ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção
Alargada)
15 de Setembro de 1998 (1)
«Auxílios de Estado - Procedimento formal de exame nos termos do n.° 2 do
artigo 93.° do Tratado - Decisão de aprovação condicional de um auxílio sob a
forma de entrada de capitais, repartida em fracções - Condição prévia ao
pagamento da segunda fracção do auxílio não preenchida - Subsequente decisão
de autorização do pagamento da segunda fracção do auxílio - Recurso de
anulação»
No processo T-140/95,
Ryanair Limited, sociedade de direito irlandês, com sede em Dublin, representada
por Trevor Soames e Alan Ryan, solicitors, com domicílio escolhido no
Luxemburgo no escritório dos advogados Arendt e Medernach, 8-10, Rue Mathias
Hardt,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Nicholas Khan e Anders
Christian Jessen, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com
domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz,
membro do mesmo Serviço, Centre Wagner, Kirchberg,
apoiada pela
Irlanda, representada por Michael Buckley, Chief State Solicitor, na qualidade de
agente, assistido por Joseph Finnegan SC, do foro da Irlanda, com domicílio
escolhido no Luxemburgo na Embaixada da Irlanda, 28, route d'Arlon,
e por
Aer Lingus Group plc, sociedade de direito irlandês, com sede em Dublin,
representada por Paul Gallagher SC, do foro da Irlanda, e por James O'Dwyer e
Patrick McGovern, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório
do advogado René Faltz, 6, Rue Heine,
que tem por objecto a anulação da decisão da Comissão, de 21 de Dezembro de
1994 (JO C 399, p. 1), que autorizou o Governo irlandês a pagar a segunda fracção
do auxílio ao grupo Aer Lingus aprovado pela Decisão 94/118/CE da Comissão, de
21 de Dezembro de 1993, relativa a um auxílio do Estado irlandês ao grupo Aer
Lingus (JO 1994, L 54, p. 30),
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção Alargada),
composto por: A. Kalogeropoulos, presidente, C. P. Briët, C. W. Bellamy, A.
Potocki e J. Pirrung, juízes,
secretário: A. Mair, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 27 de Maio de 1998,
profere o presente
Acórdão
Factos na origem do processo
- 1.
- Em Agosto de 1993, o Governo irlandês informou a Comissão, nos termos do n.° 3
do artigo 93.° do Tratado, da sua intenção de proceder a uma entrada de capitais,
num montante de 175 milhões de IRL, no grupo Aer Lingus, no âmbito de um
plano de reestruturação intitulado «Estratégia para o futuro» (a seguir «planoCahill»). Essa entrada devia ser efectuada em três fracções, a saber, 75 milhões de
IRL a pagar em 1993, 50 milhões de IRL em 1994 e 50 milhões de IRL em 1995.
- 2.
- Em 21 de Dezembro de 1993, no termo de um procedimento instaurado nos
termos do n.° 2 do artigo 93.° do Tratado, em que participou a Ryanair Limited,
sociedade de direito irlandês com sede em Dublin, a Comissão adoptou a Decisão
94/118/CE, relativa a um auxílio do Estado irlandês ao grupo Aer Lingus (JO L 54,
p. 30, a seguir «decisão de 1993»).
- 3.
- O artigo 1.° do dispositivo da decisão de 1993 está redigido da seguinte forma:
«O auxílio de reestruturação à Aer Lingus, sob a forma de uma entrada de capital
de 175 milhões de libras irlandesas a conceder em três fracções [pagáveis] em 1993,
1994 e 1995 é considerado compatível com o mercado comum nos termos do n.° 3,
alínea c), do artigo 92.°, desde que o Governo irlandês:
a) Honre o seu compromisso de não proceder ao pagamento da segunda e
terceira fracções caso a Aer Lingus não consiga a redução de custos anual
de 50 milhões de libras irlandesas e obtenha uma verificação independente
de que a redução dos custos foi executada na sua totalidade;
b) Honre o seu compromisso de apresentar um relatório à Comissão sobre os
progressos do programa de reestruturação, sobre a evolução económica e
financeira do grupo Aer Lingus e das suas empresas, em especial no que se
refere às melhorias de produtividade tal como referido na sua carta de 24
de Novembro de 1993. O relatório será apresentado pelo menos quatro
semanas antes do pagamento das segunda e terceira fracções do auxílio em
1994 e 1995, de modo a permitir à Comissão, se necessário, apresentar as
suas observações;
[...]
d) Honre o seu compromisso de não aumentar a frota em funcionamento da
Aer Lingus durante o período de execução do plano de reestruturação, à
excepção das operações transatlânticas em que possam ser necessárias
novos aviões para manter os níveis de capacidade;
[...]
g) Honre o seu compromisso de que o número de lugares oferecidos para
venda ao público nos serviços regulares da Aer Lingus não exceder no ano
civil de 1994, no que respeita às rotas Reino Unido/Irlanda, 3,42 milhões de
lugares no seu total e, no que respeita à rota Dublim/Londres (Heathrow),
1,43 milhões de lugares nesse mesmo ano;
h) Honre o seu compromisso de que, por acordo entre a Comissão e a Irlanda,
serão nomeados auditores independentes em meados de 1994 para
analisarem os resultados actuais e futuros relativos a 1994. Caso o
crescimento dos mercados Irlanda/Reino Unido assim o exija, os valores
estabelecidos na alínea g) serão ajustados de modo a reflectir esse aumento.
Simultaneamente, será efectuada uma avaliação independente do
crescimento actual e futuro do mercado, a fim de determinar a capacidade
adicional da Aer Lingus para 1995, em consonância com qualquer aumento
no mercado global;
[...]»
- 4.
- Em 23 de Dezembro de 1993, o Governo irlandês subscreveu, no montante de 75
milhões de IRL, a emissão de novas acções do Aer Lingus Group plc.
- 5.
- Em 3 de Novembro de 1994, o Governo irlandês submeteu o primeiro relatório
anual, nos termos da alínea b) do artigo 1.° da decisão de 1993. A pedido da
Comissão, remeteu informações complementares em 17 de Novembro de 1994.
- 6.
- Em 30 de Novembro de 1994, de acordo com a alínea h) do artigo 1.° da decisão
de 1993, a Comissão adoptou a Decisão 94/997/CE, que aprova os valores alterados
relativos às restrições relativas ao número de lugares impostas à Aer Lingus através
da decisão de 1993 (JO L 379, p. 21). Nessa decisão, a Comissão aumentou o
número de lugares, fixado na alínea g) do artigo 1.° da decisão de 1993, que a Aer
Lingus podia oferecer nas rotas Irlanda/Reino Unido e Dublin/Londres-Heathrow
nos anos de 1994 e 1995.
- 7.
- Em 8 de Dezembro de 1994, teve lugar uma reunião a pedido da recorrente, entre
esta e os serviços da Comissão, designadamente com vista a examinar a questão de
saber se a Aer Lingus cumprira a decisão de 1993.
- 8.
- Em 21 de Dezembro de 1994, a Comissão adoptou, sob a forma de uma carta
dirigida ao Governo irlandês, a decisão intitulada «Pagamento da segunda fracção
de 50 milhões de libras irlandesas do auxílio C 34/93 aprovado pela decisão da
Comissão de 1993» (JO C 399, p. 1, a seguir «decisão controvertida»).
- 9.
- Nessa decisão, a Comissão constatou que o grupo Aer Lingus não atingira a
redução de custos de 50 milhões de IRL prevista na alínea a) do artigo 1.° da
decisão de 1993. Contudo, após ter examinado a execução do plano de
reestruturação, designadamente no que se refere à companhia aérea e ao Team
Aer Lingus, filial especializada nos serviços de manutenção (a seguir «Team»),
bem como a situação financeira do grupo, a prevista venda da cadeia de hotéis
Copthorne e a rentabilidade das diversas categorias de linhas exploradas pela Aer
Lingus, a Comissão concluiu (vigésimo quinto parágrafo):
«[...] os progressos do plano de reestruturação e os resultados já obtidos são
satisfatórios, apesar do objectivo de redução anual dos custos apenas ter sido
alcançado pela companhia aérea e não por todo o grupo, devido às circunstâncias
acima mencionadas que não poderiam ter sido previstas no plano de
reestruturação. Consequentemente, a Comissão decidiu derrogar a sua decisão de
21 de Dezembro de 1993 e autorizar o Governo irlandês a proceder ao pagamento
da segunda fracção do auxílio à Aer Lingus. Por forma a garantir a aplicação da
decisão de 21 de Dezembro de 1993, a Irlanda deve, antes do pagamento da
terceira fracção:
- apresentar à Comissão, até 30 de Junho de 1996, um relatório sobre os
progressos do programa de reestruturação na empresa Team e sobre a sua
evolução financeira e económica, incluindo as projecções financeiras em que
se baseia a estratégia da empresa; o programa de reestruturação da Team
deverá ser implementado o mais rapidamente possível, com base numa
estratégia comercial adequada e numa estrutura de capital sólida.
- fornecer à Comissão, nos termos da alínea b) do artigo 1.° da decisão da
Comissão de 21 de Dezembro de 1993 e no mínimo oito semanas antes da
data de pagamento da terceira fracção em 1995, um relatório que apresente
dados pormenorizados relativos à redução anual de custos de 50 milhões de
libras irlandesas, que demonstra a relação entre as reduções de custos e
medidas específicas de gestão, que inclua projecções financeiras anuais,
analisadas de forma pormenorizada e integral, para o grupo e suas
empresas até 31 de Dezembro de 1999 (e relativamente ao período
transitório de 12 meses, até 31 de Março de 1995, na sequência da alteração
do final do exercício fiscal), reflectindo os efeitos das medidas de
reestruturação e as consequências do plano revisto para a Team e da venda
da cadeia de hotéis Copthorne. Este relatório deverá também incluir uma
análise da rentabilidade por categoria de rota.»
- 10.
- Em 22 de Dezembro de 1994, o Governo irlandês subscreveu, no montante de 50
milhões de IRL, novas acções do Aer Lingus Group plc.
- 11.
- O Jornal Oficial das Comunidades Europeias C 399, de 31 de Dezembro de 1994,
do qual consta o texto da decisão controvertida, foi publicado em 13 de Abril de
1995.
Tramitação processual e pedidos das partes
- 12.
- A recorrente introduziu o presente recurso por requerimento entregue na
Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 5 de Julho de 1995.
- 13.
- Por carta entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de
Dezembro de 1995, a Comissão retirou a questão prévia de inadmissibilidadesuscitada na contestação, cujo fundamento era o termo do prazo de recurso,
precisando em seguida, na tréplica de 25 de Março de 1996, que os seus
funcionários haviam informado a recorrente de que o prazo de recurso previsto no
artigo 173.° do Tratado começaria a correr a partir da publicação da decisão
controvertida.
