317/99, Colect., p. I‑9863; Alemanha/Conselho (Bananas) e Portugal/Conselho, já referido; acórdãos Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido; Cordis/Comissão, já referido, e de 20 de Março de 2001, T. Port/Comissão, já referido].

109   Segundo a Comissão, a aplicação da jurisprudência Nakajima pressupõe a reunião das seguintes quatro condições.

110   Primeira, a «obrigação específica» em causa deve ser uma obrigação positiva de agir de determinada maneira. Os códigos antidumping do GATT constituem um exemplo desse tipo de obrigações. Uma recomendação ou uma decisão do ORL não pode constituir uma «obrigação específica», pois apenas impõe uma obrigação geral de tornar o acto em conformidade com as regras da OMC. Efectivamente, cabe à parte contratante em causa decidir das medidas destinadas a assegurar a conformidade da sua ordem jurídica com essas regras.

111   Segunda, a jurisprudência Nakajima apenas é aplicável quando o acto comunitário em causa incorpora ou transpõe para a ordem jurídica comunitária uma «obrigação específica» assumida no quadro da OMC. Este postulado decorre directamente da expressão «executar».

112   Terceira, para que a jurisprudência Nakajima seja aplicável, é ainda necessário que o legislador comunitário não prossiga diversos objectivos contraditórios.

113   Quarta, a jurisprudência Nakajima exige ainda que o acto comunitário em causa refira expressamente as obrigações específicas decorrentes do direito da OMC que visa executar.

 Apreciação do Tribunal

114   Tendo em conta a sua natureza e a sua economia, o acordo OMC e seus anexos não figuram, em princípio, entre as normas à luz das quais o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância fiscalizam a legalidade dos actos das instituições comunitárias (acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 47). Esses diplomas não são susceptíveis de criar para os particulares direitos que estes possam invocar directamente num tribunal por força do direito comunitário (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2000, Dior e o., C‑300/98 e C‑392/98, Colect., p. I‑11307, n.° 44).

115   Só na hipótese de a Comunidade ter entendido dar execução a uma obrigação particular assumida no quadro da OMC ou na hipótese de o acto comunitário remeter expressamente para disposições determinadas dos acordos incluídos nos anexos do acordo OMC, é que compete ao Tribunal de Justiça fiscalizar a legalidade do acto comunitário em causa à luz das regras da OMC (acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 49).

116   A demandante invoca exclusivamente a primeira dessas excepções. Sustenta que, ao adoptar o Regulamento n.° 1637/98, cujas medidas de execução foram definidas pelo Regulamento n.° 2362/98, a Comunidade pretendeu executar uma obrigação específica assumida no quadro da OMC, na acepção da jurisprudência resultante do acórdão Nakajima.

117   A regra decorrente da jurisprudência Nakajima destina‑se a permitir, excepcionalmente, ao interessado invocar, a título incidental, a violação pela Comunidade ou pelas suas instituições das regras do GATT ou dos acordos da OMC. Enquanto excepção ao princípio segundo o qual os particulares não podem invocar directamente as disposições dos acordos da OMC perante o juiz comunitário, essa regra deve ser interpretada de forma restrita.

118   A esse respeito, importa referir que, no que toca a recursos interpostos por particulares, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância não aplicaram o princípio decorrente da jurisprudência Nakajima num contexto que não fosse o da fiscalização, por via incidental, da conformidade dos regulamentos de base antidumping com as disposições dos códigos antidumping de 1979 e de 1994 [Acordo relativo à execução do artigo VI do GATT de 1994; Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1), anexo 1 A].

119   Com efeito, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância examinaram, em diversas ocasiões, fundamentos relativos à compatibilidade dos regulamentos antidumping com as disposições dos códigos antidumping (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1992, Goldstar/Conselho, C‑105/90, Colect., p. I‑677, n.os 31 e seguintes; NMB/Comissão, já referido, n.° 23; acórdãos NTN Corporation/Conselho, já referido, n.° 65; e NMB France e o./Comissão, já referido, n.° 99) e, por duas vezes, deram provimento a esses fundamentos (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2003, Petrotub e Republica/Conselho, C‑76/00 P, Colect., p. I‑79, n.os 52 e seguintes, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Janeiro de 2000, BEUC/Comissão, T‑256/97, Colect., p. II‑101, n.os 63 e segs.).

120   Todavia, fora desse contexto específico do contencioso antidumping, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância rejeitaram a aplicação da jurisprudência Nakajima. Assim, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância rejeitaram a fiscalização da legalidade de um acto comunitário à luz de disposições dos acordos da OMC, no quadro de recursos interpostos por particulares que ponham em causa certos aspectos da organização comum dos mercados da banana (despacho do Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 2001, OGT Fruchthandelsgesellschaft, C‑307/99, Colect., p. I‑3159; acórdãos Cordis/Comissão, Bocchi Food Trade International/Comissão, e de 20 de Março de 2001, T. Port/Comissão, já referidos), bem como a legislação comunitária relativa à administração a animais de exploração de substâncias com efeitos hormonais (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Janeiro de 2002, Biret International/Conselho, T‑174/00, Colect., p. II‑17, e Biret e Cie/Conselho, T‑210/00, Colect., p. II‑47).

121   Ora, importa sublinhar que, no domínio antidumping, os acordos pertinentes do GATT e da OMC impunham directamente a cada uma das partes contratantes a obrigação de adaptarem a sua legislação nacional a fim de esta reflectir o teor dos referidos acordos. Efectivamente, o código antidumping de 1979, no artigo 16.°, n.° 6, alínea a), intitulado «Legislação nacional», obrigava as partes contratantes a tomar «todas as medidas necessárias, de carácter geral ou especial, para assegurar, o mais tardar na data em que para ele este Acordo entrar em vigor, a conformidade das suas leis, regulamentos e procedimentos administrativos com as disposições deste Acordo, na medida em que podem aplicar‑se ao signatário em causa» (Decisão 80/271). O código antidumping de 1994 contém disposições idênticas no artigo 18.°, n.° 4.

122   Para satisfazer essas obrigações, o Conselho alterou a regulamentação aplicável aos processos antidumping. Assim, após a adopção do código antidumping de 1979, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 3017/79, de 20 de Dezembro de 1979, relativo à defesa contra as importações que são objecto de «dumping» ou de subvenções por parte de países não membros da Comunidade Económica Europeia (JO L 339, p. 1) [não existe versão portuguesa]. Resulta, nomeadamente, do preâmbulo (terceiro e quarto considerandos) deste regulamento que as regras comunitárias em matéria de defesa contra as importações objecto de dumping tiveram de ser modificadas à luz dos acordos resultantes das negociações comerciais multilaterais concluídos em 1979 no termo da ronda de Tóquio, tendo o Conselho considerado «essencial, para manter o equilíbrio dos direitos e das obrigações que esses acordos se destinavam a estabelecer, que a Comunidade tenha em conta a interpretação que deles fazem os seus principais parceiros comerciais, como se encontra traduzida na legislação ou na prática estabelecida». O preâmbulo do Regulamento (CEE) n.° 2423/88 do Conselho, de 11 de Julho de 1988, relativo à defesa contra as importações que são objecto de dumping ou de subvenções por parte de países não membros da Comunidade Económica Europeia (JO L 209, p. 1), cuja conformidade com o código antidumping de 1979 era posta em causa no processo que deu lugar ao acórdão Nakajima, continha disposições idênticas e recordava igualmente que o regime comum relativo à defesa contra as importações objecto de dumping «foi adoptado em conformidade com as obrigações internacionais existentes», nomeadamente as que decorrem do artigo VI do GATT e do código antidumping de 1979.

123   De igual modo, na sequência da conclusão do código antidumping de 1994, a Comunidade adaptou as suas regras internas relativas aos processos antidumping, tendo adoptado sucessivamente o Regulamento (CE) n.° 3283/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativo à defesa contra as importações objecto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO L 349, p. 1), e seguidamente o Regulamento (CE) n.° 384/96 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objecto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO 1996, L 56, p. 1). O preâmbulo do Regulamento n.° 3283/94 indicava que, na sequência da conclusão, em 1994, das negociações comerciais multilaterais, «é conveniente alterar as regras comunitárias a fim de ter em conta estes novos acordos» (terceiro considerando). O preâmbulo precisa que, a fim de manter «o equilíbrio entre os direitos e as obrigações estabelecidos no GATT», é «essencial que a Comunidade tenha em conta a interpretação que lhes é dada pelos seus principais parceiros comerciais» (quarto considerando). Sublinha, além disso, que, «dada a importância das alterações [resultantes do código antidumping de 1994] e a fim de assegurar uma aplicação correcta e transparente do novo regime, é conveniente transpor, na medida do possível, as disposições dos novos acordos para a legislação comunitária» (quinto considerando). Estas disposições foram mantidas no preâmbulo do Regulamento n.° 384/96, regulamento este pertinente no acórdão de 9 de Janeiro de 2003, Petrotub e Republica/Conselho, já referido.

124   A demandante sustenta, com razão, que a aplicação da jurisprudência decorrente do acórdão Nakajima não está, a priori, limitada ao domínio do antidumping. É susceptível de ser aplicada noutros domínios regulados por disposições dos acordos da OMC, quando os referidos acordos e as disposições comunitárias cuja legalidade é posta em causa possuam uma natureza e um conteúdo comparáveis aos que acabam de ser recordados a propósito dos códigos antidumping do GATT e dos regulamentos de base antidumping que garantem a respectiva transposição para o direito comunitário.

125   Deve, portanto, considerar‑se que a condição de aplicabilidade da jurisprudência Nakajima segundo a qual o acto comunitário cuja legalidade é contestada deve ter sido adoptado com o objectivo de «executar uma obrigação específica assumida no quadro da OMC» exige, nomeadamente, que esse acto assegure especificamente a transposição para direito comunitário de prescrições decorrentes dos acordos da OMC.

126   No que diz respeito à questão de saber se, como sustenta a demandante, o acórdão Itália/Conselho (Arroz) infirma esta interpretação da jurisprudência Nakajima, deve considerar‑se não ser esse o caso. Com efeito, o processo que deu lugar àquele acórdão punha em causa um regulamento comunitário adoptado em aplicação de acordos bilaterais celebrados com Estados terceiros na sequência de negociações levadas a cabo com base no artigo XXIV, n.° 6, do GATT. Nos termos desses acordos, a Comunidade comprometeu‑se a abrir contingentes pautais para o arroz a favor desses Estados terceiros. O regulamento em causa nesse processo [Regulamento (CE) n.° 1522/96 do Conselho, de 24 de Julho de 1996, relativo à abertura e modo de gestão de determinados contingentes pautais de importação de arroz e de trincas de arroz (JO L 190, p. 1)] tinha, portanto, como objecto transpor regras decorrentes de acordos bilaterais celebrados na sequência de negociações no quadro do GATT. Por conseguinte, destinava‑se a executar uma «obrigação específica assumida no âmbito do GATT» [acórdão Itália/Conselho (Arroz), já referido, n.° 20].

127   É à luz destes elementos que importa apreciar se a jurisprudência Nakajima é aplicável no caso vertente.

 Quanto à aplicação da jurisprudência Nakajima no caso vertente

 Argumentação das partes

128   A demandante alega que as condições de aplicabilidade da jurisprudência estão satisfeitas no caso vertente e, a esse respeito, insiste nas diferenças entre o presente processo e o que deu lugar ao acórdão Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido.

129   Em primeiro lugar, alega que a condição de aplicabilidade da jurisprudência Nakajima relativa à «intenção de cumprir» as regras da OMC está satisfeita. Sustenta que, quando, em 1998, a Comunidade decidiu modificar o regime de 1993, a sua intenção era dar cumprimento às decisões proferidas pelas instâncias da OMC.

