Language of document : ECLI:EU:C:2002:614

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

DÁMASO RUIZ-JARABO COLOMER

apresentadas em 24 de Outubro de 2002 (1)

Processos apensos C-53/01 a C-55/01

Linde AG, Winward Industries Inc. e Rado Uhren AG

[pedido de decisão prejudicial

apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

«Directiva sobre marcas - Sinais susceptíveis de constituir uma marca - Sinais constituídos exclusivamente pela forma de um produto - Carácter distintivo - Critérios»

1.
    A presente questão prejudicial refere-se a aspectos gerais do método de apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais constituídas pela forma do produto. O recente acórdão de 18 de Junho de 2002, Philips (2), serve para resolver a maior parte das dúvidas suscitadas pelo órgão jurisdicional a quo.

É interessante destacar que, apesar de diferirem de forma significativa a metodologia preferida pelo órgão jurisdicional a quo e a que o Tribunal de Justiça deduz da directiva sobre marcas (3) (a seguir «directiva»), o mesmo não sucede quanto aos resultados práticos respectivamente obtidos. Em ambos os casos se coloca manifestamente a dificuldade de tais sinais acederem ao registo.

Factos e processo principal

Processo C-53/01

2.
    A sociedade Linde AG, sediada em Wiesbaden (Alemanha), solicitou a inscrição como marca tridimensional da representação de um veículo do tipo «carros motorizados e outras máquinas de trabalho com cabina de comando, especialmente empilhadoras».

O Instituto de Marcas competente do Registo da Propriedade Industrial alemão (Deutsches Patentamt) indeferiu a inscrição por falta de carácter distintivo.

Não teve provimento o recurso interposto pela demandante para o Tribunal Federal da Propriedade Industrial alemão (Bundespatentgericht). De acordo com este órgão jurisdicional, a inscrição da marca devia ser indeferida por força do § 8, n.° 2, ponto 1, da lei de marcas alemã (Markengesetz) (4), argumentando como fundamentação o seguinte (tal como consta de decisão de reenvio).

«É irrelevante a questão de saber se o sinal requerido, que se esgota na reprodução naturalística, sob diferentes perspectivas, dos produtos para os quais foi requerida a marca, é susceptível, enquanto representação (desenho) tridimensional, de constituir uma marca na acepção do § 3, da Markengesetz ou se não cai na alçada do § 3, n.° 2, da Markengesetz [equivalente à alínea e) do n.° 1 do artigo 3.° da directiva sobre marcas].

A marca requerida carece, de qualquer modo, do respectivo carácter distintivo nos termos do § 8, n.° 2, ponto 1, da Markengesetz [alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° da directiva]. A apreciação do carácter distintivo no caso presente exige, como em todos os outros modelos cuja marca é susceptível de registo, que se demonstre se e em que medida podem servir no comércio para indicar a origem empresarial dos produtos em concreto. Não é esse o caso presente. O comércio vê, em tal representação, apenas o próprio produto e não lhe atribui qualquer função distintiva, desde que o produto se movimente facilmente no quadro comercial que lhe é habitual. Por outro lado, o modelo do produto não ultrapassa o design industrial moderno. Não se distingue, nos seus elementos constitutivos não técnicos, dos modelos habituais a ponto de o comércio não ver apenas uma variante arbitrária de formas conhecidas, mas a marca distintiva de uma empresa. Precisamente no sector dos veículos automóveis - tal como no dos veículos utilitários - a inclinação para produtos ‘softline’ (de linhas suaves) standard, existe desde há anos, pelo que este tipo de concepção não oferece ao comércio qualquer indicação sobre determinado fabricante. A marca requerida afasta-se pouco das formas habituais. Não revela uma imaginação transbordante; o comércio não lhe atribui o significado de uma indicação quanto à origem empresarial.»

Processo C-54/01

3.
    A Windward Industries Inc., com sede em Taipei (Taiwan), apresentou um pedido de registo de uma lanterna como marca tridimensional.

