Edição provisória
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
3 de setembro de 2024 (*)
Índice
Quadro jurídico
Antecedentes do litígio
Quanto às empresas e à concentração em causa
Quanto à falta de notificação
Quanto ao pedido de remessa à Comissão
Quanto às decisões controvertidas
Tramitação no Tribunal Geral
Acórdão recorrido
Tramitação no Tribunal de Justiça e pedidos das partes nos presentes recursos do acórdão do Tribunal Geral
Quanto à apensação
Quanto aos pedidos de intervenção
Quanto aos pedidos de tramitação acelerada
Quanto aos pedidos das partes nos presentes recursos
Quanto aos presentes recursos
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal de Justiça
Quanto à interpretação literal
Quanto à interpretação histórica
– Quanto à admissibilidade dos elementos apresentados pela Grail
– Quanto ao mérito
Quanto à interpretação contextual
– Quanto aos elementos contextuais tidos em conta pelo Tribunal Geral
– Quanto aos outros elementos contextuais eventualmente pertinentes
– Conclusão quanto à interpretação contextual
Quanto à interpretação teleológica
Quanto ao recurso no Tribunal Geral
Quanto às despesas
« Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Concentrações — Mercado da indústria farmacêutica — Sistemas de sequenciação genética — Aquisição pela Illumina Inc. do controlo exclusivo da Grail LLC — Regulamento (CE) n.° 139/2004 — Artigo 22.° — Pedido de remessa proveniente de uma autoridade da concorrência não competente, segundo a legislação nacional, para examinar a operação de concentração — Decisão da Comissão Europeia de examinar esta operação — Decisões da Comissão de aceitar os pedidos de outras autoridades nacionais da concorrência para se associarem ao pedido de remessa — Competência da Comissão — Segurança jurídica »
Nos processos apensos C‑611/22 P e C‑625/22 P,
que têm por objeto dois recursos de um acórdão do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos, respetivamente, em 22 e 30 de setembro de 2022,
Illumina Inc., com sede em Wilmington (Estados Unidos), representada por D. Beard, BL, e J. Holmes, barrister, assistidos por P. Chappatte, advocaat, F. E. González Díaz, abogado, G. C. Rizza e M. Siragusa, avvocati, T. Verheyden, avocat, e L. Wright, advocate,
recorrente no processo C‑611/22 P,
apoiada por:
Biocom California, com sede em San Diego (Estados Unidos), representada por B. Amory, É. Barbier de La Serre, A. S. Perraut e L. Van Mullem, avocats,
interveniente no presente recurso,
sendo as outras partes no processo:
Comissão Europeia, representada por G. Conte, N. Khan e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,
recorrida em primeira instância,
República Helénica, representada por K. Boskovits, na qualidade de agente,
República Francesa, representada, inicialmente, por T. Stéhelin e N. Vincent, na qualidade de agentes, e, em seguida, por R. Bénard, T. Lechevallier e T. Stéhelin, na qualidade de agentes,
Reino dos Países Baixos, representado por E. M. M. Besselink, M. K. Bulterman, A. Hanje e P. P. Huurnink, na qualidade de agentes,
Órgão de Fiscalização da EFTA, representado por C. Simpson, M. Sánchez Rydelski e M.‑M. Joséphidès, na qualidade de agentes,
Grail LLC, com sede em Menlo Park (Estados Unidos), representada por A. Giraud, avocat, J. M. Jiménez‑Laiglesia Oñate, abogado, D. Little, solicitor, J. Ruiz Calzado, abogado, e S. Troch, advocaat,
intervenientes em primeira instância,
e
Grail LLC, com sede em Menlo Park (Estados Unidos), representada por A. Giraud, avocat, J. M. Jiménez‑Laiglesia Oñate, abogado, D. Little, solicitor, J. Ruiz Calzado, abogado, e S. Troch, advocaat,
recorrente no processo C‑625/22 P,
apoiada por:
República da Estónia, representada por N. Grünberg, na qualidade de agente,
interveniente no presente recurso,
sendo as outras partes no processo:
Illumina Inc., com sede em Wilmington, representada, inicialmente, por D. Beard, BL, e J. Holmes, barrister, assistidos por B. Cullen, BL, F. E. González Díaz, abogado, G. C. Rizza e M. Siragusa, avvocati, e, em seguida, por D. Beard, BL, e J. Holmes, barrister, assistidos por J. Blanco Carol e F. E. González Díaz, abogados, A. Magraner Oliver, avocate, G. C. Rizza e M. Siragusa, avvocati, e T. Verheyden, avocat,
recorrente em primeira instância,
Comissão Europeia, representada por G. Conte, N. Khan e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,
recorrida em primeira instância,
República Helénica, representada por K. Boskovits, na qualidade de agente,
República Francesa, representada, inicialmente, por T. Stéhelin e N. Vincent, na qualidade de agentes, e, em seguida, por R. Bénard, T. Lechevallier e T. Stéhelin, na qualidade de agentes,
Reino dos Países Baixos, representado por E. M. M. Besselink, M. K. Bulterman, A. Hanje e P. P. Huurnink, na qualidade de agentes,
Órgão de Fiscalização da EFTA, representado por C. Simpson, M. Sánchez Rydelski e M.‑M. Joséphidès, na qualidade de agentes,
intervenientes em primeira instância,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),
composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos e F. Biltgen, presidentes de secção, S. Rodin, P. G. Xuereb, L. S. Rossi, N. Jääskinen, N. Wahl (relator), I. Ziemele e J. Passer, juízes,
advogado‑geral: N. Emiliou,
secretária: A. Lamote, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 12 de dezembro de 2023,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de março de 2024,
profere o presente
Acórdão
1 Com os respetivos recursos, a Illumina Inc. (processo C‑611/22 P) e a Grail LLC (processo C‑625/22 P) pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 13 de julho de 2022, Illumina/Comissão (T‑227/21, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2022:447), pelo qual este negou provimento ao recurso da Illumina destinado à anulação, primeiro, da Decisão C(2021) 2847 final da Comissão Europeia, de 19 de abril de 2021, de aceitar o pedido da autoridade da concorrência francesa para examinar a operação de concentração que tem por objeto a aquisição do controlo exclusivo da Grail pela Illumina (processo COMP/M.10188 — Illumina/Grail) (a seguir «decisão controvertida»), segundo, das Decisões C(2021) 2848 final, C(2021) 2849 final, C(2021) 2851 final, C(2021) 2854 final e C(2021) 2855 final da Comissão, de 19 de abril de 2021, de aceitar os pedidos das autoridades nacionais da concorrência grega, belga, norueguesa, islandesa e neerlandesa para se associarem a esse pedido de remessa (a seguir, designadas conjuntamente com a decisão controvertida, «decisões controvertidas»), e, terceiro, do Ofício da Comissão, de 11 de março de 2021, que informa a Illumina e a Grail do referido pedido de remessa (a seguir «ofício de informação»).
Quadro jurídico
2 Os considerandos 5 a 8 11, 14 a 16, 24 e 25 do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias») (JO 2004, L 24, p. 1), enunciam:
«(5) [...] [É] necessário garantir que o processo de reestruturação não acarrete um prejuízo duradouro para a concorrência. O direito comunitário deverá, consequentemente, conter normas aplicáveis às concentrações suscetíveis de entravar de modo significativo uma concorrência efetiva no mercado comum ou numa parte substancial deste último.
(6) Impõe‑se, por conseguinte, a criação de um instrumento jurídico específico que permita um controlo eficaz de todas as concentrações em função do seu efeito sobre e estrutura da concorrência na Comunidade e que seja o único aplicável às referidas concentrações. O Regulamento (CEE) n.° 4064/89 [do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1989, L 395, p. 1),] permitiu desenvolver uma política comunitária neste domínio. Todavia, é conveniente que hoje, à luz da experiência adquirida, se proceda à reformulação deste regulamento a fim de prever disposições adaptadas aos desafios de um mercado mais integrado e de um futuro alargamento da União Europeia. Em conformidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade consagrados no artigo 5.° [CE], o presente regulamento não excede o necessário para atingir o objetivo de garantir que a concorrência não seja falseada no mercado comum, em conformidade com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência.
(7) Os artigos 81.° e 82.° [CE], embora aplicáveis, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a determinadas concentrações, não são suficientes para abranger todas as operações suscetíveis de se revelarem incompatíveis com o regime de concorrência não falseada previsto no Tratado [CE]. O presente regulamento deverá, por conseguinte, basear‑se não apenas no artigo 83.° [CE], mas principalmente no artigo 308.° [CE], por força do qual a Comunidade se pode dotar dos poderes de ação necessários à realização dos seus objetivos, também no que respeita às concentrações nos mercados dos produtos agrícolas referidos no anexo I do Tratado [CE].
(8) As disposições a adotar no presente regulamento deverão ser aplicáveis às modificações estruturais importantes cujos efeitos no mercado se projetem para além das fronteiras nacionais de um Estado‑Membro. Tais concentrações deverão, regra geral, ser exclusivamente apreciadas a nível comunitário, em conformidade com o sistema de “balcão único” e com o princípio da subsidiariedade. [...]
[...]
(11) As regras em matéria de remessa das concentrações da Comissão para os Estados‑Membros e dos Estados‑Membros para a Comissão deverão funcionar como um mecanismo de correção eficaz à luz do princípio da subsidiariedade. Essas regras protegem de forma adequada os interesses dos Estados‑Membros quanto à concorrência e tomam em devida consideração a necessidade de segurança jurídica e o princípio do “balcão único”.
[...]
(14) A Comissão e as autoridades competentes dos Estados‑Membros deverão associar‑se numa rede de autoridades públicas que apliquem as respetivas competências em estreita cooperação, utilizando mecanismos eficazes de troca de informações e de consulta com o objetivo de garantir que um caso é tratado pela autoridade mais adequada, à luz do princípio da subsidiariedade e a fim de evitar, ao máximo, a apresentação de notificações múltiplas de uma determinada concentração. As remessas de concentrações da Comissão para os Estados‑Membros e dos Estados‑Membros para a Comissão deverão ser feitas de forma eficiente evitando‑se, na medida do possível, situações em que a concentração fique sujeita a remessa tanto antes como depois da sua notificação.
(15) A Comissão deverá poder remeter para um Estado‑Membro concentrações notificadas com dimensão comunitária que ameacem afetar de forma significativa a concorrência num mercado no interior desse Estado‑Membro, que apresente todas as características de um mercado distinto. No caso [de a] concentração afetar a concorrência num mercado deste tipo, que não constitui uma parte substancial do mercado comum, a Comissão será obrigada, mediante pedido, a remeter o caso, na totalidade ou em parte, para o Estado‑Membro em causa. Um Estado‑Membro deverá poder remeter para a Comissão uma concentração que não tenha dimensão comunitária mas que afete o comércio entre os Estados‑Membros e que ameace afetar de forma significativa a concorrência dentro do seu território. Outros Estados‑Membros que sejam também competentes para apreciar a concentração deverão poder associar‑se ao pedido. Nessa situação, por forma a assegurar a eficiência e a previsibilidade do sistema, os prazos nacionais serão suspensos até que tenha sido tomada uma decisão quanto à remessa do caso. A Comissão deverá ter competência para analisar e tratar de uma concentração em nome de um Estado‑Membro requerente ou dos Estados‑Membros requerentes.
(16) Deverá ser concedida às empresas em causa a possibilidade de solicitar remessas para a Comissão ou da Comissão antes de a concentração ser notificada, por forma a melhorar a eficácia do sistema de controlo das concentrações na Comunidade. [...] Mediante pedido das empresas em questão, a Comissão deverá poder remeter para um Estado‑Membro uma concentração com dimensão comunitária que possa afetar significativamente a concorrência num mercado dentro desse Estado‑Membro que apresente todas as características de um mercado distinto. As empresas em causa não deverão, contudo, ser obrigadas a demonstrar que os efeitos da concentração serão prejudiciais para a concorrência. Uma concentração não deverá ser remetida da Comissão para um Estado‑Membro que tenha manifestado o seu desacordo em relação a essa remessa. Antes da notificação às autoridades nacionais, as empresas em causa deverão também poder solicitar que uma concentração sem dimensão comunitária que pode ser apreciada no âmbito da legislação nacional sobre a concorrência de pelo menos três Estados‑Membros seja remetida à Comissão. [...]
[...]
(24) Por forma a garantir um regime de concorrência não falseada no mercado comum, na prossecução de uma política conduzida em conformidade com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência, o presente regulamento deverá permitir o controlo efetivo de todas as concentrações em função dos seus efeitos na concorrência na Comunidade. Por conseguinte, o Regulamento [n.° 4064/89] estabeleceu o princípio segundo o qual as concentrações de dimensão comunitária que criam ou reforçam uma posição dominante de que resulta um entrave significativo da concorrência efetiva no mercado comum ou numa parte substancial deste deverão ser declaradas incompatíveis com o mercado comum.
(25) Tendo em conta as consequências que podem advir das concentrações em estruturas de mercado oligopolísticas, é ainda mais necessário preservar a concorrência nesses mercados. Muitos mercados oligopolísticos apresentam um nível saudável de concorrência. No entanto, em certas circunstâncias, as concentrações que impliquem a eliminação de importantes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam mutuamente, bem como uma redução da pressão concorrencial nos concorrentes remanescentes, podem, mesmo na ausência da possibilidade de coordenação entre os membros do oligopólio, resultar num entrave significativo a uma concorrência efetiva. No entanto, até à data os tribunais comunitários não interpretaram expressamente o Regulamento [n.° 4064/89] como exigindo que as concentrações deem origem a esses efeitos não coordenados para serem declaradas incompatíveis com o mercado comum. Como tal, no interesse da certeza jurídica, deverá ficar claro que o presente regulamento permite o controlo efetivo de todas essas concentrações, uma vez que estabelece que qualquer concentração que entrave significativamente a concorrência efetiva, no mercado comum ou numa parte substancial deste, deverá ser declarada incompatível com o mercado comum. A noção de “entrave significativo a uma concorrência efetiva” que consta dos n.os 3 e 4 do artigo 2.° deverá ser interpretada como abrangendo, para além dos casos em que é aplicável o conceito de posição dominante, apenas os efeitos anticoncorrência de uma concentração resultantes do comportamento não concertado de empresas que não teriam uma posição dominante no mercado em questão.»
3 O artigo 1.° do Regulamento n.° 139/2004, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê:
«1. Sem prejuízo do n.° 5 do artigo 4.° e do artigo 22.°, o presente regulamento é aplicável a todas as concentrações de dimensão comunitária definidas no presente artigo.
2. Uma concentração tem dimensão comunitária quando:
a) O volume de negócios total realizado à escala mundial pelo conjunto das empresas em causa for superior a 5 000 milhões de euros; e
b) O volume de negócios total realizado individualmente na Comunidade por pelo menos duas das empresas em causa for superior a 250 milhões de euros,
a menos que cada uma das empresas em causa realize mais de dois terços do seu volume de negócios total na Comunidade num único Estado‑Membro.
3. Uma concentração que não atinja os limiares estabelecidos no n.° 2 tem dimensão comunitária quando:
a) O volume de negócios total realizado à escala mundial pelo conjunto das empresas em causa for superior a 2 500 milhões de euros;
b) Em cada um de pelo menos três Estados‑Membros, o volume de negócios total realizado pelo conjunto das empresas em causa for superior a 100 milhões de euros;
c) Em cada um de pelo menos três Estados‑Membros considerados para efeitos do disposto na alínea b), o volume de negócios total realizado individualmente por pelo menos duas das empresas em causa for superior a 25 milhões de euros; e
d) O volume de negócios total realizado individualmente na Comunidade por pelo menos duas das empresas em causa for superior a 100 milhões de euros,
a menos que cada uma das empresas em causa realize mais de dois terços do seu volume de negócios total na Comunidade num único Estado‑Membro.
4. Com base em dados estatísticos que poderão ser fornecidos regularmente pelos Estados‑Membros, a Comissão deve apresentar um relatório ao Conselho sobre a aplicação dos limiares e critérios referidos nos n.os 2 e 3 até 1 de julho de 2009 e pode apresentar propostas nos termos do n.° 5.
5. Na sequência do relatório a que se refere o n.° 4, e sob proposta da Comissão, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode rever os limiares e os critérios mencionados no n.° 3.»
4 Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, deste regulamento:
«Realiza‑se uma operação de concentração quando uma mudança de controlo duradoura resulta da:
a) Fusão de duas ou mais empresas ou partes de empresas anteriormente independentes; ou
b) Aquisição por uma ou mais pessoas, que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa, ou por uma ou mais empresas por compra de partes de capital ou de elementos do ativo, por via contratual ou por qualquer outro meio, do controlo direto ou indireto do conjunto ou de partes de uma ou de várias outras empresas.»
5 O artigo 4.° do referido regulamento, com a epígrafe «Notificação prévia das concentrações e remessa anterior à notificação a pedido das partes notificantes», dispõe:
«1. As concentrações de dimensão comunitária abrangidas pelo presente regulamento devem ser notificadas à Comissão antes da sua realização e após a conclusão do acordo, o anúncio da oferta pública de aquisição ou a aquisição de uma participação de controlo.
