Language of document : ECLI:EU:C:2021:239

Processo C165/19 P

A Slovak Telekom a.s.

contra

Comissão Europeia
e
Slovanet, a.s

 Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 25 de março de 2021

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Artigo 102.° TFUE — Abuso de posição dominante — Mercado eslovaco dos serviços de acesso à Internet de alto débito — Obrigação de acesso regulamentar ao lacete local para os operadores que dispõem de um poder significativo — Condições fixadas pelo operador histórico para o acesso desagregado de outros operadores ao lacete local — Caráter indispensável do acesso — Compressão das margens — Custos — Concorrente pelo menos tão eficaz quanto a empresa dominante — Direitos de defesa»

1.        Posição dominante — Abuso — Recusa de uma empresa em posição dominante de permitir a outra empresa aceder a um produto ou a um serviço necessário à sua atividade — Acesso por empresas terceiras ao lacete local do operador histórico no mercado dos serviços de telecomunicações de alto débito — Fixação de condições de acesso iníquas resultantes de uma recusa implícita de acesso — Apreciação do caráter abusivo — Obrigação da Comissão de demonstrar o caráter indispensável do acesso ao lacete local para a entrada no mercado dos operadores concorrentes — Inexistência

(Artigo 102.° TFUE; Acordo EEE, artigo 54.°)

(cf. n.os 40 a 60)

2.        Posição dominante — Abuso — Compressão das margens — Critério do concorrente igualmente eficaz — Ónus da prova do efeito de exclusão que incumbe à Comissão — Comissão baseada nos custos suportados pela empresa dominante — Admissibilidade

[Artigo 102.° TFUE; Acordo EEE, artigo 54.°; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 2.°]

(cf. n.os 40 a 79)

3.        Concorrência — Procedimento administrativo — Comunicação de acusações — Conteúdo necessário — Decisão da Comissão que declara a existência de uma infração — Decisão não idêntica à comunicação de acusações — Violação dos direitos de defesa — Inexistência

(Artigo 102.° TFUE; Acordo EEE, artigo 54.°; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.°, n.° 1)

(cf. n.os 80 a 94)

4.        Posição dominante — Abuso — Compressão das margens — Conceito — Critérios de apreciação — Tomada em conta dos custos dos ativos existentes que refletem os de um concorrente igualmente eficaz

(Artigo 102.° TFUE; Acordo EEE, artigo 54.°)

(cf. n.os 109 a 118)

5.        Direito da União Europeia — Princípios — Igualdade de tratamento — Necessidade de respeitar o princípio da legalidade

(cf. n.° 119)

Resumo

O Tribunal de Justiça nega provimento aos recursos interpostos pela Slovak Telekom e pela Deutsche Telekom do acórdão do Tribunal Geral relativo às práticas anticoncorrenciais no mercado eslovaco das telecomunicações. A coima de 38 061 963 euros, pela qual são solidariamente responsáveis estas duas sociedades, e a que ascende a 19 030 981 euros, imposto unicamente à Deutsche Telekom, mantêmse, portanto, inalteradas.

A Slovak Telekom a.s. (a seguir «ST») oferece, enquanto operador histórico de telecomunicações na Eslováquia, serviços de alto débito nas suas redes fixas de cobre e de fibra ótica. As redes de ST compreendem igualmente o «lacete local», isto é, as linhas físicas que ligam, por um lado, a captação telefónica do assinante e, por outro, o repartidor principal da rede telefónica fixa.

No termo de uma análise do seu mercado nacional, a autoridade reguladora eslovaca em matéria de telecomunicações adotou, em 8 de março de 2005, uma decisão na qual designou a ST como operador com um poder significativo no mercado grossista para o acesso desagregado ao lacete local. Por conseguinte, a ST foi obrigada, por força do quadro regulamentar da União (1), a conceder aos operadores alternativos o acesso ao lacete local de que é proprietária, permitindo assim que novos operadores utilizassem essa infraestrutura para oferecerem os seus próprios serviços aos utilizadores finais.

Em 15 de outubro de 2014, a Comissão adotou uma decisão que aplicou uma sanção à ST e à sua sociedade‑mãe, a Deutsche Telekom AG (a seguir «DT»), por ter abusado da sua posição dominante no mercado eslovaco dos serviços Internet de alto débito, ao limitar o acesso dos operadores alternativos ao seu lacete local entre 2005 e 2010 (a seguir «decisão controvertida»). A Comissão acusava, mais especificamente, a ST e a DT de terem violado o artigo 102.° TFUE ao fixar modalidades e condições iníquas na sua oferta de referência em matéria de acesso desagregado ao seu lacete local e de aplicarem tarifas iníquas que não permitiam a um operador igualmente eficaz reproduzir os serviços de retalho oferecidos pela ST sem incorrer em perdas. Por essa razão, a Comissão aplicou uma coima de 38 838 000 euros, solidariamente à DT e à DT, bem como uma coima de 31 070 000 euros à DT.