130   A título de prova da intenção da Comunidade, a demandante invoca os seguintes elementos.

131   Primeiro, a demandante alega que, em 16 de Outubro de 1997, a Comunidade declarou numa reunião do ORL da OMC que «respeitaria plenamente as suas obrigações internacionais no que respeita a essa questão».

132   Segundo, a demandante invoca o preâmbulo do Regulamento n.° 1637/98 do Conselho que prevê:

«Considerando que é necessário proceder a um certo número de alterações do regime comercial com os países terceiros instaurado pelo título IV do Regulamento (CEE) n.° 404/93;

Considerando que há que respeitar os compromissos internacionais assumidos pela Comunidade no âmbito da [OMC], bem como em relação às partes co‑signatárias da Quarta Convenção ACP‑CE e, ao mesmo tempo, assegurar a realização dos objectivos da organização comum de mercado no sector das bananas.»

133   Terceiro, o artigo 20.°, alínea e), do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98, impõe à Comissão que adopte as «medidas necessárias para respeitar as obrigações decorrentes dos acordos concluídos pela Comunidade em conformidade com o artigo 228.° do Tratado».

134   Quarto, a demandante observa que os acordos da OMC são acordos celebrados pela Comunidade com base no artigo 300.° CE.

135   Quinto, a demandante recorda que, na sua exposição de motivos anexa à proposta que deu lugar à adopção do Regulamento n.° 1637/98, a Comissão declarou:

«(1) Numa decisão, o [ORL] da [OMC] declarou que certas disposições relativas às importações do organismo comum do mercado no sector das bananas violam as regras do GATT e do AGCS. As violações respeitam a licenças de importação, à repartição actual dos contingentes pautais e a outros aspectos do acordo‑quadro relativo às bananas, incluindo a emissão de licenças de exportação nos países signatários e certas quantidades fixadas para as importações tradicionais provenientes dos Estados ACP.

(2) Há outros aspectos da organização comum do mercado no sector das bananas que não são postos em causa. Compreendem a dimensão dos contingentes pautais e os direitos pautais dos contingentes ligados aos nossos compromissos com o GATT, a preferência por importações tradicionais e o tratamento pautal preferencial para as importações não tradicionais provenientes dos países ACP, bem como o mecanismo de auxílio aos produtores comunitários.

(3) Por conseguinte, deve ser pedido ao Conselho que modifique o Regulamento (CEE) n.° 404/93 no sentido de o tornar consentâneo com os nossos compromissos internacionais no quadro da OMC e da Quarta Convenção de Lomé, mantendo simultaneamente o apoio aos produtores comunitários e uma oferta adequada no mercado que respeite os interesses dos consumidores.»

136   Sexto, a demandante invoca o despacho do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1999, Van Parys e o./Comissão (T‑11/99, Colect., p. II‑2653, n.° 6), no qual foi declarado o seguinte:

«Após o [ORL] da OMC ter declarado incompatíveis com as regras da OMC certos aspectos do referido regime de importação de bananas na Comunidade, o Regulamento n.° 1637/98, bem como o Regulamento n.° 2362/98 foram adoptados com o objectivo, designadamente, de suprimir estas incompatibilidades.»

137   Sétimo, em 10 de Novembro de 1998, J. Santer, o então presidente da Comissão, tinha escrito ao então presidente Clinton, a propósito dos Regulamentos n.os 1637/98 e 2362/98:

«Na sequência da decisão do Órgão de Recurso da OMC, a União Europeia diligenciou no sentido de o seu regime de importação se tornar consentâneo com as regras da OMC até 1 de Janeiro de 1999.»

138   Oitavo, a demandante recorda que, em 27 de Janeiro de 1999, L. Brittan, então membro da Comissão responsável pela concorrência, declarou o seguinte em resposta à pergunta escrita P‑4069/1998 de Yvonne Sandberg‑Fries, membro do Parlamento (JO C 182, p. 188):

«A Comunidade pôs em prática as recomendações do [ORL] da [OMC] de 25 de Setembro de 1997 no processo das bananas, mediante a adopção das medidas necessárias para tornar o regime comunitário aplicável às bananas consentâneo com as regras da OMC. Em 20 de Julho de 1998, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 1637/98. Em 28 de Outubro de 1998, a Comissão adoptou o Regulamento n.° 2362/98. Estas medidas foram tomadas dentro do prazo razoável fixado, que expirou em 1 de Janeiro de 1999.»

139   Nono, a demandante recorda as declarações da Comissão na sua exposição de motivos de 10 de Novembro de 1999 anexa a uma proposta de modificação do Regulamento n.° 404/93 [COM(1999) 582, de 10 de Novembro de 1999], nos termos da qual:

«Na sequência de uma decisão adoptada em 1997 pelo [ORL] da [OMC], o Conselho adoptou, em 20 de Julho de 1998, o Regulamento n.° 1637/98, a fim de tornar os elementos do regime de importação considerados incompatíveis com as regras da OMC conformes com as obrigações da Comunidade relativamente à OMC, respeitando, simultaneamente, os outros objectivos da Comunidade.»

140   Décimo, a demandante alega que, num memorando de 10 de Novembro de 1999, apresentado pela Comunidade no processo «Estados Unidos – Medidas relativas à importação de certos produtos provenientes das Comunidades Europeias» que deu lugar ao relatório do grupo especial WT/DS165/R de 17 de Julho de 2000, a Comunidade declarou:

«3. O Conselho da União Europeia adoptou o Regulamento [n.° 1637/98]. O Regulamento n.° 1637/98 entrou em vigor em 31 de Julho de 1998 e tornou‑se aplicável a partir de 1 de Janeiro de 1999. Fazendo uso das competências delegadas que lhe foram atribuídas pelo Conselho, a Comissão Europeia adoptou o Regulamento [n.° 2362/98]. Este último entrou em vigor em 1 de Novembro de 1998 e tornou‑se aplicável na íntegra a partir de 1 de Janeiro de 1999.

4. As modificações introduzidas por estes regulamentos criaram um sistema de regras completamente novo, que abordam especificamente os elementos do regime precedente em matéria de bananas, o qual havia sido considerado incompatível com as regras da OMC no quadro do GATT e do AGCS.»

141   Décimo primeiro, a demandante recorda que, num documento público de 5 de Maio de 2000, relativo ao litígio em matéria de bananas, a Comissão declarou:

«Pascal Lamy indicou que a UE tinha uma política única na matéria, que é cumprir a decisão da OMC.»

142   Em segundo lugar, no que respeita à condição de aplicabilidade da jurisprudência Nakajima relativa à existência de uma «obrigação específica» assumida no quadro dos acordos da OMC, a demandante entende que está igualmente satisfeita. Após os diversos processos de resolução dos litígios no quadro da OMC, as obrigações da Comunidade à luz do direito da OMC no que respeita à atribuição dos certificados de importação e à repartição dos contingentes latino‑americanos eram claras e bem conhecidas. A Comunidade, mais particularmente a Comissão, não pode pretender acalentar dúvidas quanto à incompatibilidade das disposições da organização comum dos mercados no sector da banana com as regras da OMC.

143   A esse respeito, a demandante precisa que, nas circunstâncias do caso vertente, uma vez que a Comunidade teve intenção de cumprir uma decisão de resolução de um litígio adoptada pelas instâncias da OMC, essa decisão permite identificar a «obrigação específica» de que depende a segunda condição imposta pela jurisprudência Nakajima. A demandante precisa que uma decisão adoptada em conformidade com os procedimentos de resolução de litígios da OMC não é, em si, suficiente para a aplicação da jurisprudência Nakajima. Diversamente, quando esta última é aplicável, uma decisão de resolução de litígios tomada pela OMC constitui um guia de interpretação importante para o juiz comunitário que deve aplicar o direito da OMC. É, porém, excessivo, considerar, com base no n.° 20 do acórdão Atlanta/Comunidade Europeia, já referido, que uma decisão dessa natureza apenas pode ser tida em consideração pelo juiz comunitário quando assente numa disposição dos acordos da OMC com efeito directo. Efectivamente, essa apreciação está intimamente ligada ao facto de que, no acórdão Atlanta/Comunidade Europeia, já referido, a recorrente invocava o efeito directo dos acordos da OMC.

144   A demandante entende, além disso, que as disposições dos acordos da OMC desrespeitadas pelo Regulamento n.° 2362/98 se encontram claramente identificadas. Trata‑se do artigo XIII, n.° 2, do GATT de 1994 e dos artigos II e XVII do AGCS. A esse respeito, sublinha que a Comissão identificou claramente estas disposições na exposição de motivos que juntou à proposta de Regulamento n.° 1637/98, tal como foi anteriormente explicado. De igual modo, a demandante recorda que, num documento com o número 7163/98, de 2 de Abril de 1998, intitulado «Progress Report», o Conselho mencionou expressamente «a exigência fundamental de impedir todas as discriminações de facto e todas as discriminações de direito». Segundo a demandante, a expressão «discriminação de facto» remete directamente para as decisões do Órgão de Recurso e do grupo especial de 1997.

145   A demandante refere igualmente que o artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98, foi directamente inspirado no artigo XIII, n.° 2, do GATT de 1994, a tal ponto que até satisfaz a «exigência de incorporação» que a Comissão identifica entre as condições de aplicabilidade da jurisprudência Nakajima.

146   Em terceiro lugar, a demandante entende que o acórdão Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido, não põe em causa a aplicação, no caso vertente, da jurisprudência Nakajima. Recorda que, neste acórdão, o Tribunal de Primeira Instância declarou nos n.os 63 e 64:

«A este propósito, basta recordar que é só no caso de a Comunidade ter decidido cumprir uma determinada obrigação assumida no quadro da OMC ou de o acto comunitário remeter, de modo expresso, para disposições precisas dos acordos incluídos nos anexos do acordo OMC, que compete ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal de Primeira Instância fiscalizar a legalidade do acto comunitário em causa à luz das regras da OMC (v. acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 49).

Ora, nem os relatórios do grupo especial da OMC, de 22 de Maio de 1997, nem o relatório de 9 de Setembro de 1997 do Órgão de Recurso Permanente da OMC, adoptado em 25 de Setembro de 1997 pelo [ORL], continham obrigações específicas às quais a Comissão, no Regulamento n.° 2362/98, terá «decidido dar execução» na acepção da jurisprudência (v., no que respeita ao GATT de 1947, acórdão Nakajima, n.° 31). De igual modo, este último não remete expressamente para obrigações precisas que resultem dos relatórios dos órgãos da OMC nem para disposições precisas dos acordos incluídos nos anexos do acordo OMC.»

147   A demandante observa que, no n.° 63 desse acórdão, o Tribunal de Primeira Instância lembrou a regra decorrente dos acórdãos Nakajima e Fediol/Comissão, já referido, ao aludir à intenção da Comunidade. No n.° 64, o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a invocar a inexistência de intenção da Comissão, uma vez que, aparentemente, não lhe foi submetida qualquer outra questão. A demandante admite que, no acórdão Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido, o Tribunal de Primeira Instância tenha provavelmente chegado à conclusão correcta no que toca à intenção da Comissão. Sublinha, contudo, que, no caso vertente, não é a intenção da Comissão que está em causa, mas sim a da Comunidade: ao contrário da Comissão, esta última tinha indubitavelmente a intenção de cumprir as obrigações nascidas do direito da OMC quando adoptou o Regulamento n.° 1637/98.