[...]
2. As concentrações que consistam numa fusão, na aceção da alínea a) do n.° 1 do artigo 3.° ou na aquisição do controlo conjunto, na aceção da alínea b) do n.° 1 do artigo 3.°, devem ser notificadas conjuntamente, consoante o caso, pelas partes intervenientes na fusão ou pelas partes que adquirem o controlo conjunto. Nos restantes casos, a notificação deve ser apresentada pela pessoa ou empresa que adquire o controlo do conjunto ou de partes de uma ou mais empresas.
[...]
4. Antes da notificação de uma concentração, na aceção do n.° 1, as pessoas ou empresas referidas no n.° 2 podem informar a Comissão, através de um memorando fundamentado, que a concentração pode afetar significativamente a concorrência num mercado no interior dum Estado‑Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto, devendo, por conseguinte, ser examinada na sua totalidade ou em parte, por esse Estado‑Membro.
A Comissão deve transmitir sem demora tal memorando a todos os Estados‑Membros. O Estado‑Membro referido no memorando fundamentado deve, no prazo de 15 dias úteis a contar da data de receção do memorando, manifestar o seu acordo ou desacordo relativamente ao pedido de remessa do caso. Se esse Estado‑Membro não tomar uma decisão dentro deste prazo, presumir‑se‑á o seu acordo.
A menos que esse Estado‑Membro manifeste o seu desacordo, a Comissão, se considerar que esse mercado distinto existe e que a concorrência nesse mercado pode ser significativamente afetada pela concentração, poderá decidir remeter o caso, na sua totalidade ou em parte, para as autoridades competentes desse Estado‑Membro, com vista à aplicação da legislação nacional de concorrência desse Estado.
A decisão de remeter ou de não remeter o caso em conformidade com o terceiro parágrafo deve ser tomada no prazo de 25 dias úteis a contar da receção do memorando fundamentado pela Comissão. A Comissão informa os restantes Estados‑Membros e as pessoas ou empresas em causa da sua decisão. Se a Comissão não tomar uma decisão dentro deste prazo, presumir‑se‑á que decidiu remeter o caso em conformidade com o memorando apresentado pelas pessoas ou empresas em causa.
Se a Comissão decidir ou presumir‑se que decidiu, nos termos do terceiro e quarto parágrafos, remeter o caso, na sua totalidade, não é necessário proceder a uma notificação nos termos do n.° 1 e será aplicável a legislação nacional de concorrência. O disposto nos n.os 6 a 9 do artigo 9.° é aplicável mutatis mutandis.
5. No caso de uma concentração tal como definida no artigo 3.° que não tenha dimensão comunitária na aceção do artigo 1.°, e que pode ser apreciada no âmbito da legislação nacional de concorrência de, pelo menos, três Estados‑Membros, as pessoas ou empresas referidas no n.° 2 podem, antes de uma eventual notificação às autoridades competentes, informar a Comissão, através de um memorando fundamentado, que a concentração deve ser examinada pela Comissão.
A Comissão deve transmitir sem demora tal memorando a todos os Estados‑Membros.
Qualquer Estado‑Membro competente para examinar a concentração no âmbito da sua legislação nacional de concorrência pode, no prazo de 15 dias úteis a contar da receção do memorando fundamentado, manifestar o seu desacordo no que respeita ao pedido de remessa do caso.
Sempre que, pelo menos, um desses Estados‑Membros tenha manifestado o seu desacordo nos termos do terceiro parágrafo no prazo de 15 dias úteis, o caso não será remetido. A Comissão deve informar sem demora todos os Estados‑Membros e as pessoas ou empresas em causa de qualquer manifestação de desacordo.
Se nenhum dos Estados‑Membros tiver manifestado o seu desacordo nos termos do terceiro parágrafo no prazo de 15 dias úteis, presumir‑se‑á que a concentração tem dimensão comunitária e será notificada à Comissão em conformidade com os n.os 1 e 2. Nessa situação, nenhum Estado‑Membro aplicará a sua legislação nacional de concorrência à concentração.
[...]»
6 O artigo 9.° do Regulamento n.° 139/2004, com a epígrafe «Remessa às autoridades competentes dos Estados‑Membros», tem a seguinte redação:
«1. A Comissão pode, por via de decisão de que informará sem demora as empresas em causa e as autoridades competentes dos restantes Estados‑Membros, remeter às autoridades competentes do Estado‑Membro em causa um caso de concentração notificada, nas condições que se seguem.
2. No prazo de 15 dias úteis a contar da receção da cópia da notificação, um Estado‑Membro pode, por sua própria iniciativa ou a convite da Comissão, informar a Comissão, que o comunicará às empresas em causa, de que:
a) Uma concentração ameaça afetar significativamente a concorrência num mercado no interior desse Estado‑Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto; ou
b) Uma concentração afeta a concorrência num mercado no interior desse Estado‑Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto e não constitui uma parte substancial do mercado comum.
3. Se considerar que, tendo em conta o mercado dos produtos ou serviços em causa e o mercado geográfico de referência na aceção do n.° 7, esse mercado distinto existe e que existe essa ameaça, a Comissão:
a) Ocupar‑se‑á ela própria do caso nos termos do presente regulamento; ou
b) Remeterá o caso, na sua totalidade ou em parte, para as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa, com vista à aplicação da legislação nacional de concorrência desse Estado.
Se, ao contrário, considerar que esse mercado distinto ou ameaça não existem, a Comissão tomará uma decisão nesse sentido, que dirigirá ao Estado‑Membro em causa e ocupar‑se‑á ela própria do caso, nos termos do presente regulamento.
Se um Estado‑Membro informar a Comissão, nos termos da alínea b) do n.° 2, de que uma concentração afeta a concorrência num mercado distinto no seu território que não constitui uma parte substancial do mercado comum, a Comissão remeterá, na totalidade ou em parte, o caso relativo ao mercado distinto em causa, se considerar que esse mercado distinto é afetado.
[...]»
7 O artigo 22.° deste regulamento, com a epígrafe «Remessa à Comissão», tem a seguinte redação:
«1. Um ou mais Estados‑Membros podem solicitar à Comissão que examine qualquer concentração, tal como definida no artigo 3.°, que não tenha dimensão comunitária na aceção do artigo 1.°, mas que afete o comércio entre Estados‑Membros e ameace afetar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido.
Esse pedido deve ser apresentado no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da data de notificação da concentração ou, caso não seja necessária notificação, da data em que foi dado conhecimento da concentração ao Estado‑Membro em causa.
2. A Comissão deve informar sem demora as autoridades competentes dos Estados‑Membros e as empresas em causa dos pedidos que recebeu nos termos do n.° 1.
Qualquer outro Estado‑Membro tem de se associar ao pedido inicial num prazo de 15 dias úteis após ter sido informado pela Comissão do pedido inicial.
Todos os prazos nacionais relativos à concentração são suspensos até que, em conformidade com o procedimento estabelecido no presente artigo, tenha sido decidido onde a concentração será examinada. Logo que o Estado‑Membro tenha informado a Comissão e as empresas em questão que não pretende associar‑se ao pedido, terminará a suspensão dos prazos nacionais.
3. A Comissão pode, no prazo máximo de 10 dias úteis após o termo do prazo fixado no n.° 2, decidir examinar a concentração sempre que considere que afeta o comércio entre Estados‑Membros e ameaça afetar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido. Se a Comissão não tomar uma decisão dentro deste prazo, presumir‑se‑á que decidiu examinar a concentração em conformidade com o pedido
A Comissão deve informar todos os Estados‑Membros e as empresas em causa da sua decisão. Pode exigir a apresentação de uma notificação nos termos do artigo 4.°
O Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentaram o pedido deixam de aplicar à concentração a sua legislação nacional de concorrência.
4. Quando a Comissão examina uma concentração nos termos do n.° 3, será aplicável o disposto no artigo 2.°, nos n.os 2 e 3 do artigo 4.° e nos artigos 5.°, 6.° e 8.° a 21.° O artigo 7.°o é aplicável na medida em que a concentração não tenha sido realizada na data em que a Comissão informar as empresas em causa de que foi apresentado um pedido.
Nos casos em que não é exigida uma notificação nos termos do artigo 4.°, o prazo fixado no n.° 1 do artigo 10.° para dar início ao processo começa a correr no dia útil seguinte àquele em que a Comissão informar as empresas em causa de que decidiu examinar a concentração nos termos do n.° 3.
5. A Comissão pode informar um ou mais Estados‑Membros de que considera que uma concentração preenche os critérios referidos no n.° 1. Nesses casos, a Comissão pode convidar esse Estado‑Membro ou esses Estados‑Membros a apresentarem um pedido nos termos do n.° 1.»
8 O Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3; a seguir «Acordo EEE»), inclui o Protocolo n.° 24 relativo à cooperação no domínio do controlo das operações de concentração. O artigo 6.°, n.° 3, segundo parágrafo, deste protocolo prevê que um ou mais Estados da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) se podem associar a um pedido dirigido à Comissão por um Estado‑Membro, nos termos do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, quando a concentração afetar o comércio entre um ou mais Estados‑Membros e um ou mais Estados da EFTA e ameaçar afetar significativamente a concorrência no território do Estado ou dos Estados da EFTA que se associam ao pedido.
Antecedentes do litígio
9 Os antecedentes do litígio foram expostos pelo Tribunal Geral nos n.os 6 a 35 do acórdão recorrido e, para efeitos do presente processo, podem ser resumidos da seguinte forma.
Quanto às empresas e à concentração em causa
10 A Illumina é uma sociedade com sede nos Estados Unidos que propõe soluções em matéria de análise genética e genómica por sequenciação e por microarray.
11 Em 20 de setembro de 2020, a Illumina celebrou um acordo e um plano de fusão com vista à aquisição do controlo exclusivo da Grail (anteriormente Grail, Inc.), que também é uma sociedade com sede nos Estados Unidos e que desenvolve testes sanguíneos para a despistagem precoce do cancro, da qual a Illumina já detinha 14,5 % do capital (a seguir «concentração em causa»).
12 Em 21 de setembro de 2020, a Illumina e a Grail publicaram um comunicado de imprensa a anunciar esta concentração.
Quanto à falta de notificação
13 Como o volume de negócios da Illumina e a da Grail não excedia os limiares pertinentes, designadamente atendendo ao facto de a Grail não realizar nenhum volume de negócios nem na União Europeia nem em qualquer outro lugar do mundo, a concentração em causa não tinha dimensão europeia, na aceção do artigo 1.° do Regulamento n.° 139/2004, e, portanto, não foi notificada à Comissão, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, deste regulamento.
14 A concentração em causa também não foi notificada aos Estados‑Membros da União ou aos outros Estados partes no Acordo EEE, uma vez que não estava abrangida pelo âmbito de aplicação das respetivas legislações nacionais em matéria de controlo das concentrações.
Quanto ao pedido de remessa à Comissão
15 Em 7 de dezembro de 2020, a Comissão recebeu uma queixa relativa à concentração em causa.
16 Em 19 de fevereiro de 2021, a Comissão enviou aos Estados‑Membros e aos outros Estados partes no Acordo EEE, em aplicação do artigo 22.°, n.° 5, do Regulamento n.° 139/2004, um ofício informando‑os da concentração em causa, explicando‑lhes as razões pelas quais considerava que esta concentração parecia preencher os critérios enunciados no artigo 22.°, n.° 1, deste regulamento e convidando‑os a apresentar‑lhe um pedido de remessa ao abrigo desta última disposição para que examinasse a referida concentração (a seguir «convite»).
17 Em 4 de março de 2021, a Comissão informou a Illumina e a Grail do envio do convite aos Estados‑Membros e aos outros Estados partes no Acordo EEE e de que estes tinham a possibilidade de lhe dirigir um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 139/2004.
18 Em 9 de março de 2021, a autoridade nacional da concorrência francesa pediu à Comissão, com fundamento nesta disposição, que examinasse a concentração em causa (a seguir «pedido de remessa»).
19 Em 10 de março de 2021, a Comissão, em conformidade com o artigo 22.°, n.° 2, do Regulamento n.° 139/2004, informou as autoridades nacionais da concorrência dos outros Estados‑Membros e dos outros Estados partes no Acordo EEE, bem como o Órgão de Fiscalização da EFTA do pedido de remessa. Em 11 de março de 2021, a Comissão enviou à Illumina e à Grail o ofício de informação, pelo qual as informou desse pedido recordando‑lhes que, em aplicação do artigo 7.° e do artigo 22.°, n.° 4, primeiro parágrafo, segundo período, deste regulamento, não podiam realizar a concentração em causa antes de a Comissão ter indeferido o referido pedido ou ter declarado essa concentração compatível com o mercado interno.
20 Em 16 e 29 de março de 2021, a Illumina e a Grail apresentaram à Comissão observações nas quais se opunham ao pedido de remessa. Em 2, 7 e 12 de abril de 2021, a Illumina respondeu aos pedidos de informação que a Comissão lhe tinha enviado em 26 de março e em 8 de abril de 2021.
21 Por cartas de 24, 26 e 31 de março de 2021, as autoridades nacionais da concorrência islandesa, norueguesa, belga, neerlandesa e grega pediram para se associarem ao pedido de remessa, com fundamento no artigo 22.°, n.° 2, do Regulamento n.° 139/2004 e, no que respeita às autoridades nacionais da concorrência islandesa e norueguesa, com fundamento no artigo 6.°, n.° 3, do Protocolo n.° 24 do Acordo EEE (a seguir «pedidos de associação»).
22 Em 31 de março de 2021, a Comissão publicou as Orientações sobre a aplicação do mecanismo de remessa previsto no artigo 22.° do Regulamento das Concentrações para determinadas categorias de casos (JO 2021, C 113, p. 1).
Quanto às decisões controvertidas
23 Com as decisões controvertidas, a Comissão aceitou o pedido de remessa, bem como os pedidos de associação.
24 Em primeiro lugar, a Comissão considerou que o pedido de remessa tinha sido apresentado no prazo de quinze dias úteis previsto no artigo 22.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, a contar da data em que, através do convite, tinha dado conhecimento, nomeadamente, à República Francesa da concentração em causa.
25 Em segundo lugar, a Comissão também entendeu que os pedidos de associação tinham sido apresentados pelas autoridades nacionais da concorrência islandesa, norueguesa, belga, neerlandesa e grega no prazo de quinze dias úteis, previsto no artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo, deste regulamento, a contar da data em que, através do seu ofício de 10 de março de 2021, tinha informado essas autoridades do pedido de remessa.
26 Em terceiro lugar, a Comissão considerou que a concentração em causa preenchia os critérios enunciados no artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 139/2004, pelo que os Estados‑Membros lhe podiam pedir que examinasse essa concentração, apesar de não ter dimensão europeia.
27 A este respeito, a Comissão entendeu que os Estados‑Membros lhe podiam pedir que examinasse qualquer caso de concentração «para o qual não fossem competentes», desde que os requisitos enunciados no artigo 22.° deste regulamento estivessem preenchidos.
Tramitação no Tribunal Geral
28 Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de abril de 2021, a Illumina interpôs o recurso registado com o número de processo T‑227/21.
29 Por Despacho de 2 de julho de 2021, o presidente da Terceira Secção Alargada do Tribunal Geral admitiu a intervenção da Grail nesse processo em apoio dos pedidos da Illumina.
30 Por Decisões de 12 e 22 de julho e de 6 de agosto de 2021 e por Despacho de 25 de agosto de 2021, o presidente da Terceira Secção Alargada do Tribunal Geral admitiu as intervenções, respetivamente, do Reino dos Países Baixos, da República Francesa, da República Helénica e do Órgão de Fiscalização da EFTA no processo em apoio dos pedidos da Comissão.
31 Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de agosto de 2021, a Illumina informou o Tribunal Geral de que tinha adquirido, no mesmo dia, a totalidade do capital social da Grail, mas que tinha instituído uma separação dos elementos do ativo de forma a garantir que não exercia controlo sobre esta sociedade.
32 Em 7 de outubro de 2021, a Comissão pediu ao Tribunal Geral que, tendo em conta esta aquisição, retirasse à Grail o estatuto de interveniente.
33 Na audiência de 16 de dezembro de 2021, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral.
Acórdão recorrido
34 No acórdão recorrido, depois de ter julgado improcedente o pedido da Comissão de retirar à Grail o estatuto de interveniente (n.os 53 a 59) e de ter considerado que o recurso devia ser declarado, por um lado, inadmissível na parte em que tinha por objeto o ofício de informação e, por outro, admissível na parte em que tinha por objeto a anulação das decisões controvertidas (n.os 60 a 82), o Tribunal Geral analisou os três fundamentos invocados pela Illumina em apoio do seu recurso. O primeiro destes fundamentos era relativo à incompetência da Comissão para examinar uma concentração que não entra no âmbito de aplicação da legislação nacional em matéria de controlo das concentrações do Estado‑Membro que lhe pediu para proceder a esse exame. O segundo fundamento era relativo ao caráter tardio do pedido de remessa, por não ter sido apresentado no prazo fixado no artigo 22.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, e à violação dos princípios da segurança jurídica e da boa administração, atendendo ao atraso da Comissão em enviar o convite. O terceiro fundamento era relativo à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, dado que, na data em que a Illumina e a Grail tinham acordado a concentração em causa, a prática decisória da Comissão consistia em recusar examinar as concentrações que não entrassem no âmbito de aplicação de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações.