O Instituto de Marcas da Deutsches Patentamt indeferiu a inscrição por falta de carácter distintivo.

4.
    A reclamação apresentada ao Bundespatentgericht não procedeu pelas seguintes razões (tal como constam da decisão de reenvio):

«É de presumir a capacidade abstracta para constituir uma marca na acepção do § 3, n.° 1, da Markengesetz [equivalente ao artigo 2.° da directiva]. É irrelevante a questão de saber se é aplicável um motivo de exclusão nos termos do § 3, n.° 2, ponto 1, ou 2 da Markengesetz. Podem surgir dúvidas resultantes do facto de, em relação à forma pré-determinada das lanternas cilíndricas serem deixadas aos concorrentes da requerente poucas possibilidades de variação. Não é necessária uma decisão definitiva, uma vez que a marca requerida carece da capacidade distintiva necessária nos termos do § 8, n.° 2, ponto 1, da Markengesetz [equivalente aos dois primeiros travessões da alínea e) do n.° 1 do artigo 3.° da directiva]. Trata-se de uma forma típica das lanternas cilíndricas que, não obstante uma certa elegância, apresenta as características habituais do mercado. Neste sector, o consumidor não considerará que a forma da mercadoria constitui uma indicação relativa à origem empresarial. Tendo em conta as diferenças mínimas face aos produtos da concorrência, o consumidor atento apenas será capaz de identificar de memória determinado fabricante. Também não se pode afirmar a existência de carácter distintivo em relação às marcas verbais nas quais a possibilidade de protecção assenta exclusivamente num efeito gráfico. O reconhecimento do carácter distintivo às formas dos produtos está sujeito a requisitos mais estritos do que as marcas habituais verbais ou figurativas. Isto deve-se à diferente natureza do direito das marcas, que indica a origem, e das normas relativas aos desenhos e modelos, aplicáveis fundamentalmente à protecção de desenhos. Diversamente do que sucede com as normas referidas em último lugar, a protecção facultada pela marca não impede que outros comercializem o mesmo produto com outro sinal. O comércio está habituado a marcas verbais e figurativas. Portanto, salvo em casos excepcionais, não verá na simples forma da mercadoria o sinal de uma empresa, guiando-se antes pelo nome da marca que figura no produto.»

Processo C-55/01

5.
    A sociedade Rado Uhren AG (Rado Watch Co. Ltd.) (Rado Montres SA), com sede em Lengnau bei Biel (Suíça), solicitou a inscrição da marca tridimensional consistente na representação gráfica de um relógio de pulso, de que já é titular como marca internacional.

O Instituto de Marcas da Deutsches Patentamt indeferiu o registo por o sinal carecer de carácter distintivo e por existir um imperativo de disponibilidade.

Foi negado provimento ao recurso interposto. O Bundespatentgericht considerou, com efeito, que o sinal não podia gozar de protecção por cair sob a alçada do motivo de recurso previsto no § 8, n.° 2, ponto 1, da Markengesetz, referindo a este respeito (de acordo com a decisão de reenvio):

«Há que considerar que o objecto do pedido de alargamento da protecção é a forma concreta tridimensional da caixa de um relógio com o mostrador coberto ou descoberto e pulseira segmentada e não uma espécie de protecção absoluta para determinadas características da forma dos relógios que, além do mais, têm modelos diferentes.

Se o pedido de alargamento da protecção for entendido neste sentido não existem dúvidas acerca da capacidade distintiva, em abstracto, da marca internacional com base no § 3, n.° 1, da Markengesetz. Uma razão para excluir a protecção com base no § 3, n.° 2, da Markengesetz também não parece existir.

O Bundespatentgericht acrescenta que, todavia, a marca internacional não é susceptível de protecção por falta do carácter distintivo nos termos do § 8, n.° 2, ponto 1, da Markengesetz. A forma tridimensional da caixa do relógio com mostrador coberto ou descoberto e pulseira segmentada, cuja largura coincide com a largura da caixa, carece na sua configuração concreta do carácter distintivo necessário.