148   A demandante sublinha que, no n.° 104 da contestação que apresentou no quadro da presente acção, a Comissão reconheceu expressamente que «a Comunidade tinha intenção de instaurar um regime da banana consentâneo com a totalidade das obrigações assumidas no quadro da OMC».

149   Além disso, a ora demandante sustenta que a demandante no processo que deu lugar ao acórdão Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido, não tinha invocado a aplicação da jurisprudência Nakajima, mas sim o princípio nemini licet venire contra factum proprium, e isso apenas na fase oral. A demandante não fornecera qualquer elemento de prova da intenção da Comunidade. Deste modo, o Tribunal de Primeira Instância não pôde tomar posição definitiva acerca dessa questão, ao passo que, no quadro da presente acção, a ora demandante afirma ter junto aos autos um conjunto de provas que permitem resolver a referida questão.

150   A Comissão refuta estes argumentos. Ao adoptar o regime de 1999, a Comunidade quis cumprir as suas obrigações assumidas no quadro do GATT e da OMC e não «executá‑las».

151   A Comissão alega que o Regulamento n.° 2362/98 não contém qualquer referência explícita a obrigações específicas nos termos do GATT ou da OMC, como o Tribunal de Primeira Instância pôde constatar no n.° 64 do acórdão Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido.

152   A Comissão sustenta que a jurisprudência Nakajima não é aplicável quando estão em causa medidas comunitárias tomadas para cumprir uma decisão do ORL. Efectivamente, após adopção de uma decisão ou recomendação do ORL ou de um grupo especial, o MRL deixa à parte vencida um leque de opções (compensação; suspensão de concessões; acordo), incluindo quando se trata de uma decisão de «execução» de um grupo especial. O MRL privilegia as soluções negociadas. Ora, aplicar a jurisprudência Nakajima numa situação dessa natureza equivaleria a negar qualquer margem de manobra à parte vencida. A parte adversária em nada seria incentivada a negociar tendo em vista uma solução mutuamente satisfatória, na medida em que teria a garantia de que os seus operadores poderiam obter compensações ou a anulação das medidas em causa recorrendo ao juiz comunitário. A aplicação directa dos acordos da OMC para contestar a validade de medidas comunitárias privaria de efeito as opções previstas pelo MRL (acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.os 38 a 40).

153   Por outro lado, quando a Comissão propõe uma compensação ou quando são suspensas concessões, o equilíbrio geral das concessões acordadas no quadro da OMC é restaurado. Nessas condições, a fixação de uma indemnização tem como consequência forçar a Comunidade a «pagar» duas vezes pela mesma incompatibilidade com as regras da OMC.

154   Acresce que a interpretação avançada pela demandante ignora a não existência de reciprocidade entre a Comunidade e as outras partes contratantes da OMC, aspecto este que foi salientado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Portugal/Conselho, já referido. Sublinha, em particular, que os Estados Unidos da América não deram cumprimento a diversas decisões de grupos especiais e do ORL [DS/136 Estados Unidos – Anti‑Dumping Act de 1916, DS/160 Estados Unidos – Section 110, n.° 5, do Copyright Act e DS/108 Estados Unidos – Foreign Sales Corporation], sem que os operadores comunitários possam instaurar uma acção de indemnização nos órgãos jurisdicionais americanos.

155   A Comissão sustenta que o acórdão Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido, enuncia, claramente, a respeito do Regulamento n.° 2362/98, que os relatórios do grupo especial e as decisões do ORL não continham obrigações específicas. Esta interpretação é confirmada no despacho OGT Fruchthandelsgesellschaft, já referido.

 Apreciação do Tribunal

156   Para determinar se o acto comunitário cuja legalidade é contestada foi adoptado com o objectivo de «executar uma obrigação específica assumida no quadro dos acordos da OMC», na acepção da jurisprudência Nakajima, é necessário examinar, caso a caso, por um lado, as características específicas desse acto e, por outro, as das prescrições pertinentes dos acordos da OMC invocados.

157    No caso vertente, nem as disposições comunitárias cuja legalidade é impugnada pela demandante nem as disposições dos acordos da OMC cuja violação a mesma invoca permitem concluir pela existência de uma intenção de executar uma obrigação específica no quadro da OMC, na acepção da jurisprudência Nakajima.

158   Relativamente aos acordos da OMC, a demandante invoca violação, pela Comunidade, do artigo XIII do GATT de 1994 e dos artigos II e XVII do AGCS, violação essa que foi dada como provada na decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997, no que respeita ao regime de 1993, e seguidamente no relatório do grupo especial de 6 de Abril de 1999 e na decisão dos árbitros de 9 de Abril de 1999, no que respeita a certas disposições do regime de 1999 contidas no Regulamento n.° 2362/98.

159   Todavia, essas disposições do GATT de 1994 e do AGCS não apresentam características que permitam concluir pela aplicabilidade da jurisprudência Nakajima. Efectivamente, o artigo XIII do GATT de 1994 («Aplicação não discriminatória de restrições quantitativas») e os artigos II («Tratamento da nação mais favorecida») e XVII («Tratamento nacional») do AGCS consagram princípios e obrigações que, tanto pelos seus termos como pela sua natureza e o seu alcance, revestem carácter geral. Estas disposições distinguem‑se, assim, nitidamente das dos códigos antidumping de 1979 e 1994. A esse respeito, basta recordar, por exemplo, que os preâmbulos dos Regulamentos n.os 3283/94 e 384/96 sublinhavam que o código antidumping de 1994 «contém regras novas e específicas, em especial no que se refere ao cálculo [da margem] do dumping, início e tramitação subsequente do processo de inquérito, incluindo o apuramento e o tratamento dos factos, criação de medidas provisórias, criação e cobrança de direitos antidumping, duração e reexame de medidas antidumping, bem como a divulgação das informações relativas aos inquéritos antidumping».

160   Além disso, nem o GATT de 1994 nem o AGCS impõem aos seus signatários uma obrigação de adaptação do respectivo direito nacional equivalente à que está prevista no artigo 16.°, n.° 6, alínea a), do código antidumping de 1979 e no artigo 18.°, n.° 4, do código antidumping de 1994.

161   Mesmo que a argumentação da demandante pudesse ser interpretada no sentido de que tem por objectivo invocar a violação, pela Comunidade, da sua obrigação de executar as recomendações ou decisões do ORL, não pode ser acolhida. Com efeito, embora a Comissão entenda que o MRL obriga – à luz do direito internacional – a parte vencida a tornar consentânea com os acordos da OMC uma medida declarada incompatível por uma decisão do ORL, essa obrigação de assegurar a conformidade de medidas internas face aos compromissos internacionais decorrentes dos acordos da OMC reveste‑se inegavelmente de carácter geral, que contrasta com as regras dos códigos antidumping. Consequentemente, a referida argumentação não pode ser acolhida para efeitos da aplicação da jurisprudência Nakajima.

162   Por outro lado, sem que seja necessário levantar a questão das eventuais consequências indemnizatórias que poderia ter para os particulares a inexecução, pela Comunidade, de uma decisão do ORL que declara a incompatibilidade de um acto comunitário com as regaras da OMC, questão esta que não foi expressamente suscitada pela demandante de forma autónoma relativamente à da aplicabilidade da jurisprudência Nakajima, basta sublinhar que o MRL não estabelece um mecanismo de resolução judicial dos litígios internacionais através de decisões com efeitos obrigatórios comparáveis aos de uma decisão jurisdicional nas ordens jurídicas internas dos Estados‑Membros. Efectivamente, o Tribunal de Justiça declarou que, interpretados à luz do seu objecto e da sua finalidade, os acordos da OMC não fixam os meios jurídicos adequados para garantir a sua execução de boa fé na ordem jurídica interna das partes contratantes. O Tribunal de Justiça sublinhou que, apesar do reforço do mecanismo de resolução dos litígios resultante dos acordos da OMC, nem por isso esse mecanismo deixa de reservar um papel importante à negociação entre as partes (acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 36). O Tribunal de Justiça acrescentou nos n.os 37 a 40:

«Embora o primeiro objectivo do [MRL] seja, em princípio, segundo o n.° 7 do artigo 3.° do memorando de entendimento sobre as regras e processos que regem a resolução dos litígios (anexo 2 do acordo OMC), a revogação das medidas em causa quando se verifique que são incompatíveis com as regras da OMC, este memorando prevê, no entanto, quando a sua revogação imediata for inexequível, a possibilidade de conceder uma compensação, a título provisório, enquanto se aguarda que a medida incompatível seja revogada.

É certo que, segundo o artigo 22, n.° 1, deste memorando, a compensação constitui uma medida temporária que pode ser adoptada no caso de as recomendações e as decisões do [ORL], previsto no artigo 2.°, n.° 1, do mesmo memorando, não serem executadas num prazo razoável, e que este mesmo artigo prefere, como forma de tornar uma medida conforme aos acordos OMC, a execução completa de uma recomendação.

Este artigo prevê, porém, no seu n.° 2, que, se um membro faltar à sua obrigação de cumprimento, num prazo razoável, dessas recomendações e decisões, se prontificará, se tal lhe for pedido e o mais tardar no termo do prazo razoável fixado, a negociar com qualquer outra parte que tenha accionado os processos de resolução dos conflitos, a fim de encontrar uma compensação que seja aceitável por ambas as partes.

Nestas condições, impor aos órgãos jurisdicionais a obrigação de recusar a aplicação de regras de direito internas incompatíveis com os acordos OMC teria como consequência privar os órgãos legislativos ou executivos das partes contratantes da possibilidade, prevista no artigo 22.° do referido memorando, de encontrarem, ainda que a título temporário, soluções negociadas.»

163   Esta conclusão não pode ser circunscrita às hipóteses em que o prazo razoável previsto no artigo 21.°, n.° 3, do MRL para a transposição das recomendações ou decisões do ORL ainda não tenha expirado.

164   Com efeito, impõe‑se concluir que, mesmo no termo desse prazo e após instauração de medidas de compensação ou de suspensão de concessões ao abrigo do artigo 22.° do MRL, o referido acordo continua a reservar um espaço importante à negociação entre as partes. A esse respeito, importa sublinhar que o artigo 21.°, n.° 6, do MRL prevê expressamente que, «a menos que o ORL decida noutro sentido, a questão da aplicação das recomendações ou decisões do ORL será inscrita na ordem do dia da reunião do ORL após um período de seis meses a seguir à data em que o prazo razoável previsto no n.° 3 tenha sido fixado e permanecerá inscrita na ordem do dia das reuniões do ORL até ser resolvida». De igual modo, quando o ORL autorize a suspensão de concessões ou de outras obrigações, o artigo 22.°, n.° 8, do MRL prevê que, nos termos do artigo 21.°, n.° 6, do MRL, «o ORL manterá sob vigilância a aplicação das recomendações ou decisões adoptadas». Esta disposição prevê igualmente que a «suspensão de concessões ou outras obrigações será temporária e só durará até que a medida considerada incompatível com o acordo em causa tenha sido eliminada, ou que o membro obrigado a aplicar as recomendações ou decisões tenha encontrado uma solução para a anulação ou redução de vantagens, ou que tenha surgido uma solução mutuamente satisfatória».

165   No caso vertente, deve referir‑se que o litígio que deu lugar à decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997 e ao relatório do grupo especial de 6 de Abril de 1999, seguidamente à autorização de suspensão de concessões em detrimento da Comunidade, ainda estava pendente, na data da propositura da presente acção, e inscrito na ordem do dia do ORL (v. n.° 39 supra).