35 Por considerar que nenhum destes fundamentos era procedente, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na sua totalidade.
36 Em primeiro lugar, no que respeita ao fundamento relativo à incompetência da Comissão, o Tribunal Geral declarou, no termo de uma interpretação literal, histórica, contextual e teleológica do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, que os Estados‑Membros podiam, nas condições enunciadas nesta disposição, pedir a remessa de uma concentração que não tenha dimensão europeia, independentemente da existência ou do âmbito de aplicação da sua legislação nacional em matéria de controlo ex ante das concentrações. Deduziu daí que a Comissão podia corretamente, por meio das decisões controvertidas, aceitar o pedido de remessa e os pedidos de associação (acórdão recorrido, n.os 183 e 184).
37 A este respeito, o Tribunal Geral considerou que os argumentos da Illumina e da Grail não eram suscetíveis de pôr em causa esta interpretação.
38 Primeiro, o Tribunal Geral afastou a afirmação da Illumina de que um Estado‑Membro, que adotou uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações que não têm dimensão europeia, não pode remeter à Comissão tais concentrações quando não estejam abrangidas por essa legislação. O Tribunal Geral entendeu, nomeadamente, que, de acordo com o princípio da atribuição de competências consagrado no artigo 4.°, n.° 1, TUE, lido em conjugação com o artigo 5.° TUE, uma concentração que, por não terem sido excedidos os limiares de volumes de negócios previstos no artigo 1.° do Regulamento n.° 139/2004, não entra no âmbito de aplicação deste regulamento é, por defeito, da competência dos Estados‑Membros. Por conseguinte, estes são, na ótica do direito da União, sempre competentes para apresentar um pedido ao abrigo do artigo 22.° do referido regulamento (acórdão recorrido, n.os 153 e 156).
39 Segundo, o Tribunal Geral considerou que a interpretação do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, conforme acolhida nas decisões controvertidas, segundo a qual um Estado‑Membro pode pedir a remessa de uma concentração ao abrigo desta disposição independentemente da existência ou do âmbito de aplicação da sua legislação nacional em matéria de controlo ex ante das concentrações respeita o princípio da subsidiariedade. Em particular, esta interpretação assegura que esta disposição constitui um «mecanismo de correção eficaz» à luz deste princípio, na aceção do considerando 11 deste regulamento, ao proteger os interesses dos Estados‑Membros. Além disso, garante, de acordo com o considerando 14 do referido regulamento, que os processos serão tratados pela autoridade mais adequada, à luz do referido princípio (acórdão recorrido, n.os 157 e 166).
40 Terceiro, o Tribunal Geral declarou que a referida interpretação respeita o princípio da proporcionalidade e, como o legislador da União indicou no considerando 6 do Regulamento n.° 139/2004, não excede o necessário para atingir o objetivo de garantir que a concorrência não seja falseada no mercado interno. O Tribunal Geral indicou, nomeadamente, que a interpretação do artigo 22.° deste regulamento adotada nas decisões controvertidas apenas permite à Comissão examinar uma concentração ao abrigo deste artigo em determinados casos específicos quando estejam satisfeitos os quatro critérios cumulativos previstos no artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento (acórdão recorrido, n.os 167 a 172).
41 Quarto, o Tribunal Geral considerou que a interpretação do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 preconizada pela Illumina e pela Grail, que condiciona a aplicação desta disposição ao âmbito de aplicação das legislações nacionais em matéria de controlo das concentrações ao mesmo tempo que prevê uma exceção para os Estados‑Membros que não dispõem de tal legislação, conduziria a uma incerteza quanto às concentrações abrangidas pela referida disposição. Em contrapartida, a interpretação acolhida nas decisões controvertidas faz depender a aplicação deste artigo apenas da satisfação dos quatro critérios cumulativos previstos no artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, deste regulamento, que garantem a aplicação uniforme deste artigo 22.° na União, no respeito do princípio da segurança jurídica (acórdão recorrido, n.os 173 a 178).
42 Quinto, o Tribunal Geral entendeu que o caráter excecional das remessas ao abrigo do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, invocado pela Illumina, fica preservado na interpretação acolhida nas decisões controvertidas, porquanto a competência de análise da Comissão continua a depender principalmente da ultrapassagem dos limiares de volumes de negócios definidos no artigo 1.° deste regulamento e o mecanismo de remessa ao abrigo do artigo 22.° do referido apenas representa uma competência subsidiária que permite, em certos casos específicos e em condições bem determinadas, que uma concentração que não ultrapasse esses limiares apesar dos seus efeitos transfronteiriços também possa ser examinada pela Comissão a pedido de um ou mais Estados‑Membros, o que tem em conta a função deste artigo 22.° enquanto «mecanismo de correção» (acórdão recorrido, n.° 182).
43 Em segundo lugar, quanto ao fundamento relativo ao caráter tardio do pedido de remessa e à violação dos princípios da segurança jurídica e da boa administração, o Tribunal Geral declarou, por um lado, que esse pedido tinha sido apresentado no prazo de quinze dias após o envio do convite, que constituía a «data em que foi dado conhecimento», na aceção do artigo 22.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004 (acórdão recorrido, n.° 214). Considerou, por outro lado, que, mesmo que esse convite tivesse sido enviado pela Comissão num prazo não razoável, esta circunstância não bastava, só por si, para demonstrar uma violação dos direitos de defesa (acórdão recorrido, n.os 239 e 242).
44 Em terceiro e último lugar, quanto ao fundamento relativo à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, o Tribunal Geral julgou‑o improcedente pelo facto de, nomeadamente, a Illumina não ter demonstrado que a Comissão lhe tinha dado garantias precisas, incondicionais e concordantes relativamente ao tratamento das concentrações que não entram no âmbito de aplicação de uma legislação nacional em matéria de controlo de concentrações (acórdão recorrido, n.° 263).
Tramitação no Tribunal de Justiça e pedidos das partes nos presentes recursos do acórdão do Tribunal Geral
Quanto à apensação
45 Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 e 30 de setembro de 2022, a Illumina e a Grail interpuseram os presentes recursos.
46 Em conformidade com o artigo 54.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, em 21 de dezembro de 2022, apensar os presentes processos para efeitos da fase oral e do acórdão.
Quanto aos pedidos de intervenção
47 Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de fevereiro de 2023, foi admitida a intervenção da República da Estónia no processo C‑625/22 P, em apoio dos pedidos da Grail.
48 Por Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de março de 2023, Illumina/Comissão (C‑611/22 P, EU:C:2023:205), foi admitida a intervenção da Biocom California no processo C‑611/22 P, em apoio dos pedidos da Illumina.
49 Por Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de março de 2023, Grail/Comissão (C‑625/22 P, EU:C:2023:227), os pedidos de intervenção apresentados pela Association française des juristes d’entreprise (AFJE) e pela Association européenne des juristes d’entreprise (AEJE) foram, em contrapartida, indeferidos.
Quanto aos pedidos de tramitação acelerada
50 Por requerimentos separados apresentados na Secretaria do Tribunal de Justiça em 8 e 20 de dezembro de 2022, a Comissão pediu que os presentes processos fossem submetidos à tramitação acelerada prevista nos artigos 133.° a 136.° do Regulamento de Processo, aplicáveis aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 190.°, n.° 1, deste regulamento.
51 Em apoio dos seus pedidos, a Comissão alegou, no essencial, que as decisões relativas à concentração em causa, em particular a Decisão C(2022) 6454 final da Comissão, de 6 de setembro de 2022, que declara uma concentração incompatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, tomada em aplicação do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 139/2004, as decisões ao abrigo do artigo 8.°, n.° 5, alíneas a) e c), deste regulamento e qualquer decisão futura que exija a dissolução dessa concentração por força do artigo 8.°, n.° 4, do referido regulamento e que apliquem coimas por violação do artigo 7.°, n.° 1, do mesmo regulamento, se baseiam ou se basearão no pressuposto de que a Comissão é competente para examinar a referida concentração. Assim, é do interesse tanto da Comissão como da Illumina e da Grail, e mais genericamente da boa administração da justiça, que a questão da competência da Comissão, que cabe ao Tribunal de Justiça decidir, seja resolvida o mais rapidamente possível.
52 O artigo 133.°, n.° 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do demandante ou do demandado, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos a outra parte, o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um processo a tramitação acelerada.
53 Em 10 de janeiro de 2023, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidas as outras partes, o juiz‑relator e o advogado‑geral, indeferir os pedidos da Comissão.
54 Com efeito, tendo em conta o seu caráter sensível e complexo, os presentes processos dificilmente se prestavam à aplicação de uma tramitação acelerada, dado que, nomeadamente, não se afigurava adequado encurtar a fase escrita do processo no Tribunal de Justiça (v., por analogia, Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociația «Forumul Judecătorilor din România» e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.° 103 e jurisprudência referida).
55 Afigurava‑se ainda menos oportuno tratar os processos segundo a tramitação acelerada, uma vez que, além da importância sistémica e da dificuldade das questões submetidas, foram formuladas objeções sérias pela Illumina e a Grail que, nessa fase, não tinham tido oportunidade de tomar conhecimento dos articulados de contestação da Comissão e não deviam ser a priori privadas da possibilidade de apresentar articulados de réplica.
56 A este respeito, o interesse das instituições da União, certamente legítimo, em determinar o mais rapidamente possível o alcance dos direitos e das prerrogativas que lhes são conferidos pelo direito da União não é, em todos os casos, suscetível de demonstrar a existência de uma circunstância excecional adequada para justificar que um processo seja submetido a tramitação acelerada [v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2022, Comissão/Polónia (Protocolo n.o 36), C‑207/21 P, EU:C:2022:560, n.° 40 e jurisprudência referida].
57 Todavia, tendo em conta a importância dos presentes processos, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu julgá‑los prioritariamente, ao abrigo do artigo 53.°, n.° 3, do Regulamento de Processo (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 2017, Weiss e o., C‑493/17, EU:C:2017:792, n.os 13 e 14, e Acórdão de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.° 41).
Quanto aos pedidos das partes nos presentes recursos
58 Com os respetivos recursos, a Illumina (processo C‑611/22 P) e a Grail (processo C‑625/22 P) pedem que o Tribunal de Justiça se digne:
– anular o acórdão recorrido;
– anular as decisões controvertidas, o pedido de remessa e o ofício de informação; e
– condenar a Comissão nas despesas dos processos de recurso do acórdão do Tribunal Geral e do processo no Tribunal Geral.
59 A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:
– negar provimento aos recursos do acórdão do Tribunal Geral e
– condenar a Illumina e a Grail nas despesas.
60 A República Francesa pede que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento aos recursos do acórdão do Tribunal Geral.
61 O Reino dos Países Baixos pede que o Tribunal de Justiça se digne:
– negar provimento aos recursos do acórdão do Tribunal Geral e
– condenar a Illumina e a Grail nas despesas.
62 O Órgão de Fiscalização da EFTA pede que o Tribunal de Justiça se digne:
– negar provimento aos recursos do acórdão do Tribunal Geral e
– condenar a Illumina e a Grail nas despesas.
63 A Biocom California, que interveio em apoio da Illumina (processo C‑611/22 P), pede que o Tribunal de Justiça se digne:
– anular o acórdão recorrido;
– anular as decisões controvertidas, o pedido de remessa e o ofício de informação; e
– condenar a Comissão nas despesas relativas ao presente processo de recurso, incluindo as suas próprias despesas.
64 A República da Estónia, que interveio em apoio da Grail (processo C‑625/22 P), não apresentou articulado de intervenção.
Quanto aos presentes recursos
65 A Illumina invoca três fundamentos de recurso no processo C‑611/22 P.
66 Com o seu primeiro fundamento, a Illumina alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao interpretar o artigo 22.°, n.° 1, RCUE no sentido de que permite a um Estado‑Membro que dispõe de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações pedir à Comissão que examine uma concentração que não preenche os requisitos exigidos para ser examinada com base nessa legislação. Com o seu segundo fundamento, a Illumina alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao julgar improcedente o fundamento relativo ao caráter tardio do pedido de remessa e à violação dos princípios da segurança jurídica e da boa administração. O terceiro fundamento invocado pela Illumina é relativo a erros de direito na apreciação, pelo Tribunal Geral, da sua argumentação relativa à violação dos princípios da confiança legítima e da segurança jurídica, tendo em conta as garantias precisas, incondicionais e concordantes pretensamente dadas pela vice‑presidente executiva da Comissão.
67 A Grail invoca igualmente três fundamentos de recurso no processo C‑625/22 P, relativos, respetivamente, ao erro de direito cometido na interpretação do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, ao erro de direito respeitante ao atraso não razoável da Comissão e ao erro de direito na apreciação do fundamento baseado na confiança legítima e na segurança jurídica, que se sobrepõem em grande parte aos invocados pela Illumina.
68 Antes de mais, há que examinar conjuntamente o primeiro fundamento destes recursos, relativo a erros na interpretação do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, nomeadamente, do seu n.° 1.
Argumentos das partes
69 A Illumina sustenta que a interpretação do Tribunal Geral, segundo a qual o artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 139/2004 permite a um Estado‑Membro pedir a remessa de uma concentração à Comissão que a sua própria legislação nacional em matéria de controlo de concentrações não lhe permite controlar, está errada.
70 Em primeiro lugar, o Tribunal Geral não teve corretamente em conta os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da subsidiariedade.
71 Antes de mais, a Illumina alega que o regime estabelecido pelo Regulamento n.° 139/2004 concretiza o princípio da segurança jurídica, ao recorrer a limiares de volumes de negócios objetivos para definir as concentrações de dimensão europeia abrangidas pela competência da Comissão e a prazos estritos para proceder ao exame das concentrações. Ora, a interpretação do Tribunal Geral, em especial nos n.os 174 e 175 do acórdão recorrido, gera uma insegurança jurídica evidente, na medida em que torna possível o controlo de concentrações que não atingem os limiares de volumes de negócios para revestir uma dimensão europeia nem os limiares de controlo definidos a nível nacional. Este potencial controlo suplementar, à margem dos regimes estabelecidos por este regulamento e pelas legislações nacionais, aumenta a insegurança com que as partes numa concentração são confrontadas para saber se esta é suscetível de ser objeto de controlo e, portanto, de ser proibida, alterada ou adiada.
72 A interpretação do Tribunal Geral cria igualmente uma insegurança jurídica na medida em que as regras de competência que define assentam exclusivamente nos critérios qualitativos enunciados no artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, em detrimento da abordagem adotada noutras disposições deste regulamento e nas legislações nacionais relativas ao controlo das concentrações adotadas pelos Estados‑Membros.
73 Esta interpretação, que não impõe nenhum prazo aos Estados‑Membros para pedir a remessa de concentrações à Comissão, cria, além disso, uma incerteza temporal e riscos de atraso no exame dessas concentrações.
74 Em seguida, quanto ao princípio da proporcionalidade, as apreciações do Tribunal Geral que figuram nos n.os 167 a 172 do acórdão recorrido também enfermam de erros de direito. A Illumina alega, nomeadamente, que a interpretação do Tribunal Geral obriga as partes em concentrações que não atinjam os limiares de volumes de negócios fixados no Regulamento n.° 139/2004 nem os limiares de controlo definidos a nível nacional a notificar essas concentrações, por razões de segurança jurídica, a cada um dos Estados‑Membros, que, por sua vez, serão obrigados a tratar essas notificações.
75 Por último, o Tribunal Geral examinou erradamente, nos n.os 160 a 166 do acórdão recorrido, o princípio da subsidiariedade e o poder da Comissão, ao permitir a esta contornar o processo legislativo e alterar de facto os limiares de competência fixados pelo Regulamento n.° 139/2004. A Comissão tenta, com a aprovação do Tribunal Geral, colmatar as pretensas lacunas das legislações em matéria de controlo das concentrações da União e dos Estados‑Membros permitindo o controlo das concentrações que não atingem os limiares de volumes de negócios para revestir uma dimensão europeia nem os limiares de controlo definidos a nível nacional e contornando, assim, as exigências regulamentares fundamentais para a alteração do direito da União e das regras nacionais pertinentes.
