Language of document : ECLI:EU:C:2023:127

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

28 de fevereiro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Poder de execução do Conselho da União Europeia — Artigo 291.o, n.o 2, TFUE — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 28.o e 397.o — Sujeito passivo agindo em seu nome mas por conta de outrem — Fornecedor de serviços eletrónicos — Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 — Artigo 9.o‑A — Presunção — Validade»

No processo C‑695/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária), Reino Unido], por Decisão de 15 de dezembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de dezembro de 2020, no processo

Fenix International Ltd

contra

Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, C. Lycourgos, M. Safjan, L. S. Rossi (relatora), D. Gratsias e M. L. Arastey Sahún, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, S. Rodin, J. Passer, M. Gavalec, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de maio de 2022,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Fenix International Ltd, por O. Bartholomew, S. Gilchrist e D. Greene, solicitors, T. Johnson, M. Schofield e V. Sloane, barristers,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por F. Shibli, na qualidade de agente, assistido por A. Macnab, barrister,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por A. Maddalo, avvocato dello Stato,

–        em representação do Conselho da União Europeia, por E. Chatziioakeimidou, M. Chavrier e. d’Ursel, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė e C. Perrin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade do artigo 9.o‑A do Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2011, L 77, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 1042/2013 do Conselho, de 7 de outubro de 2013 (JO 2013, L 284, p. 1) (a seguir «Regulamento de Execução n.o 282/2011»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Fenix International Ltd (a seguir «Fenix») aos Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Autoridade Tributária e Aduaneira, Reino Unido) a respeito de avisos de liquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) emitidos por estes últimos relativamente aos meses de julho de 2017 a janeiro de 2020, bem como ao mês de abril de 2020.

 Quadro jurídico

 Acordo de Saída

3        Com a sua Decisão (UE) 2020/135, de 30 de janeiro de 2020, relativa à celebração do Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 1, a seguir «Acordo de Saída»), o Conselho da União Europeia aprovou, em nome da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA), o referido acordo, que foi junto a essa decisão (JO 2020, L 29, p. 7).

4        O artigo 86.o do Acordo de Saída, sob a epígrafe «Processos pendentes no Tribunal de Justiça da União Europeia», dispõe, nos seus n.os 2 e 3:

«2.      O Tribunal de Justiça da União Europeia continua a ser competente para decidir, a título prejudicial, sobre os pedidos dos órgãos jurisdicionais do Reino Unido apresentados antes do termo do período de transição.

3.      Para efeitos do presente capítulo, considera‑se que um processo é instaurado no Tribunal de Justiça da União Europeia, e que um pedido de decisão prejudicial é apresentado, no momento em que o ato introdutório da instância foi registado pela secretaria do Tribunal de Justiça […]»

5        Em conformidade com o artigo 126.o do Acordo de Saída, o período de transição teve início na data de entrada em vigor deste Acordo e terminou em 31 de dezembro de 2020.

 Diretiva IVA

6        Tendo em conta a data dos avisos de liquidação do IVA em causa no litígio no processo principal, este é regulado pelas disposições da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva (UE) 2017/2455 do Conselho, de 5 de dezembro de 2017 (JO 2017, L 348, p. 7) (a seguir «Diretiva IVA»).

7        Os considerandos 61 e 64 da Diretiva IVA têm a seguinte redação:

«(61)      É fundamental assegurar uma aplicação uniforme do sistema do IVA. Para realizar esse objetivo, é conveniente aprovar medidas de aplicação.

(62)      Tais medidas deverão, nomeadamente, resolver o problema da dupla tributação de operações transfronteiras que pode resultar da aplicação não uniforme, pelos Estados‑Membros, das normas que regem o lugar das operações tributáveis.

(63)      Embora o âmbito das medidas de aplicação seja circunscrito, tais medidas terão uma incidência orçamental que pode ser significativa para um ou mais Estados‑Membros. O seu impacto nos orçamentos dos Estados‑Membros justifica que o Conselho se reserve o direito de exercer as competências de execução.

(64)      Tendo em conta o seu âmbito de aplicação restrito, é conveniente prever que essas medidas de aplicação sejam adotadas pelo Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão [Europeia].»

8        O título IV desta diretiva, intitulado «Operações tributáveis», contém um capítulo 3, relativo às «[p] restações de serviços», no qual figura o seu artigo 28.o

9        O artigo 28.o da Diretiva do IVA dispõe:

«Quando um sujeito passivo participe numa prestação de serviços agindo em seu nome mas por conta de outrem, considera‑se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão.»

