Language of document : ECLI:EU:C:2019:460

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

5 de junho de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/21/CE — Artigo 2.o, alínea c) — Conceito de “serviço de comunicações eletrónicas” — Envio de sinais — Serviço de voz sobre o protocolo Internet (VoIP) para números de telefone fixos ou móveis — Serviço SkypeOut»

No processo C‑142/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica), por Decisão de 7 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de fevereiro de 2018, no processo

Skype Communications Sàrl

contra

Institut belge des services postaux et des télécommunications (IBPT),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras (relator), presidente de secção, K. Jürimäe, D. Šváby, S. Rodin e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Skype Communications Sàrl, por E. Valgaeren, advocaat, C. Evrard e D. Gillet, avocates,

–        em representação do Governo belga, por C. Pochet, P. Cottin e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes, assistidos por S. Depré, P. Vernet e M. Lambert de Rouvroit, avocats,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e S. Eisenberg, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e P. Huurnink, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo romeno, por C.‑R. Canţăr, O.‑C. Ichim e R.‑I. Haţieganu, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Hottiaux, L. Nicolae e G. Braun, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO 2002, L 108, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO 2009, L 337, p. 37) (a seguir «Diretiva‑Quadro»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Skype Communications Sàrl ao Institut belge des services postaux et des télécommunications (IBPT) (Instituto belga dos serviços postais e das telecomunicações) a respeito da decisão deste último de lhe aplicar uma coima administrativa por ter prestado um serviço de comunicações eletrónicas sem ter previamente procedido à notificação exigida.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O considerando 10 da Diretiva‑Quadro estabelece:

«A definição de “serviço da sociedade da informação” constante do artigo 1.o da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da Sociedade da Informação [(JO 1998, L 204, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998 (JO 1998, L 217, p. 18)], abrange um amplo leque de atividades económicas desenvolvidas em linha. A maior parte dessas atividades não são abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente diretiva, dado que não consistem total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas. Os serviços de telefonia vocal e de envio de correio eletrónico estão abrangidos pela presente diretiva. A mesma empresa, por exemplo um prestador de serviços internet, pode oferecer tanto serviços eletrónicos de comunicações, tais como o acesso à internet, como serviços não abrangidos pela presente diretiva, tais como a prestação de conteúdos em linha.»

4        O artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

c)      “Serviço de comunicações eletrónicas”, o serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão, excluindo os serviços que prestem ou exerçam controlo editorial sobre conteúdos transmitidos através de redes e serviços de comunicações eletrónicas; excluem‑se igualmente os serviços da sociedade da informação, tal como definidos no artigo 1.o da [Diretiva 98/34] que não consistam total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas.»

5        O artigo 8.o da Diretiva‑Quadro, sob a epígrafe «Objetivos de política geral e princípios de regulação», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros deverão assegurar que, no desempenho das funções de regulação constante da presente diretiva e das diretivas específicas, as autoridades reguladoras nacionais tomem todas as medidas razoáveis para realizar os objetivos fixados nos n.os 2, 3 e 4. Tais medidas deverão ser proporcionais a esses objetivos.

Salvo disposição em contrário do artigo 9.o relativo às radiofrequências, os Estados‑Membros devem ter na melhor conta a conveniência de elaborar regulamentação tecnologicamente neutra e garantem que, no desempenho das funções de regulação especificadas na presente diretiva e nas diretivas específicas, em particular as destinadas a assegurar uma concorrência efetiva, as autoridades reguladoras nacionais ajam do mesmo modo.