76 Em segundo lugar, o Tribunal Geral identificou e examinou erradamente o objeto do Regulamento n.° 139/2004 e do seu artigo 22.°
77 De acordo com a Illumina, os n.os 140 e 142 do acórdão recorrido refletem uma compreensão errada dos considerandos deste regulamento e desvirtuam a abordagem interpretativa que o Tribunal Geral deve seguir. Primeiro, é errado afirmar que as concentrações que têm efeitos significativos na estrutura da concorrência na União são exclusivamente examinadas a nível da União. Segundo, o referido regulamento não prevê um regime global para assegurar que todas as concentrações que afetam a estrutura da concorrência na União sejam controladas. Em vez disso, as eventuais lacunas devem ser colmatadas unicamente por via legislativa. Terceiro, a afirmação do Tribunal Geral, no n.° 142 do acórdão recorrido, segundo a qual o Regulamento n.° 139/2004 contém mecanismos para sanar as lacunas inerentes à utilização de limiares de volumes de negócios, omite o facto de esses limiares terem sido objeto de longos debates quando da elaboração do Regulamento n.° 4064/89, e depois do Regulamento n.° 139/2004. Ao utilizar limiares de volumes de negócios objetivos, em vez de critérios de avaliação qualitativos, o legislador da União oferece uma segurança jurídica às partes numa concentração e aos Estados‑Membros, que reflete o compromisso a que estes e a Comissão chegaram.
78 A descrição que o Tribunal Geral faz da finalidade do Regulamento n.° 139/2004 levou‑o a adotar uma interpretação excessivamente ampla dos «mecanismos de correção» previstos, em especial, no artigo 22.° do referido regulamento, suscetível de alterar a repartição de competências entre os Estados‑Membros e a União a favor desta última. Além disso, na sua apreciação teleológica, o Tribunal Geral ignorou a questão de saber como, segundo o legislador da União, o artigo 22.° do referido regulamento deve ser interpretado para identificar a autoridade «mais adequada» para tratar o caso, na aceção do considerando 14 do mesmo regulamento, quando nem as autoridades nacionais da concorrência nem as autoridades da União são competentes para examinar uma concentração.
79 Em terceiro lugar, a Illumina, baseando‑se nomeadamente no Acórdão de 3 de abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão (T‑119/02, EU:T:2003:101, n.° 354), alega que o Tribunal Geral, no n.° 182 do acórdão recorrido, não apreciou corretamente o caráter derrogatório do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 nem respeitou a regra segundo a qual uma disposição derrogatória deve ser objeto de interpretação estrita.
80 Em quarto lugar, o Tribunal Geral não aplicou corretamente os princípios da interpretação literal, histórica, contextual e teleológica na sua análise do artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 139/2004.
81 A Grail sustenta igualmente que o Tribunal Geral cometeu um erro de interpretação ao declarar que o artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 atribuía competência à Comissão para examinar uma concentração desprovida de dimensão europeia que lhe é remetida por um Estado‑Membro que não é ele próprio competente, por força da sua legislação nacional em matéria de controlo das concentrações, para examinar essa concentração. Nenhum dos métodos de interpretação, corretamente aplicados, apoia esta interpretação do Tribunal Geral.
82 Em primeiro lugar, a Grail alega que a interpretação literal do Tribunal Geral atribui erradamente um grande valor ao termo «any» (qualquer) que precede a palavra «concentração» na versão inglesa do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 (acórdão recorrido, n.os 91 e 94) e que não tem em conta as outras versões linguísticas deste regulamento.
83 Em segundo lugar, a interpretação histórica do Tribunal Geral contém numerosas lacunas. Antes de mais, esta interpretação assenta apenas em três documentos, todos redigidos pela Comissão, e negligencia outros elementos de interpretação, entre os quais os trabalhos preparatórios do Regulamento n.° 4064/89, do Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de junho de 1997, que altera o Regulamento n.° 4064/89 (JO 1997, L 180, p. 1), e do Regulamento n.° 139/2004. Em seguida, todos os documentos em que o Tribunal Geral se baseou para interpretar o objetivo inicial do artigo 22.° do Regulamento n.° 4064/89 (acórdão recorrido, n.° 96) foram publicados após a adoção deste regulamento, ao passo que havia que fazer referência a informações sobre a intenção do legislador no momento em que adotou o referido regulamento. Acresce que vários pontos chave do raciocínio histórico seguido pelo Tribunal Geral não são conclusivos porquanto não respondem à questão central de saber se, por força do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, a Comissão é competente para examinar uma concentração que lhe é remetida por um Estado‑Membro que dispõe de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações, mas que não entra no âmbito de aplicação dessa legislação. Além disso, nenhuma das fontes limitadas citadas no acórdão recorrido corrobora a interpretação histórica adotada pelo Tribunal Geral, que assenta na ideia de que esta disposição prossegue um objetivo diferente do de permitir aos Estados‑Membros que não dispõem de legislação nacional em matéria de controlo das concentrações remeter concentrações à Comissão. Por último, esta interpretação contém afirmações manifestamente erradas, nomeadamente nos n.° os 107 a 109 do acórdão recorrido.
84 A Grail considera que uma análise correta dos trabalhos preparatórios permite concluir que, no momento da sua adoção, o artigo 22.° do Regulamento n.° 4064/89 não se aplicava aos Estados‑Membros dotados de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações, mas aos Estados‑Membros desprovidos de tal legislação para que estes pudessem pedir à Comissão que examinasse e, sendo caso disso, proibisse as concentrações que não atingiam os limiares de volume de negócios deste regulamento. As sucessivas alterações desta disposição, em 1997 e em 2004, acrescentaram unicamente a este objetivo o de reduzir o risco de exame paralelo de uma mesma concentração pelos Estados‑Membros, permitindo aos Estados‑Membros competentes para examinar uma concentração remetê‑la à Comissão se considerarem que esta está mais bem posicionada para agir.
85 Por conseguinte, os trabalhos preparatórios não sustentam as conclusões a que chegou o Tribunal Geral no acórdão recorrido, mas contraditam‑nas.
86 Em terceiro lugar, a interpretação contextual do Tribunal Geral contém igualmente lacunas importantes. Os argumentos apresentados, em particular, nos n.os 126 a 130 e 132 do acórdão recorrido são, assim, pouco concludentes. Além disso, o Tribunal Geral recusou sem razão tomar em conta alguns documentos, entre os quais a Comunicação da Comissão relativa à remessa de casos de concentrações (JO 2005, C 56, p. 2), que são, no entanto, pertinentes para a interpretação contextual.
87 Acresce que, segundo a Grail, várias disposições do Regulamento n.° 139/2004 foram em grande parte ignoradas pelo Tribunal Geral e são incompatíveis com a interpretação que este faz do artigo 22.° deste regulamento. A Grail refere‑se mais especificamente ao artigo 1.°, n.os 4 e 5, e ao artigo 22.°, n.° 2, terceiro parágrafo, e n.° 3, terceiro parágrafo, do referido regulamento. A Grail alega ainda que a redação do considerando 15 do mesmo regulamento, que utiliza a expressão «também competentes», está em contradição com a interpretação adotada pela Comissão e validada pelo Tribunal Geral.
88 Em quarto lugar, a interpretação teleológica do Tribunal Geral é igualmente lacunar. Primeiro, a indicação do Tribunal Geral de que o objetivo do Regulamento n.° 139/2004 é permitir o controlo de «todas as operações de concentração» que afetam a concorrência na União, independentemente dos limiares de volumes de negócios (acórdão recorrido, n.os 140 a 143), não está fundamentada. Segundo, a afirmação do Tribunal Geral de que os mecanismos de remessa constituem um «mecanismo de correção eficaz» para sanar as lacunas inerentes aos limiares de volumes de negócios não se baseia em nenhum precedente e é desprovida de qualquer fundamento (acórdão recorrido, n.° 142).
89 O raciocínio do Tribunal Geral adotado a título da interpretação teleológica produz, segundo a Grail, resultados incompatíveis com o Regulamento n.° 139/2004. Primeiro, esta interpretação permitiria à Comissão proceder a um exame ex post das concentrações, como esta admitiu expressamente no n.° 21 das suas Orientações sobre a aplicação do mecanismo de remessa previsto no artigo 22.° do Regulamento das Concentrações para determinadas categorias de casos. Seria, assim, contrária ao objetivo de criação de um sistema de exame ex ante, que exige que as concentrações sejam examinadas em prazos estritos, e representaria uma «mudança coperniciana» no regime de controlo das concentrações da União. Segundo, se não fosse retificada, a referida interpretação teria importantes consequências práticas para as empresas e as autoridades nacionais da concorrência, comprometendo os princípios da eficácia e da segurança jurídica subjacentes ao controlo das concentrações na União há mais de 30 anos. Terceiro, a mesma interpretação permitiria contornar os limiares de volumes de negócios previstos no Regulamento n.° 139/2004 e prejudicaria, assim, a previsibilidade do regime de controlo das concentrações que este regulamento institui, o que teria graves consequências para a segurança jurídica. Quarto, a Grail indica que, se a intenção do legislador da União fosse permitir à Comissão examinar todas as concentrações, o que não resulta de forma nenhuma dos trabalhos preparatórios do referido regulamento, poder‑se‑ia então questionar a razão de ser de um regime baseado em remessas incertas por parte dos Estados‑Membros em vez de num direito direto da Comissão de examinar qualquer concentração potencialmente problemática, independentemente dos limiares de volume de negócios europeus e nacionais.
90 A Biocom California, que intervém em apoio da Illumina no processo C‑611/22 P, considera igualmente que a interpretação do Tribunal Geral segundo a qual um pedido ao abrigo do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 pode ser apresentado, e ser aceite, independentemente do âmbito de aplicação das legislações nacionais em matéria de controlo das concentrações, não é conforme com os princípios fundamentais da segurança jurídica e da proporcionalidade.
91 A Comissão contesta a argumentação apresentada pela Illumina e a Grail em apoio do seu primeiro fundamento dos presentes recursos.
92 No que respeita ao primeiro fundamento de recurso da Illumina, a Comissão indica, a título preliminar, que este assenta em dois erros fundamentais quanto à natureza do Regulamento n.° 139/2004. O primeiro erro é relativo à circunstância de a Illumina invocar erradamente o sistema do «balcão único», instituído por este regulamento, que diz respeito unicamente às concentrações de dimensão europeia, uma vez que é ponto assente que o acórdão recorrido não tem por objeto uma concentração desse tipo. O segundo erro fundamental reside no facto de a Illumina considerar erradamente que os direitos concedidos aos Estados‑Membros ao abrigo deste regulamento dependem da legislação nacional em matéria de controlo das concentrações. Com efeito, é possível tomar por fundamento o artigo 308.° CE (atual artigo 352.° TFUE), com base no qual o Regulamento n.° 139/2004 foi adotado, «para criar títulos novos que venham sobrepor‑se aos títulos nacionais». A Illumina não tem em conta a própria existência do artigo 22.° deste regulamento, que constitui «um exemplo de direito conferido pelo direito da União que se sobrepõe aos direitos nacionais», nem o direito que, por força do artigo 352.° TFUE, confere aos Estados‑Membros para submeterem à Comissão uma concentração, não obstante a circunstância de não serem competentes para a examinar.
93 Segundo a Comissão, o primeiro fundamento de recurso da Illumina é inoperante. Com efeito, a Illumina não põe de modo nenhum em causa os n.os 90 a 94 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral considerou, no seguimento de uma interpretação literal do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, que a redação clara dessa disposição basta para apoiar a tese da Comissão. A este respeito, a Comissão entende que, na medida em que o n.° 95 do acórdão recorrido deve ser interpretado no sentido de que era, não obstante, necessário apoiar‑se noutros métodos de interpretação para formular a conclusão exposta no n.° 183 desse acórdão, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. Por conseguinte, considera que o Tribunal de Justiça deve proceder a uma substituição de fundamentos do acórdão recorrido quanto a este aspeto e declarar que uma interpretação literal do artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 139/2004 é suficiente para julgar improcedente o primeiro fundamento da petição em primeira instância. Nestas condições, dado que os argumentos invocados no âmbito do primeiro fundamento de recurso da Illumina assentam todos em métodos de interpretação diferentes da interpretação literal, este fundamento é inoperante e não deve ser analisado.
94 A título subsidiário, a Comissão sustenta que este primeiro fundamento é improcedente. Admitindo que os métodos de interpretação invocados na petição de recurso do acórdão do Tribunal Geral devem ser tomados em consideração, a Illumina não explica nesta petição por que razão as suas alegações baseadas nesses outros métodos são suficientes para afastar o sentido claro do artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 139/2004.
95 Na opinião da Comissão, a afirmação geral de que o acórdão recorrido gera insegurança jurídica assenta em erros fundamentais, uma vez que não tem em conta o facto de esta disposição conferir aos Estados‑Membros o direito de procederem a uma remessa, que se sobrepõe às legislações nacionais em matéria de controlo das concentrações. No que respeita ao argumento de que a competência ao abrigo do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 não é delimitada por nenhuma forma de limiares de volumes de negócios objetivos, a Comissão alega que é inadmissível por se tratar de um argumento novo. Por outro lado, este argumento enferma de um erro de direito e de facto, uma vez que, nomeadamente, não está de forma nenhuma demonstrado que qualquer limiar de competência em matéria de controlo das concentrações tenha de assentar no volume de negócios. Quanto à crítica relativa à inexistência de prazo em que um Estado‑Membro pode desencadear uma remessa ao abrigo do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, esta assenta numa leitura enviesada do n.° 181 do acórdão recorrido.
96 Quanto ao respeito do princípio da proporcionalidade, a Comissão alega que a Illumina não invocou no Tribunal Geral nenhum fundamento segundo o qual, à época da decisão controvertida, a concentração em causa não era uma concentração suscetível de entravar significativamente a concorrência efetiva no mercado interno. Por conseguinte, não existe nenhum fundamento com base no qual a Illumina, na sua petição de recurso do acórdão do Tribunal Geral, possa contestar a proporcionalidade da decisão controvertida. Em todo o caso, admitindo que o Tribunal de Justiça entendia necessário analisar a referida petição de recurso quanto a este aspeto, a Comissão sustenta que as alegações da Illumina não são pertinentes e não estão fundamentadas.
97 Quanto à pretensa violação do princípio da subsidiariedade, a Comissão considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que era competente para responder aos argumentos da Illumina relativos à aplicação deste princípio. Por um lado, alega que a Illumina não invocou a inaplicabilidade do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 devido à sua incompatibilidade com o princípio da subsidiariedade. Por outro lado, entende que a Illumina não tinha legitimidade para contestar a compatibilidade da decisão controvertida com este princípio, uma vez que este não intervém na fiscalização da legalidade dos atos adotados ao abrigo deste artigo. Por conseguinte, a Comissão alega a título principal que o Tribunal Geral não tinha de examinar os argumentos relativos à violação do princípio da subsidiariedade e que o Tribunal de Justiça deve proceder, quanto a este aspeto, a uma substituição de fundamentos rejeitando os argumentos da Illumina por não terem pertinência.
98 Em todo o caso, mesmo admitindo que o Tribunal de Justiça considerasse necessário examinar esses argumentos, a Comissão sublinha que estes contradizem os argumentos invocados na petição apresentada no Tribunal Geral, que são desprovidos de fundamento no que respeita a um pedido de remessa dirigido por um Estado‑Membro e que violam a própria natureza do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004.
99 Quanto ao objeto do Regulamento n.° 139/2004 e do seu artigo 22.°, a Comissão considera que a Illumina desvirtua o alcance dos n.os 140 e 142 do acórdão recorrido e não tem em conta o facto de que, longe de prosseguir um objetivo diferente do deste regulamento, a interpretação da Comissão permite um «controlo eficaz de todas as concentrações em função do seu efeito sobre a estrutura da concorrência na [União]», em conformidade com o objetivo enunciado no considerando 6 do referido regulamento.
100 No que respeita ao caráter derrogatório do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, a Comissão salienta que, mesmo admitindo que a argumentação da Illumina não seja inoperante, é desprovida de fundamento. É, nomeadamente, sem razão que a Illumina tenta aproximar os presentes processos do que deu origem ao Acórdão de 3 de abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão (T‑119/02, EU:T:2003:101, n.° 354).
101 Quanto aos argumentos especificamente apresentados no primeiro fundamento de recurso da Grail, a Comissão sustenta que também devem ser rejeitados.
102 A título introdutório, a Comissão sublinha que a apreciação do Tribunal Geral, no n.° 142 do acórdão recorrido, segundo a qual o objetivo do Regulamento n.° 139/2004 é «permitir um controlo das concentrações suscetíveis de dificultar significativamente a existência de uma concorrência efetiva no mercado interno» é conforme com os considerandos 6 e 7 do Regulamento n.° 4064/89, segundo os quais os artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (que passaram a artigos 81.° e 82.° CE, os quais, por sua vez, passaram a artigos 101.° e 102.° TFUE) não eram suficientes «para abranger todas as operações suscetíveis de se revelarem incompatíveis com o regime de concorrência não falseada previsto no Tratado» e que, por conseguinte, era necessário criar uma legislação baseada no artigo 235.° do Tratado CE (que passou a artigo 308.° CE, o qual, por sua vez, passou a artigo 352.° TFUE), que «permita um controlo eficaz de todas as concentração em função do seu efeito sobre a estrutura da concorrência na Comunidade». A Comissão considera que a Grail não aborda de forma nenhuma as implicações desta invocação do artigo 352.° TFUE. Ora, a faculdade conferida pelo artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 aos Estados‑Membros de pedirem a remessa de uma concentração é um exemplo do exercício de um direito conferido pelo direito da União que se sobrepõe aos direitos nacionais.