166   Por conseguinte, o juiz comunitário não pode, sob pena de privar de efeito o artigo 21.°, n.° 6, do MRL, fiscalizar a legalidade dos actos comunitários em causa, em particular no quadro de uma acção de indemnização instaurada nos termos do artigo 235.° CE, enquanto a questão da execução das recomendações ou decisões do ORL não estiver resolvida, incluindo, como prevê o artigo 22.°, n.° 8, do MRL, «no caso de ter sido concedida uma compensação ou nos casos de suspensão de concessões ou outras obrigações, mas em que não tenham sido executadas recomendações no sentido de tornar uma medida consentânea com os acordos em causa» (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 2003, Biret International/Conselho, C‑93/02 P, Colect., p. I‑10497, n.° 62, e Biret e Cie/Conselho, C‑94/02 P, Colect., p. I‑10565, n.° 65).

167   No que respeita às características do Regulamento n.° 2362/98, os elementos de prova juntos aos autos pela demandante bem como os documentos e declarações da Comissão indicam que, aquando da adopção do regime de 1999, de que faz parte o Regulamento n.° 2362/98, a Comunidade pretendeu dar cumprimento às suas obrigações assumidas nos termos dos acordos da OMC, na sequência da decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997 (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Setembro de 1999, Fruchthandelsgesellschaft Chemnitz/Comissão, T‑254/97, Colect., p. II‑2743, n.° 26). Contudo, esses elementos não demonstram que a Comunidade tinha intenção de executar obrigações assumidas no quadro dos acordos da OMC, na acepção da jurisprudência Nakajima.

168   Efectivamente, as circunstâncias da adopção do Regulamento n.° 2362/98 não podem ser comparadas com as da adopção dos regulamentos antidumping de base à luz dos quais a jurisprudência Nakajima foi aplicada. O Regulamento n.° 2362/98 não garante a transposição para o direito comunitário de regras decorrentes de um acordo da OMC a fim de manter o equilíbrio dos direitos e das obrigações das partes nesse acordo. Foi por este motivo que o Tribunal de Primeira Instância declarou que «nem os relatórios do grupo especial da OMC, de 22 de Maio de 1997, nem o relatório de 9 de Setembro de 1997 do Órgão de Recurso Permanente da OMC, adoptado em 25 de Setembro de 1997 pelo [ORL], continham obrigações específicas às quais a Comissão, no Regulamento n.° 2362/98, terá ‘decidido dar execução’ na acepção da jurisprudência [Nakajima]» (acórdão Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido, n.° 64).

169   Além disso, as disposições do Regulamento n.° 2362/98 impugnadas pela demandante, que dizem respeito à distribuição dos certificados de importação e à repartição dos subcontingentes pautais nacionais, não reflectem um conjunto de regras novas e detalhadas decorrentes dos acordos da OMC, mas instauram medidas de gestão dos contingentes pautais adoptados no quadro da organização comum dos mercados no sector da banana. Efectivamente, o Tribunal de Justiça declarou que «a organização comum de mercado no sector da banana, tal como esta foi instituída pelo Regulamento n.° 404/93 e posteriormente alterada, não visa assegurar a execução na ordem jurídica comunitária de uma obrigação determinada assumida no quadro do GATT» (despacho OGT Fruchthandelsgesellschaft, já referido, n.° 28).

170   Tendo em conta as considerações precedentes, deve concluir‑se que, ao adoptar o regime de 1999, em particular o Regulamento n.° 2362/98, a Comunidade não pretendeu executar uma obrigação específica assumida no quadro dos acordos da OMC, na acepção da jurisprudência Nakajima. Consequentemente, a demandante não pode invocar a violação, pela Comunidade, das obrigações que lhe incumbem por força dos acordos da OMC.

171   Daqui decorre que, com o seu primeiro fundamento, a demandante não demonstrou a existência de um comportamento ilegal de natureza a desencadear a responsabilidade da Comunidade.

3.     Quanto ao segundo fundamento, relativo a violação do mandato conferido pelo Conselho à Comissão para executar o Regulamento n.° 1637/98

 Argumentação das partes

172   Segundo a demandante, a Comissão excedeu os limites do mandato que lhe foi conferido pelo Conselho tendo em vista a execução do Regulamento n.° 1637/98. Ao adoptar este regulamento, o Conselho teve indubitavelmente intenção de executar as obrigações decorrentes dos acordos da OMC. A este respeito, a demandante recorda que o artigo 20.° do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98, prevê o seguinte:

«A Comissão adoptará as normas de execução do presente título de acordo com o processo previsto no artigo 27.° Estas normas incluirão, nomeadamente: […] e) as medidas necessárias para respeitar as obrigações decorrentes dos acordos concluídos pela Comunidade em conformidade com o artigo 228.° [do Tratado CE (actual artigo 300.° CE)].»

173   Quanto à distribuição dos certificados de importação, a Comissão, no exercício do seu poder de execução ao abrigo do artigo 19.° do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98, ignorou a vontade do Conselho, que era assegurar a compatibilidade da organização comum dos mercados no sector da banana com os acordos da OMC. A Comissão não se contentou em retocar de forma superficial o regime de 1993 mantendo, simultaneamente, nas suas grandes linhas, o sistema de distribuição dos certificados de importação. Ora, essas ligeiras modificações tinham sido declaradas incompatíveis com o direito da OMC pelo relatório do grupo especial de 6 de Abril de 1999.

174   Quanto à repartição dos contingentes por país, a demandante sustenta que a Comissão ignorou igualmente a vontade do Conselho e, portanto, infringiu os limites do seu mandato. Sublinha que, no artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98, o Conselho aludiu implicitamente às disposições já referidas do artigo XIII, n.° 2, alínea d), do GATT de 1994, que prevê duas hipóteses em que um membro da OMC pode dividir um contingente pautal em subcontingentes nacionais, a saber, por via de um acordo com os Estados em causa ou, unilateralmente, com base num «período representativo». Insiste no facto de se tratar de uma mera possibilidade. A Comunidade não é obrigada a introduzir subcontingentes nacionais, contrariamente ao que Comissão afirmou no segundo considerando do Regulamento n.° 2362/98, nos termos do qual, caso não tenha chegado a acordo com os quatro principais Estados fornecedores de bananas, «a Comissão fica autorizada a proceder a essa repartição [dos contingentes pautais]». Quanto ao carácter representativo do período de referência, a demandante alega, no essencial, que a Comissão não podia ignorar que os anos de 1994 a 1996 não convinham, uma vez que eram considerados não representativos pela decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997.

175   Além disso, a demandante entende que a Comissão se absteve de informar o Conselho das suas intenções, facto este do qual diversas delegações nacionais se tinham queixado aquando dos trabalhos preparatórios do Regulamento n.° 2362/98. Afirma que a participação do comité de gestão da banana no processo de adopção do Regulamento n.° 2362/98 não pode equivaler a um consentimento do Conselho.

176   Por outro lado, a demandante considera que o mandato do Conselho cuja violação invoca constitui uma regra jurídica destinada a proteger os particulares cuja violação é susceptível de desencadear a responsabilidade da Comunidade. Reconhece que a regra segundo a qual a Comissão é obrigada a respeitar os limites do seu mandato ao exercer os poderes que lhe foram delegados se destina a proteger o equilíbrio institucional entre a Comissão e o Conselho (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1992, Vreugdenhil/Comissão, C‑282/90, Colect., p. I‑1937). Precisa, porém, que não invoca essa regra in abstracto, mas à luz dos termos do mandato do Conselho enunciados no Regulamento n.° 1637/98. Ora, resulta desses termos que o objectivo do Conselho era criar um regime compatível com as regras da OMC. Por conseguinte, esse mandato destinava‑se directamente a melhorar a situação da demandante, isto é, destinava‑se à protecção dos direitos dos particulares.

177   A Comissão contrapõe que não excedeu os limites do seu poder de execução quando adoptou o Regulamento n.° 2362/98. Agiu em conformidade com o artigo 27.° do Regulamento n.° 404/93, após ter devidamente notificado o Conselho de Ministros da Agricultura de Junho de 1998.

178   Sublinha que o artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 404/93 prevê que o contingente pautal seja repartido entre países fornecedores. Este artigo prevê expressamente que a «Comissão fica autorizada [...] a repartir os contingentes pautais» de forma unilateral, quando não seja possível chegar a acordo com os países terceiros. A este respeito, a Comissão invoca o sétimo considerando do Regulamento n.° 1637/98, precisando que, para este efeito, se deverá «utilizar um critério único para determinar os Estados produtores seriamente interessados […] a fim de proceder à repartição dos contingentes pautais». O facto de o Conselho ter autorizado a Comissão a negociar com países fornecedores e adoptado directivas com esse fim contraria a alegação da demandante.

179   Alega que, em qualquer caso, este fundamento é desprovido de pertinência, pois a demandante reconheceu, no n.° 156 da réplica, que a Comissão podia introduzir uma chave de repartição por país.

180   Por último, a Comissão sustenta que o mandato do Conselho e a repartição das competências entre este último e a Comissão não constituem uma regra para a «protecção dos particulares», como o Tribunal de Justiça declarou no seu acórdão Vreugdenhil/Comissão, já referido (n.os 20 e 21). Qualquer responsabilização da Comunidade a título do presente fundamento deve, portanto, ser excluída.

 Apreciação do Tribunal

181   No que toca à questão de saber se, ao adoptar o Regulamento n.° 2362/98, a Comissão excedeu os limites da competência que lhe havia sido delegada pelo Conselho, deve recordar‑se que o sistema de repartição de competências entre as diferentes instituições da Comunidade tem por objectivo assegurar o respeito pelo equilíbrio institucional previsto pelo Tratado e não conferir direitos aos particulares. Consequentemente, o desrespeito pelo equilíbrio institucional não basta, por si só, para ocasionar a responsabilidade da Comunidade perante os operadores económicos interessados (acórdão Vreugdenhil/Comissão, já referido, n.os 20 e 21).

182   Em qualquer caso e em conformidade com o que foi anteriormente decidido a propósito do primeiro fundamento, devem ser rejeitadas as alegações em que a demandante procura invocar directamente as incompatibilidades de certas disposições do Regulamento n.° 2362/98 com os acordos da OMC que se conclui existirem. Efectivamente, uma vez que a jurisprudência Nakajima não é aplicável no caso vertente, a demandante não pode invocar a incompatibilidade das regras de distribuição dos certificados de importação e de repartição dos contingentes nacionais com os acordos da OMC.

183   Por outro lado, no que toca à questão de saber se a Comissão violou os termos do mandato que lhe tinha sido conferido pelo Conselho, por um lado, ao abrigo do artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98, para a repartição dos subcontingentes pautais nacionais e, por outro, ao abrigo do artigo 19.°, n.° 1, e do artigo 20.° do referido regulamento, para a adopção das normas de gestão dos contingentes pautais, em particular, a distribuição dos certificados de importação, importa recordar que, nos termos do artigo 211.°, quarto travessão, CE, a Comissão exerce as competências que o Conselho lhe confere para a execução das regras que estabelece, tendo em vista assegurar o funcionamento e o desenvolvimento do mercado comum. Segundo jurisprudência constante, resulta da economia do Tratado, na qual esse artigo deve ser colocado, bem como das exigências da prática, que o conceito de execução deve ser interpretado de modo lato. Sendo a Comissão a única que está em condições de seguir de modo constante e atento a evolução dos mercados agrícolas e a agir com a urgência exigida pela situação, o Conselho pode ser levado, neste domínio, a conferir‑lhe amplos poderes. Consequentemente, os limites destes poderes devem ser apreciados, nomeadamente, em função dos objectivos gerais essenciais da organização do mercado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1995, Países Baixos/Comissão, C‑478/93, Colect., p. I‑3081, n.° 30, e de 30 de Setembro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑239/01, Colect., p. I‑10333, n.° 54).