- 14.
- Por despachos de 14 de Fevereiro de 1996, o presidente da Segunda Secção
Alargada admitiu a intervenção no processo da Irlanda e do Aer Lingus Group plc
em apoio dos pedidos da Comissão.
- 15.
- Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Segunda Secção Alargada)
decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.
- 16.
- As partes apresentaram alegações e responderam às questões do Tribunal na
audiência de 27 de Maio de 1998.
- 17.
- A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne.
- anular a decisão controvertida;
- condenar a Comissão nas despesas.
- 18.
- A Comissão e os intervenientes concluem pedindo que o Tribunal se digne:
- negar provimento ao recurso;
- condenar a recorrente nas despesas.
Quanto à admissibilidade
Argumentos das partes
- 19.
- A Aer Lingus argumenta que o recurso foi interposto fora do prazo previsto no
quinto parágrafo do artigo 173.° do Tratado CE. Salienta que a Comissão
sustentou, na contestação, que a recorrente tivera conhecimento da existência da
decisão controvertida em Dezembro de 1994, ou o mais tardar quando recebeu
uma carta da Comissão datada de 12 de Janeiro de 1995, não tendo pedido cópia
do texto integral da decisão controvertida num prazo razoável.
- 20.
- A recorrente sustenta ser o seu recurso admissível, tendo a publicação da decisão
controvertida no Jornal Oficial de 13 de Abril de 1995 feito começar a correr o
prazo previsto no quinto parágrafo do artigo 173.°do Tratado.
Apreciação do Tribunal
- 21.
- Nos termos do quarto parágrafo do artigo 37.° do Estatuto (CE) do Tribunal de
Justiça, aplicável ao processo no Tribunal de Primeira Instância por força do artigo
46.° do mesmo Estatuto, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar-se
a sustentar as conclusões de uma das partes. Além disso, de acordo com o n.° 3 do
artigo 116.° do Regulamento de Processo, o interveniente aceita o processo no
estado em que este se encontra no momento da sua intervenção.
- 22.
- Tendo a recorrida retirado a questão prévia de inadmissibilidade por carta recebida
em 18 de Dezembro de 1995, ou seja, antes de a Aer Lingus ter sido admitida a
intervir no processo em apoio dos pedidos da Comissão, a Aer Lingus não pode
suscitar uma questão prévia de inadmissibilidade e o Tribunal não é, portanto,
obrigado a examinar os fundamentos de inadmissibilidade que ela invoca (acórdão
do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Novembro de 1997,
Kaysersberg/Comissão, T-290/94, Colect., p. II-2137, n.° 76).
- 23.
- Contudo, tratando-se de um fundamento de inadmissibilidade de ordem pública,
o Tribunal pode, a todo o tempo e oficiosamente, verificar a admissibilidade do
recurso, por força do artigo 113.° do Regulamento de Processo.
- 24.
- Nos termos do quinto parágrafo do artigo 173.° do Tratado, o recurso deve ser
interposto no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do
acto, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o
recorrente tenha tomado conhecimento do acto.
- 25.
- Resulta da própria redacção desta disposição que o critério da data de tomada de
conhecimento do acto como ponto de partida para o prazo de recurso tem carácter
subsidiário relativamente às datas de publicação ou de notificação do acto (v.
acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1998, Alemanha/Conselho,
C-122/95, Colect., p. I-973, n.° 35, e, em matéria de auxílios de Estado, as
conclusões do advogado-geral Capotorti no processo que deu origem ao acórdão
do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1980, Philip Morris/Comissão, 730/79,
Recueil, pp. 2671, 2695).
- 26.
- É pacífico que, no caso vertente, a decisão controvertida foi publicada no Jornal
Oficial. Dado que a decisão controvertida estabelece uma derrogação à decisão de
1993, que também foi objecto de publicação, e que os funcionários da Comissão
comunicaram à recorrente que o prazo de recurso começaria a correr a partir da
publicação da decisão controvertida, a recorrente podia legitimamente esperar que
a decisão controvertida seria objecto de publicação no Jornal Oficial.
- 27.
- Decorre daqui que, no caso vertente, o prazo de recurso começou a correr a partir
da data de publicação, a saber, 13 de Abril de 1995.
- 28.
- O prazo de dois meses previsto no quinto parágrafo do artigo 173.° do Tratado,
contado a partir do final do décimo quarto dia a seguir à data de publicação doacto no Jornal Oficial, de acordo com o n.° 1 do artigo 102.° do Regulamento de
Processo, e dilatado de dez dias em razão da distância para a recorrente residente
na Irlanda, em conformidade com o artigo 102.° do Regulamento de Processo,
expirou em 7 de Julho de 1995. Daqui decorre que o recurso, entregue na
Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 5 de Julho de 1995, foi interposto
dentro do prazo.
- 29.
- O recurso é, pois, admissível.
Quanto ao mérito
Argumentos das partes
Argumentos da recorrente
- 30.
- Na petição, a recorrente invoca dois fundamentos principais baseados, em primeiro
lugar, em violação de formalidades essenciais, na medida em que a Comissão não
reabriu o procedimento previsto no n.° 2 do artigo 93.° do Tratado, nem ouviu a
recorrente antes de adoptar a decisão controvertida, e, em segundo lugar, em erro
manifesto que vicia a apreciação da Comissão de que o pagamento da segunda
fracção do auxílio era compatível com o mercado comum, na acepção da alínea c)
do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado. A recorrente invoca, por outro lado,
determinado número de outras acusações.
- 31.
- No que se refere ao primeiro fundamento, baseado em violação de formalidades
essenciais, a recorrente argumenta que a Comissão não podia adoptar a decisão
controvertida sem reabrir o procedimento previsto no n.° 2 do artigo 93.° do
Tratado ou, no mínimo, a ouvir de novo. Com efeito, o pagamento da segunda
fracção do auxílio era proibido pela alínea a) do artigo 1.° da decisão de 1993 por
a redução de custos de 50 milhões de IRL por ano nele previsto não ter sido
atingida. Daqui decorre que a segunda fracção não podia ser paga sem a Comissão
adoptar, na sequência de um exame de novo de todas as circunstâncias do caso
concreto, nova decisão que declarasse ser o pagamento compatível com o mercado
comum, nos termos da alínea c) do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado.
- 32.
- A recorrente refere a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a
Comissão é obrigada a iniciar o procedimento previsto do n.° 2 do artigo 93.° do
Tratado se o primeiro exame do auxílio não lhe tiver permitido ultrapassar todas
as dificuldades suscitadas pela apreciação da sua compatibilidade com o mercado
comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão,
C-198/91, Colect., p. I-2487, n.° 29). Ora, no caso vertente, o primeiro exame feito
pela Comissão da compatibilidade com o mercado comum da segunda fracção do
auxílio não terá permitido ultrapassar, e não ultrapassou efectivamente, todas as
dificuldades, designadamente no que se refere à questão de saber se estavam
preenchidas as condições estabelecidas na alínea c) do n.° 3 do artigo 92.° do
Tratado.
- 33.
- Em apoio da sua afirmação de que a Comissão devia ter duvidado da
compatibilidade com o mercado comum da segunda fracção do auxílio, a recorrente
funda-se em determinado número de elementos relativos à Team, às linhas
regionais no Reino Unido, aos aviões BAe 146, à situação financeira do grupo Aer
Lingus e da companhia aérea e à venda da cadeia de hotéis Copthorne.
- 34.
- A recorrente apoia-se nesses mesmos elementos no segundo fundamento, baseado
em erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão ao decidir que o
pagamento da segunda fracção do auxílio era compatível com o mercado comum
na acepção da alínea c) do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado.
- 35.
- É adequado agrupar o conjunto de elementos apresentados pela recorrente no
âmbito desses dois fundamentos.
- Team
- 36.
- Quanto à filial Team, a recorrente argumenta decorrer da decisão controvertida
que a própria Comissão tinha dúvidas quanto ao preenchimento das condições
estabelecidas na alínea c) do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado, designadamente, que
o auxílio deveria facilitar o desenvolvimento de determinadas actividades
económicas. Sublinha, a este respeito, que, no décimo quarto parágrafo da decisão
controvertida, a Comissão considerou que «a incapacidade de solucionar o
problema do contínuo défice da Team poderá ter repercussões sobre o plano de
reestruturação.»
- 37.
- A Comissão reconheceu assim ignorar se a Team efectuaria as necessárias reduções
de custos. Em consequência, não estava em condições de verificar se a segunda
fracção do auxílio seria efectivamente utilizada para efeitos de «reestruturação»
e se facilitaria «o desenvolvimento de certas actividades económicas», na acepção
da alínea c) do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado.
- 38.
- Por outro lado, o próprio facto de a Comissão ter, na decisão controvertida,
imposto às autoridades irlandesas a obrigação de lhe submeter, até 30 de Junho de
1995, um relatório sobre os progressos do programa de reestruturação no que se
refere à Team e sobre a estratégia prevista para resolver as dificuldades da
sociedade a mais largo prazo, prova que, na data da decisão controvertida, a
Comissão não estava em condições de estabelecer que a segunda fracção do auxílio
poderia facilitar o desenvolvimento de certas actividades económicas, na acepção
da alínea c) do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado.
- 39.
- Além disso, o plano Cahill foi abandonado relativamente à Team, na sequência de
uma greve desencadeada durante o Verão de 1994 e das recomendações da Labour
Court de Novembro de 1994, que impediram reduções de custos e,
designadamente, despedimentos suplementares. Assim, na data da decisão
controvertida, a Aer Lingus, tal como o Governo irlandês, ignoravam se a Teampodia ser reestruturada. Em apoio desta afirmação, a recorrente cita determinadas
declarações feitas pelo presidente da Aer Lingus no relatório anual desta
companhia relativo ao período findo em 31 de Dezembro de 1994, aprovado em
31 de Março de 1995, bem como uma declaração feita pelo ministro dos
Transportes, da Energia e das Comunicações ao Dail, em 21 de Fevereiro de 1995.
- 40.
- Daqui decorre que, na data da decisão controvertida, a Team e, consequentemente,
a Aer Lingus não tinha viabilidade, não existindo plano de reestruturação
susceptível de garantir essa viabilidade. Na ausência de tal plano de reestruturação,
a Comissão não estava autorizada a aprovar a segunda fracção do auxílio (v., a
título de exemplo, as linhas directrizes da Comissão sobre a aplicação dos artigos
92.° e 93.° do Tratado CE e do artigo 61.° do Acordo EEE aos auxílios de Estado
no sector da aviação, JO 1994, C 350, p. 5, n.° 38) e, a fortiori, não estava em
condições de ultrapassar as dificuldades de forma tal que lhe permitisse não dar
início ao procedimento previsto no n.° 2 do artigo 93.° do Tratado.