103 A Comissão alega que o primeiro fundamento de recurso da Grail é inoperante por duas razões. Em primeiro lugar, a Grail não contesta com precisão os n.os 183 e 184 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral declarou que os Estados‑Membros podem pedir a remessa de uma concentração independentemente da existência ou do âmbito de aplicação da sua legislação nacional em matéria de controlo ex ante das concentrações e que, portanto, a Comissão, na decisão controvertida, não cometeu um erro ao aceitar o pedido de remessa que lhe tinha sido apresentado. Ora, é essencial que os fundamentos e os argumentos jurídicos invocados identifiquem com precisão os pontos da fundamentação da decisão do Tribunal Geral que são contestados. Tendo em conta a não contestação dos n.os 183 e 184 do acórdão recorrido, os argumentos dirigidos contra as etapas intermédias da fundamentação do Tribunal Geral são inoperantes. Em segundo lugar, na medida em que a Grail, à semelhança da Illumina, não contesta de forma admissível a interpretação literal do artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 139/2004 acolhida no acórdão recorrido, o primeiro fundamento da Grail, que assenta inteiramente na alegação de que a redação clara e precisa desta disposição é insuficiente para apoiar a interpretação da Comissão, fica privado de efeito útil.
104 A título subsidiário, a Comissão considera que o primeiro fundamento de recurso da Grail é improcedente, uma vez que a Grail não explica na sua petição de recurso de que forma os métodos de interpretação histórica, contextual e teleológica que invoca são suscetíveis de justificar uma interpretação que se afasta do sentido claro dos termos do artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 139/2004.
105 No que respeita, primeiro, à interpretação histórica, a Comissão considera que a crítica da Grail, segundo a qual a análise dos trabalhos preparatórios do Regulamento n.° 139/2004 efetuada pelo Tribunal Geral contém lacunas, é inoperante e, em todo o caso, em grande parte inadmissível. A Comissão salienta que a Grail não contesta unicamente a interpretação que o Tribunal Geral fez dos documentos, como os livros verdes, que lhe tinham sido submetidos, mas também apresenta muitos elementos de prova novos que não foram apresentados no Tribunal Geral.
106 Por conseguinte, a Comissão considera que o primeiro fundamento de recurso da Grail, na parte em que se baseia em trabalhos preparatórios apresentados no âmbito da petição de recurso do acórdão do Tribunal Geral ou posteriormente, é inadmissível. Além disso, a Comissão, baseando‑se no Acórdão de 2 de outubro de 2019, Crédit mutuel Arkéa/BCE (C‑152/18 P e C‑153/18 P, EU:C:2019:810, n.° 39), sustenta que os documentos interpretativos, anexos à petição de recurso do acórdão do Tribunal Geral, que foram apresentados no Tribunal Geral, só são admissíveis se figurarem igualmente no próprio texto desta petição ou estiverem, pelo menos, suficientemente explicados na mesma.
107 De acordo com a Comissão, o argumento segundo o qual o Tribunal Geral agiu com negligência na sua interpretação histórica não pode ser acolhido, salvo se se exigir que este peça sistematicamente às instituições que lhe forneçam todos os trabalhos preparatórios de qualquer ato em causa perante ele. Além disso, a Grail não teve em conta o facto de que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral respondeu aos argumentos invocados em primeira instância, nos quais a Illumina interpretou o Regulamento n.° 4064/89 remetendo para um documento posterior a este regulamento. A Comissão entende que, contrariamente ao afirmado na petição de recurso da Grail, a interpretação histórica exposta no acórdão recorrido não revela nenhuma «declaração manifestamente errada». Por conseguinte, não é necessário que o Tribunal de Justiça examine mais aprofundadamente esta petição. Em todo o caso, a Grail, que se limita a uma referência geral e lacónica aos documentos anexos à sua petição de recurso, não demonstrou de que forma um exame minucioso dos trabalhos preparatórios demonstraria que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na sua interpretação histórica.
108 Segundo, no que respeita à interpretação contextual, a Comissão considera que os argumentos da Grail não são suscetíveis de apoiar a sua tese. Assim, esta sociedade não conseguiu demonstrar as razões precisas pelas quais as considerações tecidas pelo Tribunal Geral na análise do contexto do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 eram, como sustenta, inconclusivas.
109 Terceiro, quanto à interpretação teleológica desta disposição, a Comissão sublinha que o objetivo do Regulamento n.° 139/2004 é permitir o controlo de todas as concentrações que afetem a concorrência na União, independentemente dos limiares de volumes de negócios previstos no artigo 1.° deste regulamento, dado que o referido regulamento não prejudica o direito dos Estados‑Membros de manterem legislações nacionais em matéria de controlo das concentrações e de determinarem os limiares a partir dos quais são competentes para exercer o seu controlo ao abrigo desses regimes. O facto de a Comissão só ser principalmente competente para as concentrações de dimensão europeia não afeta a sua competência para aceitar a remessa de concentrações ao abrigo dos mecanismos de remessa previstos pelo Regulamento n.° 139/2004. O artigo 22.° deste regulamento fornece, como indicado no seu considerando 11, «um mecanismo de correção eficaz à luz do princípio da subsidiariedade», dado que permite realizar o objetivo do referido regulamento, ao mesmo tempo que limita a competência principal da Comissão às concentrações abrangidas pelos limiares fixados no artigo 1.° do mesmo regulamento.
110 Quarto, a Comissão entende que, contrariamente ao que sustenta a Grail, o acórdão recorrido não conduz a resultados incompatíveis com o Regulamento n.° 139/2004. Os argumentos da Grail constituem, em substância, um «manifesto em causa própria» sobre a maneira como entende que um regime de controlo das concentrações da União deve funcionar, o que não é uma questão da competência do Tribunal de Justiça.
111 A República Francesa, o Reino dos Países Baixos e o Órgão de Fiscalização da EFTA contestam igualmente as alegações da Illumina e da Grail. Entendem que estas últimas desrespeitam, nomeadamente, o primado da interpretação literal e ignoram a redação clara e precisa do primeiro membro de frase do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, que não faz nenhuma distinção consoante o Estado‑Membro disponha ou não de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações. Os mecanismos de remessa funcionam como «mecanismos de correção» para permitir um controlo efetivo de todas as concentrações em função do seu efeito sobre a estrutura da concorrência na União.
Apreciação do Tribunal de Justiça
112 Com o primeiro fundamento dos presentes recursos, a Illumina e a Grail sustentam que o Tribunal Geral cometeu vários erros na interpretação do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, nomeadamente do seu n.° 1, que era precisamente objeto do primeiro fundamento invocado em primeira instância, relativo à incompetência da Comissão.
113 Na análise deste fundamento, o Tribunal Geral declarou, em primeiro lugar, que resultava das interpretações literal, histórica, contextual e teleológica do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004 que a Comissão podia, como considerou nas decisões controvertidas, aceitar a remessa de uma concentração ao abrigo deste artigo 22.° numa situação em que o Estado‑Membro que pede essa remessa não está habilitado, por força da sua legislação nacional em matéria de controlo das concentrações, a examinar essa concentração.
114 Em segundo lugar, o Tribunal Geral considerou que essa apreciação não podia ser posta em causa pelos argumentos da Illumina e da Grail relativos, respetivamente, à impossibilidade de remeter concentrações à Comissão no caso de um Estado‑Membro ter definido as condições em que controla as concentrações sem dimensão europeia, à violação dos princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade e da segurança jurídica, bem como ao caráter excecional das remessas ao abrigo do artigo 22.° deste regulamento.
115 Neste contexto, considerou, em particular no n.° 177 do acórdão recorrido, que esta disposição instituía um «mecanismo de correção» destinado a permitir um controlo efetivo de todas as concentrações passíveis de dificultar significativamente a existência de uma concorrência efetiva no mercado interno e que, por não excederem os limiares de volumes de negócios, escapam às legislações em matéria de controlo das concentrações da União e dos Estados‑Membros.
116 A este respeito, em conformidade com jurisprudência constante e como o Tribunal Geral recordou no n.° 88 do acórdão recorrido, a interpretação de uma disposição do direito da União exige que se tenha em conta não só os seus termos mas também o contexto em que se insere, bem como os objetivos e a finalidade que prossegue o ato de que faz parte. A génese de uma disposição do direito da União pode igualmente revelar elementos pertinentes para a sua interpretação [Acórdãos de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.° 47, e de 25 de junho de 2020, A e o. (Turbinas eólicas em Aalter e Nevele), C‑24/19, EU:C:2020:503, n.° 37 e jurisprudência referida].
117 Todavia, a Illumina e a Grail consideram que a aplicação pelo Tribunal Geral desses métodos de interpretação enferma de vários erros e que uma aplicação correta destes deveria ter levado o Tribunal Geral a declarar que a Comissão não é, por força do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, competente para examinar uma concentração quando esta última lhe é remetida por um Estado‑Membro que dispõe de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações e essa concentração não é abrangida pelo âmbito de aplicação dessa legislação.
118 Antes de mais, há que afastar a objeção formulada pela Comissão segundo a qual o primeiro fundamento dos presentes recursos é inoperante porque as recorrentes fizeram referência a certas considerações de ordem geral sobre o sistema de controlo das concentrações e não contestaram as declarações feitas pelo Tribunal Geral em certas passagens do acórdão recorrido. A este respeito, a Comissão considera que a redação do artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 139/2004 é suficiente para fundamentar a interpretação que o Tribunal Geral fez dessa disposição.
119 Para que um fundamento de recurso seja declarado inoperante, é necessário demonstrar que, mesmo que fosse declarado procedente, não seria suscetível de conduzir à anulação do acórdão recorrido (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2023, Comissão/CK Telecoms UK Investments, C‑376/20 P, EU:C:2023:561, n.° 96 e jurisprudência referida). Ora, afigura‑se que, com o primeiro fundamento dos presentes recursos, as recorrentes indicaram, com a precisão exigida, por que motivos criticam o Tribunal Geral por ter interpretado de forma errada a natureza e o alcance do mecanismo de remessa previsto no artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, de modo que a Comissão não podia examinar a concentração em causa. Se este fundamento for procedente, é suscetível de conduzir à anulação do acórdão recorrido, ou mesmo, sendo caso disso, das decisões controvertidas.
120 Consequentemente, há que apreciar a justeza da interpretação a que procedeu o Tribunal Geral, seguindo, para o efeito, as diferentes etapas do seu raciocínio.
Quanto à interpretação literal
121 No n.° 89 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, recordando os termos do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 39/2004, observou que esta disposição enunciava quatro requisitos cumulativos para autorizar a remessa de uma concentração à Comissão. Primeiro, o pedido dirigido à Comissão para que esta examine uma concentração deve emanar de um ou mais Estados‑Membros. Segundo, a operação objeto desse pedido deve corresponder à definição de concentração que figura no artigo 3.° deste regulamento sem atingir os limiares de dimensão europeia fixados no artigo 1.° do referido regulamento. Terceiro, essa concentração deve afetar o comércio entre Estados‑Membros. Quarto, a referida concentração deve ameaçar afetar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou dos Estados‑Membros que apresentaram o referido pedido.
122 O Tribunal Geral deduziu daqui, no n.° 90 do acórdão recorrido, que «da letra dessa disposição não resulta, portanto, que, para que um Estado‑Membro possa remeter uma concentração à Comissão, essa concentração deva integrar o âmbito de aplicação da legislação relativa ao controlo das concentrações do referido Estado‑Membro, nem que este deva possuir esse sistema de controlo». A expressão «qualquer concentração», conforme utilizada no primeiro membro de frase do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, indica, pelo contrário, que uma concentração pode ser objeto de uma remessa independentemente da existência ou do âmbito de aplicação da legislação nacional em matéria de controlo ex ante das concentrações, desde que os requisitos cumulativos evocados no n.° 89 do acórdão recorrido se encontrem satisfeitos.
123 Por conseguinte, o Tribunal Geral declarou, no n.° 94 do acórdão recorrido, que «sem permitir uma conclusão definitiva, a interpretação literal do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004 indica que um Estado‑Membro pode remeter à Comissão qualquer concentração que cumpra os requisitos cumulativos ali enunciados, e isto independentemente da existência ou do âmbito de aplicação da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações».
124 Portanto, como resulta do n.° 95 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral entendeu oportuno proceder a uma interpretação histórica, uma vez que esta era suscetível de fornecer precisões quanto à intenção do legislador da União quando aprovou o artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, que importa ter em conta no âmbito das interpretações teleológica e contextual desta disposição.
125 Essas considerações não estão viciadas por nenhum erro.
126 É certo que decorre de jurisprudência constante que a interpretação de uma disposição do direito da União não pode ter por resultado privar de qualquer efeito útil a letra clara e precisa dessa disposição (Acórdãos de 25 de janeiro de 2022, VYSOČINA WIND, C‑181/20, EU:C:2022:51, n.° 39, e de 13 de outubro de 2022, Gmina Wieliszew, C‑698/20, EU:C:2022:787, n.° 83).
127 O juiz da União não se encontra, no entanto, privado da possibilidade de recorrer, em certas situações, aos métodos de interpretação que considere adequados para esclarecer o alcance exato de uma disposição do direito da União aparentemente clara, precisando‑se que cada disposição do direito da União deve ser colocada no seu contexto e interpretada à luz do conjunto das disposições deste direito, das suas finalidades e do estado da sua evolução à data em que a aplicação da disposição em causa deve ser feita (Acórdãos de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o., 283/81, EU:C:1982:335, n.° 20, e de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi, C‑561/19, EU:C:2021:799, n.° 46).
128 Nas circunstâncias do caso em apreço, em que se afigura que vários elementos foram levados ao conhecimento do Tribunal Geral para esclarecer o alcance da redação pretensamente clara do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, foi com razão que este declarou que não se podia cingir a uma leitura isolada da redação, simultaneamente concisa e geral, desta disposição e abster-se de uma interpretação contextual e teleológica, esclarecida pela génese da referida disposição.
Quanto à interpretação histórica
129 A interpretação histórica, exposta nos n.os 96 a 117 do acórdão recorrido, foi considerada, como resulta dos termos utilizados pelo Tribunal Geral, «capaz de fornecer algumas precisões quanto à intenção do legislador da União quando aprovou o artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, que importa ter em consideração no âmbito das interpretações teleológica e contextual desta disposição» (acórdão recorrido, n.° 95). Por conseguinte, resulta da sistemática deste acórdão que esta interpretação histórica reveste uma importância particular no raciocínio do Tribunal Geral, uma vez que constitui o ponto de apoio das considerações por ele feitas no âmbito das interpretações teleológica e contextual.
130 Em substância, o Tribunal Geral concluiu que a interpretação histórica tende a indicar que o artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004 permite aos Estados‑Membros, independentemente da existência ou do âmbito de aplicação da sua legislação nacional em matéria de controlo ex ante das concentrações, remeter à Comissão concentrações que não atingem os limiares de volumes de negócios fixados no artigo 1.° deste regulamento, mas que podem ter efeitos transfronteiriços significativos.
131 Antes de examinar a procedência da argumentação das recorrentes dirigida contra os diferentes pontos da apreciação do Tribunal Geral, importa apreciar a admissibilidade dos elementos apresentados pela Grail neste contexto.
– Quanto à admissibilidade dos elementos apresentados pela Grail
132 A Comissão põe em causa, na sua contestação no processo C‑625/22 P, a admissibilidade dos elementos apresentados pela Grail em apoio das suas alegações relativas à interpretação histórica. Com efeito, a Comissão sustenta que, apesar de ter consagrado apenas dois pontos a esta interpretação no seu articulado de intervenção em primeira instância, a Grail se refere, na sua petição de recurso, a muitos documentos elaborados no âmbito dos trabalhos preparatórios da adoção do Regulamento n.° 4064/89, do Regulamento n.° 1310/97 e do Regulamento n.° 139/2004 que anexou a essa petição. Salienta que esses documentos, a maioria dos quais não foi objeto de qualquer publicação, não foram levados ao conhecimento do Tribunal Geral e, portanto, não foram debatidos perante este.
133 A este respeito, é ponto assente que permitir a uma parte suscitar no Tribunal de Justiça, pela primeira vez, um fundamento e argumentos que não suscitou no Tribunal Geral equivaleria a permitir‑lhe submeter ao Tribunal de Justiça, cuja competência em sede de recurso é limitada, um litígio mais amplo do que aquele que foi submetido ao Tribunal Geral. No âmbito de um recurso em segunda instância, a competência do Tribunal de Justiça encontra‑se, por conseguinte, limitada à apreciação da solução legal que foi dada aos fundamentos e aos argumentos debatidos em primeira instância (Acórdão de 21 de setembro de 2010, Suécia e o./API e Comissão, C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, EU:C:2010:541, n.° 126 e jurisprudência referida).