A susceptibilidade de protecção apenas pode basear-se numa forma original que faça referência à sua origem e que permita superar a exigência da livre disponibilidade e a falta de carácter distintivo. Para justificar a originalidade do produto ou das suas componentes deve aplicar-se um critério muito mais estrito porque estes elementos constituem o meio mais importante da sua própria descrição e o seu monopólio cria um risco para os concorrentes no desenho dos seus produtos, donde se deduz, no mínimo a livre disponibilidade. A este respeito afirma que o grau de originalidade necessário para o registo da marca depende igualmente das circunstâncias particulares do sector de que se trata.

No mercado dos relógios de pulso é habitual a extraordinária variedade de formas e desenhos. Consequentemente, neste sector, há que evitar que a protecção outorgada à marca limite excessivamente a liberdade de desenho, para que no futuro, os concorrentes possam continuar a explorar a riqueza de formas existente através de novas combinações. A marca internacional em questão apresenta elementos criativos na sua maioria conhecidos ou já existentes com formas similares.»

As questões prejudiciais

6.
    As demandantes nos três processos interpuseram, cada uma, recursos de cassação por violação da lei para o Supremo Tribunal alemão (Bundesgerichtshof), que decidiu suspendê-los para submeter a título prejudicial as seguintes questões sobre a interpretação das alíneas b), c) e e) do n.° 1 do artigo 3.° da directiva sobre marcas:

«1)    Ao determinar o carácter distintivo na acepção do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), da directiva [...], nas marcas tridimensionais constituídas pela forma da mercadoria, deve utilizar-se um critério mais estrito do que o aplicado noutros tipos de marcas?

2)    O artigo 3.°, n.° 1, alínea c), em conjugação com a alínea e) do mesmo preceito da directiva, tem um significado autónomo em relação a marcas tridimensionais constituídas pela forma da mercadoria? Em caso afirmativo, ao examinar o artigo 3.°, n.° 1, alínea c) - e, por outro lado, a alínea e) -, deve ser tido em consideração o interesse do comércio em manter a livre disponibilidade da forma do produto, de tal modo que o registo, em princípio, seja excluído e só seja possível, em regra, no caso de marcas que preenchem os requisitos previstos no artigo 3.°, n.° 3, primeiro período, da directiva?»

Processo no Tribunal de Justiça

7.
    Os pedidos de decisão prejudicial deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 8 de Fevereiro de 2001. Compareceram no Tribunal de Justiça, para além das demandantes nos respectivos processos principais, os Governos do Reino Unido e austríaco, bem como a Comissão. O presidente do Tribunal de Justiça decidiu, por despacho de 15 de Março de 2001, apensar os autos para efeitos das fase escrita e oral do processo.

Análise das questões prejudiciais

Quanto à primeira questão prejudicial

8.
    Pela primeira pergunta, o Bundesgerichtshof pretende saber se a alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° da directiva sobre marcas deve interpretar-se no sentido de que exige uma análise mais estrita do carácter distintivo quando se trate de sinais tridimensionais constituídos pela forma do produto.

9.
    As partes consideram não existir motivo para que a apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais seja objecto de um exame mais rigoroso do que a de qualquer outro tipo de sinais contemplados no artigo 2.° da directiva. O próprio órgão jurisdicional a quo sugere esta interpretação.

10.
    Partilho também desta opinião. Por um lado, nenhuma disposição da directiva permite deduzir que as formas tridimensionais do produto justificam um tratamento diferenciado - mais estrito - na hora de verificar que possuem carácter distintivo concreto (5). Por outro lado, também não existem razões de ordem pública que aconselhem que seja aplicado um regime diverso consoante os tipos de sinais susceptíveis de constituírem marcas que são, de acordo com a lista não exaustiva do artigo 2.° da directiva, «as palavras, incluindo os nomes de pessoas, desenhos, letras, números, a forma do produto ou da respectiva embalagem». A directiva contém outras disposições, que referirei mais adiante, que atendem à necessidade de que determinados sinais não possam ser objecto de apropriação exclusiva.