184   Assim, o Tribunal de Justiça decidiu que, em matéria agrícola, a Comissão está autorizada a adoptar todas as medidas de aplicação necessárias ou úteis para implementação da regulamentação de base, desde que não sejam contrárias a esta ou à regulamentação de aplicação do Conselho (acórdão Países Baixos/Comissão, já referido, n.° 31, e Alemanha/Comissão, já referido, n.° 55).

185   No caso vertente, deve sublinhar‑se que o Conselho obrigou a Comissão a adoptar medidas de gestão dos contingentes pautais que obedecessem ao método das correntes de comércio tradicionais (artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98). Ao mesmo tempo, o Conselho impôs à Comissão que adoptasse «[a]s medidas necessárias para respeitar as obrigações decorrentes dos acordos concluídos pela Comunidade em conformidade com o artigo [300.° CE]». A demandante não provou que a Comissão tivesse excedido manifestamente os limites do poder de apreciação que lhe era conferido pelo Conselho quando procurou conciliar esses objectivos mediante a adopção de medidas de distribuição dos certificados de importação e de repartição dos contingentes nacionais.

186   Quanto à regularidade do processo de adopção do Regulamento n.° 2362/98, a demandante não demonstrou a existência de irregularidades substanciais. Pelo contrário, resulta dos documentos da Comissão, em particular da acta sumária da 96.a reunião do comité de gestão da banana de 16 de Outubro de 1998, que o comité mencionado no artigo 27.° do Regulamento n.° 404/93 foi efectivamente consultado tendo em vista a adopção do Regulamento n.° 2362/98.

187   Daqui decorre que, com o seu segundo fundamento, a demandante não demonstrou a existência de um comportamento ilegal de natureza a desencadear a responsabilidade da Comunidade.

4.     Quanto ao terceiro fundamento, relativo a violações de princípios gerais do direito comunitário

188   O presente fundamento subdivide‑se em três vertentes, assentes em violação, respectivamente, dos princípios da não discriminação, do livre exercício de uma actividade económica e da proporcionalidade.

 Quanto à primeira vertente, relativa ao princípio da não discriminação

 Quanto à admissibilidade

–       Argumentação das partes

189   A Comissão entende que esta primeira vertente, como exposta na petição, não respeita as exigências do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo. Com efeito, a demandante não precisa em que é que consiste a discriminação invocada, limitando‑se a remeter para a sua descrição do regime de 1993. Por conseguinte, esta parte da argumentação da demandante é inadmissível.

190   A demandante sustenta que a presente vertente é admissível, pois a petição está, quanto a este aspecto, em conformidade com o artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo. Considera ter claramente exposto, nos n.os 25 a 28 da petição, as diferenças de tratamento entre operadores na vigência do regime de 1993 e, nos n.os 66 a 69 da mesma, o agravamento dessa discriminação sob o regime de 1999.

–       Apreciação do Tribunal

191   Nos termos dos princípios anteriormente recordados, o artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo exige, para que uma acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que a mesma se baseia resultem, pelo menos de uma forma sumária, mas coerente e compreensível, do texto da própria petição.

192   No caso vertente, a demandante indicou (n.° 95 da petição) que a violação do princípio da não discriminação «se deduz claramente do facto de que o regime em matéria de bananas foi criado para discriminar a demandante e para reduzir substancialmente a dimensão das suas actividades comerciais no seio da Comunidade». Além disso, a demandante referiu explicitamente os n.os 25 a 28 da petição, os quais contêm não apenas uma descrição do regime de 1993, mas também uma crítica no sentido de que o objecto deste regime consistia, no essencial, em enfraquecer a posição económica das grandes sociedades multinacionais activas no mercado das bananas, em geral, e da demandante, em particular. Por outro lado, a demandante explicou claramente (v., em especial, n.os 66 a 98 da petição) que, longe de alterar o regime de 1993 a fim de eliminar as incompatibilidades com o direito da OMC mencionadas pelo ORL na sua decisão de 25 de Setembro de 1997, o regime de 1999, em particular o Regulamento n.° 2362/98, mais não fez do que perpetuar os vícios que afectavam o regime anterior. Por consequência, os termos da petição são suficientemente claros e precisos para permitir à Comissão preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir sobre esta primeira vertente.

193   Por conseguinte, as passagens da petição consagradas a esta primeira vertente são consentâneas com as exigências do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, pelo que os argumentos da Comissão devem ser rejeitados.

194   Daqui decorre que esta primeira vertente do terceiro fundamento é admissível.

 Quanto ao mérito

–       Argumentação das partes

195   A demandante alega, no essencial, que, após se ter tornado evidente que os contingentes pautais eram suficientes para promover as bananas comunitárias e ACP, competia à Comunidade reformar o regime de 1993 no que respeita à distribuição dos certificados de importação, aspectos estes descritos como «rígido» e «oneroso» pelo advogado‑geral C. Gulmann, nas conclusões no processo Alemanha/Conselho (Bananas) (Colect., p. I‑4980). Ao adoptar o Regulamento n.° 2362/98, a Comissão optou, contudo, por um regime que aumentou, por um lado, as vantagens económicas conferidas aos operadores da antiga categoria B e, por outro, os inconvenientes impostos aos antigos importadores primários pertencentes à antiga categoria A, como a demandante (v. exposição sumária dos fundamentos supra).

196   A demandante considera que a violação do princípio da não discriminação se deduz directamente do objectivo prosseguido pela organização comum dos mercados no sector da banana. Efectivamente, o regime de 1999 mais não fez do que dar continuidade ao regime de 1993, cujo objectivo confessado era diminuir substancialmente as actividades da demandante na Comunidade, em benefício dos operadores comunitários.

197   No acórdão Alemanha/Conselho (Bananas), o Tribunal de Justiça entendeu que o regime de 1993 podia potencialmente violar o princípio da não discriminação. Contudo, excluiu essa violação após ter concluído que o regime de 1993 instaurara um equilíbrio aceitável entre os interesses das diferentes categorias de operadores em causa. No n.° 74 desse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a diferença de tratamento entre operadores era «inerente ao objectivo de uma integração de mercados até então compartimentados». O Tribunal de Justiça confirmou este raciocínio nos n.os 63 a 65 do acórdão de 10 de Março de 1998, Alemanha/Conselho (C‑122/95, Colect., p. I‑973).

198   No caso vertente, a situação é diferente. O regime de 1999 foi adoptado cinco anos após a integração dos mercados realizada com a criação, em 1993, da organização comum dos mercados no sector da banana. Durante esse período, os operadores comunitários e ACP tiveram ocasião de aproveitar as vantagens concorrenciais que lhes eram oferecidas. Por conseguinte, a justificação fundamental apresentada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Alemanha/Conselho (Bananas) para afastar a existência de uma discriminação deixou de existir, no caso vertente, no momento da adopção do regime de 1999.

199   A demandante é de opinião que a simples transposição da análise efectuada no acórdão Alemanha/Conselho (Bananas) para as circunstâncias do caso vertente equivaleria a considerar que a diferença de situação entre operadores sob o regime de 1993 dada como provada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Alemanha/Conselho (Bananas) existia ainda sob o regime de 1999. Isto pressupõe ainda que o regime de 1999 seja, de facto, a continuação do regime de 1993. Ora, a demandante sublinha que a Comissão sustenta ao contrário que o regime de 1999 é totalmente diverso do regime de 1993. Se assim fosse, não seria possível transpor a solução do acórdão Alemanha/Conselho (Bananas) para o regime de 1999.

200   Em qualquer caso, a demandante sustenta que é manifesto que os operadores não se encontravam na mesma situação antes do regime de 1993 e na vigência do regime de 1999. A partir do acórdão Alemanha/Conselho (Bananas), o mercado mudou profundamente. Antes de 1993, os operadores que iam seguidamente integrar a categoria B não podiam, em certos países, importar bananas da América Latina sem restrições. A demandante sustenta que, no acórdão Alemanha/Conselho (Bananas), o Tribunal de Justiça considerou que, em razão desta situação desvantajosa, podiam ser tratados de forma diferente. As vantagens que lhes foram, deste modo, concedidas tiveram profundas repercussões no mercado. Sob o regime de 1993, numerosos operadores da categoria A adquiriram operadores da categoria B para obterem os seus certificados de importação. Inversamente, certos operadores da categoria B procuraram estender a sua actividade ao sector das bananas latino‑americanas mediante a aquisição de operadores da categoria A.

201   Por outro lado, a demandante rejeita a tese de que a cristalização do regime de 1993 não podia ser considerada discriminatória por certos importadores primários pertencentes à categoria A terem tomado o controlo de operadores da categoria B e adquirido, desta forma, certificados de importação. Sublinha que este argumento já foi, com efeito, rejeitado, no quadro da OMC, pela decisão dos árbitros de 9 de Abril de 1999 (ponto 5.69). Esta reacção dos importadores primários constituía a consequência normal e directa das medidas discriminatórias que lhes eram impostas.

202   Por último, a demandante é de opinião que as razões que conduziram o Tribunal de Primeira Instância a rejeitar, no acórdão Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido, o fundamento assente em discriminação, invocado contra o Regulamento n.° 2362/98, não são aplicáveis no caso vertente. O fundamento em causa no processo que deu lugar àquele acórdão respeitava a uma alegada discriminação entre pequenas empresas e empresas multinacionais. Uma vez que este aspecto não tem qualquer relação com o presente caso, a demandante considera que o acórdão Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido, carece de pertinência quanto a este ponto.

203   A Comissão rejeita estas alegações. A jurisprudência já afirmou claramente que a restrição à faculdade de importar bananas países terceiros é inerente à instituição de uma organização comum dos mercados no sector da banana e rejeitou os fundamentos baseados no carácter discriminatório dos regimes de 1993 e de 1999 [acórdãos Alemanha/Conselho (Bananas), n.° 82, e Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido, n.° 81].

204   A Comissão contesta a distinção que a demandante procura introduzir entre a situação que existia na época dos factos do processo que deu lugar ao acórdão Alemanha/Conselho (Bananas) e a do caso vertente. Contesta igualmente a pertinência, no caso vertente, das conclusões do advogado‑geral C. Gulmann no processo Alemanha/Conselho (Bananas), já referidas.

205   Relativamente à pertinência das decisões da OMC quanto ao carácter discriminatório do regime de 1999, a Comissão alega que o próprio conceito de «discriminação» no direito da OMC não é idêntico ao do direito comunitário. Uma diferença de tratamento que não é mais do que uma consequência automática dos diferentes tratamentos de que são objecto as importações de países terceiros não pode ser considerada discriminatória (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 1982, Faust/Comissão, 52/81, Recueil, p. 3745, n.° 25).

–       Apreciação do Tribunal

206   A argumentação segundo a qual o regime de 1999 visava favorecer os operadores comunitários especializados no negócio das bananas de origem comunitária ou ACP em detrimento da demandante não pode ser acolhida.

207   No que diz respeito à alegada discriminação entre, por um lado, os operadores especializados no negócio de bananas de origem latino‑americana e, por outro, os operadores especializados no negócio de bananas de origem comunitária ou ACP, deve recordar‑se que, mesmo supondo que a situação dessas categorias de operadores económicos tenha podido ser afectada de modo diferente pelo Regulamento n.° 2362/98, isso não constitui um tratamento discriminatório, na medida em que tal tratamento se mostra inerente ao objectivo da integração de mercados na Comunidade [v., neste sentido, acórdãos Alemanha/Conselho (Bananas), n.° 74, e Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido, n.° 75].