134 Não obstante, quando está em causa a interpretação feita pelo Tribunal Geral de uma disposição do direito da União, os trabalhos preparatórios, diretamente relacionados com o alcance da legislação da União aplicável, não podem ser analisados como elementos puramente factuais que deveriam ter sido evocados em primeira instância. Com efeito, a determinação do sentido da referida legislação é da exclusiva competência do Tribunal de Justiça. Na hipótese de, como nos presentes processos, ser posta em causa a interpretação de uma disposição de direito derivado, o juiz da União deve poder debruçar‑se, oficiosamente ou em razão de elementos que foram validamente submetidos à sua apreciação, sobre os documentos elaborados no âmbito dos trabalhos preparatórios que sejam suscetíveis de fornecer indicações sobre a intenção do legislador da União.
– Quanto ao mérito
135 As considerações tecidas pelo Tribunal Geral no âmbito da interpretação histórica prendem‑se, primeiro, com o facto de não ter sido excluído à partida que o mecanismo de remessa de uma concentração à Comissão, inicialmente previsto no artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, embora originariamente concebido para os Estados‑Membros que ainda não dispunham de um sistema de controlo das concentrações, pudesse igualmente ser utilizado por Estados‑Membros que dispõem de tal sistema (acórdão recorrido, n.os 96 a 99), segundo, com a circunstância de os objetivos desse mecanismo «terem sido sucessivamente ampliados ao longo do tempo» com vista a reforçar a aplicação do direito da União da concorrência às operações de concentração de empresas com efeitos transfronteiriços (acórdão recorrido, n.os 100 a 104), terceiro, com a sequência dada à Proposta da Comissão de regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento CE das concentrações») (JO 2003, C 20, p. 4; a seguir «proposta de 2003») no contexto da revisão do Regulamento n.° 4064/89 e da adoção do Regulamento n.° 139/2004 (acórdão recorrido, n.os 105 a 114) e, quarto, com a falta de pertinência dos documentos publicados pela Comissão após a adoção deste último regulamento (acórdão recorrido, n.° 115).
136 Em primeiro lugar, no que respeita à apreciação do Tribunal Geral segundo a qual não estava excluído à partida que o mecanismo de remessa de um processo de concentração à Comissão, previsto inicialmente no artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, pudesse ser utilizado não só pelos Estados‑Membros que não dispunham de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações mas também por aqueles que dispunham dessa legislação, há que observar que esta apreciação se baseia em vários documentos elaborados pela Comissão, a saber, o Livro Verde da Comissão de 31 de janeiro de 1996 relativo à revisão do regulamento sobre as concentrações, COM(96) 19 final, o Livro Verde da Comissão de 11 de dezembro de 2001 sobre a revisão do Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, COM(2001) 745 final, e a proposta de 2003.
137 É certo que documentos elaborados pela própria Comissão podem ser suscetíveis de fornecer indicações precisas sobre a intenção do legislador quando da elaboração dos sucessivos regulamentos em matéria de controlo das concentrações e, portanto, revestir um certo valor interpretativo quanto ao sentido e ao alcance do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004. Todavia, no caso em apreço, os documentos referidos no número anterior não contêm elementos precisos suscetíveis de resolver a questão de interpretação que está no cerne do fundamento relativo à incompetência da Comissão para adotar as decisões controvertidas.
138 A este respeito, o Tribunal Geral salientou, com razão, no n.° 98 do acórdão recorrido, que resultava do n.° 97 do Livro Verde da Comissão de 31 de janeiro de 1996 relativo à revisão do regulamento sobre as concentrações, COM(96) 19 final, que o mecanismo de remessa foi geralmente considerado um instrumento útil, em especial para os Estados‑Membros que não dispunham de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações, mas que a sua utilização não lhes tinha sido, em caso nenhum, reservada.
139 Esta constatação não permite, todavia, responder à questão de saber se o artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 permite aos Estados‑Membros que dispõem de tal legislação remeter à Comissão operações que não são abrangidas por essa legislação e que não têm, portanto, de ser notificadas a nível nacional.
140 O mesmo se diga da referência feita, no n.° 99 do acórdão recorrido, ao facto de, já à data da adoção do Livro Verde da Comissão de 11 de dezembro de 2001 sobre a revisão do Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, COM(2001) 745 final, só o Grão‑Ducado do Luxemburgo não dispor de tal legislação, o que levou a Comissão a concluir, no n.° 85 deste livro verde, que, «[n]a prática, [...] o âmbito potencial para a utilização do n.° 3 do artigo 22.° [do Regulamento n.° 4064/89] na sua forma inicial [era] muito limitado». Como salientou o advogado‑geral no n.° 87 das conclusões, esta passagem do n.° 85 do referido livro verde sugere certamente que a adoção pela maior parte dos Estados‑Membros de um sistema nacional de controlo das concentrações implicava que tivessem um interesse mais limitado em remeter o exame de uma operação de concentração à Comissão. Em contrapartida, não contém nenhuma indicação, mesmo implícita, de que a Comissão seja competente para examinar operações que lhe são remetidas por um Estado‑Membro que tenha adotado tal sistema nacional independentemente da questão de saber se essas operações estão abrangidas pelo referido sistema.
141 Em segundo lugar, quanto à circunstância de os objetivos desse mecanismo «terem sido sucessivamente ampliados ao longo do tempo» com vista a reforçar a aplicação do direito da União da concorrência às operações de concentração de empresas com efeitos transfronteiriços, é certo que as considerações expostas a este respeito nos n.os 100 a 104 do acórdão recorrido assentam em conclusões corretas. No entanto, também não apoiam a abordagem preconizada pela Comissão nos presentes processos quanto ao alcance do mecanismo de remessa previsto no artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004.
142 Em particular, embora seja certo que, como o Tribunal Geral declarou no n.° 102 do acórdão recorrido, este mecanismo se destinava a permitir aos Estados‑Membros pedir à Comissão que examinasse uma concentração numa situação em que os limiares previstos no artigo 1.° deste regulamento não foram atingidos, esta clarificação não é, todavia, conclusiva para determinar se o artigo 22.° do referido regulamento permite aos Estados‑Membros que dispõem de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações remeter operações não abrangidas por essa legislação.
143 Em terceiro lugar, quanto à referência feita, nos n.os 105 a 114 do acórdão recorrido, à sequência dada à proposta de 2003 no contexto da revisão do Regulamento n.° 4064/89 e da adoção do Regulamento n.° 139/2004, esta também não corrobora a interpretação defendida pela Comissão. Com efeito, embora as alterações do mecanismo de remessa resultantes desta proposta demonstrem que a Comissão privilegiou um recurso acrescido a este mecanismo e pretendeu que os seus objetivos fossem progressivamente alargados, não fornecem nenhuma indicação sobre o tipo de concentrações que podem ser objeto de remessa.
144 Em quarto lugar, como o Tribunal Geral salientou no n.° 115 do acórdão recorrido, documentos da Comissão publicados após a adoção do Regulamento n.° 139/2004 não podiam ser tidos em conta pelo legislador da União e, por conseguinte, não são pertinentes para a interpretação histórica do artigo 22.° deste regulamento.
145 Resulta de todas estas considerações que os elementos referidos nos n.os 96 a 116 do acórdão recorrido não são suscetíveis de corroborar a apreciação do Tribunal Geral quanto à génese do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004.
146 Um exame dos trabalhos preparatórios dos sucessivos regulamentos relativos ao controlo das concentrações, em particular os documentos históricos relativos à adoção dos Regulamentos n.os 4064/89 e 139/2004, tende, pelo contrário, a contradizer esta apreciação uma vez que, como salientou o advogado‑geral em especial nos n.os 102 e 105 das suas conclusões, nenhum destes documentos atesta a vontade do legislador da União de recorrer aos mecanismos de remessa previstos, respetivamente, no artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 e no artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 para sanar as pretensas lacunas decorrentes da rigidez dos limiares previstos no artigo 1.° de cada um destes regulamentos.
147 A este respeito, como o próprio Tribunal Geral salientou no n.° 97 do acórdão recorrido e todas as partes reconhecem, o mecanismo de remessa, instituído inicialmente pelo artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, dava seguimento ao desejo do Reino dos Países Baixos, que não dispunha à época de legislação nacional em matéria de controlo das concentrações, de sujeitar as concentrações com impacto negativo no seu território a um exame pela Comissão, desde que essas concentrações também afetassem o comércio entre Estados‑Membros, razão pela qual o referido mecanismo foi denominado «cláusula neerlandesa» [n.° 133 do Documento de trabalho dos serviços da Comissão que acompanhou a Comunicação da Comissão ao Conselho — Relatório sobre a aplicação do Regulamento n.° 139/2004 de 30 de junho de 2009, SEC(2009) 808 final/2]. Por outras palavras, o referido mecanismo impôs‑se sobretudo porque alguns Estados‑Membros não dispunham de um sistema de controlo preventivo (ex ante) das concentrações.
148 Resulta assim dos documentos e dos trabalhos preparatórios, alguns dos quais emanam do Conselho da União Europeia, relativos à versão inicial do Regulamento n.° 4064/89 a que se referem as partes, que, como salientou o advogado‑geral nomeadamente no n.° 101 das suas conclusões, o legislador da União teve em conta o facto de que, independentemente do tipo e do montante dos limiares escolhidos, certas concentrações suscetíveis de afetar o mercado interno escapariam, em qualquer caso, a um controlo ex ante da Comissão no âmbito deste regulamento. Nenhum desses documentos entende o mecanismo de remessa previsto no artigo 22.°, n.° 3, do referido regulamento como um «mecanismo de correção» que permite a remessa à Comissão de qualquer concentração que preencha os requisitos do n.° 1 deste artigo independentemente da questão de saber se esta está abrangida pelo sistema nacional de controlo das concentrações do Estado‑Membro que faz o pedido.
149 Os documentos históricos relativos à adoção do Regulamento n.° 1310/97 e do Regulamento n.° 139/2004 também não corroboram as apreciações do Tribunal Geral quanto à intenção de o legislador da União utilizar o mecanismo de remessa previsto no artigo 22.° para sanar as pretensas lacunas decorrentes da rigidez dos limiares previstos no artigo 1.° do referido regulamento.
150 Decorre de todas estas considerações que, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.° 116 do acórdão recorrido, a interpretação histórica não permite concluir que o artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004 confere à Comissão competência para examinar uma concentração que não atinge os limiares de volumes de negócios previstos no artigo 1.° deste regulamento independentemente do âmbito de aplicação da legislação do Estado‑Membro que apresentou um pedido de remessa em matéria de controlo das concentrações.
Quanto à interpretação contextual
151 Em apoio da sua interpretação contextual segundo a qual um Estado‑Membro pode pedir a remessa de uma concentração ao abrigo do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 independentemente do âmbito de aplicação da sua legislação nacional em matéria de controlo ex ante das concentrações, o Tribunal Geral formulou, nos n.os 118 a 138 do acórdão recorrido, algumas considerações. Estas dizem respeito, primeiro, à base jurídica deste regulamento, segundo, ao facto de o artigo 1.°, n.° 1, do referido regulamento, que define o seu âmbito de aplicação, fazer expressamente referência ao artigo 22.° do mesmo regulamento, terceiro, à constatação de que os requisitos de aplicação desta última disposição se distinguem fundamentalmente dos previstos no artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 139/2004 — disposição que também permite, a pedido das partes e antes da sua notificação, que um Estado‑Membro remeta à Comissão uma concentração que não possui dimensão europeia —, quarto, o facto de o mecanismo de remessa previsto no artigo 22.° deste regulamento diferir dos previstos no artigo 4.°, n.° 4, e no artigo 9.° do referido regulamento — disposições que regulam a remessa de uma concentração de dimensão europeia às autoridades competentes de um Estado‑Membro — e, quinto, à articulação entre o artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento e as outras disposições deste artigo.
152 Por um lado, importa abordar estes diferentes elementos concretamente examinados pelo Tribunal Geral e, por outro, examinar se, como sustentam as recorrentes, o Tribunal Geral ignorou outros elementos contextuais suscetíveis de fornecer esclarecimentos sobre o alcance do mecanismo de remessa previsto no artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004.
– Quanto aos elementos contextuais tidos em conta pelo Tribunal Geral
153 No que respeita, em primeiro lugar, à circunstância de o Regulamento n.° 139/2004 ter por base jurídica não só o artigo 83.° CE (atual artigo 103.° TFUE), mas também o artigo 308.° CE (atual artigo 352.° TFUE), o Tribunal Geral considerou, em substância, que a referência feita a este último artigo, por força do qual a União se pode dotar dos poderes de ação adicionais necessários à realização dos seus objetivos, não fornecia nenhuma indicação sobre o sentido e o alcance corretos do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, deste regulamento. Assim, o Tribunal Geral afastou a tese da Illumina de que as bases jurídicas sucessivamente escolhidas quando da adoção dos regulamentos relativos ao controlo das concentrações sustentavam a interpretação que esta propunha desta disposição.
154 O Tribunal Geral considerou, no n.° 120 do acórdão recorrido, que o facto de o Regulamento n.° 139/2004 também se basear no artigo 308.° CE apenas demonstra que o legislador da União pretendia recorrer a uma base jurídica suficientemente ampla para o sistema de controlo das concentrações da União, o que está em conformidade com o Protocolo (n.° 27) relativo ao mercado interno e à concorrência (JO 2016, C 202, p. 308), que prevê que o mercado interno inclui um sistema que assegura que a concorrência não seja falseada e, para esse efeito, a União, se necessário, toma medidas ao abrigo do disposto nos Tratados, incluindo do artigo 352.° TFUE.
155 Esta apreciação do Tribunal Geral não padece de nenhum erro de direito. Com efeito, resulta do considerando 7 do Regulamento n.° 4064/89 e do considerando 7 do Regulamento n.° 139/2004, bem como dos trabalhos preparatórios do Regulamento n.° 4064/89 que o legislador da União considerou que o artigo 103.° TFUE — que permite a adoção de regulamentação com vista à «aplicação dos princípios constantes dos artigos 101.° e 102.° [TFUE]» — era, considerado isoladamente, insuficiente para instituir um sistema de controlo das concentrações destinado a impedir a simples criação de posições dominantes, bem como a abranger as concentrações no mercado dos produtos agrícolas que, nos termos do artigo 38.°, n.° 3, TFUE e do anexo I do Tratado FUE, poderiam ser objeto de um regime jurídico específico que previsse exceções à aplicação integral das regras de concorrência da União.
156 Não obstante, não foi, pelo contrário, demonstrado que o artigo 352.° TFUE permite fundamentar uma competência da Comissão para controlar uma concentração que não tem dimensão europeia, mesmo quando o Estado‑Membro que apresentou um pedido para esse efeito com base no artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 dispõe de uma legislação nacional que implica que não é ele próprio competente para controlar essa concentração.
157 Em segundo lugar, a referência feita, nos n.os 121 a 124 do acórdão recorrido, ao artigo 1.° do Regulamento n.° 139/2004 — que define os limiares acima dos quais se considera que uma concentração tem «dimensão comunitária» e, por conseguinte, deve ser sujeita ao regime de notificação obrigatória à Comissão e que precisa que esses limiares são «[s]em prejuízo do n.° 5 do artigo 4.° e do artigo 22.°» — não pode ser considerada determinante.
158 Com efeito, embora o Tribunal Geral tenha corretamente deduzido deste artigo 1.° «que o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 139/2004 e, por conseguinte, a competência de análise da Comissão no que toca às concentrações dependem, a título principal, do facto de serem excedidos os limiares de volumes de negócios que definem a dimensão europeia e, a título subsidiário, dos mecanismos de remessa previstos no artigo 4.°, n.° 5, e no artigo 22.° deste regulamento, que completam os referidos limiares ao autorizarem o exame, pela Comissão, de determinadas concentrações que não possuem dimensão europeia» (acórdão recorrido, n.° 123), esta consideração não oferece indicações precisas sobre o tipo de concentrações que não atingem os limiares do referido regulamento que podem ser controladas pela Comissão em conformidade com o artigo 22.° do mesmo regulamento.
159 No caso em apreço, é pacífico que o artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004 permite à Comissão controlar determinadas concentrações que não atingem os limiares fixados no artigo 1.° deste regulamento. No entanto, esta constatação não permite determinar, como exigem os presentes processos, quais são precisamente as concentrações que não atingem os limiares definidos pelo referido regulamento que podem ser controladas pela Comissão em conformidade com o seu artigo 22.°
160 Em terceiro lugar, foi igualmente com razão que o Tribunal Geral declarou, no n.° 129 do acórdão recorrido, que o artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, que não exige expressamente que a autoridade nacional da concorrência que pede a remessa do exame da operação de concentração à Comissão seja competente para examinar a concentração objeto da remessa nem que esta concentração seja notificada, não pode ser interpretado à luz dos mecanismos de remessa previstos no artigo 4.°, n.° 4, e no artigo 9.° deste regulamento. Estas disposições também não são suscetíveis de confirmar a posição defendida pela Comissão nos presentes processos.