11.
    Além disso, o Tribunal de Justiça já o declarou com a particular clareza ao sustentar que «o artigo 2.° da directiva não faz qualquer distinção entre diferentes categorias de marcas». Assim «[o]s critérios de apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais [...] não são [...] diferentes dos aplicáveis às restantes categorias de marcas» (6).

12.
    Questão diferente é, como referiram os Governos austríaco e do Reino Unido, a da dificuldade com que se depara na prática boa parte das formas de produtos para poder apresentar um carácter distintivo suficiente para efeitos de registo.

Em primeiro lugar, as características essenciais dos referidos sinais não podem resultar da própria natureza do produto, poderem ser atribuídas à obtenção de um resultado técnico ou conferir um valor substancial ao produto, sob pena de caírem sob a alçada dos motivos absolutos de recusa constantes da alínea e) do n.° 1 do artigo 3.°, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão Philips. A isto me referirei posteriormente ao analisar a segunda questão prejudicial.

Mas, ademais, na medida em que a função condiciona a forma e em que, portanto, produtos similares podem apresentar aspecto semelhante, antevê-se difícil que a forma possua originalmente carácter distintivo, ainda que possa adquiri-lo, não obstante, através do uso, como previsto no n.° 3 do artigo 3.° da directiva. Seja como for, não é provável que o consumidor médio se aperceba de diferenças pouco relevantes como a indicação da procedência do produto.

Cabe referir que tais dificuldades práticas derivam da própria natureza das formas tridimensionais e das especificidades dos hábitos dos consumidores e não de um eventual endurecimento do controlo da apreciação do carácter distintivo.

13.
    Em síntese, entendo dever responder-se ao órgão jurisdicional a quo que a alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° da directiva sobre marcas não deve ser interpretado no sentido de exigir uma análise mais estrita do carácter distintivo de um sinal tridimensional consistente na forma do produto do que a correspondente aos demais tipos de marcas contemplados no artigo 2.°

Quanto à segunda questão prejudicial

14.
    Pela segunda questão, o Bundesgerichtshof pretende saber, a título preliminar, se a apreciação das marcas tridimensionais constituídas pela forma do produto deve ser exclusivamente feita nos termos da alínea e) do n.° 1 do artigo 3.°, ou se entra também em jogo o alínea c) da mesma disposição da directiva. Se assim for, o órgão jurisdicional a quo pergunta se se deve ter em conta, nessa apreciação, o interesse do comércio na não apropriação de determinados sinais (o chamado «imperativo de disponibilidade» ou Freihaltebedürfnis, termo este criado pela doutrina alemã) (7), de forma tão ampla que a inscrição seja sistematicamente recusada e que, em consequência, só seja possível quando a marca tenha adquirido carácter distintivo através do uso (primeira frase do n.° 3 do artigo 3.° da directiva).

15.
    O dilema colocado ao Tribunal de Justiça é o de saber se há lugar para tomar em consideração o interesse público em limitar a apropriação de determinados sinais consistentes na forma do produto para que possam ser livremente usados pelo conjunto dos operadores e, sobretudo, à luz de que disposição fazê-lo.

Conhecendo-se a resposta a esta pergunta ficam resolvidas as dúvidas quanto à possível sanação da falta de carácter distintivo através do uso. Com efeito, não há lugar a tal reparação na medida em que o interesse público na disponibilidade se situa no contexto da alínea e) do n.° 1 do artigo 3.° (8), diversamente do que ocorre se se situar no âmbito da alínea c) da mesma disposição.

16.
    As partes coincidem em defender a aplicação autónoma da alínea c) do n.° 1 do artigo 3.° às formas tridimensionais embora divirjam parcialmente quanto à eficácia assumida nesse contexto pelas considerações de disponibilidade. Enquanto as demandantes no processo principal advogam que o referido imperativo seja apreciado a título excepcional, o Governo do Reino Unido confere-lhe virtualidade limitada sempre que a alínea e) do n.° 1 do artigo 3.° for interpretada de forma razoável e fiel ao seu objectivo, enquanto a Comissão não encontra razões para que seja aplicado com maior rigor.