- 41.
- A recorrente contesta também a seguinte afirmação, contida na decisão
controvertida (décimo terceiro parágrafo):
«Segundo as últimas projecções, a Aer Lingus prevê que a Team retomará uma
situação de rentabilidade operacional em 1995.»
- 42.
- Com efeito, as condições de recomeço do trabalho acordadas na sequência da
intervenção da Labour Court impediram a execução do plano Cahill e, em
consequência, a redução de custos necessária para que a Team se tornasse
rentável.
- 43.
- Pelas mesmas razões, a recorrente contesta a afirmação, feita na sequência da
passagem da decisão controvertida acabada de citar, de que «esta previsão
baseia-se na permanente redução dos custos da empresa, bem como na garantia
de novos contratos de manutenção concluídos com terceiros [...]».
- 44.
- Para a recorrente, a Team não efectuou qualquer redução de custos em 1994
devido à resistência dos sindicatos. Cita, a este respeito, um artigo da imprensa
(Irish Independent, 27 de Março de 195), segundo o qual o ministro dos
Transportes, da Energia e das Comunicações terá declarado que os efectivos daTeam jamais foram inferiores a 1 750 pessoas. De igual modo, a Team terá
perdido todos os contratos de manutenção com terceiros, incluindo os celebrados
com a Virgin Atlantic Airways e a Federal Express, em consequência da greve de
1994.
- 45.
- A recorrente entende por último ser manifestamente errada a constatação feita no
vigésimo quinto parágrafo da decisão controvertida de que não era possível
antecipar os problemas da Team aquando da elaboração do plano de
reestruturação. Apesar da afirmação contida na decisão de 1993 de que o
programa de redução de custos tinha sido negociado entre a companhia e ossindicatos, não existiu acordo com os sindicatos da Team. Era, pois, previsível que
a direcção da Team não conseguisse celebrar tal acordo.
- A concorrência nas linhas regionais no Reino Unido
- 46.
- A recorrente considera que, ao examinar a compatibilidade com o mercado comum
da segunda fracção do auxílio, a Comissão não podia ter ultrapassado as
dificuldades relativas às actividades da Aer Lingus nas rotas entre Dublin e os
destinos regionais do Reino Unido.
- 47.
- A recorrente sublinha que, segundo a decisão controvertida (pp. 3 e 4), as
actividades da Aer Lingus em tais rotas eram deficitárias e que a estratégia
adoptada parecia (vigésimo primeiro parágrafo) «justificar-se por considerações a
curto prazo». Em tais circunstâncias, a Comissão deveria ter examinado se a Aer
Lingus estava em condições de reestruturar as suas actividades nessas linhas de
forma a permitir-lhe uma certa viabilidade, em conformidade com a alínea c) do
n.° 3 do artigo 92.° Em vez disso, a Comissão limitou-se a impor nova condição, nos
termos da qual «o Governo irlandês [justificaria] a exploração destas rotas numa
perspectiva a mais longo prazo», solicitando ao mesmo tempo à Irlanda que
fornecesse à Comissão informações pormenorizadas quanto à rentabilidade das
rotas em causa «por forma a demonstrar que, tal como planeado inicialmente, o
auxílio recebido [não se destinaria] a subvencionar rotas ou um grupo de rotas que,
provavelmente, não [seriam] rentáveis num futuro próximo» (vigésimo segundo
parágrafo).
- 48.
- Daqui resulta que, aquando da adopção da decisão controvertida, a Comissão tinha
dúvidas quanto à questão de saber se as actividades da Aer Lingus nas rotas
regionais com destino ao Reino Unido eram viáveis a longo prazo, não estando,
assim, em condições de verificar se o auxílio facilitaria o desenvolvimento de certas
actividades económicas.
- 49.
- Além disso, as rotas em causa eram deficitárias pelo facto de, após a decisão de
1993, a Aer Lingus ter aumentado de forma significativa o número de lugares
disponíveis a baixo preço na rota Dublin/Birmingham, que a recorrente começara
a servir em Novembro de 1993, o que levou esta a dirigir à Comissão uma queixa
formal nos termos do artigo 86.° do Tratado. A Aer Lingus procedeu da mesma
forma nas rotas Dublin/Glasgow e Dublin/Manchester, em que se encontrava
também em concorrência com a recorrente. A Aer Lingus prosseguiu assim uma
política caracterizada por preços baixos e elevado volume, destinada a aceder a
uma parte de mercado tão ampla quanto possível, designadamente no mercado do
lazer, mercado principal da recorrente, contrariamente às garantias do Governo
irlandês retomadas na decisão de 1993.
- 50.
- A recorrente sustenta também que a justificação apresentada na decisão
controvertida (vigésimo primeiro parágrafo) da estratégia «a curto prazo»adoptada pela Aer Lingus em tais rotas, a saber «trazer mais passageiros dos
serviços secundários do Reino Unido para as rotas do Atlântico Norte» era
manifestamente errada, dado que só dois dos dezasseis voos diários que ligavam
Birmingham, Manchester e Glasgow a Dublin transportavam passageiros com
destino a rotas transatlânticas.
- Novos aviões BAe 146
- 51.
- A recorrente argumenta que, na data de adopção da decisão controvertida, a
Comissão sabia que a Aer Lingus se propunha utilizar o auxílio para adquirir uma
frota de três aviões BAe 146-300 de 110 lugares para substituir a sua frota de
quatro Saab SF 340 de 34 lugares, a utilizar designadamente nas rotas regionais
Reino Unido/Irlanda. Ora, na decisão controvertida (vigésimo segundo parágrafo)
a Comissão declarou que «a substituição dos pequenos aviões com
turbopropulsores por aviões a jacto nas rotas comerciais do Reino Unido poderá
suscitar dúvidas quanto à pertinência do aumento da capacidade disponível». A
Comissão solicitou assim à Irlanda (mesmo parágrafo) que lhe fornecesse
informações pormenorizadas quanto à rentabilidade das rotas em causa, a fim de
demonstrar que o auxílio «não [se destinaria] a subvencionar rotas [...] que,
provavelmente, não [seriam] rentáveis num futuro próximo». Daqui decorre que
a Comissão tinha dúvidas quanto à questão de saber se o auxílio criaria ou
agravaria uma situação de excesso de capacidade susceptível de alterar as trocas
comerciais de maneira contrária ao interesse comum (acórdão Philip
Morris/Comissão, já referido, n.° 26, e acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de
Março de 1998, Exécutif régional wallon e Glaverbel/Comissão, 62/87 e 72/87,
Colect., p. 1573, n.os 30 e 31).
- 52.
- A recorrente acrescenta que a Aer Lingus, tendo sofrido perdas antes dos impostos
de 128,8 milhões de IRL no exercício encerrado em 31 de Dezembro de 1994, não
dispunha de liquidez suficiente para adquirir os aviões BAe 146, tendo de utilizar
a segunda fracção do auxílio para o fazer. Por outro lado, resulta do relatório anual
da Aer Lingus que esta companhia fez uma provisão de 6,5 milhões de IRL para
despesas relacionadas com a denúncia dos contratos relativos aos quatro Saab SF
340. A Aer Lingus não podia tê-lo feito sem o auxílio em causa.
- 53.
- A recorrente cita também estatísticas para provar ser totalmente inoportuno o
aumento de capacidade nas linhas em causa, atendendo designadamente ao
declínio do tráfego de passageiros da Aer Lingus em tais linhas e às suas fracas
percentagens de ocupação. A Comissão não estava autorizada a aprovar um auxílio
nos termos da alínea c) do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado em tal situação de
excesso de capacidade (acórdãos do Tribunal de Justiça Philip Morris/Comissão e
Exécutif régional wallon e Glaverbel/Comissão, já referidos, e de 21 de Março de
1991, Itália/Comissão, C-303/88, Colect., p. I-1433, n.° 38).
- 54.
- Por último, a recorrente argumenta que a introdução dos aviões BAe 146 violou
a alínea d) do artigo 1.° da decisão de 1993. Com efeito, esta disposição deve serinterpretada como proibindo a Aer Lingus de aumentar a capacidade total de
lugares da sua frota durante todo o prazo do plano de reestruturação. Dado que,
por um lado, o Governo irlandês afirmou que a Aer Lingus não aumentaria a sua
quota de mercado e não prosseguiria uma política expansionista e, por outro, que
a quota de mercado não depende do número de aviões atribuídos a determinada
rota, mas do número de lugares disponíveis, a alínea d) do artigo 1.° apenas pode
ser interpretada no sentido de que tinha por objectivo garantir que a Aer Lingus
não aumentaria o número total de lugares oferecidos pela sua frota de exploração.
Se assim não fosse, a Aer Lingus estaria em condições de prosseguir sem limites
uma política «sobre-expansionista».
- Situação financeira da companhia aérea e do grupo Aer Lingus
- 55.
- Para a recorrente, a Comissão cometeu um erro manifesto ao concluir, na decisão
controvertida, que o objectivo de 50 milhões de IRL em matéria de reduções de
custos tinha sido atingido pela companhia aérea Aer Lingus.
- 56.
- A decisão de 1993 previu 1 280 despedimentos na companhia aérea, mas o
relatório anual da Aer Lingus relativo ao exercício findo em 31 de Dezembro de
1994 refere que só foram efectuados 841 despedimentos. Na opinião da recorrente,
ainda que se aceite a afirmação da Comissão de que 935 empregados haviam
deixado a empresa no âmbito do plano de despedimentos, trata-se contudo de um
valor correspondente a menos de dois terços do previsto no plano Cahill.
- 57.
- A adopção dos preços do mercado nas tabelas pelos serviços de manutenção pagos
à Team e a provisão decorrente dos prejuízos acumulados da Team, a que a
decisão controvertida faz referência, significam provavelmente que as tabelas
tinham sido ajustadas em valores inferiores aos do mercado. Tal manutenção da
prática de preços de transferência põe em causa a reestruturação da companhia
aérea. Significa também que os verdadeiros custos da companhia aérea - e,
consequentemente, qualquer redução de custos - não podem ser determinados.
- 58.
- Por outro lado, a conclusão contida na decisão controvertida de que «os resultados
no sector dos transportes aéreos, em conformidade com o objectivo final da
reestruturação, são reveladores das potencialidades do grupo para atingir uma
situação viável» (vigésimo terceiro parágrafo) não é acompanhada por qualquer
explicação ou menção dos dados examinados pela Comissão. Tal explicação teria
sido especialmente necessária em virtude das práticas contabilísticas habitualmente
opacas da Aer Lingus.
- 59.