161 Em quarto lugar, no que respeita à articulação entre o artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004 e as outras disposições deste artigo, que foi examinada nos n.os 130 a 137 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral teve em conta sete elementos.
162 Primeiro, o Tribunal Geral considerou, no n.° 130 do acórdão recorrido, que não se pode deduzir da redação do artigo 22.°, n.° 1, segundo parágrafo, deste regulamento que este artigo só é aplicável aos Estados‑Membros que dispõem de legislação nacional em matéria de controlo das concentrações quando as concentrações em causa estejam abrangidas por essa legislação.
163 Ora, como o advogado‑geral salientou no n.° 124 das suas conclusões, a redação do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, que prevê que a remessa deve ser pedida no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da data de «notificação» da concentração ou, caso não seja necessária notificação, da data em que «foi dado conhecimento» da concentração ao Estado‑Membro em causa, não significa que o artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, deste regulamento regula situações em que as concentrações não são notificadas, mas apenas dadas a conhecer ao Estado‑Membro em causa, seja porque não integram o âmbito de aplicação da referida legislação, seja porque essa legislação não existe.
164 Com efeito, a utilização da expressão «foi dado conhecimento» nesta disposição era necessária para precisamente permitir que os Estados‑Membros que não dispõem de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações peçam à Comissão que controle as concentrações suscetíveis de ter efeitos negativos no seu território, quando essas concentrações afetam igualmente o comércio entre Estados‑Membros.
165 Por outro lado, a conclusão do Tribunal Geral recordada no n.° 162 do presente acórdão não tem em conta a situação, na qual o artigo 22.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004 é aplicável, em que um Estado‑Membro dispõe de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações, mas não sujeita as concentrações abrangidas pelo âmbito de aplicação dessa legislação a uma obrigação de notificação, o que era precisamente o caso do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
166 Segundo, o Tribunal Geral entendeu, no n.° 131 do acórdão recorrido, que a Illumina e a Grail não podiam extrair argumentos do facto de o artigo 22.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004 estabelecer que «[a] Comissão deve informar sem demora as autoridades competentes dos Estados‑Membros e as empresas em causa dos pedidos [de remessa] que recebeu nos termos do n.° 1 [desse artigo]», pois a referência às «autoridades competentes» apenas pretende garantir que as autoridades nacionais da concorrência sejam informadas pela Comissão desse pedido.
167 Esta apreciação deve ser aprovada, uma vez que esta referência geral, considerada isoladamente, não se afigura conclusiva para determinar o sentido e o alcance do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004.
168 Terceiro, o Tribunal Geral considerou, no n.° 132 do acórdão recorrido, que o artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004 — que prevê que «[q]ualquer outro Estado‑Membro tem de se associar ao pedido inicial [de remessa]» — era «coerente com o seu n.° 1 e confirma que qualquer Estado‑Membro pode apresentar um pedido de remessa ou de associação ao abrigo desse artigo, independentemente do âmbito da sua legislação nacional relativa ao controlo das concentrações». Ora, não se pode deixar de observar que esta apreciação não encontra nenhum apoio na redação do referido artigo.
169 Quarto, o Tribunal Geral declarou, no n.° 133 do acórdão recorrido, que o facto de, segundo o artigo 22.°, n.° 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, «[t]odos os prazos nacionais relativos à concentração são suspensos […]» significa apenas que, encontrando‑se a correr um prazo nacional desse tipo, o mesmo ficará suspenso. Ora, esta disposição não fornece nenhuma indicação, quer em apoio das recorrentes quer da Comissão, quanto à identificação exata das concentrações que podem ser objeto de uma remessa à Comissão ao abrigo deste artigo.
170 Quinto, quanto à referência ao artigo 22.°, n.° 3, terceiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, que prevê que «[o] Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentaram o pedido deixam de aplicar à concentração a sua legislação nacional de concorrência», o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro quando declarou, no n.° 134 do acórdão recorrido, que esta disposição não apoiava os argumentos das recorrentes, dado que, ao fazer referência à «legislação nacional da concorrência», esta disposição remete não só para a legislação nacional em matéria de controlo das concentrações mas também para as disposições nacionais relativas aos acordos anticoncorrenciais e aos abusos de posição dominante. Não obstante, tal constatação também não corrobora a tese defendida pela Comissão.
171 Sexto, o Tribunal Geral examinou, nos n.os 135 e 136 do acórdão recorrido, o artigo 22.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, segundo o qual o artigo 2.°, o artigo 4.°, n.os 2 e 3, e os artigos 5.°, 6.° e 8.° a 21.° deste regulamento se aplicam quando a Comissão aceita examinar uma concentração remetida, e segundo o qual o artigo 7.° do Regulamento n.° 139/2004 se aplica «na medida em que a concentração não tenha sido realizada na data em que a Comissão informar as empresas em causa de que foi apresentado um pedido». A Comissão deduziu da redação deste artigo 7.° que a obrigação de suspensão ali prevista se impunha tanto às situações em que a concentração cuja remessa é pedida não está abrangida pelo âmbito de aplicação de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações como às situações em que essa legislação é aplicável, mas não prevê a suspensão dessa concentração.
172 Ora, embora o Tribunal Geral tenha salientado acertadamente que a obrigação de suspensão prevista no artigo 7.° do Regulamento n.° 139/2004 se impõe a todas as concentrações cuja remessa foi pedida à Comissão, a fim de garantir a eficácia do sistema de controlo instituído por este regulamento e evitar que ocorram distorções de concorrência antes de ser decidido se a Comissão examinará o processo, a redação do artigo 22.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do referido regulamento não corrobora, no entanto, a interpretação preconizada pela Comissão nos presentes processos.
173 Sétimo, o Tribunal Geral salientou, no n.° 137 do acórdão recorrido, que, em conformidade com o artigo 22.°, n.° 5, do Regulamento n.° 139/2004, «[a] Comissão pode informar um ou mais Estados‑Membros de que considera que uma concentração preenche os critérios referidos no n.° 1 [deste artigo]». Dado que esta redação se refere apenas a estes critérios, o Tribunal Geral considerou que esta disposição não exige que a concentração cuja remessa é pedida esteja abrangida pelo âmbito de aplicação de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações.
174 Ora, esta disposição limita‑se a prever que a Comissão pode informar os Estados‑Membros de uma concentração e convidá‑los a apresentarem um pedido com base no artigo 22.°, n.° 5, deste regulamento. Uma vez que esta disposição se refere ao artigo 22.°, n.° 1, do referido regulamento e se considerou, no n.° 128 do presente acórdão, que a redação desta última disposição não corrobora a interpretação defendida pela Comissão nem a defendida pela Illumina e a Grail, há que chegar a uma conclusão análoga em relação a este artigo 22.°, n.° 5.
175 Resulta de todas estas considerações que, embora os elementos concretamente examinados pelo Tribunal Geral na sua interpretação contextual não corroborem necessariamente a posição defendida pelas recorrentes, também não são conclusivos para determinar se a Comissão era competente para adotar as decisões controvertidas.
176 Por outro lado, há que examinar se, como sustentam as recorrentes, o Tribunal Geral ignorou outros elementos contextuais suscetíveis de contradizer a sua interpretação.
– Quanto aos outros elementos contextuais eventualmente pertinentes
177 Em primeiro lugar, no que respeita ao artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 139/2004, que prevê outro mecanismo de remessa, que permite às partes numa concentração que não tenha dimensão europeia e que pode ser apreciada no âmbito da legislação nacional de concorrência de, pelo menos, três Estados‑Membros pedirem que essa concentração seja examinada pela Comissão, é certo que foi com razão que o Tribunal Geral declarou, no n.° 126 do acórdão recorrido, que esta disposição e o artigo 22.° do mesmo regulamento diferem sensivelmente no que respeita aos respetivos requisitos de aplicação e às respetivas finalidades.
178 Todavia, há que salientar que, contrariamente às concentrações que, à partida, não têm dimensão europeia, mas são suscetíveis de adquirir essa dimensão nas condições fixadas no artigo 4.°, n.° 5, quinto parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, não se considera que as concentrações examinadas pela Comissão com base no artigo 22.° deste regulamento revistam uma dimensão europeia. Em consonância com esta constatação, só o Estado‑Membro ou os Estados‑Membros que apresentaram um pedido ao abrigo do artigo 22.° do referido regulamento estão, em conformidade com o terceiro parágrafo do n.° 3 desta disposição, privados da possibilidade de aplicar à concentração em causa a sua legislação nacional da concorrência.
179 No âmbito deste mecanismo, tratando‑se de um pedido emanado de um ou de vários Estados‑Membros que dispõem de legislação nacional em matéria de controlo ex ante das concentrações, o exame da operação em causa pela Comissão substitui, assim, aquele que, sendo caso disso, teria sido conduzido nesse ou nesses Estados‑Membros, sem prejuízo de um eventual exame desta operação noutros Estados‑Membros. Em contrapartida, no âmbito do mecanismo de remessa previsto no artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 139/2004, a circunstância de se considerar que a concentração em causa tem dimensão europeia e deve ser notificada à Comissão em conformidade com os n.os 1 e 2 deste artigo implica que nenhum Estado‑Membro aplique a sua legislação nacional da concorrência a esta concentração.
180 Ora, esta diferença milita a favor da interpretação do artigo 22.° deste regulamento defendida pela Illumina e pela Grail. Com efeito, tratando‑se de um pedido de remessa emanado de um Estado‑Membro que dispõe de uma legislação nacional em matéria de controlo ex ante das concentrações, a competência que esta disposição atribui à Comissão para examinar a operação em causa assenta na oportunidade de esta se substituir a uma ou a mais autoridades nacionais, embora não se considere que essa operação tenha dimensão europeia. Tal substituição pressupõe, não obstante, que, quando o Estado‑Membro que apresenta o pedido disponha dessa legislação, a competência da autoridade responsável pelo controlo ex ante das concentrações nesse Estado‑Membro não esteja excluída por essa legislação, nomeadamente porque a operação em causa se situe abaixo dos limiares de controlo que a mesma define.
181 Em segundo lugar, no que respeita às disposições do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004, o Tribunal Geral declarou, no n.° 138 do acórdão recorrido, que as mesmas não continham nenhum elemento pertinente que pudesse contribuir para melhor esclarecer o conteúdo do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento.
182 Todavia, esta consideração ignora um dos requisitos de aplicação enunciados nesta última disposição, segundo o qual a concentração em questão deve ameaçar afetar significativamente a concorrência «no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros» que pedem a remessa dessa concentração. Com efeito, este requisito indica que o mecanismo de remessa previsto no artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 se destina a permitir o controlo das concentrações suscetíveis de falsear a concorrência num Estado‑Membro que não disponha de uma legislação nacional em matéria de controlo das concentrações ou que considere que esse controlo deve ser efetuado pela Comissão tendo em conta a necessidade, claramente evocada quando da alteração do Regulamento n.° 4064/89 pelo Regulamento n.° 1310/97, e depois reforçada com a adoção do Regulamento n.° 139/2004, de alargar o princípio do «balcão único» com vista a permitir o exame pela Comissão de uma concentração notificada ou notificável em vários Estados‑Membros, para evitar múltiplas notificações a nível nacional.
183 Em terceiro lugar, no que respeita às outras disposições do Regulamento n.° 139/2004, o Tribunal Geral errou ao não ter em conta o facto de o Regulamento n.° 139/2004 prever, à semelhança do Regulamento n.° 4064/89, um procedimento simplificado para rever os limiares que definem o âmbito de aplicação destes regulamentos. Assim, o artigo 1.°, n.os 4 e 5, do Regulamento n.° 139/2004 permite ao Conselho, sob proposta da Comissão, rever os limiares e os critérios que, por força deste artigo, definem o âmbito de aplicação deste regulamento com base em «dados estatísticos que poderão ser fornecidos regularmente pelos Estados‑Membros» e na sequência de um relatório apresentado ao Conselho até 1 de julho de 2009.
184 Por conseguinte, o legislador da União previu expressamente, no Regulamento n.° 139/2004, uma possibilidade de ajustamento rápido do âmbito de aplicação deste regulamento se, devido à evolução do mercado, os critérios de competência utilizados deixarem de ser adequados para abranger concentrações com efeitos potencialmente prejudiciais.
– Conclusão quanto à interpretação contextual
185 Resulta de todas estas considerações que o Tribunal Geral errou ao declarar, no n.° 139 do acórdão recorrido, que resultava da interpretação contextual que um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 podia ser apresentado independentemente da existência ou do âmbito de aplicação da legislação nacional em matéria de controlo ex ante das concentrações.
Quanto à interpretação teleológica
186 Tanto a Illumina como a Grail criticam a argumentação do Tribunal Geral relativa ao objetivo do Regulamento n.° 139/2004 e ao seu artigo 22.° Assim, foi incorretamente que o Tribunal Geral considerou que este regulamento prevê «mecanismos de correção» para sanar as lacunas no controlo, que são inerentes a um sistema que utiliza limiares de volumes de negócios, para atribuir competência à Comissão e adotou uma interpretação excessivamente ampla desses mecanismos. Na realidade, o referido regulamento foi concebido para garantir um elevado grau de previsibilidade e de segurança jurídica, bem como para garantir, como enuncia o considerando 14 do mesmo regulamento, que os casos de concentração são tratados pela autoridade mais adequada.
187 A este respeito, importa salientar que, nos n.os 140 a 151 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral efetuou uma interpretação teleológica do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, referindo‑se, no essencial, ao texto dos considerandos deste regulamento.
188 Em especial, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 140 a 144 do acórdão recorrido, que os considerandos 5, 6, 8, 24 e 25 do referido regulamento indicam que o seu objetivo é «permitir um controlo efetivo de todas as concentrações com impacto significativo na estrutura da concorrência na União». A este respeito, o Tribunal Geral entendeu que resulta do considerando 11 do Regulamento n.° 139/2004 que os procedimentos de remessa criam um «mecanismo de correção», o que indica que criam «uma competência subsidiária da Comissão que lhe confere a flexibilidade necessária para alcançar o objetivo deste regulamento».
189 Além disso, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 145 a 147 do acórdão recorrido, que os considerandos 15 e 16 do Regulamento n.° 139/2004 corroboram a constatação de que os requisitos de aplicação do mecanismo de remessa previsto no artigo 22.° deste regulamento se distinguem fundamentalmente dos requisitos dos outros mecanismos de remessa, em particular, o previsto no artigo 4.°, n.° 5, do referido regulamento, que exige explicitamente que a concentração remetida à Comissão «[possa] ser apreciada no âmbito da legislação nacional de concorrência de, pelo menos, três Estados‑Membros».
190 Com base nestas considerações, o Tribunal Geral declarou, no n.° 148 do acórdão recorrido, que a interpretação teleológica confirma que pode ser apresentado um pedido ao abrigo do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 independentemente da existência ou do âmbito de aplicação da legislação nacional em matéria de controlo ex ante das concentrações.
191 Esta conclusão está incorreta por várias razões.
192 Em primeiro lugar, o Tribunal Geral considerou sem razão que este artigo devia, como decorre, em seu entender, do considerando 11 deste regulamento, ser considerado um «mecanismo de correção» destinado a sanar as deficiências do sistema de controlo das concentrações, permitindo um controlo de operações que não atingem os limiares da União nem os limiares nacionais. Como resulta da exposição de motivos do Regulamento n.° 139/2004 e como salientou o advogado‑geral no n.° 179 das suas conclusões, este considerando 11 faz referência a um mecanismo com uma função corretiva em termos de repartição de competências entre a Comissão e as autoridades nacionais da concorrência, tendo em conta a necessidade de segurança jurídica para as empresas em causa e o princípio do «balcão único».
193 Quanto a este aspeto, importa salientar que o referido considerando 11 não figurava no Regulamento n.° 4064/89, mas só foi inserido na exposição de motivos do Regulamento n.° 139/2004 para dar resposta às preocupações decorrentes da possibilidade, reconhecida desde o ano de 1997, de notificações múltiplas. Por conseguinte, não permite deduzir que o mecanismo de remessa previsto no artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 se destina a colmatar uma brecha no sistema de controlo das concentrações, que assenta num princípio de repartição precisa das competências da Comissão e das autoridades nacionais da concorrência, permitindo à Comissão examinar concentrações que se situam abaixo dos limiares definidos tanto ao nível da União como a nível nacional.
194 Além disso, o facto de alguns considerandos deste regulamento, em particular, os seus considerandos 6 e 24, se referirem a um controlo efetivo de «todas as concentrações» também não corrobora a posição defendida pela Comissão, uma vez que esta formulação diz apenas respeito às concentrações de dimensão europeia (v., neste sentido, Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão, C‑10/18 P, EU:C:2020:149, n.° 108 e jurisprudência referida), que não estão em causa nos presentes processos.