17.
    Da decisão de reenvio se deduz, apesar disso, que o Bundesgerichtshof considera improvável que a apreciação das exigências de disponibilidade seja feita com base na alínea e) do n.° 1 do artigo 3.°, já que tal impediria a sanação através do uso, o que lhe parece injustificado. Tal concepção funda-se, além disso, numa interpretação da referida disposição segundo a qual o motivo de recusa nela contida não é de aplicar se o sinal apresentar qualquer elemento não imposto pela natureza, função ou valor substantivo do produto.

18.
    O Tribunal de Justiça optou por uma solução jurisprudencial diferente no referido acórdão Philips.

19.
    Por um lado, resolveu as dúvidas subsistentes após o acórdão de 20 de Setembro de 2001, Procter & Gamble/IHMI (9), quanto à legitimidade de se atender, para além dos impedimentos relativos à possível falta de carácter distintivo latu sensu a outras considerações de interesse público que aconselham que se limite o acesso ao registo a determinados sinais para que possam ser utilizados livremente por todos os operadores. A existência de tais considerações havia sido reconhecida, com toda a clareza, no acórdão de 4 de Maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (10), ainda que circunscrita aos sinais descritivos a que se refere a alínea c) do n.° 1 do artigo 3.°

20.
    No acórdão Philips, o Tribunal de Justiça, sem deixar de sublinhar que o objectivo da protecção conferida pela marca é o de garantir a função de origem desta (11), aceitou que se atendesse, na aplicação dos motivos de recusa, a outras considerações subjacentes de interesse geral (12). Cabe, em cada caso, analisar a ratio da proibição ou nulidade do registo.

21.
    No que se refere ao motivo de recusa da alínea e) do n.° 1 do artigo 3.°, o Tribunal de Justiça considerou que a sua ratio consiste em evitar que a protecção do direito da marca leve a conferir ao seu titular um monopólio sobre soluções técnicas ou características utilitárias de um produto, que possam ser procuradas pelo utilizador nos produtos dos concorrentes (13).

No que respeita, em especial, aos sinais constituídos exclusivamente pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico enumerados no segundo travessão da alínea e) do n.° 1 do artigo 3.° da directiva, o Tribunal de Justiça que assinalou que esta disposição visa recusar o registo das formas cujas características essenciais respondem a uma função técnica, pelo que a exclusividade inerente ao direito de marca impediria a possibilidade de os concorrentes oferecerem um produto que incorpore essa função, ou pelo menos à sua livre escolha da solução técnica que pretendem adoptar a fim de que o seu produto incorpore essa função (14).

É assim reconhecido, no âmbito dos sinais tridimensionais consistentes na forma do produto, a validade do interesse da mera disponibilidade.

22.
    Por outro lado, e com base na existência das referidas considerações de interesse geral que exigem que determinados sinais possam ser livremente utilizados por todos, o Tribunal de Justiça modulou as condições de aplicação do segundo travessão da alínea e) do n.° 1 do artigo 3.° da directiva, que passará a verificar-se sempre que uma forma possua características essenciais que respondam a uma função técnica e tenham sido escolhidas para preencher essa função (15). Daqui se deduz não bastar que determinados elementos do sinal não prossigam um resultado técnico para fragilizar este motivo de recusa.

Esta fundamentação é logicamente extensível aos demais pressupostos contemplados na alínea e) do n.° 1 do artigo 3.° pelo que deve também ser recusada a inscrição quando as características essenciais de um sinal tridimensional consistente na forma de produto sejam impostas pela sua própria natureza ou lhe confiram um valor substancial.

23.
    Continua a vigorar, quanto ao mais, a doutrina relativa ao imperativo de disponibilidade no âmbito da alínea c) do n.° 1 do artigo 3.°, tal como estabelecida no referido acórdão Windsurfing Chiemsee.