[…]

2.      As autoridades reguladoras nacionais devem promover a concorrência na oferta de redes de comunicações eletrónicas, de serviços de comunicações eletrónicas e de recursos e serviços conexos, nomeadamente:

[…]

b)      Assegurando que não existam distorções ou restrições da concorrência no setor das comunicações eletrónicas, incluindo no que diz respeito à transmissão de conteúdos;

[…]

4.      As autoridades reguladoras nacionais devem defender os interesses dos cidadãos da União Europeia, nomeadamente:

[…]

b)      Assegurando um elevado nível de proteção dos consumidores nas suas relações com os fornecedores, através, nomeadamente, de procedimentos de resolução de litígios simples e pouco dispendiosos, executados por um organismo independente das partes em conflito;

c)      Contribuindo para garantir um elevado nível de proteção dos dados pessoais e da privacidade;

[…]»

 Direito belga

6        O artigo 2.o, 5°, da loi du 13 juin 2005 relative aux communications électroniques (Lei sobre as comunicações eletrónicas, de 13 de junho de 2005) (Moniteur belge de 20 de junho de 2005, p. 28070), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «LCE»), prevê:

«Para efeitos do disposto na presente lei, entende‑se por:

[…]

5°      “serviço de comunicações eletrónicas”: o serviço prestado normalmente mediante remuneração que consiste, total ou principalmente, no envio, incluindo as operações de comutação e de encaminhamento, de sinais através de redes de comunicações eletrónicas, com exclusão (a) dos serviços que consistam em fornecer um conteúdo (através de redes e de serviços de comunicações eletrónicas) ou em exercer uma responsabilidade editorial sobre esse conteúdo, com exclusão (b) dos serviços da sociedade da informação, tal como definidos no artigo 2.o da loi du 11 mars 2003 sur certains aspects juridiques des servisses de la société de l’information [(Lei de 11 de março de 2003, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade da informação) (Moniteur belge de 17 de março de 2003, p. 12962)], que não consistam, total ou principalmente, no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas, e com exclusão (c) dos serviços de radiodifusão, incluindo a televisão.»

7        O artigo 9.o, n.o 1, da LCE dispõe:

«A prestação ou revenda, em nome próprio e por sua conta, de serviços ou de redes de comunicações eletrónicas só pode ter início, sem prejuízo do disposto no artigo 39.o, após notificação ao [IBPT] contendo os seguintes elementos:

1°      nome, endereço, número do [imposto sobre o valor acrescentado (IVA)], e número do registo comercial do prestador ou um número de identificação semelhante que inclua validamente esses dados;

2°      pessoa de contacto com o [IBPT];

3°      descrição sucinta e precisa do seu serviço ou rede;

4°      data do início provável das atividades.

A notificação é feita por correio registado.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        A sociedade Skype Communications é a editora de um programa informático de telecomunicação, denominado Skype, que permite ao utilizador que o instala num terminal, a saber, um computador, um tablet ou um telemóvel, beneficiar de um serviço de telefonia vocal e de teleconferência, de aparelho a aparelho. O SkypeOut é uma funcionalidade acrescentada ao programa informático Skype que permite ao seu utilizador fazer chamadas telefónicas a partir de um terminal para uma linha telefónica fixa ou móvel, utilizando o Internet Protocol (IP) [protocolo Internet (IP)] e, mais precisamente, a denominada técnica «Voice over IP» (VoIP) [«voz sobre IP» (VoIP)]. Em contrapartida, o SkypeOut não permite receber chamadas telefónicas provenientes de utilizadores de números de telefone belgas.

9        O serviço prestado através do SkypeOut é um serviço dito «fora da oferta do fornecedor de acesso à Internet» («fora da oferta FAI»), isto é, um serviço disponível na Internet sem a participação de um operador de comunicações tradicional.

10      O serviço SkypeOut está à disposição dos utilizadores segundo duas fórmulas tarifárias, a saber, uma fórmula pré‑paga ou diversas assinaturas mensais que dão direito a um determinado volume de chamadas telefónicas por mês por um preço recorrente.

11      A utilização do SkypeOut necessita, do ponto de vista técnico, de uma ligação à Internet facultada por um fornecedor de acesso à Internet (a seguir «FAI») e da intervenção de fornecedores de serviços de telecomunicações devidamente autorizados a enviar e a terminar chamadas para a rede telefónica pública comutada (RTPC), com os quais a Skype Communications celebrou acordos e cuja intervenção é por si remunerada sob a forma de uma tarifa de terminação [fixed termination rate (FTR) ou mobile termination rate (MTR)].