195 A este respeito, importa sublinhar que a referência feita nesses considerandos a «todas» as concentrações, que já figurava nos considerandos 6 e 7 do Regulamento n.° 4064/89, corresponde à vontade de o legislador da União precisar que o Regulamento n.° 139/2004 constitui o único instrumento processual aplicável ao exame prévio e centralizado das concentrações, que, como enuncia o seu considerando 6, deve permitir um controlo eficaz de todas as concentrações em função do seu efeito sobre a estrutura da concorrência. Por força do sistema do «balcão único» instituído por este regulamento, este constitui, com efeito, um instrumento processual específico que se destina a ser aplicado a título exclusivo às concentrações de empresas que implicam modificações estruturais importantes cujos efeitos no mercado se projetem além das fronteiras nacionais de um Estado‑Membro, como resulta do considerando 8 do referido regulamento (Acórdão de 16 de março de 2023, Towercast, C‑449/21, EU:C:2023:207, n.os 36 e 37 e jurisprudência referida).
196 Em segundo lugar, foi sem razão que o Tribunal Geral declarou, nos n.os 147 e 148 do acórdão recorrido, que os considerandos 15 e 16 do Regulamento n.° 139/2004 corroboravam a interpretação segundo a qual um pedido ao abrigo do artigo 22.° deste regulamento pode ser apresentado independentemente do âmbito de aplicação da legislação nacional em matéria de controlo ex ante das concentrações.
197 Com efeito, o considerando 15 do referido regulamento, que diz respeito a todos os mecanismos de remessa, indica que a Comissão adquire competência para analisar e tratar uma concentração «em nome» de um ou mais Estados‑Membros requerentes. A formulação deste considerando é dificilmente conciliável com a interpretação, defendida pela Comissão e acolhida pelo Tribunal Geral, segundo a qual este artigo atribui competência à Comissão para controlar certas concentrações que afetam a concorrência no «mercado interno» em sentido geral, sem ter em conta o requisito recordado no n.° 182 do presente acórdão de que a concentração cuja remessa é pedida deve ameaçar afetar significativamente a concorrência «no território do Estados‑Membros ou Estados‑Membros» que apresentam esse pedido.
198 Além disso, há que sublinhar que o referido considerando 15 se refere aos «[o]utros Estados‑Membros que sejam também competentes para apreciar a concentração». Ora, tal referência só tem sentido se a competência de um Estado‑Membro para controlar uma concentração for uma condição prévia para que esse Estado‑Membro possa pedir a remessa dessa concentração à Comissão ou para que se possa associar a esse pedido.
199 Em terceiro lugar, tanto a interpretação histórica como a interpretação contextual do Regulamento n.° 139/2004 revelam que o mecanismo de remessa previsto atualmente no artigo 22.° deste regulamento prossegue apenas dois objetivos principais. O primeiro objetivo, que levou à introdução do mecanismo de remessa no Regulamento n.° 4064/89, então designado «cláusula neerlandesa», era permitir o controlo das concentrações suscetíveis de falsear a concorrência a nível local, quando o Estado‑Membro em questão não dispõe de legislação nacional em matéria de controlo das concentrações. O segundo objetivo, introduzido quando da alteração do Regulamento n.° 4064/89 pelo Regulamento n.° 1310/97, e depois reforçado com a adoção do Regulamento n.° 139/2004 é, como salientado nos n.os 192 e 193 do presente acórdão, o alargamento do princípio do «balcão único» com vista a permitir o exame pela Comissão de uma concentração notificada ou notificável em vários Estados‑Membros, para evitar múltiplas notificações a nível nacional e reforçar assim a segurança jurídica para as empresas.
200 Em contrapartida, não foi demonstrado que esse mecanismo se destinava a sanar as lacunas no sistema de controlo inerentes a um regime principalmente baseado em limiares de volumes de negócios, que não é, por definição, suscetível de cobrir todas as operações de concentração potencialmente problemáticas.
201 Decorre destas considerações que o Tribunal Geral deduziu incorretamente dos considerandos do Regulamento n.° 139/2004 que o artigo 22.° deste constituía um «mecanismo de correção» que visa um controlo efetivo de todas as concentrações com efeitos significativos na estrutura da concorrência na União.
202 Esta interpretação é, por outro lado, incompatível com alguns objetivos que o Regulamento n.° 139/2004, considerado no seu conjunto, visa prosseguir.
203 Analisados de um ponto de vista sistémico, pode deduzir‑se dos considerandos do Regulamento n.° 139/2004 que, embora este vise criar «[u]m instrumento jurídico específico [...] [sob a forma de um regulamento] que permita um controlo eficaz de todas as concentrações em função do seu efeito sobre a estrutura da concorrência» (considerando 6), visa igualmente instituir um sistema de controlo eficaz e previsível, tomando em consideração a necessidade de segurança jurídica e baseado no princípio do «balcão único» (considerandos 8 e 11). Este sistema assenta, simultaneamente, numa repartição clara das tarefas atribuídas respetivamente à Comissão e aos Estados‑Membros e numa definição precisa das condições de notificação e de suspensão que se impõem às partes numa operação de concentração (v., neste sentido, Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, C‑202/06 P, EU:C:2007:814, n.os 35 a 37 e jurisprudência referida).
204 Para o efeito, à semelhança do Regulamento inicial de controlo das concentrações n.° 4064/89, o Regulamento n.° 139/2004 contém disposições cuja finalidade é limitar, por razões de segurança jurídica e no interesse das empresas em causa, a duração dos procedimentos de verificação das operações que incumbem à Comissão. Com efeito, o legislador da União quis assegurar um controlo das operações de concentração em prazos compatíveis simultaneamente com as exigências de uma boa administração e da vida comercial (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão, C‑42/01, EU:C:2004:379, n.os 51 e 53 e jurisprudência referida).
205 Ora, a interpretação do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 preconizada pela Comissão, conforme confirmada pelo Tribunal Geral, é suscetível de quebrar o equilíbrio entre os diferentes objetivos prosseguidos por este regulamento.
206 Em particular, esta interpretação compromete a eficácia, a previsibilidade e a segurança jurídica que devem ser garantidas às partes numa concentração.
207 Com efeito, embora o Regulamento n.° 139/2004 vise efetivamente instituir um sistema de controlo das concentrações de empresas potencialmente prejudiciais para a concorrência, tende simultaneamente a instituir, por um lado, uma clara repartição de competências entre a Comissão e as autoridades nacionais da concorrência e, por outro, um sistema eficaz e previsível de controlo prévio para as empresas em causa. É tendo em conta todos estes objetivos e a sua ponderação que deve ser entendido o conjunto das disposições deste regulamento e, em especial, o mecanismo de remessa previsto no seu artigo 22.°
208 Neste contexto, importa recordar que, na sistemática dos regimes de controlo prévio de concentrações de empresas sucessivamente previstos no âmbito da União, os limiares fixados para definir se uma operação deve ou não ser notificada têm uma importância essencial. Com efeito, as empresas potencialmente sujeitas a obrigações de notificação e de suspensão devem poder facilmente determinar se o seu projeto de operação tem de ser objeto de um exame prévio e, em caso afirmativo, por qual autoridade e em que data se pode esperar uma decisão dessa autoridade relativa a essa operação.
209 A determinação da competência das autoridades nacionais da concorrência por referência a critérios relacionados com os volumes de negócios constitui uma garantia importante de previsibilidade e de segurança jurídica para as empresas em causa, que devem poder fácil e rapidamente identificar a autoridade a que se devem dirigir e em que prazo e sob que forma, nomeadamente no que respeita à língua e ao conteúdo das informações exigidas, devem remeter o caso a essa autoridade quando se comprometem a realizar uma operação de concentração.
210 Ora, como sublinha, em substância, o advogado‑geral nos n.os 206 a 213 das suas conclusões, por um lado, uma notificação informal de uma concentração a cada uma das autoridades nacionais da concorrência nos Estados‑Membros e nos outros Estados partes no Acordo EEE, tal como sugerida pela Comissão, seria incompatível com o objetivo de eficácia prosseguido pelo Regulamento n.° 139/2004. Por outro lado, se a interpretação do artigo 22.° deste regulamento preconizada pela Comissão fosse confirmada, as exigências processuais a que as empresas estariam sujeitas seriam particularmente difíceis de definir, o que não seria conforme com o objetivo do referido regulamento de tomar em consideração a necessidade de segurança jurídica das empresas.
211 Em quarto lugar, a necessidade de permitir um controlo efetivo de todas as operações com efeitos significativos na estrutura da concorrência na União não pode, em todo o caso, levar a alargar o alcance do Regulamento n.° 139/2004.
212 A este respeito, importa sublinhar que, desde a adoção do Regulamento n.° 4064/89, ao qual sucedeu o Regulamento n.° 139/2004, a União dispõe de regras específicas aplicáveis às concentrações suscetíveis de entravar significativamente uma concorrência efetiva no mercado interno ou numa parte substancial deste.
213 Estes regulamentos, baseados nos artigos 103.° e 352.° TFUE (anteriormente, artigos 83.° e 308.° CE), organizam mais precisamente um controlo prévio, assente num sistema de notificação obrigatória, de todas as operações de concentração que ultrapassem os limiares previstos. Os referidos regulamentos fazem assim parte de um quadro normativo que visa executar os artigos 101.° e 102.° TFUE e estabelecer um sistema de controlo que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno da União (Acórdão de 7 de setembro de 2017, Austria Asphalt, C‑248/16, EU:C:2017:643, n.° 31).
214 Todavia, como o Tribunal de Justiça declarou, o artigo 21.°, n.° 1, do Regulamento n.° 139/2004 não se opõe a que uma operação de concentração de empresas sem dimensão europeia, na aceção do artigo 1.° deste regulamento, e situada abaixo dos limiares de controlo ex ante obrigatório previstos pelo direito nacional seja analisada por uma autoridade nacional da concorrência de um Estado‑Membro como constitutiva, por exemplo, de um abuso de posição dominante proibido pelo artigo 102.° TFUE tendo em conta a estrutura da concorrência num mercado de dimensão nacional. O Regulamento n.° 139/2004 não se pode opor a que uma operação de concentração de dimensão não europeia, como a concentração em causa, possa ser objeto de controlo pelas autoridades nacionais da concorrência e pelos órgãos jurisdicionais nacionais a título do efeito direto do artigo 102.° TFUE, recorrendo às suas próprias regras processuais (Acórdão de 16 de março de 2023, Towercast, C‑449/21, EU:C:2023:207, n.os 50 e 53).
215 Em quinto e último lugar, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 216 e 218 das suas conclusões, afigura‑se que a interpretação ampla do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004 adotada pelo Tribunal Geral, que conduz potencialmente a uma extensão do âmbito de aplicação deste regulamento e da competência de controlo da Comissão sobre as operações de concentração, colide com o princípio do equilíbrio institucional, característico da estrutura institucional da União, decorrente do artigo 13.°, n.° 2, TUE, que implica que cada uma das instituições exerça as suas competências com respeito pelas das outras [Acórdão de 9 de abril de 2024, Comissão/Conselho (Assinatura de acordos internacionais), C‑551/21, EU:C:2024:281, n.° 62 e jurisprudência referida].
216 Como salientado no n.° 183 do presente acórdão, foi previsto um processo legislativo específico com vista a rever os limiares que definem o âmbito de aplicação do referido regulamento. Por conseguinte, admitindo que a eficácia dos limiares de competência baseados no volume de negócios previstos no Regulamento n.° 139/2004 se revelava insuficiente para controlar certas operações suscetíveis de ter um impacto significativo na concorrência, compete exclusivamente ao legislador da União revê‑los ou prever um mecanismo de salvaguarda que permita à Comissão controlar essa operação.
217 Por outro lado, mesmo admitindo que as evoluções observadas em certos mercados — que implicam, nomeadamente, empresas inovadoras que desempenham ou são suscetíveis de desempenhar um papel concorrencial importante, apesar de gerarem pouco ou nenhum volume de negócios no momento da concentração — justifiquem alargar o âmbito das operações que merecem um exame prévio, os Estados‑Membros podem rever em baixa os seus próprios limiares de competência baseados nos volumes de negócios previstos pela legislação nacional.
218 Resulta de todas estas considerações que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação do artigo 22.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 139/2004, ao declarar que os Estados‑Membros podiam, nas condições ali enunciadas, apresentar um pedido ao abrigo desta disposição independentemente do âmbito de aplicação da sua legislação nacional em matéria de controlo ex ante das concentrações. Por conseguinte, foi sem razão que o Tribunal Geral declarou que a Comissão, por meio das decisões controvertidas, aceitou corretamente o pedido de remessa e os pedidos de associação ao abrigo do artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004.
219 Tendo em conta a procedência do primeiro fundamento dos presentes recursos, há que anular o acórdão recorrido, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos dos recursos.
Quanto ao recurso no Tribunal Geral
220 Em conformidade com o artigo 61.°, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.
221 É o que acontece no caso em apreço, uma vez que os fundamentos do recurso destinados à anulação das decisões controvertidas e do ofício de informação foram objeto de debate contraditório no Tribunal Geral e o seu exame não exige a adoção de nenhuma medida suplementar de organização do processo ou de instrução.
222 A este respeito, basta salientar que, pelos motivos enunciados nos n.os 121 a 218 do presente acórdão, as decisões controvertidas devem ser anuladas uma vez que a Comissão não se podia basear no artigo 22.° do Regulamento n.° 139/2004 para conhecer da concentração em causa. Com efeito, a Comissão interpretou erradamente o Regulamento n.° 139/2004 ao considerar, nessas decisões, que podia aceitar um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.° deste regulamento numa situação em que os Estados‑Membros que apresentam esse pedido não estão habilitados, por força da sua legislação nacional em matéria de controlo das concentrações, a examinar a concentração objeto do referido pedido.
223 Quanto aos pedidos de anulação do pedido de remessa e do ofício de informação, estes devem, em contrapartida, ser julgados improcedentes.
224 No que respeita, em primeiro lugar, ao ofício de informação, este, que não fixa a posição definitiva da Comissão sobre o exame da concentração em causa e não sujeita esta concentração de forma definitiva à obrigação de suspensão prevista no artigo 7.° do Regulamento n.° 139/2004, deve ser considerado um ato intermédio e preparatório das decisões controvertidas não suscetível de recurso.
225 Em segundo lugar, quanto ao pedido de remessa, este deve igualmente, na falta de um pedido nesse sentido no recurso em primeira instância, ser declarado inadmissível.
Quanto às despesas
226 Por força do artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.
227 O artigo 138.°, n.° 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, do referido regulamento, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.
228 Tendo a Comissão ficado vencida no essencial dos seus pedidos, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela llumina e a Grail, relativas, em conformidade com os pedidos destas, tanto ao processo em primeira instância como aos processos de recurso do acórdão do Tribunal Geral. Há também que condenar a Comissão a suportar as despesas efetuadas pela Biocom California no âmbito da sua intervenção no processo C‑611/22 P, em conformidade com o pedido desta última.
229 Por força do artigo 140.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recurso de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.°, n.° 1, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros e as instituições da União que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Em conformidade com esta disposição, há que decidir que a República da Estónia, a República Helénica, a República Francesa e o Reino dos Países Baixos suportam as suas próprias despesas.
230 Nos termos do artigo 140.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, igualmente aplicável aos processos de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, deste regulamento, o Órgão de Fiscalização da EFTA, quando intervenha no litígio, deve suportar as suas próprias despesas.
231 Consequentemente, enquanto parte interveniente no âmbito dos presentes recursos, o Órgão de Fiscalização da EFTA suporta as suas próprias despesas.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:
1) O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 13 de julho de 2022, Illumina/Comissão (T‑227/21, EU:T:2022:447), é anulado.
2) A Decisão C(2021) 2847 final da Comissão Europeia, de 19 de abril de 2021, de aceitar o pedido da autoridade nacional da concorrência francesa para examinar a operação de concentração que tem por objeto a aquisição do controlo exclusivo da Grail LLC pela Illumina Inc. (processo COMP/M.10188 — Illumina/Grail), é anulada.
3) As Decisões C(2021) 2848 final, C(2021) 2849 final, C(2021) 2851 final, C(2021) 2854 final e C(2021) 2855 final da Comissão, de 19 de abril de 2021, de aceitar os pedidos das autoridades nacionais da concorrência grega, belga, norueguesa, islandesa e neerlandesa para se associarem a esse pedido de remessa, são anuladas.
4) É negado provimento ao recurso em primeira instância quanto ao restante.
5) A Comissão Europeia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as efetuadas, por um lado, pela Illumina Inc. e pela Grail LLC em primeira instância e nos presentes recursos e, por outro, pela Biocom California no recurso no processo C‑611/22 P.
6) A República da Estónia, a República Helénica, a República Francesa, o Reino dos Países Baixos e o Órgão de Fiscalização da EFTA suportam as suas próprias despesas.
Assinaturas