- A natureza manifestamente errada da conclusão da Comissão, segundo a qual o
grupo Aer Lingus era capaz de atingir uma situação viável, é além disso
demonstrada pelo montante do subsídio de exploração de que a companhia aérea
beneficiou em 1994, revelada pelas rubricas excepcionais de 30 milhões de IRL
(«reposicionamento - transporte aéreo e Team») e de 5,4 milhões de IRL(«outros») que constam das suas contas publicadas relativas ao exercício encerrado
em 31 de Dezembro de 1994. Além disso, segundo as contas da Aer Lingus, esta
companhia sofreu prejuízos antes dos impostos de 147 milhões de IRL (excluindo
o lançamento na conta de perdas e lucros de um investimento numa sociedade de
aluguer de aeronaves) durante os doze meses que precederam a data de 31 de
Março de 1993, e de 128,8 milhões de IRL durante os 21 meses que precederam
a data de 31 de Dezembro de 1994. Tais valores contrariam as previsões feitas no
plano Cahill de uma perda de 63 milhões de IRL durante os 12 meses anteriores
a 31 de Março de 1994 e de lucros de 1 milhão de IRL relativamente aos 12 meses
anteriores a 31 de Março de 1995.
- Venda da cadeia de hotéis Copthorne
- 60.
- A recorrente refere que a venda pela Aer Lingus da sua cadeia de hotéis
Copthorne foi referida na decisão de 1993 como fazendo parte integrante do plano
Cahill. Na decisão controvertida (décimo oitavo parágrafo), essa cadeia foi
qualificada como a principal venda de activos prevista no programa de
reestruturação.
- 61.
- Contudo, a Comissão referiu, na decisão controvertida, que a venda fora adiada,
atrasando concomitantemente a realização dos rácios de endividamento e de
cobertura dos juros de 1997 para meados de 1999. Por outro lado, a Comissão
limitou-se a indicar (décimo nono parágrafo) que «a cadeia deverá ser vendida
logo que as condições de mercado se [revelassem] adequadas», eliminando assim
qualquer obrigação de a Aer Lingus vender os hotéis Copthorne dentro de
determinado prazo. Isto é confirmado pelo relatório anual da Aer Lingus relativo
ao exercício encerrado em 31 de Dezembro de 1994, que declara que os seus
administradores «têm a intenção de manter este investimento num futuro a curto
prazo, fundando-se a este respeito nos pareceres de peritos, a fim de garantir que
o montante da venda de tal investimento seja o mais elevado possível».
- 62.
- Nestas circunstâncias, a Comissão não podia ter concluído que a concessão da
segunda fracção do auxílio facilitaria o desenvolvimento de certas actividades
económicas. Com efeito, não sabia quando nem sequer se o balanço da Aer Lingus
seria saneado. Em consequência, o auxílio não podia ter sido aprovado enquanto
auxílio à reestruturação. Além disso, o facto de a Aer Lingus não ter reduzido o
elevado nível de endividamento pela cessão da cadeia de hotéis implicou a
utilização do auxílio de Estado para financiar as dívidas a curto prazo, incluindo os
elevados encargos com empréstimos. Por esta razão suplementar, a segundafracção do auxílio não foi um verdadeiro auxílio à reestruturação.
- 63.
- Em qualquer caso, a cessão dos hotéis Copthorne teria sido insuficiente para
sanear o balanço da Aer Lingus. O jornal Sunday Independent de 10 de Julho de
1994 referiu: «Parece que os peritos contabilísticos que preparam os resultados
temem que no balanço o valor da cadeia de hotéis Copthorne da Aer Lingus seja
sobreavaliado». A este respeito, a Aer Lingus lançou 17,2 milhões de IRL deperdas e lucros nas contas relativas ao exercício encerrado em 31 de Dezembro de
1994. A Comissão cometeu assim erro manifesto ao concluir que a cessão dos
hotéis Copthorne reduziria o endividamento da Aer Lingus ao nível inicialmente
previsto e ao não impor à Aer Lingus a cessão dos activos suplementares no
montante de 17,2 milhões de IRL. A Comissão omitiu também explicar de que
forma poderiam ser atingidos os rácios de endividamento e de cobertura dos juros
previstos.
- 64.
- A recorrente deduz do que precede que a Comissão ou não estava em condições
de ultrapassar as dificuldades quanto à compatibilidade com o mercado comum da
segunda fracção do auxílio, tendo em consequência cometido uma violação de
formalidades essenciais ao não dar início ao procedimento previsto no n.° 2 do
artigo 93.° do Tratado, ou cometeu um erro manifesto de apreciação ao decidir, na
decisão controvertida, que a segunda fracção do auxílio era compatível com o
mercado comum. Daqui decorre que os dois principais fundamentos da recorrente,
respectivamente baseados em violação de formalidades essenciais e em erro
manifesto de apreciação, são procedentes.
- 65.
- Para além dos dois fundamentos principais, a recorrente apresenta as seguintes
acusações suplementares:
- decorre da decisão controvertida que a Comissão jamais examinou
efectivamente as repercussões do auxílio em causa sobre a concorrência
nem tomou em conta a evolução da concorrência a partir da decisão de
1993;
- a Irlanda violou a alínea b) do artigo 1.° da decisão de 1993, que exigia ao
Governo irlandês que zelasse pela execução pela Aer Lingus do plano
Cahill, tal como fora comunicado à Comissão;
- a Comissão cometeu um erro de direito por, ao aprovar a segunda fracção
do auxílio apesar da violação da alínea a) do artigo 1.° da decisão de 1993,
ter necessariamente aplicado um critério diverso do posto em prática nesta
decisão;
- a decisão controvertida padece de falta de fundamentação, designadamente
no que se refere aos seguintes elementos: o pedido da Comissão convidando
o Governo irlandês a fornecer um relatório suplementar quanto à Team e
à Aer Lingus antes de 30 de Junho de 1995; a conclusão de que o grupo
Aer Lingus poderia chegar a uma situação de viabilidade; a conclusão
segundo a qual a segunda fracção do auxílio podia ser compatível com o
mercado comum sem que existisse um plano de reestruturação visando
restabelecer a viabilidade a longo prazo da Aer Lingus; a razão pela qual
a Comissão não exigiu a venda pela Aer Lingus dos hotéis Copthorne; a
conclusão de que o auxílio podia ser aprovado apesar da situação financeirado grupo Aer Lingus e da companhia aérea; o prazo necessário para
concluir o plano de reestruturação.
Argumentos da Comissão e dos intervenientes
- 66.
- A Comissão argumenta antes de mais que a decisão controvertida é, na realidade,
um instrumento híbrido, visto que contém simultaneamente uma derrogação à
alínea a) do artigo 1.° da decisão de 1993 e comentários feitos nos termos da alínea
b) do artigo 1.° da mesma decisão. Tais comentários não constituem acto
susceptível de recurso na acepção do artigo 191.° do Tratado, não podendo pois ser
objecto de fiscalização jurisdicional (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de
Janeiro de 1981, Denkavit Nederland, 35/80, Recueil, p. 45, n.° 35).
- 67.
- A compatibilidade do auxílio enquanto auxílio à reestruturação, na acepção da
alínea c) do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado, foi examinada, quanto ao fundo, na
decisão de 1993. O pagamento de 175 milhões de IRL à Aer Lingus fora já
autorizado por essa decisão.
- 68.
- Daqui decorre que a Comissão, quando prevê a liberação de uma nova fracção do
auxílio nos termos de um plano de reestruturação já aprovado, não está autorizada
nem, a fortiori, obrigada a examinar de novo se o pagamento dessa nova fracção é
compatível com a alínea c) do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado (v. acórdão do
Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Itália/Comissão, C-47/91, Colect.,
p. I-4635). A Comissão apenas pode proceder a esse exame se tiver emitido uma
reserva específica nesse sentido na aprovação inicial ou se concluir de um exame
prévio que as condições fixadas na decisão inicial não foram integralmente
satisfeitas.
- 69.
- Em consequência, apenas seria necessária nova decisão se não tivesse sido atingida
a redução dos custos de 50 milhões de IRL prevista na alínea a) do artigo 1.° da
decisão de 1993. Ao proceder ao reexame da compatibilidade do auxílio em
circunstâncias específicas, a Comissão estava obrigada a tomar em consideração o
contexto já analisado na decisão de 1993, bem como as obrigações eventualmente
decorrentes da anterior decisão para o Estado em causa (acórdão do Tribunal de
Justiça de 3 de Outubro de 1991, Itália/Comissão, Colect., p. I-4437). Assim, a
Comissão não estava obrigada a reexaminar de novo todos os aspectos do plano de
reestruturação. Bastava-lhe concentrar-se sobre os elementos que se haviam
alterado após a apreciação inicial.
- 70.
- Por outro lado, a Comissão apenas é obrigada a dar início ao procedimento
previsto no n.° 2 do artigo 93.° do Tratado caso tenha dúvidas quanto à
compatibilidade de um auxílio e se tais dúvidas não puderem ser ultrapassadas
durante o exame preliminar. Para a Comissão, as dúvidas, fossem elas quais fossem
no início, nunca foram sérias e, de qualquer modo, o exame preliminar resolveu-as.
- 71.
- A Comissão sublinha que, antes de adoptar a decisão controvertida, recebeu um
relatório do Governo irlandês, de 3 de Novembro de 1994, que confirmava o
cumprimento das condições estabelecidas na decisão de 1993 (excepto quanto à
redução dos custos de 50 milhões de IRL a nível do grupo), bem como um
relatório da Aer Lingus sobre o progresso do programa de reestruturação e um
relatório da Arthur Andersen & Co, encarregada pelo Governo irlandês, enquanto
perito contabilístico independente, de verificar as informações financeiras prestadas
pela Aer Lingus. Além disso, a própria Comissão verificou as informações
prestadas recorrendo à Coopers & Lybrand, empresa de consultadoria com
experiência na matéria, que entregou o seu relatório em 9 de Dezembro de 1994.
- 72.
- Resulta de tais relatórios ter-se verificado um progresso significativo no que
respeita às diversas medidas de reestruturação previstas no plano Cahill. As
verificações feitas pela Arthur Andersen & Co e pela Coopers & Lybrand
demonstraram designadamente que a rentabilidade da companhia aérea bem como
a redução das dívidas haviam ultrapassado os objectivos previstos no plano. Apesar
de as provisões excepcionais terem sido mais elevadas do que o previsto - em
consequência de encargos com os despedimentos superiores às previsões - os
consultores concluíram que os resultados eram conformes com o objectivo do
regresso da Aer Lingus a uma situação de viabilidade, apesar das dificuldades e
atrasos relativos à Team.
- 73.