10      O título V desta diretiva, intitulado «Lugar das operações tributáveis», inclui um capítulo 3, relativo ao «[l]ugar das prestações de serviços». A secção 3 deste capítulo enumera, nas suas nove subsecções, diferentes tipos de prestações de serviços, entre as quais figuram, na subsecção 8, desde 1 de janeiro de 2015, os serviços de telecomunicações, de radiodifusão e televisão, bem como os serviços eletrónicos a pessoas que não sejam sujeitos passivos. Esta subsecção é composta pelo artigo 58.o da referida diretiva, que prevê, no seu n.o 1, que esses serviços são tributáveis no Estado‑Membro onde essas pessoas estão estabelecidas ou têm domicílio ou residência habitual.

11      A referida subsecção tinha sido alterada, a partir de 1 de janeiro de 2015, pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (JO 2008, L 44, p. 11), cujo considerando 1 enuncia que «[a] realização do mercado interno, a globalização, a desregulamentação e a inovação tecnológica contribuíram, conjuntamente, para uma alteração profunda do volume e da estrutura do comércio de serviços. É cada vez maior o número de serviços que pode ser prestado à distância».

12      O artigo 220.o da Diretiva IVA prevê:

«Os sujeitos passivos devem assegurar que seja emitida uma fatura, por eles próprios, pelos adquirentes ou destinatários ou, em seu nome e por sua conta, por terceiros, nos seguintes casos:

1)      Relativamente às entregas de bens ou às prestações de serviços que efetuem a outros sujeitos passivos ou a pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos;

[…]»

13      Nos termos do artigo 226.o desta diretiva:

«Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.o e 221.o são as seguintes:

[…]

5)      O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário;

6)      A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados;

[…]»

14      O artigo 397.o da referida diretiva dispõe:

«O Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, adota as medidas necessárias à aplicação da presente diretiva.»

 Regulamento de Execução n.o 282/2011

15      Os considerandos 2, 4 e 5 do Regulamento de Execução n.o 282/2011 têm a seguinte redação:

«(2)      A Diretiva [IVA] contém regras em matéria de [IVA] que, em certos casos, estão sujeitas a interpretação pelos Estados‑Membros. A adoção de disposições comuns de aplicação da Diretiva [IVA] deverá assegurar uma aplicação do sistema de IVA mais consentânea com o objetivo do mercado interno nos casos em que se verifiquem ou possam verificar‑se divergências de aplicação incompatíveis com o bom funcionamento deste último. Estas medidas de aplicação apenas são juridicamente vinculativas a partir da data de entrada em vigor do presente regulamento e não prejudicam a validade da legislação e interpretação anteriormente adotadas pelos Estados‑Membros.

[…]

(4)      O objetivo do presente regulamento consiste em assegurar a aplicação uniforme do atual sistema de IVA, estabelecendo disposições de aplicação da Diretiva [IVA], nomeadamente no que respeita aos sujeitos passivos, às entregas de bens e prestações de serviços e ao lugar das operações tributáveis. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no n.o 4 do artigo 5.o do Tratado da União Europeia, o presente regulamento não excede o necessário para alcançar aquele objetivo. A uniformidade da aplicação é mais bem assegurada através de um regulamento, uma vez que este instrumento é obrigatório e diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros.

(5)      As presentes medidas de aplicação contêm disposições específicas para dar resposta a determinadas questões de aplicação e estão concebidas de modo a assegurar, em toda a União, um tratamento uniforme apenas para esses casos específicos. Por esse motivo, não são transponíveis para outros casos e, atendendo à sua formulação, devem ser aplicadas de forma restritiva.»

16      O artigo 1.o do Regulamento de Execução n.o 282/2011 dispõe:

«O presente regulamento estabelece medidas de aplicação de determinadas disposições dos títulos I a V […] da Diretiva [IVA].»

17      Os considerandos 1 e 4 do Regulamento de Execução n.o 1042/2013, que alterou, a partir de 1 de janeiro de 2015, o Regulamento de Execução n.o 282/2011, enunciam:

«(1)      A Diretiva [IVA] prevê que, a partir de 1 de janeiro de 2015, todos os serviços de telecomunicações, de radiodifusão e televisão e serviços eletrónicos prestados a uma pessoa que não seja sujeito passivo serão tributados no Estado‑Membro onde o destinatário está estabelecido ou tem domicílio ou residência habitual, independentemente do local onde esteja estabelecido o sujeito passivo que presta esses serviços. A maioria dos outros serviços prestados a pessoas que não sejam sujeitos passivos continua a ser tributada no Estado‑Membro onde o prestador está estabelecido.