12      Por cartas de 11 de maio e de 9 de agosto de 2011, o IBPT instou a Skype Communications a notificar‑lhe os seus serviços, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, da LCE, juntando as referidas cartas o formulário de notificação.

13      Em 24 de agosto de 2011, a Skype Communications respondeu que não exercia nenhuma atividade na Bélgica e que, em todo o caso, não prestava nenhum serviço de comunicações eletrónicas, tal como definido na Diretiva‑Quadro, na medida em que ela própria não enviava qualquer sinal. Por outro lado, indicava que, para a funcionalidade SkypeOut, recorria a operadores internacionais que encaminhavam eles próprios os sinais.

14      Em 14 de agosto de 2013, o IBPT escreveu novamente à Skype Communications, indicando‑lhe que a mesma não cumpria o dever de notificação relativo ao serviço SkypeOut. O IBPT alegava que o SkypeOut constituía efetivamente um serviço de comunicações eletrónicas, na aceção do artigo 2.o, 5°, da LCE. Com efeito, por um lado, o facto de ser utilizado um plano de numeração demonstra que se trata de um serviço que é mais do que uma aplicação web e que está compreendido na exceção de conteúdo, conforme mencionada na definição de um serviço de comunicações eletrónicas. Por outro lado, o facto de a Skype Communications não assegurar o envio de sinais nas redes de comunicações eletrónicas não a impede de efetivamente de oferecer esses serviços. Por último, o serviço SkypeOut destina‑se aos utilizadores que residem em território belga.

15      Em 13 de dezembro de 2013, a Skype Communications contestou a posição do IBPT alegando que não lhe foram atribuídos números a partir do plano belga de numeração. O facto de as comunicações terminarem em números que fazem parte do referido plano belga não pode razoavelmente ser entendido no sentido de que confere o estatuto de serviço de comunicações eletrónicas. Outra interpretação implicaria que qualquer outro operador de telecomunicações no mundo ficaria sujeito ao regime belga de notificação dos serviços de comunicações eletrónicas, mesmo que recorra a um operador terceiro devidamente autorizado para terminar as chamadas para números do plano belga de numeração.

16      Em 23 de dezembro de 2014, o IBPT comunicou à Skype Communications a sua acusação por incumprimento do artigo 9.o, n.o 1, da LCE e as medidas previstas.

17      Após várias trocas e audições, em 1 de junho de 2016, o IBPT comunicou à Skype Communications a sua decisão final, adotada em 30 de maio de 2016, na qual declarava o incumprimento por parte desta do artigo 9.o, n.o 1, da LCE, por ter prestado um serviço de comunicações eletrónicas sem efetuar a necessária notificação, lhe ordenava que pusesse termo à infração no prazo máximo de um mês e lhe aplicava uma coima de 223 454 euros, a pagar em 60 dias.

18      Em 29 de julho de 2016, a Skype Communications apresentou na cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica) um pedido de anulação da Decisão do IBPT de 30 de maio de 2016, instando‑a, por outro lado, nomeadamente, a declarar que o SkypeOut não é um serviço de comunicações eletrónicas e que, por conseguinte, não é um fornecedor de serviços de comunicações eletrónicas. A título subsidiário, instou‑a a submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

19      Em 9 de outubro de 2017, a Microsoft Ireland Operations, que, tal como a Skype Communications, faz parte do grupo Microsoft, notificou ao IBPT, com fundamento no artigo 9.o da LCE, um serviço denominado «PSTN Calling» («Chamadas RTPC»), que também permite efetuar chamadas a partir de um computador e de uma ligação à Internet para números da RTPC. Segundo a Skype Communications, o serviço «PSTN Calling» apresenta diferenças técnicas importantes em relação ao SkypeOut, o que justifica a sua notificação como serviço de comunicações eletrónicas.