- No que se refere à redução dos custos anuais de 50 milhões de IRL, resulta dos
relatórios dos peritos que a companhia aérea conseguiu uma redução de custos de
61,1 milhões de IRL. Contudo, o objectivo de 50 milhões de IRL não foi atingido
a nível do grupo uma vez que determinadas economias realizadas pela companhia
aérea o foram à custa da Team. Com efeito, enquanto, antes da revisão dos
contratos de manutenção celebrados em 1993 entre a companhia aérea e a Team,
aquela pagava à segunda preços superiores aos do mercado, o que representava
uma subvenção cruzada para a Team, depois da revisão dos contratos passou a
remunerar os trabalhos de manutenção efectuados pela Team a preços de
mercado. Considerando que as economias efectuadas pela companhia aérea no
âmbito do seu contrato com a Team não podiam ser consideradas uma verdadeira
redução dos custos pelo grupo, a Comissão chegou à conclusão de que a redução
efectiva dos custos, a nível do grupo, foi de 42,4 milhões de IRL, ou seja, 7,6
milhões de IRL abaixo do objectivo de 50 milhões de IRL. Com excepção desta
reserva, a Comissão entendeu que a Aer Lingus atingira amplamente os objectivos
do plano Cahill, tendo sido cumpridas todas as demais condições da decisão de
1993.
- 74.
- Em tais circunstâncias, e dada a complexidade de uma reorganização como a
levada a cabo pela Aer Lingus e o facto de, por natureza, qualquer reorganização
se basear em previsões, das quais algumas se podem revelar erradas, a Comissão
constatou que as divergências efectivas em relação ao plano Cahill eram
relativamente menores e diziam respeito a uma única das condições de autorizaçãodo auxílio à reestruturação, pelo que nem a execução do plano Cahill nem o seu
objectivo, a saber, o restabelecimento do grupo Aer Lingus como entidade viável
e autónoma no plano financeiro, estavam ameaçados.
- 75.
- No que se refere mais especificamente à questão de saber se o auxílio facilita o
desenvolvimento de certas actividades económicas, na acepção da alínea c) do n.° 3
do artigo 92.° do Tratado, a Comissão concluiu que o programa de reestruturação
estava bem encaminhado e que o objectivo global era ainda realizável, apesar de
o objectivo da redução de custos não ter sido inteiramente alcançado.
- 76.
- No que se refere ao efeito do auxílio sobre as condições das trocas comerciais, o
facto de os custos da reestruturação serem mais elevados do que o previsto não
afectou a concorrência entre as empresas transportadoras. A maior parte da
primeira fracção do auxílio (57 dos 75 milhões de IRL) foi utilizada para financiar
os despedimentos e custos associados e o saldo foi utilizado para reduzir a dívida.
O facto de o objectivo de redução dos custos em 50 milhões de IRL não ter sido
atingido não teve qualquer consequência negativa para os concorrentes da Aer
Lingus.
- 77.
- Por último, a Comissão contesta a procedência dos argumentos específicos da
recorrente relativos à Team, às linhas regionais no Reino Unido, aos aviões BAe
146, à situação financeira da companhia aérea e do grupo Aer Lingus e à cadeia
de hotéis Copthorne. A Comissão entende que a decisão não está viciada por falta
de fundamentação.
- 78.
- A Aer Lingus e a Irlanda apoiam os argumentos da Comissão. A Aer Lingus
sublinha designadamente não ter havido greve na Team, mas antes a colocação
pela direcção de grande parte do pessoal em situação de desemprego por razões
técnicas. O plano de reestruturação já foi cumprido, tendo a terceira fracção do
auxílio sido autorizada pela Comissão por decisão de 20 de Dezembro de 1995,
intitulada «Pagamento da terceira fracção do auxílio a favor da Aer Lingus
aprovado pela decisão da Comissão [de 1993]» (JO 1996, C 370, p. 2). Os hotéis
Copthorne foram vendidos em 1995. A Aer Lingus acrescenta que os aviões BAe
146 apenas foram introduzidos a partir de Maio e Junho de 1995. Os alugueres
mensais pagos pelos aviões BAe 146 são inferiores aos anteriores encargos
financeiros relativos aos aviões Saab que aqueles substituíram.
Apreciação do Tribunal
Quanto à natureza do acto impugnado
- 79.
- Cabe examinar, antes de mais, o argumento da Comissão de que a decisão
controvertida reveste natureza «híbrida» e contém, por um lado, determinadasconstatações quanto ao não cumprimento pela Aer Lingus da condição constante
da alínea a) do artigo 1.° da decisão de 1993 e, por outro, meros «comentários»,
não susceptíveis de recurso, emitidos pela Comissão sobre outros aspectos daevolução do programa de reestruturação e do grupo Aer Lingus, de acordo com
a alínea b) do artigo 1.° da decisão de 1993.
- 80.
- A este respeito, decorre da decisão controvertida que, antes de aprovar o
pagamento da segunda fracção do auxílio, a Comissão examinou não apenas as
razões pelas quais a Aer Lingus não tinha podido cumprir a condição estabelecida
na alínea a) do artigo 1.° da decisão de 1993, mas também o progresso do plano
de reestruturação em todos os seus aspectos, a situação financeira do grupo Aer
Lingus e da companhia aérea, a estratégia adoptada nas linhas regionais no Reino
Unido, as alterações propostas na frota da Aer Lingus e a situação do projecto de
venda da cadeia de hotéis Copthorne. Decorre também do vigésimo quinto
parágrafo da decisão controvertida que só «à luz» da apreciação que fez do
conjunto de elementos acima referidos é que a Comissão derrogou a sua decisão
de 1993 e autorizou o Governo irlandês a pagar a segunda fracção do auxílio à Aer
Lingus.
- 81.
- Decorre também do mesmo parágrafo da decisão controvertida que as obrigações
suplementares impostas à Irlanda incidiam não apenas sobre a redução de custos
de 50 milhões de IRL referida na alínea a) do artigo 1.° da decisão de 1993, mas
também sobre o conjunto dos elementos de apreciação expostos pela Comissão
nesta decisão.
- 82.
- Em consequência, os fundamentos da decisão controvertida que não os
directamente relativos à redução de custos em 50 milhões de IRL por ano referidos
na alínea a) do artigo 1.° da decisão de 1993 não podem ser considerados meros
«comentários» desprovidos de consequências jurídicas, mas fazem parte integrante
do acto impugnado no caso vertente. Daqui decorre igualmente que, pela sua
própria natureza, é o conjunto da decisão controvertida que lesa a recorrente.
- 83.
- Conclui-se assim que a totalidade da decisão controvertida está sujeita à
fiscalização jurisdicional do Tribunal de Primeira Instância, nas condições
estabelecidas no segundo parágrafo do artigo 173.° do Tratado.
Quanto ao fundamento baseado em violação de formalidades essenciais
- 84.
- É pacífico que, por força da condição imposta pela alínea a) do artigo 1.° da
decisão de 1993, a Irlanda se tinha obrigado a não liberar a segunda fracção do
auxílio se a Aer Lingus não conseguisse atingir o objectivo de redução dos custos
em 50 milhões de IRL por ano. Decorre também da decisão de 1993, secção VI,
que as condições estabelecidas na alínea a) do artigo 1.° foram impostas «para
assegurar que o auxílio [não afectasse] negativamente as condições comerciais
numa medida contrária ao interesse comum». Nos termos da secção V, vigésimo
primeiro parágrafo, n.° 4, da mesma decisão, a revisão de custos prevista no plano
de reestruturação era, para a Comissão, «condição essencial» para o pagamento
das segunda e terceira fracções do auxílio.
- 85.
- Coloca-se, pois, no caso vertente, a questão de saber que procedimento
administrativo deve ser adoptado pela Comissão quando, nos termos da alínea c)
do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado, na sequência de um procedimento nos termos
do n.° 2 do artigo 93.°, aprova um auxílio de Estado repartido em fracções, sob
reserva do cumprimento de determinadas condições, mas verifica, em seguida, que
uma delas não foi respeitada.
- 86.
- O Tribunal considera, antes de mais, que o não cumprimento de uma condição
imposta numa decisão de aprovação de um auxílio nos termos da alínea c) do n.° 3
do artigo 92.° do Tratado tem por consequência que as subsequentes fracções do
auxílio se devem presumir incompatíveis com o mercado comum. Daqui decorre
que as fracções seguintes não podem ser liberadas sem nova decisão da Comissão
que estabeleça uma derrogação formal à referida condição.
- 87.
- Em tais circunstâncias, compete à Comissão, em primeiro lugar, examinar se tal
derrogação pode ser concedida, certificando-se ao mesmo tempo que as fracções
seguintes do auxílio ainda são compatíveis com o mercado comum nas condições
estabelecidas na alínea c) do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado (v., por analogia, o
acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Itália/Comissão, já
referido, n.os 24 a 26). Se tal exame conduzir a Comissão à convicção de que as
fracções seguintes do auxílio já não são compatíveis com o mercado comum ou se
não lhe permitiu ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da
compatibilidade com o mercado comum das frações seguintes, aquela instituição
tem o dever de obter todos os pareceres necessários e, para esse efeito, dar início
ou, sendo caso disso, reabrir o procedimento previsto no n.° 2 do artigo 93.° do
Tratado (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça Cook/Comissão, já
referido, n.° 29, e de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval, C-367/95 P, Colect.,
p. I-1719, n.os 38 a 40). Conclui-se também, por analogia com o n.° 3 do artigo 93.°
do Tratado, que, em tal caso, o pagamento do auxílio em causa deve ser suspenso
até a Comissão adoptar uma decisão final.
- 88.
- O Tribunal entende, além disso, que a Comissão, caso tenha adoptado uma decisão
de aprovação de um auxílio sujeita a condições na sequência de um procedimento
nos termos do n.° 2 do artigo 93.°, não está autorizada a sair do âmbito da decisão
inicial sem reabrir o referido procedimento. Daqui resulta que, caso não esteja
preenchida uma das condições a que foi sujeita a aprovação do auxílio, a Comissão
apenas pode normalmente adoptar uma decisão de derrogação a tal condição sem
reabrir o procedimento previsto no n.° 2 do artigo 93.° do Tratado na hipótese de
divergências relativamente menores em relação à condição inicial, de tal forma que
não tenha dúvidas quanto ao facto de o auxílio em causa se manter compatível com
o mercado comum.
- 89.