24.
    O juiz comunitário precisou então que a alínea c) do n.° 1 do artigo 3.° da directiva prossegue um fim de interesse geral, que exige que os sinais ou indicações descritivas das categorias de produtos ou serviços para as quais é pedido o registo possam ser livremente utilizadas por todos, nomeadamente como marcas colectivas ou em marcas complexas ou gráficas. Esta disposição impede, portanto, que tais sinais ou indicações sejam reservados a uma única empresa com base no seu registo como marca (16).

25.
    Em relação com as indicações de procedência geográfica, o Tribunal de Justiça considerou existir um interesse geral em preservar a sua disponibilidade devido à sua capacidade para salientar as propriedades dos produtos em causa e para suscitar sentimentos positivos (17), fundamentação que vale, mutatis mutandis, para o conjunto de pressupostos dos sinais descritivos (18).

26.
    O Tribunal de Justiça declarou, pois, estar subjacente à alínea c) do n.° 1 do artigo 3.° uma exigência de apreciação conduzida pelo interesse público de preservar a disponibilidade de certos sinais.

27.
    Ora, nenhuma norma estabelece um tratamento diferenciado para os sinais tridimensionais consistentes na forma do produto, pelo que se conclui deverem estar sujeitos a uma análise múltipla de adequação para poderem ser marcas.

28.
    Em primeiro lugar, devem cumprir as exigências abstractas do artigo 2.° da directiva: serem susceptíveis de representação gráfica e terem carácter distintivo potencial.

29.
    Além disso, e sobretudo, não podem incorrer no motivo de recusa da alínea e) do n.° 1 do artigo 3.° É no âmbito das formas tridimensionais que são normalmente trazidas à colação considerações de disponibilidade. Neste aspecto, estou de acordo com o Governo do Reino Unido, divergindo da opinião do juiz a quo: a finalidade de excluir da protecção da marca os sinais tridimensionais que correspondem exclusivamente à própria natureza do produto, à obtenção de um resultado técnico ou de um valor substancial, corresponde à preocupação legítima de não permitir que os particulares utilizem a marca para perpetuar direitos exclusivos sobre formas naturais, soluções técnicas ou desenhos estéticos. Obedecendo a esta lógica, o legislador não incluiu a alínea e) entre as causas de recusa que podem ser sanadas nos termos da primeira frase do n.° 3 do artigo 3.° As formas naturais, funcionais ou decorativas não são susceptíveis, por vontade expressa do legislador, de adquirir um carácter distintivo.

O já referido acórdão Philips, ao não aceitar a definição mínima deste motivo de recusa - que é a adoptada na decisão do Bundesgerichtshof - confirma a importância do papel que lhe é reservado.

É inegável que esta interpretação condena numerosos sinais de aparência sóbria («softline» de acordo com a designação constante da decisão do Bundespatentgericht) a jamais poderem aceder ao registo de marcas, mas não creio que esta consequência seja desproporcionada: o interesse público não deve correr o risco, ainda que reduzido, de que o direito de marca invada indevidamente o âmbito de outros direitos exclusivos limitados no tempo, existindo, como existem, outros meios eficazes, à disposição dos titulares de um produto, para indicar a sua procedência (a inserção de elementos arbitrários numa forma tridimensional, configuração original do conjunto, sinais denominativos e figurativos).

30.
    Com excepção deste motivo de recusa do registo, assim interpretado, há que examinar o carácter distintivo concreto do sinal em causa à luz das alíneas b), c) e d) da própria disposição.

O controlo do interesse na disponibilidade ao abrigo da alínea e) não impede nem prejudica, chegado o momento, uma nova análise, guiada também pelo objectivo de não apropriação, desta vez nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 3.° da directiva. É diferente a respectiva natureza: há que examinar o interesse, actual ou futuro, dos demais operadores em utilizar esse sinal como indicação descritiva, confrontando-o com a necessidade relativa de o titular recorrer a esse tipo de marca para dar a conhecer a sua procedência empresarial. Sob o resultado final desta segunda análise da disponibilidade - ao contrário do que sucede com a primeira - pode reflectir-se o facto de a marca objecto do pedido do registo ter adquirido carácter distintivo através do uso.