20      No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio declara que, contrariamente ao que a Skype Communications alega, esta propõe uma oferta dirigida aos residentes belgas, pelo que existe efetivamente uma oferta de serviço SkypeOut na Bélgica. Por outro lado, salienta que as partes no processo principal não estão de acordo quanto à questão de saber se o serviço prestado pelo SkypeOut consiste, total ou principalmente, no envio de sinais através das redes de comunicações eletrónicas. A este respeito, sublinha que o Tribunal de Justiça declarou, no seu Acórdão de 30 de abril de 2014, UPC DTH (C‑475/12, EU:C:2014:285, n.o 43), que «a circunstância de [o envio] do sinal ter lugar através de uma infraestrutura que não pertence [ao demandante] não é relevante para a qualificação da natureza do serviço. Com efeito, a este respeito só importa o facto de [o demandante] ser responsável para com os utilizadores finais [do envio] do sinal que garante a estes últimos o fornecimento do serviço que subscreveram».

21      Foi nestas circunstâncias que a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a definição de serviço de comunicações eletrónicas, prevista no [artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro,] ser interpretada no sentido de que um serviço de telefonia vocal através de protocolo Internet (IP), oferecido mediante um programa informático que termina numa rede telefónica pública comutada, para um número de telefone fixo ou móvel de um plano nacional de numeração (no formato E.164) deve ser qualificado de serviço de comunicações eletrónicas, apesar de o serviço de acesso à Internet graças ao qual o utilizador acede ao referido serviço de voz através de protocolo Internet já constituir, em si mesmo, um serviço de comunicações eletrónicas, embora o fornecedor do programa informático ofereça esse serviço [mediante] remuneração e celebre acordos com prestadores de serviços de telecomunicações, devidamente autorizados a transmitir e terminar chamadas na rede telefónica pública comutada, que permitem a terminação de chamadas para um número fixo ou móvel de um plano nacional de numeração?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, a resposta mantém‑se inalterada se se tiver em conta o facto de que a funcionalidade do programa informático que permite a chamada de voz é uma simples funcionalidade desse programa, que pode ser utilizado sem ela?

3)      Em caso de resposta afirmativa [à primeira e segunda] questões, a resposta à primeira questão mantém‑se inalterada se se tiver em conta o facto de que o prestador do serviço estipula nas suas condições gerais que não assume responsabilidade perante o cliente final pelo envio de sinais?

4)      Em caso de resposta afirmativa à [primeira a terceira] questões, a resposta à primeira questão mantém‑se inalterada se se tiver em conta o facto de que o serviço prestado se insere igualmente na definição de “serviço da sociedade da informação”?»

 Quanto às questões prejudiciais

22      Com as suas quatro questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que a disponibilização, pelo editor de um programa informático, de uma funcionalidade que oferece um serviço VoIP, que permite ao utilizador telefonar para um número fixo ou móvel de um plano nacional de numeração através da RTPC de um Estado‑Membro a partir de um terminal, deve ser qualificada de «serviço de comunicações eletrónicas» na aceção desta disposição, quando a prestação do referido serviço, por um lado, dá lugar a remuneração pelo editor e, por outro, implica a celebração por este último de acordos com os fornecedores de serviços de telecomunicações devidamente autorizados a enviar e a terminar chamadas para a RTPC.

23      A este respeito, interroga‑se sobre se deve ser adotada tal qualificação não obstante o facto de, em primeiro lugar, o próprio serviço de acesso à Internet, através do qual o utilizador acede ao serviço VoIP, constituir um serviço de comunicações eletrónicas, em segundo lugar, o referido serviço VoIP ser oferecido através de uma funcionalidade adicional de um programa informático que pode ser utilizado sem ela, em terceiro lugar, o fornecedor do serviço prever, nas suas condições gerais, que não assume a responsabilidade pelo envio dos sinais para o cliente final e, em quarto lugar, o serviço prestado estar igualmente compreendido no conceito de «serviço da sociedade da informação».

24      Deve começar por recordar‑se que o conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» está definido, pela positiva e pela negativa, no artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro e que essa definição é retomada, em termos equivalentes, no artigo 1.o, ponto 3, da Diretiva 2002/77/CE da Comissão, de 16 de setembro de 2002, relativa à concorrência nos mercados de redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO 2002, L 249, p. 21) (Acórdão de 7 de novembro de 2013, UPC Nederland, C‑518/11, EU:C:2013:709, n.os 36 e 37).