- Cabe acrescentar que, tratando-se, como sucede no caso vertente, de um auxílio
já aprovado quanto ao seu princípio, pago em fracções sucessivas durante um
período relativamente longo em associação com um plano de reestruturação cujos
resultados apenas serão atingidos após determinado número de anos, a Comissãodeve gozar de algum poder de gestão e de fiscalização quanto à aplicação de tal
auxílio, tendo designadamente em vista permitir-lhe fazer face a desenvolvimentos
que não podiam ser previstos aquando da adopção da decisão inicial. Não é pois
de excluir que a Comissão possa designadamente, à luz de uma alteração de
circunstâncias externas posterior à decisão inicial, adaptar as condições que regem
as modalidades de aplicação do plano de reestruturação ou da fiscalização que dele
faz sem reabrir o procedimento previsto no n.° 2 do artigo 93.° do Tratado, na
condição contudo de tais adaptações não suscitarem dúvidas quanto à
compatibilidade com o mercado comum do auxílio em causa.
- 90.
- Cabe pois verificar se, no caso vertente, a recorrente provou que a Comissão saiu
do âmbito da decisão de 1993 sem reabrir o procedimento previsto no n.° 2 do
artigo 93.° do Tratado ou que as apreciações em que se baseou na decisão
controvertida apresentavam dificuldades susceptíveis de justificar a reabertura do
referido procedimento (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 1993,
Matra/Comissão, C-225/91, Colect., p. I-3203, n.° 34). É jurisprudência constante
que, para a aplicação do n.° 3 do artigo 93.° e da alínea c) do n.° 3 do artigo 92.°
do Tratado, a Comissão goza de um amplo poder discricionário cujo exercício
envolve apreciações de ordem económica e social. A fiscalização do Tribunal deve,
pois, limitar-se a examinar se a Comissão não excedeu os limites inerentes ao seu
poder de apreciação dos factos ou cometeu um desvio de poder ou de processo
(acórdão Matra/Comissão, já referidos, n.os 23 a 25). Esta jurisprudência é aplicável
por analogia ao caso vertente.
- 91.
- No que se refere à questão de saber se a Comissão saiu do âmbito da decisão de
1993 ao estabelecer uma derrogação à condição prevista na alínea a) do respectivo
artigo 1.°, o Tribunal salienta, em primeiro lugar, que resulta da decisão
controvertida que a Comissão, com base nas verificações efectuadas pela Arthur
Andersen & Co e pela Coopers & Lybrand, fez as seguintes constatações:
- «os resultados no sector dos transportes aéreos, em conformidade com o
objectivo final da reestruturação, são reveladores das potencialidades do
grupo para atingir uma situação viável, permitindo-lhe contribuir para o
desenvolvimento das actividades de transporte aéreo numa área periférica
da Comunidade» pelo que «tendo em conta o que precede, nomeadamente
as questões relacionadas com as modificações estruturais e estratégicas, a
Comissão considera que a Aer Lingus atingiu, no que se refere ao período
em análise, os objectivos fixados de forma razoável no programa» (vigésimo
terceiro parágrafo);
- tinha sido dado cumprimento às condições previstas no artigo 1.° da decisão
que não as previstas na alínea a) (vigésimo quarto parágrafo);
- «os progressos do plano de reestruturação e os resultados já obtidos são
satisfatórios, apesar do objectivo de redução anual dos custos apenas tersido alcançado pela companhia aérea e não por todo o grupo, devido às
circunstâncias acima mencionadas [...]» (vigésimo quinto parágrafo).
- 92.
- O Tribunal salienta, em segundo lugar, que, na decisão controvertida, a Comissão
não dispensou a Aer Lingus do cumprimento da condição prevista na alínea a) do
artigo 1.° da decisão de 1993, tendo apenas prorrogado o prazo de cumprimento
de tal condição. Decorre, com efeito, do conjunto da decisão controvertida que a
Comissão, apesar de ter derrogado os termos da alínea a) do artigo 1.° da decisão
de 1993, de acordo com as quais deveria ser obtida uma redução de custos de 50
milhões de IRL por ano antes do pagamento da segunda fracção do auxílio
previsto para finais de 1994, sublinhou o facto de tal condição ter sido cumprida
antes do pagamento da terceira fracção do auxílio, previsto para finais de 1995.
- 93.
- O Tribunal considera, em terceiro lugar, que o objectivo da condição prevista na
alínea a) do artigo 1.° da decisão de 1993 foi amplamente respeitado, apesar de
não ter sido atingido o limite mínimo de redução de custos em 50 milhões de IRL
por ano. Com efeito, não cabe duvidar da afirmação da Comissão de que, no final
de 1994, a companhia aérea atingira uma redução de custos de 61 milhões de IRL.
Contudo, sendo esse resultado da companhia aérea parcialmente devido à
diminuição de preços prevista no contrato de manutenção celebrado entre a
companhia aérea e a Team (v., supra, n.° 73), que teve por efeito aumentar as
perdas desta última, a Comissão chegou à conclusão de que a redução efectiva de
custos, a nível de grupo, foi de 42,4 milhões de IRL. Daqui resulta que as reduções
de custos obtidas a nível de grupo no final de 1994 eram inferiores em apenas 7,6
milhões de IRL ao limite mínimo formal de 50 milhões de IRL. O Tribunal
entende que se trata de uma divergência relativamente menor em relação à
condição estabelecida na alínea a) do artigo 1.° da decisão de 1993.
- 94.
- Em quarto lugar, como é pacífico, o facto de o limite mínimo de redução de custosem 50 milhões de IRL por ano não ter sido atingido é, no essencial, imputável ao
conflito social ocorrido na Team durante o segundo semestre de 1994. Apesar de
ser lamentável que as negociações entre a Aer Lingus e os seus sindicatos, no
âmbito do plano Cahill, não tenham implicado os representantes dos empregados
da Team, o Tribunal entende que o conflito social verificado na Team em 1994 e
a consequente intervenção do Labour Court não eram elementos previsíveis
aquando da adopção da decisão de 1993.
- 95.
- Em quinto lugar, o Tribunal sublinha que a decisão controvertida não comporta
apenas uma derrogação à alínea a) do artigo 1.° da decisão de 1993, contendo
também condições mais estritas do que as inicialmente previstas na alínea b) do
artigo 1.° da mesma decisão. Com efeito, a decisão controvertida impõe novas
condições que obrigam a Aer Lingus a, por um lado, apresentar até 30 de Junho
de 1996 um relatório pormenorizado sobre os progressos do programa de
reestruturação na empresa Team e a implementá-lo o mais rapidamente possível
e, por outro, fornecer à Comissão, o mais tardar oito semanas antes da data de
pagamento da terceira fracção do auxílio, um relatório financeiro muitopormenorizado incidindo designadamente sobre a redução de custos em 50 milhões
de IRL, a venda da cadeia de hotéis Copthorne e a rentabilidade das diversas
categorias de rotas da Aer Lingus.
- 96.
- Resulta do que precede que, ao estabelecer uma derrogação limitada no tempo à
alínea a) do artigo 1.° da decisão de 1993, a Comissão não saiu do âmbito desta
última decisão. Procedeu, com efeito, ao reequilíbrio das condições estabelecidas
nas alíneas a) e b) do artigo 1.° da decisão de 1993, no intuito, designadamente, de
fazer face a uma evolução não prevista da situação após a adopção dessa decisão
e a atender aos elementos revelados pelo exame detalhado que a Comissão
efectuou, com os seus peritos, dos progressos do plano de reestruturação até finais
de 1994. O Tribunal entende que tal posicionamento é aliás conforme com o
objectivo do plano de reestruturação aprovado pela decisão de 1993, a saber,
restabelecer a viabilidade do grupo Aer Lingus e, designadamente, da companhia
aérea.
- 97.
- Em tais circunstâncias, o Tribunal entende que a Comissão podia adoptar a decisão
controvertida na medida em que estava em condições de ultrapassar todas as
dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade com o mercado comum
da fracção em causa.
- 98.
- Cabe pois verificar se, apesar das considerações já expendidas pelo Tribunal, os
elementos específicos invocados pela recorrente deviam ter conduzido a Comissão
a ter dúvidas sobre a compatibilidade com o mercado comum da segunda fracção
do auxílio, o que a obrigaria a reabrir o procedimento previsto no n.° 2 do artigo
93.° do Tratado.
- Team
- 99.
- Quanto aos argumentos da recorrente relativos à Team (v. supra n.os 36 e segs.),
é verdade que a Comissão afirmou, na decisão controvertida, que «a incapacidade
de solucionar o problema do contínuo défice da Team poderá ter repercussões
sobre o plano de reestruturação». É certo também que, no final de 1994, não
existia plano de reestruturação adequado para reconduzir a Team a uma situação
de viabilidade, como o confirmam tanto as declarações do presidente da Aer
Lingus e do ministro dos Transportes, da Energia e das Comunicações (v. supra
n.° 39) como o facto de a própria Comissão ter exigido que tal plano lhe fosse
submetido até 30 de Junho de 1995.
- 100.
- É igualmente pacífico que, para ultrapassar tais dificuldades, a Comissão decidiu
impor à Irlanda a nova condição referida na decisão controvertida (vigésimo quinto
parágrafo, primeiro travessão), nos termos da qual a Irlanda deveria, antes do
pagamento da terceira fracção do auxílio, por um lado «apresentar à Comissão, até
30 de Junho de 1996, um relatório sobre os progressos do programa de
reestruturação na empresa Team e sobre a sua evolução financeira e económica,incluindo as projecções financeiras em que se [baseava] a estratégia da empresa»
e, por outro, implementar o programa de reestruturação da Team «o mais
rapidamente possível, com base numa estratégia comercial adequada e numa
estrutura de capital sólida».
- 101.
- O Tribunal entende que, ao procurar resolver os problemas da Team desta forma,
em vez de abrir o procedimento previsto no n.° 2 do artigo 93.°, a Comissão não
excedeu os limites do seu poder de gestão e fiscalização de um auxílio repartido
em fracções.
- 102.
- Em primeiro lugar, com efeito, o Tribunal não descortina qualquer razão para
duvidar da afirmação feita nos articulados da Comissão de que, a partir do
momento em que o trabalho foi retomado na Team depois das recomendações do
Labour Court, foram efectuadas nesta empresa reduções de custos avaliadas em
18 milhões de IRL, pelo que a Team deixou de constituir um obstáculo ao
objectivo de redução de custos, pelo grupo Aer Lingus, em 50 milhões de IRL por
ano.
- 103.
- Em segundo lugar, a recorrente não forneceu elementos concretos susceptíveis de
pôr em causa a decisão controvertida quando afirma que a Team «poderia retomar
uma situação de rentabilidade operacional em 1995» tendo em conta as últimas
previsões da Aer Lingus e os novos contratos de manutenção. Decorre
designadamente dos articulados da Comissão que, no final de 1994, haviam sido
despedidos desde 1992/1993 250 empregados da Team, com um custo de 24
milhões de IRL. De igual modo, a recorrente não impugnou a lista de contratos de
manutenção de que a Team dispunha em finais de 1994, apresentada pela
Comissão ao Tribunal.
- 104.