208   Com efeito, antes da criação da organização comum dos mercados no sector da banana, a situação entre estas duas categorias de operadores não era comparável. Segundo o Tribunal de Justiça, «o sector das bananas a nível da Comunidade [caracterizava‑se] pela coexistência de mercados nacionais abertos, sujeitos a regras ainda por cima divergentes, e de mercados nacionais protegidos». Assim, segundo o Tribunal de Justiça:

«Nos mercados nacionais abertos, os operadores económicos podiam abastecer‑se em bananas países terceiros sem estarem sujeitos a restrições quantitativas. Os importadores no mercado alemão beneficiavam mesmo de uma isenção de direitos aduaneiros dentro de um contingente regularmente ajustado com base no protocolo das bananas. Em contrapartida, nos mercados nacionais protegidos, os operadores económicos que comercializavam bananas comunitárias e tradicionais ACP tinham a garantia de poder escoar os seus produtos sem se exporem à concorrência dos distribuidores de bananas países terceiros mais competitivas. […] [O] preço de venda das bananas comunitárias e ACP excedia, com efeito, sensivelmente o das bananas países terceiros» [acórdão Alemanha/Conselho (Bananas), n.os 70 a 72].

209   Embora as referidas categorias de operadores económicos tenham sido afectadas de forma diferente pelo regime de 1993, o Tribunal de Justiça considerou que «[t]al tratamento diferenciado surge, todavia, como inerente ao objectivo de uma integração de mercados até então compartimentados, tendo em conta a situação diferente em que se encontravam as diferentes categorias de operadores económicos antes da instituição da organização comum de mercado». O Tribunal de Justiça considerou igualmente que «[o] regulamento [n.° 404/93] visa, com efeito, garantir o escoamento da produção comunitária e da produção tradicional ACP, o que implica que se estabeleça um certo equilíbrio entre as duas categorias de operadores económicos» [acórdão Alemanha/Conselho (Bananas), n.° 74].

210   A demandante alega, no essencial, que as circunstâncias que conduziram o Tribunal de Justiça a esta conclusão deixaram de se verificar no que toca à adopção do regime de 1999, uma vez que o objectivo de integração dos mercados abertos e dos mercados protegidos foi largamente atingido. Invoca, a este respeito, uma declaração da Comissão segundo a qual «[o]s objectivos fundamentais da [organização comum dos mercados] foram atingidos em grande medida e, em especial, a fusão de diversos mercados nacionais num só mercado único, o equilíbrio quantitativo do abastecimento do mercado, um nível de preços equitativo para os consumidores e para os produtores comunitários e ACP» [Relatório especial n.° 7/2002 do Tribunal de Contas, relativo à boa gestão financeira da organização comum de mercado no sector das bananas, acompanhado das respostas da Comissão, p. 27 (JO 2002, C 294, p. 1), a seguir «relatório do Tribunal de Contas»]. Invoca igualmente um relatório de peritagem do gabinete de Arthur D. Little de 22 de Junho de 1995, encomendado pela Comissão (a seguir «relatório Arthur D. Little»).

211   É verdade que, após a criação da organização comum dos mercados no sector da banana e durante os cinco anos em que o regime de 1993 se manteve em vigor, o mercado comunitário da banana sofreu importantes transformações, como comprovam tanto as declarações da Comissão que figuram no relatório do Tribunal de Contas como o relatório Arthur D. Little. Este último (pp. 46 e 47) refere, nomeadamente, que a «instauração da organização comum do mercado permitiu descompartimentar os mercados nacionais e conduziu a uma explosão do comércio intracomunitário» e, além disso, «permitiu uma penetração das bananas latino‑americanas em países tradicionalmente protegidos, através da supressão das restrições à importação e da possibilidade oferecida aos operadores da categoria B de importar bananas dólares». Quanto ao objectivo da organização comum dos mercados que respeita ao escoamento das bananas de origem comunitária e ACP, o mesmo relatório assinala que a sua produção «esboça um início de penetração na Europa do Norte» e que este fenómeno de «confusão crescente das importações por origem em cada país traduz uma outra faceta da emergência de um verdadeiro mercado único».

212   Todavia, esta evolução do sector das bananas resultante da organização comum do mercado instituída pelo Regulamento n.° 404/93 não pode pôr em causa as opções legislativas operadas aquando da adopção do regime de 1999, nomeadamente o tratamento diferenciado reservado a cada categoria de operadores. Embora as normas de funcionamento da organização comum dos mercados resultantes dos regimes de 1993 e de 1999 difiram, os objectivos de integração dos mercados nacionais e de escoamento das bananas de origem comunitária e ACP mantêm‑se. As disposições do Regulamento n.° 1637/98 não modificaram, com efeito, estes objectivos, limitando‑se, no que toca ao regime das trocas comerciais com os países terceiros (título IV do Regulamento n.° 404/93), a reformar as respectivas normas de funcionamento. Por consequência, na vigência do regime de 1999, o tratamento diferenciado entre operadores especializados no negócio das bananas latino‑americanas e operadores especializados no negócio das bananas comunitárias e ACP continua a ser inerente aos objectivos da organização comum dos mercados da banana. Nestas circunstâncias, o tratamento diferenciado reservado às diferentes categorias de operadores não constitui violação do princípio da não discriminação susceptível de desencadear a responsabilidade da Comunidade.

213   Quanto aos argumentos da demandante baseados nas discriminações indicadas na decisão dos árbitros de 9 de Abril de 1999 a propósito de certas disposições do Regulamento n.° 2362/98, resulta das apreciações desenvolvidas acerca do primeiro fundamento que a demandante não pode invocar a violação das regras dos acordos da OMC, uma vez que as condições de aplicação da jurisprudência Nakajima não estão reunidas no caso vertente. Em qualquer caso, a Comissão alega, com razão, que as discriminações mencionadas pelos árbitros respeitam, por um lado, ao tratamento reservado aos distribuidores de bananas estabelecidos fora da Comunidade relativamente aos seus concorrentes estabelecidos no interior da Comunidade e, por outro, à repartição dos subcontingentes pautais nacionais entre certos países da América Latina. Não se trata, por conseguinte, de situações susceptíveis de serem abrangidas pelo âmbito do princípio comunitário da igualdade de tratamento (v., neste sentido, acórdão Faust/Comissão, já referido, n.° 25).

214   Consequentemente, deve concluir‑se que, atendendo à larga margem de apreciação de que dispunha, a Comissão não cometeu uma violação do princípio da não discriminação susceptível de desencadear a responsabilidade da Comunidade.

215   Por conseguinte, esta primeira vertente não pode ser acolhida.

 Quanto à segunda vertente, relativa ao livre exercício de uma actividade económica

 Argumentação das partes

216   A demandante considera que a violação do princípio do livre exercício de uma actividade económica se deduz directamente do objectivo prosseguido pela organização comum dos mercados no sector da banana. No acórdão Alemanha/Conselho (Bananas), o Tribunal de Justiça concluiu, no n.° 87, que o regime de 1993 não violava este princípio. Todavia, a demandante alega que a situação existente na época dos factos do processo que deu lugar a este acórdão é diferente da que existia na vigência do regime de 1999.

217   Além disso, a demandante insiste no facto de, no acórdão Alemanha/Conselho (Bananas), o Tribunal de Justiça se ter igualmente baseado no equilíbrio dos interesses em presença para apreciar o fundamento assente numa violação do princípio do livre exercício de uma actividade económica. Efectivamente, o Tribunal de Justiça examinou «se as restrições introduzidas pelo [regime de 1993] correspond[iam] a objectivos de interesse geral comunitário e não atenta[vam] contra a própria substância desse direito».

218   Alega que os objectivos do regime de 1999 são, por um lado, a promoção das bananas comunitárias e ACP e, por outro, a compatibilidade da organização comum dos mercados no sector da banana com as regras da OMC. Ora, no regime de 1999, tanto o mecanismo de distribuição dos certificados de importação como a repartição por país são alheios a estes objectivos. Contudo, esses dois elementos restringem a liberdade da demandante de prosseguir a sua actividade económica de uma forma mais intensa do que fazia no regime anterior. Daqui decorre, à luz das apreciações do Tribunal de Justiça nos n.os 82 a 86 do acórdão Alemanha/Conselho (Bananas), que o Regulamento n.° 2362/98 rompe o equilíbrio entre o interesse geral da Comunidade e o interesse particular da demandante.

219   A Comissão refuta estas alegações. A demandante despreza o objectivo de integração dos mercados prosseguido pelo regime de 1999. A jurisprudência já rejeitou fundamentos semelhantes [acórdão Alemanha/Conselho (Bananas), n.° 82, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 1996, Atlanta e o./Comunidade Europeia, T‑521/93, Colect., p. II‑1707, n.os 62 a 64].

 Apreciação do Tribunal

220   Importa recordar que podem ser introduzidas restrições ao livre exercício de uma actividade económica, designadamente no âmbito de uma organização comum dos mercados, na condição de que tais restrições respondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não constituam, à luz do objectivo prosseguido, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria essência dos direitos desse modo garantidos (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1989, Schraeder, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 15). Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que a ofensa ao livre exercício das actividades profissionais dos operadores tradicionais de bananas países terceiros operada pelo Regulamento n.° 404/93 corresponde a objectivos de interesse geral comunitário e não afecta a própria essência desse direito [acórdão Alemanha/Conselho (Bananas), já referido, n.° 87].

221   Ora, como se concluiu no quadro da primeira vertente do presente fundamento, o regime de 1999 prossegue, sem os modificar, os objectivos de interesse geral do Regulamento n.° 404/93, a saber, a integração dos mercados nacionais e o escoamento das bananas de origem comunitária e ACP. À luz destes objectivos, deve considerar‑se que a evolução das condições económicas resultantes da entrada em vigor da organização comum dos mercados no sector da banana, invocada pela demandante, não permite concluir pela existência de uma ofensa intolerável aos direitos desta última que não responde aos referidos objectivos de interesse geral.

222   Por outro lado, deve referir‑se que, no regime de 1999, para dar cumprimento às suas obrigações gerais assumidas no quadro da OMC, a Comunidade suprimiu as categorias e funções por actividade dos operadores e aumentou a quantidade de certificados disponíveis para os novos operadores, ao mesmo tempo que conservou o método das correntes de comércio tradicionais dito «operadores tradicionais/novos operadores» (artigo 19, n.° 1, do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98).

223   Por conseguinte, a segunda vertente deve ser julgada improcedente.

 Quanto à terceira vertente, relativa ao princípio da proporcionalidade

 Argumentação das partes

224   A demandante sustenta que, segundo o acórdão Alemanha/Conselho (Bananas), o Regulamento n.° 2362/98 só pode ser criticado à luz do princípio da proporcionalidade na hipótese de as medidas que executa serem «manifestamente inapropriadas» para realizar o objectivo prosseguido. No caso vertente, o Regulamento n.° 2362/98 é manifestamente inapropriado relativamente aos objectivos do regime de 1999 que são, por um lado, a compatibilidade com as regras da OMC e, por outro, a promoção das bananas ACP e comunitárias. Com efeito, os sistemas de distribuição dos certificados e de repartição por país foram julgados pela OMC incompatíveis com as regras do GATT de 1994 e do AGCS. Além disso, essas medidas favorecem menos as bananas comunitárias e ACP do que certos negociantes comunitários que puderam beneficiar da concessão de certificados de importação. Consequentemente, o Regulamento n.° 2362/98 viola o princípio da proporcionalidade.