25      Com efeito, o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro define, em primeiro lugar, o serviço de comunicações eletrónicas como «o serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão».

26      Esta mesma disposição precisa, em segundo lugar, que o conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» exclui, por um lado, «os serviços que prestem ou exerçam controlo editorial sobre conteúdos transmitidos através de redes e serviços de comunicações eletrónicas», e, por outro, excluem‑se igualmente «os serviços da sociedade da informação, tal como definidos no artigo 1.o da [Diretiva 98/34] que não consistam total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas».

27      A este respeito, o considerando 5 da Diretiva‑Quadro expõe, nomeadamente, que a convergência dos setores das telecomunicações, meios de comunicação social e tecnologias da informação implica que todas as redes e serviços de transmissão sejam abrangidos por um único quadro regulamentar e que, no contexto do estabelecimento do referido quadro, é necessário separar a regulação da transmissão da regulamentação dos conteúdos.

28      Conforme já salientado pelo Tribunal de Justiça, as diferentes diretivas que compõem o novo quadro regulamentar aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas, em especial a Diretiva‑Quadro e a Diretiva 2002/77, estabelecem, assim, uma distinção clara entre a produção dos conteúdos, que implica uma responsabilidade editorial, e o encaminhamento dos conteúdos, isento de toda a responsabilidade editorial, sendo abrangidos os conteúdos e a sua transmissão por regulamentações separadas, prosseguindo objetivos que lhes são específicos (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de novembro de 2013, UPC Nederland, C‑518/11, EU:C:2013:709, n.o 41, e de 30 de abril de 2014, UPC DTH, C‑475/12, EU:C:2014:285, n.o 36).

29      O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, para integrar o conceito de «serviço de comunicações eletrónicas», um serviço devia compreender o envio de sinais, precisando‑se que a circunstância de a transmissão do sinal ter lugar através de uma infraestrutura que não pertence ao prestador de serviços não é relevante para a qualificação da natureza do serviço, uma vez que só importa o facto de esse prestador ser responsável para com os utilizadores finais do envio do sinal que garante a estes últimos o fornecimento do serviço que subscreveram (Acórdão de 30 de abril de 2014, UPC DTH, C‑475/12, EU:C:2014:285, n.o 43).

30      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio e das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça que a Skype Communications, editora do programa informático Skype, oferece uma funcionalidade adicional ao referido programa (SkypeOut) que permite ao seu utilizador telefonar, a partir de um terminal ligado à Internet como um computador, um smartphone ou um tablet, para um número fixo ou móvel através da RTPC mediante a utilização do IP e, mais precisamente, a técnica VoIP.

31      Está assente que a Skype Communications oferece o serviço VoIP na Bélgica e recebe uma remuneração por parte dos seus utilizadores, uma vez que a utilização do SkypeOut está sujeita quer a um pré‑pagamento quer a uma assinatura.

32      Está também assente que a utilização do SkypeOut requer a intervenção de prestadores de serviços de telecomunicações, autorizados a transmitir e a terminar chamadas telefónicas para números fixos ou móveis através da RTPC, e que a Skype Communications celebra, para o efeito, acordos com estes prestadores, aos quais paga uma remuneração sob a forma de tarifas de terminação de chamada fixa [fixed termination rate (FTR)] ou de chamada móvel [mobile termination rate (MTR)].

33      Daqui deduz‑se, por um lado, que a funcionalidade SkypeOut consiste principalmente no envio de sinais vocais emitidos pelo utilizador que telefona para o utilizador que recebe a chamada através das redes de comunicações eletrónicas, a saber, em primeiro lugar pela Internet e em seguida pela RTPC, e, por outro, que se deve considerar que a Skype Communications assume a responsabilidade para com os utilizadores da funcionalidade SkypeOut, assinantes do referido serviço ou que pagaram antecipadamente a sua utilização, do envio dos sinais vocais através da RTPC, na aceção do Acórdão de 30 de abril de 2014, UPC DTH (C‑475/12, EU:C:2014:285, n.o 43).