- Em terceiro lugar, sendo embora verdade que o conflito social de 1994 foi
consequência da aplicação à Team do plano Cahill, é também pacífico que, em
seguida, a necessidade de preparar novo plano para a Team, no início de 1995,
resultou de dois outros factores externos e não previsíveis, a saber, as flutuações
da taxa de câmbio relativamente ao dólar e a recessão no mercado global da
manutenção (v. declarações do presidente da Aer Lingus a este respeito no
relatório anual da Aer Lingus relativo ao período encerrado em 31 de Dezembro
de 1994).
- 105.
- Em quarto lugar, a Team era uma mera actividade subsidiária do grupo Aer
Lingus, representando 12% do seu volume de negócios.
- 106.
- Em tais circunstâncias, o Tribunal entende que, atendendo designadamente à
importância subsidiária da Team relativamente às actividades totais do grupo Aer
Lingus e à natureza imprevisível dos factores que originaram as perdas verificadas
naquela empresa, a Comissão tinha o direito de decidir que as dificuldades
resultantes da situação da Team podiam ser ultrapassadas pela imposição da novacondição acima referida, sem que fosse necessário reabrir o procedimento previsto
no n.° 2 do artigo 93.° do Tratado.
- 107.
- Com efeito, tal solução permitia à Comissão garantir, por um lado, que os
problemas da Team não poriam em causa o plano de reestruturação no que se
refere ao grupo em si e, por outro, que o êxito do plano de reestruturação também
não seria posto em causa pela suspensão do pagamento da segunda fracção do
auxílio que decorreria da instauração do procedimento previsto no n.° 2 do artigo
93.° do Tratado.
- Linhas regionais no Reino Unido
- 108.
- Quanto aos argumentos da recorrente relativos às linhas regionais com destino ao
Reino Unido (v., supra, n.os 46 e segs.), decorre da decisão controvertida que,
quando foi adoptada, tais linhas eram deficitárias, diversamente do que sucedia
com os serviços da Aer Lingus com destino à América do Norte, com a ligação
Dublin/Londres e com as linhas europeias, cujos resultados eram satisfatórios
(vigésimo primeiro parágrafo). Decorre também da decisão de 1993 (secção II,
primeiro parágrafo, n.° 5) que o Governo irlandês afirmou que a injecção de capital
«não [seria] utilizada para subsidiar rotas que [registassem] prejuízos» e que «na
sequência da reestruturação, o Governo [exigiria] que a companhia aérea
[operasse] em cada grupo de rotas importantes de uma forma que [fosse] viável
comercialmente».
- 109.
- É contudo forçoso reconhecer que o artigo 1.° da decisão de 1993 não contém
qualquer condição expressa visando garantir que um grupo de rotas da Aer Lingus
jamais seja deficitário.
- 110.
- O Tribunal entende, além disso, que o Governo irlandês não se comprometeu, nem
sequer implicitamente, a conseguir que todas as linhas deficitárias da Aer Lingus
fossem eliminadas antes do pagamento da segunda fracção do auxílio, ou seja,
durante o primeiro ano subsequente à aprovação do plano de reestruturação cuja
realização foi prevista para durar três anos.
- 111.
- Decorre ainda dos articulados das partes que a situação concorrencial nas linhas
regionais com destino ao Reino Unido evoluiu desde a adopção da decisão
controvertida, designadamente em consequência da introdução de novos serviços
pela própria recorrente.
- 112.
- Foi neste contexto que a Comissão afirmou perante o Tribunal ter julgado
prematuro, com base no estudo efectuado a seu pedido pela Coopers & Lybrand
no final de 1994, decidir se a estratégia da Aer Lingus nas linhas regionais com
destino ao Reino Unido se justificava a longo prazo.
- 113.
- A Comissão referiu, assim, na decisão controvertida (vigésimo primeiro e vigésimo
segundo parágrafos):
«[...] O Governo irlandês deverá justificar a exploração destas rotas numa
perspectiva a mais longo prazo. Esta justificação deverá ser efectuada através de
uma comparação entre as receitas e os custos inteiramente afectados à rota em
questão e a necessidade de obter um rendimento adequado do capital investido.
O ano de 1995 será decisivo neste contexto, uma vez que poderá confirmar se a
Aer Lingus continua a seguir o rumo correcto, em direcção a uma viabilidade
comercial duradoura.
Consequentemente, a Aer Lingus deverá demonstrar que pode explorar estas rotas
com um nível aceitável de rentabilidade [...]»
- 114.
- Sendo embora verdade que a estratégia a que se refere a decisão controvertida,
segundo a qual as rotas regionais com destino ao Reino Unido eram utilizadas para
alimentar as rotas do Atlântico Norte da Aer Lingus, apenas constitui justificação
parcial para a aceitação das perdas contínuas nas rotas regionais em causa, os
elementos fornecidos pela recorrente não permitem ao Tribunal afastar a
explicação da Comissão de que, na altura, considerou ser prematuro pronunciar-se
sobre a justificação a longo prazo da política da Aer Lingus quanto a tais rotas.
- 115.
- Atendendo ao conjunto destes elementos, e designadamente à evolução da situação
concorrencial desde a adopção da decisão de 1993, bem como ao facto de as linhas
regionais no Reino Unido apenas representarem uma parte das actividades aéreas
da Aer Lingus, o Tribunal entende que a recorrente não provou que a Comissão
ultrapassou a margem de apreciação de que goza na gestão e fiscalização de um
auxílio repartido em fracções ao decidir ser adequado abordar os problemas
eventualmente suscitados pela exploração pela Aer Lingus das rotas regionais com
destino ao Reino Unido através da exigência de uma justificação pormenorizada
da exploração de tais rotas a longo prazo antes do pagamento da terceira fracção
do auxílio, em vez de abrir o procedimento previsto no n.° 2 do artigo 93.° do
Tratado antes do pagamento da segunda fracção.
- 116.
- Com efeito, a situação adoptada pela Comissão permitiu-lhe garantir de forma
adequada que as rotas em causa se tornariam rentáveis antes do pagamento da
terceira fracção, ou seja, durante o período previsto para a realização do plano dereestruturação, sem correr o risco de o êxito de tal plano ser posto em causa pela
reabertura do procedimento previsto no n.° 2 do artigo 93.° do Tratado
- Os aviões BAe 146
- 117.
- O Tribunal entende, antes de mais, não ser de acolher o argumento da recorrente
de que a aquisição pela Aer Lingus de três aviões BAe 146 de 110 lugares, para
substituir quatro Saab SF 340 de 34 lugares, foi feita em violação da alínea d) doartigo 1.° da decisão de 1993, em virtude do consequente aumento de lugares (v.,
supra, n.° 54).
- 118.
- O Tribunal entende, com efeito, que o compromisso «de não aumentar a frota em
funcionamento da Aer Lingus», previsto naquela disposição, visava exclusivamente
o número de aviões de que aquela companhia dispunha aquando da adopção da
decisão de 1993.
- 119.
- Tal interpretação é, designadamente, conforme com o conteúdo da decisão de
1993, que:
- refere (secção II, primeiro parágrafo, n.° 5) a afirmação do Governo
irlandês de que «A Aer Lingus não aumentará a frota que tem actualmente
em funcionamento durante o período de reestruturação, excepto nas rotas
transatlânticas, onde podem ser necessários mais aviões para a estação alta
do Verão, a fim de manter os níveis de capacidade, caso os B747-100
actualmente utilizados sejam substituídos por aviões mais pequenos»;
- precisa (em nota de pé de página) quais os aviões então em causa.
- 120.
- Pelo contrário, o Tribunal salienta que o número de lugares é objecto da alínea g)
do artigo 1.° da decisão de 1993, eventualmente alterado nos termos do
procedimento previsto na alínea h) do mesmo artigo. São estas últimas disposições
que reflectem o compromisso do Governo irlandês (secção II, primeiro parágrafo,
n.° 5, da decisão de 1993) de limitar o número de lugares oferecidos para venda
nos serviços regulares da Aer Lingus nas linhas Irlanda/Reino Unido.
- 121.
- Dado que a substituição dos quatro aviões Saab SF 340 por três aviões BAe 146
implica a redução de uma unidade da frota da Aer Lingus, a alínea d) do artigo 1.°
da decisão de 1993 não foi violada. Quanto ao facto de o número de lugares ter
aumentado em consequência, basta constatar que a Aer Lingus não ultrapassou os
limites máximos previstos na alínea g) do artigo 1.° da decisão de 1993, na redacção
dada, nos termos da alínea h) do artigo 1.°, pela decisão da Comissão de 30 de
Novembro de 1994 (v., supra, n.° 6).
- 122.
- Quanto ao argumento da recorrente de que a utilização do auxílio teve por efeito
aumentar o excesso de capacidade nas rotas em causa, apesar de as taxas de
ocupação da Aer Lingus em algumas dessas rotas serem relativamente baixas na
altura, o Tribunal entende que a recorrente não provou que o auxílio foi utilizado
para subsidiar a aquisição dos aviões em causa. Com efeito, decorre dos debates
perante o Tribunal que os aviões BAe 146 não foram comprados pela Aer Lingus,
tendo sido objecto de contratos de aluguer. Além disso, a recorrente não forneceu
elementos susceptíveis de infirmar as afirmações da Comissão e da Aer Lingus de
que os aviões BAe 146 foram alugados por um valor inferior ao pago pelos aviões
Saab SF 340.
- 123.
- O simples facto de, no relatório anual relativo ao exercício encerrado em 31 de
Dezembro de 1994, a Aer Lingus ter constituído uma provisão de 6,5 milhões de
IRL para os encargos decorrentes da denúncia dos contratos relativos aos Saab SF
340 não é suficiente para provar que o auxílio referido na decisão de 1993 foi
utilizado como auxílio ao funcionamento. Como a Comissão precisou nos seus
articulados, sem neste ponto ser contraditada pela recorrente, a maior parte da
primeira fracção do auxílio (57 em 75 milhões de IRL) foi utilizada para financiar
os despedimentos, tendo o saldo sido utilizado para reduzir a dívida.
- 124.
- A recorrente também não impugnou a afirmação da Aer Lingus de que os novos
aviões BAe 146 apenas entraram em serviço em Maio e Junho de 1995, ou seja,
seis meses após a adopção da decisão controvertida.
- 125.
- Em tais circunstâncias, o facto de a Comissão ter expresso determinadas hesitações,
na decisão controvertida, quanto à oportunidade de aumentar a capacidade da Aer
Lingus em determinadas rotas com destino ao Reino Unido, e de ter referido que,
tendo em vista o aumento de capacidade em causa, exigiria determinadas
informações pormenorizadas quanto à rentabilidade das linhas Irlanda/Reino Unido
antes de aprovar a terceira fracção do auxílio não é suficiente para provar que
aquela instituição tinha dúvidas quanto à compatibilidade com o mercado comum
da segunda fracção do auxílio.