225   A Comissão entende que esta argumentação está estreitamente ligada ao fundamento baseado na incompatibilidade com o direito da OMC; esta argumentação é, pois, desprovida de pertinência. De resto, o regime de 1999 não infringe o princípio da proporcionalidade. Este regime inscreve‑se no quadro de uma política destinada a favorecer a produção de bananas comunitárias e ACP. Tanto as regras de distribuição dos certificados de importação como as relativas à repartição por país prosseguem este objectivo.

 Apreciação do Tribunal

226   A título liminar, há que rejeitar os argumentos da demandante assentes na incompatibilidade do Regulamento n.° 2362/98 com os acordos da OMC, em conformidade com o que foi declarado no quadro do primeiro fundamento.

227   Seguidamente, importa recordar que, para definir se uma disposição de direito comunitário é conforme ao princípio da proporcionalidade, é necessário verificar se os meios que utiliza são adequados à realização do objectivo prosseguido e se não vão além do necessário para o atingir (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Affish, C‑183/95, Colect., p. I‑4315, n.° 30).

228   Em matéria de política agrícola comum, o legislador comunitário dispõe de um amplo poder de apreciação correspondente às responsabilidades políticas que os artigos 34.° CE e 37.° CE lhe atribuem. Efectivamente, o Tribunal de Justiça declarou que só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada neste domínio, relativamente ao objectivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afectar a legalidade de tal medida. Esta limitação da fiscalização jurisdicional impõe‑se particularmente se, na realização de uma organização comum dos mercados, o Conselho e a Comissão forem levados a efectuar arbitragens entre interesses divergentes e a fazer, assim, opções no âmbito das decisões políticas que se prendem com as suas responsabilidades próprias [acórdão Alemanha/Comissão (Bananas), n.os 89 e 91].

229   No que toca à definição das normas de execução do regime de trocas comerciais com os países terceiros, mais particularmente à gestão dos contingentes pautais, a Comissão procurou, quando da adopção do Regulamento n.° 2362/98, conciliar os objectivos inerentes à organização comum dos mercados no sector da banana com o respeito dos compromissos internacionais da Comunidade decorrentes dos acordos da OMC, bem como da Convenção de Lomé, ao mesmo tempo que se inclinava à vontade do Conselho de ver a gestão dos referidos contingentes pautais ser efectuada através da aplicação do método das correntes de comércio tradicionais (artigo 19.° do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98).

230   Impõe‑se concluir que a demandante se limita denunciar o carácter manifestamente inapropriado das disposições do Regulamento n.° 2362/98 que regulam a distribuição dos certificados de importação e a repartição dos subcontingentes pautais nacionais sem demonstrar, porém, que essas medidas são manifestamente inapropriadas para realizar o objectivo visado e excedem o que é necessário para o alcançar.

231   Uma vez que a demandante não fez prova desse carácter manifestamente inapropriado, esta terceira vertente não pode ser acolhida.

232   Daqui decorre que, com o seu terceiro fundamento, a demandante não demonstrou a existência de um comportamento ilegal de natureza a desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade.

5.     Quanto ao quarto fundamento, relativo a violação dos princípios da boa fé e da protecção da confiança legítima em direito internacional

 Argumentação das partes

233   A demandante sustenta que, ao adoptar e ao manter em vigor o Regulamento n.° 2362/98, a Comissão infringiu o princípio da boa fé em direito internacional. Recorda que, nos termos do artigo 26.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de Maio de 1969 (Colectânea dos Tratados das Nações Unidas, vol. 788, p. 354), este princípio enuncia o seguinte: «Todo o tratado em vigor vincula as partes e deve ser por elas cumprido de boa fé.» Por ocasião do contencioso Bananas III, a Comunidade desrespeitou claramente este princípio.

234   Com efeito, através das suas declarações e observações, a Comunidade afirmou claramente, por diversas vezes, ter intenção de executar, de boa fé, as decisões e recomendações do ORL (v. OMC, status report by the European Communities: documentos WT/DS27/17, de 13 de Julho de 1998; WT/DS27/17/add. 1, de 9 de Setembro de 1998; WT/DS27/17/Add. 2, de 9 de Outubro de 1998, e WT/DS27/17/Add. 3, de 13 de Novembro de 1998; acta da reunião do ORL de 22 de Janeiro de 1998, documento WT/DSB/M/41 de 26 de Fevereiro de 1998).

235   Ora, estas declarações não resistem quando sujeitas a apreciação. Com efeito, a demandante entende que o regime de 1999 não se destina a remediar as falhas constatadas pela OMC a respeito do regime de 1993. Longe de cumprir as decisões das instâncias da OMC, a Comunidade procurou manter, a coberto de modificações puramente formais, a situação ilícita decorrente do regime de 1993. Este comportamento constitui, em si mesmo, uma violação do princípio da boa fé. Através de manobras dilatórias, a Comunidade tentou subtrair‑se às suas obrigações face ao direito da OMC e abusou da complexidade da sua regulamentação para enganar os seus parceiros comerciais no quadro da OMC.

236   Nenhum elemento permite infirmar estas alegações. Em primeiro lugar, quanto à repartição por país, a Comissão não pode sustentar ter agido de boa fé. A demandante recorda ter explicado anteriormente que o fracasso das negociações levadas a cabo com quatro países da América Latina não obrigava, de modo algum, a Comissão a adoptar, no quadro do Regulamento n.° 2362/98, um mecanismo de repartição por país equivalente ao sistema dos subcontingentes pautais em vigor sob o regime de 1993.

237   Em segundo lugar, a circunstância de a Comunidade ter participado nos processos de arbitragem e de execução das decisões no processo Bananas III não constitui prova de boa fé. Trata‑se simplesmente de um exercício, por parte da Comunidade, dos seus direitos de defesa. A propósito deste aspecto, a demandante sublinha que a Comunidade não considerou necessário recorrer do relatório do grupo especial de 6 de Abril de 1999, que concluiu pela incompatibilidade do regime de 1999 com as regras da OMC.

238   Em terceiro lugar, o processo instaurado pela Comunidade com fundamento no artigo 21.°, n.° 5, do MRL que deu lugar ao relatório do grupo especial de 12 de Abril de 1999 (WT/DS27/RW/EEC) não é pertinente no caso vertente ou, pelo menos, não constitui prova da boa fé da Comunidade. A demandante explica que, com efeito, este processo tinha por objecto um pedido destinado a obter a declaração de que o regime de 1999 era consentâneo com os acordos da OMC, até decisão em contrário nos termos do MRL. Segundo a demandante, este processo não respeitava directamente à compatibilidade do regime de 1999 com as regras da OMC. O grupo especial não pôde atender a este pedido, visto a Comunidade não lhe ter fornecido elementos suficientes que permitissem decidir. Contudo, a leitura deste relatório revela claramente que a Comissão hesitava em abordar a questão da compatibilidade do regime de 1999 com as regras da OMC.

239   Além disso, a demandante entende que a Comunidade cometeu um abuso de processo. A despeito da fragilidade da sua posição jurídica, a Comunidade continuou a subtrair‑se às suas obrigações, persistindo em afirmar que, à mercê de alterações superficiais, a sua regulamentação era consentânea com as regras da OMC. Esta atitude teria levado diversos membros da OMC a multiplicar as acções perante o ORL, criando assim tensões inúteis.

240   Por último, a demandante entende poder invocar a violação, pela Comunidade, do princípio da boa fé em direito internacional. A este respeito, invoca os acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1998, Racke (C‑162/96, Colect., p. I‑3655, a seguir «acórdão Racke»), e do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Janeiro de 1997, Opel Austria/Conselho (Colect., p. II‑39), e emite duas observações a propósito da pertinência desta jurisprudência.

241   Por um lado, a demandante admite que, segundo o acórdão Racke, um particular pode invocar uma regra de direito internacional apenas em presença de «erros manifestos de apreciação quanto às condições de aplicação dessas regras». Sustenta que, no caso vertente, a Comissão cometeu um primeiro erro manifesto de apreciação quando adoptou o Regulamento n.° 2362/98, como resulta dos argumentos desenvolvidos no quadro do primeiro fundamento. Seguidamente, cometeu um segundo erro dessa natureza ao não revogar o regime de 1999 após adopção definitiva do relatório do grupo especial de 6 de Abril de 1999, o qual confirma a incompatibilidade do regime de 1999 com as regras da OMC.

242   Por outro lado, observa que a circunstância dos acórdãos Racke e Opel Austria/Conselho, já referidos, respeitarem a acordos internacionais susceptíveis de produzir efeito directo não afecta a respectiva pertinência no caso vertente. Sublinha que estes acórdãos, como o acórdão Nakajima, dizem respeito a situações em que a Comunidade havia assumido o compromisso de respeitar uma obrigação jurídica internacional. Segundo a demandante, o Tribunal de Justiça considerou que, mesmo na inexistência de efeito directo dos acordos em causa, a obrigação a título do direito internacional podia ter repercussões na situação jurídica dos operadores económicos, o que as instituições não podiam ignorar. No acórdão Racke, o Tribunal de Justiça havia declarado que, embora a Comunidade possa suspender unilateralmente um acordo internacional com efeito directo, ela não pode agir em desrespeito do princípio rebus sic stantibus, sob pena de violar a confiança legítima desses operadores (v., em particular, conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no acórdão Racke, Colect., p. I‑3659, n.os 86 a 90, e n.° 47 deste acórdão).

243   A demandante entende que esta interpretação dos acórdãos Racke e Opel Austria/Conselho, já referido, foi confirmada pelo acórdão Biotecnologias. Recorda que, no n.° 54 deste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou:

«Admitindo, como sustenta o Conselho, que a [Convenção sobre a Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro em 5 de Junho de 1992, aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 93/626/CEE do Conselho, de 25 de Outubro de 1993 (JO L 309, p. 1)], contém disposições desprovidas de efeito directo, no sentido de que não criam direitos que os particulares possam invocar directamente em justiça, esta circunstância não constitui um obstáculo à fiscalização do respeito das obrigações que se impõem à Comunidade enquanto parte no referido acordo [v. acórdão Racke, n.os 45, 47 e 51].»

244   Na opinião da demandante, a pedra angular desta jurisprudência consiste no facto de que confere efeito, a título limitado e excepcional, a instrumentos internacionais que, por princípio, não podem ser invocados por um particular, seja porque ainda não entraram em vigor (acórdão Opel Austria/Conselho, já referido), seja porque, embora em vigor, foram suspensos (acórdão Racke), seja porque, por natureza, não têm efeito directo (acórdão Nakajima). A jurisprudência Nakajima é uma mera aplicação particular do princípio geral subjacente aos acórdãos Racke e Opel Austria/Conselho, já referidos.

245   A Comissão rejeita estes argumentos. A demandante não pode invocar o princípio pacta sunt servanda, pois, por um lado, a Comunidade agiu de boa fé sem cometer erros manifestos de apreciação, e, por outro, a demandante não podia alimentar a menor confiança legítima e nem detém qualquer direito susceptível de ser directamente invocado a título deste princípio.

 Apreciação do Tribunal

246   A demandante invoca a violação, pela Comunidade, do princípio pacta sunt servanda que constitui um princípio fundamental de qualquer ordem jurídica e, em particular, da ordem jurídica internacional. Aplicado ao direito internacional, este princípio, codificado no artigo 26.° da Convenção de Viena, exige que os Tratados vinculem as partes e sejam por elas executados de boa fé.

247   Esta argumentação confunde‑se, portanto, com a que foi desenvolvida no quadro do primeiro fundamento, pois a demandante invoca a inexecução, pela Comunidade, das suas obrigações nos termos dos acordos da OMC. Deve, por conseguinte, considerar‑se que, pelos motivos expostos no âmbito da análise do primeiro fundamento, esta argumentação não pode vingar. Efectivamente, a demandante não demonstrou, no caso vertente, que as condições de aplicabilidade da jurisprudência Nakajima estão satisfeitas.