Com os Acórdãos de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (2) e Slovak Telekom/Comissão (3), o Tribunal Geral anulou parcialmente a decisão controvertida, fixando a coima pela qual são solidariamente responsáveis a ST e a DT em 38 061 963 euros e aquela pela qual é responsável unicamente esta última em 19 030 981 euros.

Os recursos interpostos pela ST e pela DT foram rejeitados pelo Tribunal de Justiça que precisa, neste âmbito, o alcance do seu Acórdão Bronner (4) a propósito da qualificação de abusiva, na aceção do artigo 102.° TFUE, de uma recusa de acesso às infraestruturas detidas por uma empresa dominante. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça fixou um limite mais elevado para concluir pelo caráter abusivo de uma prática que consiste na recusa, por uma empresa dominante, de colocar uma infraestrutura de que é proprietária à disposição de empresas concorrentes.

Apreciação do Tribunal de Justiça

O Tribunal de Justiça sublinha, antes de mais, que qualquer empresa, mesmo dominante, continua, em princípio, a poder recusar livremente contratar e explorar a infraestrutura que desenvolveu para as suas próprias necessidades O facto de impor a uma empresa dominante, devido à sua recusa abusiva de contratar, a obrigação de contratar com uma empresa concorrente para lhe permitir o acesso à sua própria infraestrutura é, obrigação é particularmente lesiva da liberdade de contratar e do direito de propriedade da empresa dominante. Assim, quando uma empresa dominante se recusa a dar acesso à sua infraestrutura, a decisão de a obrigar a conceder um acesso aos seus concorrentes só se pode justificar, sob o plano da política da concorrência, quando essa empresa dominante dispõe de um verdadeiro controlo no mercado em causa.

O Tribunal de Justiça precisa, em seguida, que a aplicação das condições enunciadas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Bronner, e em especial, da terceira dessas condições, permite determinar se uma empresa dominante dispõe de tal manutenção graças à sua infraestrutura. Segundo esse acórdão, uma empresa dominante pode ser obrigada a dar acesso a uma infraestrutura que tenha desenvolvido para as necessidades da sua própria atividade quando, em primeiro lugar, a recusa desse acesso for suscetível de eliminar qualquer concorrência por parte da empresa concorrente que pede o acesso, em segundo lugar, essa recusa não pode ser objetivamente justificada e, em terceiro lugar, esse acesso é indispensável à atividade da empresa concorrente, a saber, que não há substituto real ou potencial para essa infraestrutura.

Em contrapartida, quando uma empresa dominante dá acesso à sua infraestrutura mas sujeita esse acesso a condições iníquas, as condições enunciadas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Bronner não se aplicam. Com efeito, embora esses comportamentos possam ser abusivos na medida em que podem produzir efeitos anticoncorrenciais nos mercados em causa, não podem ser equiparados a uma recusa de acesso à sua infraestrutura pela empresa dominante, uma vez que as instâncias encarregadas da concorrência não poderão obrigar essa empresa a dar acesso à sua infraestrutura, visto que esse acesso já foi concedido. As medidas que se impuserem nesse contexto serão, portanto, menos lesivas da liberdade de contratar da empresa dominante e do seu direito de propriedade do que o facto de a obrigar a dar acesso à sua infraestrutura quando a reservava para as necessidades da sua própria atividade.

Tendo em conta o quadro regulamentar da União, que impõe que a ST dê acesso ao seu lacete local às empresas concorrentes, o Tribunal de Justiça recorda que este operador de telecomunicações eslovaco não podia e não se recusou verdadeiramente a dar‑lhe acesso. Foi, pelo contrário, em aplicação da sua autonomia decisória quanto à configuração desse acesso que a ST fixou as modalidades e as condições de acesso postas em causa na decisão controvertida. Uma vez que estas não constituíam uma recusa de acesso comparável à que foi objeto do Acórdão Bronner, as condições enunciadas pelo Tribunal de Justiça nessa ocasião não se aplicam no caso em apreço. Contrariamente aos argumentos adiantados pela ST e pela DT, a Comissão não era, por conseguinte, obrigada a demonstrar o caráter indispensável do acesso ao lacete local da ST para a entrada no mercado dos operadores concorrentes, a fim de poder qualificar como abuso de posição dominante as modalidades e as condições de acesso postas em causa.

Uma vez que foram igualmente afastados os restantes fundamentos invocados pela ST e pela DT, relativos, nomeadamente, à apreciação da prática tarifária da ST que conduziu a uma compressão das margens e à imputabilidade da infração à DT enquanto sociedade‑mãe, o Tribunal de Justiça negou provimento aos recursos no seu conjunto.


1      Trata‑se, designadamente, do Regulamento (CE) n.° 2887/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à oferta de acesso desagregado ao lacete local (JO 2000, L 336, p. 4), e pela Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO 2002, L 108, p. 33).


2      T‑827/14, EU:T:2018:930.


3      T‑851/14, EU:T:2018:929.


4      Acórdão de 26 de novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569).