31.
    Admito ser provável que muitos sinais tridimensionais consistentes na forma do produto não consigam superar os diversos obstáculos que se opõem ao seu registo.

32.
    Cabe, pois, responder à segunda questão prejudicial que, ao apreciar se as características essenciais de um sinal tridimensional consistente na forma do produto provêm de uma exigência da própria natureza do produto, da necessidade de obter um resultado técnico ou de conferir um valor substancial ao produto, deve atender-se ao interesse público em preservar a disponibilidade do referido sinal para o conjunto dos operadores. Tal análise não impede que, caso o sinal possua natureza descritiva, seja sujeito a uma nova apreciação da disponibilidade nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 3.° da directiva. Só o resultado desta última análise pode ser influenciado pela verificação da aquisição do carácter distintivo através do uso, à luz da primeira frase do n.° 3 do artigo 3.° da directiva.

Conclusão

33.
    Pelas razões expostas, sugiro que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às questões submetidas pelo Bundesgerichtshof:

«1)    A alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° da Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, não deve ser interpretado no sentido de exigir uma análise mais estrita do carácter distintivo de um sinal tridimensional consistente na forma do produto do que a correspondente aos demais tipos de marcas contemplados no artigo 2.°

2)    Ao apreciar se as características essenciais de um sinal tridimensional consistente na forma do produto provêm de uma exigência da própria natureza do produto, da necessidade de obter um resultado técnico ou de conferir um valor substancial ao produto, deve atender-se ao interesse público em preservar a disponibilidade do referido sinal para o conjunto dos operadores. Tal análise não impede que, caso o sinal possua natureza descritiva, seja sujeito a uma nova apreciação da disponibilidade nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 3.° da directiva. Só o resultado desta última análise pode ser influenciado pela verificação da aquisição do carácter distintivo através do uso, à luz da primeira frase do n.° 3 do artigo 3.° da Directiva 89/104.»


1: -     Língua original: espanhol.


2: -     C-299/99, Colect., p. I-0000 (a seguir «acórdão Philips»).


3: -     Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1).


4: -     Gesetz zur Reform des Markenrechts und zur Umsetzung der ersten Richtlinie 89/104/EWG des Rates vom 21. Dezember 1988 zur Angleichung der Rechtsvorschriften der Mitgliedstaaten über die Marken (Bungesgesetzblatt I, p. 3082) - (Lei relativa à reforma do direito de marcas e que transpõe a Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, a seguir «Markengesetz»).


5: -     Que não se confunde com o facto de serem «adequados a distinguir» ou carácter distintivo potencial (artigo 2.° da directiva) e com o carácter distintivo como categoria (n.° 3 do artigo 3.°).


6: -     Acórdão Philips, n.° 48.


7: -     Que o juiz a quo qualifica como «interesse do comércio em manter a disponibilidade da forma do produto» mas que inclui qualquer consideração de interesse público que aconselhe limitar o acesso ao registo de determinados sinais para que possam ser livremente usados pelo conjunto dos operadores.


8: -     Por força da primeira frase do n.° 3 do artigo 3.° Veja-se também o n.° 75 do acórdão Philips.


9: -     C-383/99, Colect., p. I-6251 («acórdão Baby-dry»).


10: -     C-108/97 e C-109/97, Colect., p. I-2779.


11: -     N.° 29.


12: -     N.° 77.


13: -     N.° 78.


14: -     N.° 79.


15: -     N.° 80.


16: -     Acórdão Windsurfing Chiemsee (já referido, n.° 25).


17: -     Ibidem, n.° 26.


18: -     Tal se infere da redacção do n.° 26 do acórdão Windsurfing Chiemsee («em especial»), bem como dos termos genéricos do n.° 35.