- Situação financeira do grupo Aer Lingus e da companhia aérea
- 126.
- No que se refere aos argumentos da recorrente quanto à situação financeira do
grupo Aer Lingus e da companhia aérea (v. supra n.os 55 e segs.), o Tribunal
constata, antes de mais, que a alegação da recorrente de que o objectivo de 50
milhões de IRL em matéria de redução de custos não fora atingido pela companhia
aérea é contraditada pela afirmação da Comissão de que a referida companhia
conseguiu uma redução de custos de 61 milhões de IRL. De igual modo, nenhum
elemento do processo sustenta a afirmação da recorrente de que os preços de
transferência entre a Team e a companhia aérea foram ajustados a níveis inferiores
aos do mercado.
- 127.
- O mero facto de, segundo as contas relativas aos exercícios encerrados em 31 de
Março de 1993 e 31 de Dezembro de 1994, a Aer Lingus ter sofrido consideráveis
perdas, designadamente no que respeita à Team, também não é susceptível de
provar que a Comissão cometeu um erro ao constatar na decisão controvertida
(décimo parágrafo), com base nos relatórios da Arthur Andersen & Co e da
Coopers & Lybrand: «a rentabilidade das actividades relacionadas com o
transporte aéreo melhorou mais rapidamente que o previsto no programa [...]
Prevê-se que a empresa retome a sua viabilidade em 1994, ou seja, mais cedo que
as previsões do programa [...] esta tendência poderá ser considerada positiva,
revelando o êxito do programa de reestruturação».
- 128.
- Com efeito, decorre das contas da Aer Lingus relativas ao exercício encerrado em
31 de Dezembro de 1994, período relevante para efeitos da decisão controvertida,
que o grupo Aer Lingus obteve lucros de 71,1 milhões de IRL antes dos encargos
financeiros e rubricas excepcionais. Os lucros da companhia aérea, deduzidos os
encargos financeiros mas não as rubricas excepcionais foram de 40,9 milhões de
IRL. Daqui resulta que a recorrente de forma alguma demonstrou que a situação
da companhia aérea não era satisfatória em finais de 1994.
- 129.
- No que se refere ao grupo Aer Lingus, se é certo que não atingira ainda em finais
de 1994 uma situação financeira sã, é pacífico que tal se explica por uma
conjugação de factores, designadamente pelas perdas contínuas da Team, pelos
custos de reestruturação mais elevados do que o previsto e pelo adiamento da
venda dos hotéis Copthorne. Além disso, as perdas do grupo cifradas em 129,9
milhões de IRL relativamente ao exercício encerrado em 31 de Dezembro de 1994,
após encargos financeiros e rubricas excepcionais, explicam-se em grande parte
pelas rubricas excepcionais de 139,2 milhões de IRL, que não eram recorrentes.
- 130.
- No que se refere mais especificamente aos custos de reestruturação mais elevados
do que o previsto, decorre da decisão controvertida (décimo quinto parágrafo) que
tal situação de facto se explica por «a maior parte destes custos adicionais
[resultarem] de custos mais elevados a nível dos despedimentos [relacionando-se]
os restantes principalmente com a venda de aviões excedentários». Em seguida, a
Comissão reconheceu na decisão controvertida (décimo sexto parágrafo) que «os
custos adicionais são, na sua maioria, consequência das medidas de reestruturação,
não afectando, na medida em que dizem respeito a indemnizações por
despedimento, a concorrência entre transportadores». A recorrente não forneceu
elementos susceptíveis de pôs em causa tal conclusão da Comissão.
- 131.
- Daqui se conclui que os argumentos da recorrente relativos à situação financeira
da Aer Lingus não são suficientes para provar que a Comissão devia ter tido
dúvidas quanto à compatibilidade com o mercado comum do pagamento da
segunda fracção do auxílio. Pelo contrário, o montante superior dos custos de
reestruturação relativamente às previsões, bem como a venda de aviões
excedentários, mostra que a reestruturação visada no plano Cahill estava
efectivamente em execução. Em tais circunstâncias, é evidente que a Aer Lingus
tinha ainda maior necessidade da segunda fracção do auxílio para completar a
reestruturação e reduzir as dívidas, de acordo com o plano aprovado pela
Comissão.
- 132.
- De igual modo, o facto de a Comissão ter efectivamente reforçado a condição
estabelecida na alínea b) do artigo 1.° da decisão de 1993, ao exigir o fornecimento,
oito semanas antes do pagamento da terceira fracção do auxílio, de um relatório
apresentando dados pormenorizados relativos à redução anual de custos de 50
milhões de IRL, às reduções de custos decorrentes das diferentes medidas de
gestão e às projecções financeiras anuais até 31 de Dezembro de 1999 (vigésimoquinto parágrafo, segundo travessão, da decisão controvertida), não é, por si só,
susceptível de provar que aquela instituição tinha dúvidas quanto à compatibilidade
com o mercado comum da segunda fracção do auxílio. Pelo contrário, esta nova
condição imposta pela Comissão no âmbito da sua competência de gestão e
fiscalização de um auxílio repartido em fracções visa apenas garantir a manutenção
pela Aer Lingus dos progressos até então realizados e o estabelecimento de
condições para a Comissão poder apreciar de novo a sua situação financeira em
tempo útil antes do pagamento da terceira fracção do auxílio.
- A venda da cadeia de hotéis Copthorne
- 133.
- No que se refere aos argumentos da recorrente baseados no facto de, no momento
da adopção da decisão controvertida, os hotéis Copthorne ainda não terem
vendidos como previsto no plano Cahill (v. supra n.os 60 e segs.), cabe salientar que:
- a decisão de 1993 não estabeleceu um prazo preciso para a venda dos
hotéis Copthorne;
- na decisão controvertida (décimo nono parágrafo), foi referido à Aer Lingus
que «a cadeia deverá ser vendida logo que as condições de mercado se
[revelarem] adequadas»;
- é pacífico que a cadeia de hotéis Copthorne foi vendida antes do
pagamento da terceira fracção.
- 134.
- Em tais circunstâncias, a recorrente não provou que o facto de os hotéis Copthorne
não terem sido vendidos antes do pagamento da segunda fracção do auxílio era
susceptível de suscitar dúvidas quanto à respectiva compatibilidade com o mercado
comum, de tal forma que a Comissão se visse obrigada a reabrir o procedimento
previsto no n.° 2 do artigo 93.° do Tratado.
- 135.
- Decorre de tudo o que precede que a recorrente não provou que, nas
circunstâncias do caso vertente, a Comissão devia ter reaberto o procedimento
previsto no n.° 2 do artigo 93.° do Tratado. De igual modo, o Tribunal entende que
a Comissão não estava obrigada a ouvir a recorrente antes de adoptar a decisão
controvertida (v. acórdão Comissão/Sytraval, já referido, n.° 58).
- 136.
- Deve, pois, ser julgado improcedente o fundamento da recorrente baseado em
violação de formalidades essenciais.
Quanto ao fundamento baseado em erro manifesto de apreciação
- 137.
- Em apoio do fundamento baseado num erro manifesto cometido pela Comissão aoapreciar a compatibilidade do auxílio com o mercado comum, nos termos da alínea
c) do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado, a recorrente funda-se, no essencial, nos
argumentos já invocados quanto à Team, às rotas regionais com destino ao ReinoUnido, aos aviões BAe 146, à situação financeira da companhia aérea e do grupo
e à venda da cadeia de hotéis Copthorne. Resulta de tudo o que precede que a
recorrente não provou a existência de tal erro manifesto de apreciação, nem
quanto à questão de saber se o auxílio era susceptível de facilitar certas actividades
económicas nem quanto à questão de saber se o auxílio operava de forma contrária
ao interesse comum. Cabe sublinhar que, na medida em que o exame efectuado
pela Comissão em finais de 1994 revelou determinadas dificuldades na execução
do plano de reestruturação, designadamente no que se refere à Team e às rotas
regionais com destino ao Reino Unido, a Comissão agiu correctamente ao impor
condições suplementares visando garantir que o auxílio se manteria compatível com
o mercado comum.
- 138.
- Conclui-se assim que o fundamento baseado num erro manifesto de apreciação
quanto à compatibilidade com o mercado comum da segunda fracção do auxílio
deve ser julgado improcedente.
Quanto às demais acusações suscitadas pela recorrente
- 139.
- Quanto às demais acusações da recorrente (v. supra n.° 65), o Tribunal constata,
antes de mais, que, contrariamente à afirmação da recorrente, a Comissão
examinou as repercussões do auxílio em causa sobre a concorrência,
designadamente no que se refere aos diversos grupos de rotas servidos pela Aer
Lingus, como decorre da própria decisão controvertida.
- 140.
- O Tribunal não descortina erros de direito na aplicação feita pela Comissão da
alínea c) do n.° 3 do artigo 92.° do Tratado.
- 141.
- O Tribunal entende que a alínea b) do artigo 1.° da decisão de 1993 não pode ser
interpretada como impondo à Aer Lingus a obrigação jurídica de aplicar o plano
Cahill em todos os seus pormenores, sem qualquer possibilidade de adaptação em
função de circunstâncias não previstas no momento da sua adopção. Deve, pois,
ser rejeitado o argumento da recorrente baseado em violação da alínea b), do
artigo 1.° da decisão de 1993.
- 142.
- No que respeita à fundamentação da decisão controvertida, é jurisprudência
constante que a fundamentação exigida pelo artigo 190.° do Tratado deve deixar
transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição por forma
a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao Tribunal
exercer o seu controlo (acórdão Comissão/Sytraval, já referido, n.° 63).
- 143.
- O exame do Tribunal não revelou qualquer falta de fundamentação susceptível de
implicar a anulação da decisão.
- 144.
- Resulta de tudo o que precede que deve ser negado provimento ao recurso na sua
totalidade.
Quanto às despesas
- 145.
- Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte
vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo
a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas da Comissão e do
interveniente Aer Lingus, que assim o requereram.
- 146.
- Por força do primeiro parágrafo do n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de
Processo, os Estados-Membros e as instituições que intervenham no processo
devem suportar as respectivas despesas. Em consequência, a Irlanda suportará as
suas próprias despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada),
decide:
- 1.
- É negado provimento ao recurso.
- 2.
- A recorrente é condenada nas despesas da Comissão e do Aer Lingus Group
plc.
- 3.
- A Irlanda suportará as suas próprias despesas.
KalogeropoulosBriët
Bellamy
Potocki Pirrung
|
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Setembro de 1998.
O secretário
O presidente
H. Jung
A. Kalogeropoulos