248   Mesmo na hipótese de o presente fundamento poder ser interpretado no sentido de que se destina a demonstrar que, embora não tendo infringido as suas obrigações nos termos dos acordos da OMC, a Comunidade agiu sem fazer prova de boa fé, o presente fundamento deve ser rejeitado. O princípio do artigo 26.° da Convenção de Viena é, com efeito, um princípio de direito internacional que a demandante não pode invocar no caso vertente, dada a inexistência de efeito directo do acordo internacional cuja execução de boa fé contesta.

249   Desde logo, a demandante não pode pretender beneficiar da jurisprudência decorrente do acórdão Opel Austria/Conselho, já referido. Esta última não é pertinente no caso vertente, uma vez que não respeita ao princípio pacta sunt servanda mas ao artigo 18.° da Convenção de Viena, o qual proíbe que se iluda o carácter vinculativo dos acordos internacionais através de actos adoptados imediatamente antes da entrada em vigor de um acordo que fossem incompatíveis com os princípios fundamentais desses acordos.

250   Seguidamente, a demandante não pode invocar o benefício do acórdão Racke. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou (n.° 51) que «não se pode recusar a um interessado, quando nos tribunais invoca direitos que retira directamente de um acordo com um país terceiro, a possibilidade de pôr em causa a validade de um regulamento que, ao suspender as concessões comerciais concedidas por esse acordo, o impede de dele se prevalecer, e de invocar, para contestar a sua validade, as obrigações que decorrem das regras do direito consuetudinário internacional que regulam a cessação e a suspensão das relações convencionais». Ora, no caso vertente, a demandante não invoca regras do direito consuetudinário internacional que regulem, por excepção ao princípio pacta sunt servanda, a cessação e a suspensão de relações convencionais em razão de uma alteração fundamental de circunstâncias. Além disso, contrariamente ao acordo internacional em causa no acórdão Racke (n.° 34), as disposições dos acordos da OMC não se destinam, em princípio, a conferir direitos aos particulares que estes pudessem invocar em juízo.

251   Por último, deve igualmente afastar‑se a pertinência do acórdão Biotecnologias. Efectivamente, neste processo, o fundamento baseado numa violação do direito internacional devia ser entendido «não no sentido de que se refere a uma violação directa pela Comunidade dos seus compromissos internacionais, mas no sentido de que a directiva [em causa] impõe aos Estados‑Membros o não cumprimento das suas obrigações de direito internacional, ao mesmo tempo que se supõe que [essa directiva], de acordo com os seus próprios termos, não prejudica estas obrigações» (acórdão Biotecnologias, n.° 55).

252   Em qualquer caso, impõe‑se concluir que o presente fundamento carece de apoio factual. Contrariamente ao que sustenta a demandante, não se pode considerar que a Comunidade não tenha agido de boa fé após a decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997. A Comunidade revogou o regime de 1993 na sequência dessa decisão do ORL a fim de dar cumprimento às suas obrigações gerais assumidas no quadro dos acordos da OMC. Com o Regulamento n.° 1637/98, o Conselho confiou expressamente à Comissão a tarefa de adoptar as normas de execução do regime das trocas comerciais com os países terceiros, devendo estas normas conter, segundo o artigo 20.°, alínea e), do Regulamento n.° 404/93, na versão modificada pelo Regulamento n.° 1637/98, «[a]s medidas necessárias para respeitar as obrigações decorrentes dos acordos concluídos pela Comunidade em conformidade com o artigo [300.° CE]». Desta forma, a Comissão foi levada a definir novas normas de gestão dos contingentes pautais e de atribuição dos certificados de importação, no quadro do Regulamento n.° 2362/98.

253   No âmbito da OMC, a Comunidade levou posteriormente a cabo negociações com os seus parceiros comerciais, partes no litígio Bananas III, para encontrar uma solução consensual, em conformidade com as disposições do artigo 3.°, n.° 6, do MRL. Assim, no preâmbulo do Regulamento n.° 216/2001, o Conselho indica que:

«Foram realizados numerosos e intensos contactos com os países fornecedores e com as outras partes em causa a fim de pôr termo às contestações suscitadas pelo regime de importação estabelecido pelo Regulamento (CEE) n.° 404/93 e de ter em conta as conclusões do painel instituído no âmbito do sistema de resolução de litígios da Organização Mundial do Comércio (OMC). Da análise de todas as opções apresentadas pela Comissão conclui‑se que o estabelecimento, a médio prazo, de um regime de importação baseado na aplicação de um direito aduaneiro de taxa adequada, associada à aplicação de uma preferência pautal às importações originárias dos países ACP, apresenta as melhores garantias para, por um lado, realizar os objectivos da organização comum de mercado quanto à produção comunitária e à procura dos consumidores e, por outro lado, respeitar as regras do comércio internacional, evitando novas contestações. Esse regime deve, no entanto, ser instaurado no termo de negociações com os parceiros da Comunidade de acordo com os procedimentos da OMC, em especial o artigo XXVIII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT). O resultado dessas negociações deverá ser submetido para aprovação ao Conselho, o qual deve igualmente, nos termos do Tratado, fixar a taxa da pauta aduaneira comum aplicável.»

254   Estas circunstâncias não permitem concluir que a Comunidade não agiu de boa fé. De igual modo, a utilização das vias de recurso previstas pelo MRL não pode ser equiparada a uma abuso de processo por parte da Comunidade.

255   Por último, no que diz respeito à alegada violação do princípio do respeito da confiança legítima, há que sublinhar que o direito de invocar esse princípio é facultado a qualquer operador económico ao qual uma instituição tenha feito nascer esperanças fundadas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Julho de 1995, O’Dwyer e o./Conselho, T‑466/93, T‑469/93, T‑473/93, T‑474/93 e T‑477/93, Colect., p. II‑2071, n.° 48). Ora, no caso vertente, a demandante não demonstrou, de modo algum, em que medida os actos ou o comportamento da Comunidade lhe teriam permitido acalentar legitimamente esperanças dessa natureza. Uma vez que a demandante não é parte nos litígios que opuseram a Comunidade aos seus parceiros comerciais a propósito dos regimes de 1993 e de 1999, as trocas comerciais entre estes últimos não podiam dar lugar a tais esperanças.

256   Por último, embora a Comunidade esteja vinculada por uma obrigação geral de executar as recomendações ou decisões do ORL em conformidade com os acordos da OMC, não se pode considerar que esta obrigação vincula a Comunidade quanto à escolha da forma e dos meios a implementar para atingir esse resultado. Pelo contrário, deve admitir‑se que, em razão da complexidade das disposições enunciadas por aqueles acordos e da imprecisão de certos conceitos que os mesmos referem, o princípio da execução de boa fé das convenções internacionais, codificado no artigo 26.° da Convenção de Viena, implica um esforço razoável da Comunidade para chegar à adopção de medidas consentâneas com os acordos OMC, deixando‑lhe a escolha quanto à forma e aos meios de atingir esse objectivo. Assim, o Tribunal de Justiça recordou que, «[s]e cada parte contratante é responsável pelo integral cumprimento dos compromissos que assumiu, compete‑lhe, em contrapartida, determinar, na sua ordem jurídica, os meios jurídicos adequados ao fim pretendido, salvo se o acordo, interpretado à luz do seu objecto e da sua finalidade, especificar, ele próprio, esses meios» (acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 35). Tendo em conta a margem de apreciação de que dispõem as instituições comunitárias na escolha dos meios necessários para a realização da sua política e a execução dos seus compromissos internacionais, a demandante não tinha fundamento para colocar a sua confiança legítima numa modificação do regime de 1993 de acordo com os seus interesses.

257   Uma vez que a demandante não demonstrou a existência de um comportamento ilegal de natureza a desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade, o presente fundamento deve, portanto, ser rejeitado.

258   Em último lugar, a demandante alega que o improcedimento da presente acção violaria o princípio geral da protecção jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos 6.° e 13.° da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, e pela jurisprudência comunitária (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 1987, Heylens e o., 222/86, Colect., p. 4097). Precisa, contudo, que este princípio não constitui directamente a base da sua acção mas deve guiar o Tribunal na sua interpretação. Efectivamente, a presente acção de indemnização constitui a única via seriamente viável para obter uma fiscalização jurisdicional, uma vez que o Tribunal rejeitou como inadmissíveis diversos pedidos de anulação e de medidas provisórias dirigidos contra o Regulamento n.° 2362/98.

259   O Tribunal recorda que os particulares têm, por força do direito comunitário, o direito a uma protecção jurisdicional completa e efectiva [despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 1997, Antonissen/Conselho e Comissão, C‑393/96 P(R), Colect., p. I‑441, n.° 36] e que estava previsto, no âmbito do Tratado, pôr em funcionamento um sistema de protecção jurisdicional completa em relação aos actos das instituições comunitárias susceptíveis de produzirem efeitos jurídicos (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1988, Parlamento/Conselho, 302/87, Colect., p. 5615, n.° 20). No caso vertente, a demandante não pode basear nestes princípios qualquer pretensão de ver acolhida a sua acção. Por conseguinte, é de excluir qualquer violação do princípio da protecção jurisdicional efectiva.

260   Resulta das considerações precedentes que a condição respeitante à ilegalidade do comportamento censurado à instituição comunitária em causa não está preenchida no caso vertente. Por conseguinte, a acção deve ser julgada improcedente.

 Quanto às despesas

261   Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená‑la nas despesas, de acordo com o pedido formulado pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada)

decide:

1)      A acção é julgada improcedente.

2)      A demandante suportará as suas próprias despesas e as da Comissão.

Lindh

García-Valdecasas

Cooke

Mengozzi

 

Martins Ribeiro

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 3 de Fevereiro de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      P. Lindh

Índice


Quadro jurídico e antecedentes do litígio

1.  Regulamento n.° 404/93

2.  Regulamento n.° 1442/93

3.  Regulamento n.° 1637/98

4.  Regulamento n.° 2362/98

5.  Regulamento n.° 216/2001

6.  Regulamento n.° 896/2001

7.  Resumo do contencioso «bananas» no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC)

Tramitação processual

Pedidos das partes

Quanto à admissibilidade

1.  Argumentação das partes

2.  Apreciação do Tribunal

Quanto à conformidade da petição com o artigo 44.° n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo

Quanto à conformidade da petição com o artigo 44.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento de Processo

Quanto ao mérito

1.  Exposição sumária dos fundamentos

2.  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a violação das regras da OMC

Quanto à interpretação da jurisprudência Nakajima

Argumentação das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à aplicação da jurisprudência Nakajima no caso vertente

Argumentação das partes

Apreciação do Tribunal

3.  Quanto ao segundo fundamento, relativo a violação do mandato conferido pelo Conselho à Comissão para executar o Regulamento n.° 1637/98

Argumentação das partes

Apreciação do Tribunal

4.  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a violações de princípios gerais do direito comunitário

Quanto à primeira vertente, relativa ao princípio da não discriminação

Quanto à admissibilidade

–  Argumentação das partes

–  Apreciação do Tribunal

Quanto ao mérito

–  Argumentação das partes

–  Apreciação do Tribunal

Quanto à segunda vertente, relativa ao livre exercício de uma actividade económica

Argumentação das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à terceira vertente, relativa ao princípio da proporcionalidade

Argumentação das partes

Apreciação do Tribunal

5.  Quanto ao quarto fundamento, relativo a violação dos princípios da boa fé e da protecção da confiança legítima em direito internacional

Argumentação das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas



* Língua do processo: inglês.