34      Com efeito, embora seja verdade que, do ponto de vista técnico, o encaminhamento das chamadas vocais emitidas por intermédio do SkypeOut é materialmente realizado, em primeiro lugar, pelos FAI na Internet, num primeiro segmento que parte da ligação Internet do utilizador que faz a chamada até à ponte de interconexão (Gateway), entre a Internet e a RTPC, e, em segundo lugar, pelos prestadores de serviços de telecomunicações através da RTPC, num segundo segmento que parte da referida ponte de interconexão até ao ponto de ligação móvel ou fixa do utilizador que recebe a chamada, não é menos verdade que essa transmissão ocorre por força dos acordos celebrados entre a Skype Communications e os referidos prestadores de serviços de telecomunicações e não pode ocorrer sem a celebração desses acordos.

35      Como alegam, em substância, os Governos belga, alemão, neerlandês e romeno, bem como a Comissão Europeia, é a Skype Communications que, mediante a celebração de acordos de interconexão com os prestadores de serviços de telecomunicações através da RTPC, torna tecnicamente possível o envio de sinais da rede Internet para a RTPC e assegura, em definitivo, aos seus clientes e assinantes o serviço VoIP que oferece com a funcionalidade SkypeOut do seu programa informático Skype.

36      Os diferentes elementos evocados pelo órgão jurisdicional de reenvio nas suas quatro questões não são suscetíveis de pôr em causa a qualificação da funcionalidade SkypeOut como «serviço de comunicações eletrónicas», na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro.

37      Com efeito, em primeiro lugar, a circunstância de o utilizador da funcionalidade SkypeOut aceder ao serviço VoIP utilizando um serviço de acesso à Internet prestado por um FAI, que constitui ele próprio um serviço de comunicações eletrónicas, não implica que o próprio serviço VoIP não possa ser qualificado, enquanto tal, de «serviço de comunicações eletrónicas».

38      Conforme foi salientado pelo órgão jurisdicional de reenvio, pelo Governo belga e pela Comissão, o serviço VoIP implica, com efeito, dois serviços de comunicações eletrónicas distintos, consistindo o primeiro em encaminhar os sinais vocais do utilizador que efetua a chamada até à ponte de interconexão (Gateway) entre a Internet e a RTPC, da responsabilidade do FAI do utilizador que efetua a chamada, e consistindo o segundo em encaminhar os referidos sinais através da RTPC até ao terminal fixo ou móvel, da responsabilidade conjunta dos prestadores de serviços de telecomunicações das pessoas que recebem as chamadas e a Skype Communications, por força dos contratos que os vinculam.

39      Sobre este último aspeto, deve considerar‑se, como salienta o Governo belga, que, embora os serviços prestados pelos prestadores de telecomunicações que asseguram a terminação das chamadas móveis ou fixas através da RTPC constituam serviços de comunicações eletrónicas, esses prestadores não podem, contudo, ser considerados responsáveis pelo envio dos sinais vocais face aos utilizadores da funcionalidade SkypeOut, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, na medida em que os referidos prestadores não têm nenhuma relação contratual com esses utilizadores.

40      Se, por conseguinte, esses mesmos prestadores são contratualmente responsáveis para com a Skype Communications pelo encaminhamento dos sinais vocais emitidos por intermédio do SkypeOut através da RTPC, é a Skype Communications que, em contrapartida, é responsável pelo serviço VoIP que presta, mediante remuneração, aos seus clientes e assinantes.

41      Em segundo lugar, a circunstância de o SkypeOut constituir apenas uma funcionalidade do programa informático Skype, que pode ser utilizado sem a referida funcionalidade, não pode ter incidência na qualificação do serviço VoIP prestado pela Skype Communications como serviço de comunicações eletrónicas.

42      É certo que, como alega a Skype Communications, o programa informático Skype presta um conjunto de serviços, que não estão em causa no processo principal, nomeadamente, por um lado, um serviço que permite aos seus utilizadores efetuar gratuitamente comunicações audio e/ou vídeo entre equipamentos terminais ligados à Internet e, por outro, vários serviços como, nomeadamente, serviços de partilha de ecrã, de mensagens de texto instantâneas, de partilha de pastas ou de tradução simultânea, que não podem ser qualificados de «serviço de comunicações eletrónicas» por não consistirem total ou principalmente no envio de sinais.

43      Todavia, embora a instalação da funcionalidade SkypeOut num terminal pressuponha a prévia instalação do programa informático Skype, também é verdade que, conforme salientaram, nomeadamente, os Governos belga, alemão, neerlandês e romeno, os serviços oferecidos, respetivamente, pelo próprio programa informático Skype e pela sua funcionalidade SkypeOut surgem como claramente distintos quanto ao seu objeto e funcionam de maneira totalmente autónoma.

44      Em terceiro lugar, a circunstância de a Skype Communications indicar, nas suas condições gerais, que não assume a responsabilidade do envio dos sinais face aos utilizadores da funcionalidade SkypeOut do seu programa informático Skype não pode ter incidência na qualificação do serviço VoIP que essa funcionalidade oferece como «serviço de comunicações eletrónicas».

45      Com efeito, admitir que o prestador de um serviço que integra materialmente a qualificação de «serviço de comunicações eletrónicas» possa subtrair‑se do âmbito de aplicação da Diretiva‑Quadro através da inclusão, nas suas condições gerais, de uma cláusula de exoneração da responsabilidade privaria totalmente de objeto o novo quadro regulamentar aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas, cuja finalidade é estabelecer um verdadeiro mercado interno de comunicações eletrónicas, no âmbito do qual estas últimas devem, em última análise, ser regidas exclusivamente pelo direito da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de novembro de 2013, UPC Nederland, C‑518/11, EU:C:2013:709, n.o 45, e de 30 de abril de 2014, UPC DTH, C‑475/12, EU:C:2014:285, n.o 44).

46      Por último, em quarto lugar, a circunstância de o serviço VoIP prestado pelo SkypeOut integrar igualmente o conceito de «serviço da sociedade da informação», na aceção da Diretiva 98/34, não implica de modo algum que não possa ser qualificado de «serviço de comunicações eletrónicas».

47      Com efeito, resulta da própria redação do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro, lida à luz do seu considerando 10, que só estão excluídos do conceito de serviço de comunicações eletrónicas os serviços da sociedade da informação, tal como definidos no artigo 1.o da Diretiva 98/34, que não consistam total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas.

48      Daqui resulta que, como salientaram tanto os Governos belga, alemão, neerlandês e romeno, bem como a Comissão, um «serviço da sociedade de informação», na aceção da Diretiva 98/34, está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva‑Quadro quando consista total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas.

49      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que a disponibilização, pelo editor de um programa informático, de uma funcionalidade que oferece um serviço VoIP, que permite ao utilizador telefonar para um número fixo ou móvel de um plano nacional de numeração através da RTPC de um Estado‑Membro a partir de um terminal, constitui um «serviço de comunicações eletrónicas», na aceção desta disposição, quando a prestação do referido serviço, por um lado, dá lugar a remuneração do editor e, por outro, implica a celebração por este último de acordos com os prestadores de serviços de telecomunicações devidamente autorizados a enviar e a terminar chamadas através da RTPC.

 Quanto às despesas

50      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretivaquadro), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que a disponibilização, pelo editor de um programa informático, de uma funcionalidade que oferece um serviço «Voice over Internet Protocol» (VoIP) [voz sobre o protocolo Internet (VoIP)], que permite ao utilizador telefonar para um número fixo ou móvel de um plano nacional de numeração através da rede telefónica pública comutada (RTPC) de um EstadoMembro a partir de um terminal, constitui um «serviço de comunicações eletrónicas», na aceção desta disposição, quando a prestação do referido serviço, por um lado, dá lugar a remuneração do editor e, por outro, implica a celebração por este último de acordos com os prestadores de serviços de telecomunicações devidamente autorizados a enviar e a terminar chamadas através da RTPC.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.