[…]

(4)      Para efeitos de IVA, é necessário especificar quem é que presta os serviços ao destinatário quando os serviços eletrónicos ou serviços telefónicos prestados através da Internet forem prestados a um destinatário através de redes de telecomunicações ou de uma interface ou portal.»

18      Nos termos do artigo 9.o‑A do Regulamento de Execução n.o 282/2011, introduzido pelo Regulamento de Execução n.o 1042/2013:

«1.      Quando os serviços eletrónicos forem prestados através de uma rede de telecomunicações, de uma interface ou de um portal, por exemplo um mercado de aplicações, presume‑se, para a aplicação do artigo 28.o da Diretiva [IVA], que o sujeito passivo que participa na prestação desse serviço age em seu nome, mas por conta do fornecedor do serviço eletrónico, a menos que o fornecedor do serviço seja expressamente indicado por esse sujeito passivo como sendo o prestador e tal indicação conste dos acordos contratuais celebrados entre as partes.

Para se considerar que o fornecedor do serviço eletrónico é expressamente indicado pelo sujeito passivo como prestador dos serviços eletrónicos, têm de estar reunidas as seguintes condições:

a)      A fatura emitida ou disponibilizada por cada sujeito passivo que participe na prestação dos serviços eletrónicos tem de identificar os serviços eletrónicos e o fornecedor desses serviços eletrónicos;

b)      A nota de débito ou recibo emitido ou disponibilizado ao destinatário tem de identificar os serviços eletrónicos e o fornecedor desses serviços.

Para efeitos do presente número, um sujeito passivo que, relativamente a uma prestação de serviços eletrónicos, aprove a cobrança ao destinatário, aprove a prestação dos serviços ou fixe os termos e condições gerais da prestação, não pode indicar expressamente outra pessoa como o prestador desses serviços.

2.      Quando os serviços telefónicos prestados através da Internet, incluindo voz sobre o protocolo de Internet (VoIP), forem prestados através de uma rede de telecomunicações, de uma interface ou de um portal, como um mercado de aplicações, e a prestação for efetuada nas condições estabelecidas no n.o 1, é aplicável o disposto nesse número.

3.      O presente artigo não é aplicável aos sujeitos passivos que só efetuem o processamento de pagamentos relativos a serviços eletrónicos ou serviços telefónicos prestados através da Internet, incluindo voz sobre o protocolo de Internet (VoIP), e não participem na prestação desses serviços eletrónicos ou serviços telefónicos.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

19      A Fenix, sociedade registada para efeitos de IVA no Reino Unido, explora na Internet uma plataforma de rede social denominada Only fans (a seguir «plataforma Only fans»). Esta plataforma é proposta aos «utilizadores» do mundo inteiro, que se dividem em «criadores» e «fãs».

20      Cada criador dispõe de um «perfil», no qual descarrega e publica conteúdos, como fotografias, vídeos e mensagens. Os fãs podem aceder ao conteúdo descarregado pelos criadores que desejam seguir ou com os quais pretendam interagir, efetuando pagamentos pontuais ou pagando uma assinatura mensal. Além disso, os fãs podem dar «gorjetas» ou efetuar donativos que não impliquem que seja fornecido nenhum conteúdo em contrapartida.

21      Cada criador determina o montante da assinatura mensal, embora a Fenix estabeleça o montante mínimo exigível tanto para as assinaturas como para as «gorjetas».

22      A Fenix fornece não só a plataforma Only fans, mas também o dispositivo que permite efetuar as transações financeiras. A Fenix é responsável pela cobrança e pela distribuição dos pagamentos efetuados pelos fãs, através dos serviços de pagamento fornecidos por uma entidade terceira. A Fenix estabelece igualmente as condições gerais de utilização da plataforma Only fans.

23      A Fenix cobra 20 % de todos os montantes pagos a favor de um criador a quem fatura o montante correspondente. Relativamente ao montante que cobra deste modo, a Fenix aplica o IVA a uma taxa de 20 %, que figura nas faturas por ela emitidas.

24      Todos os pagamentos aparecem no extrato bancário dos fãs em causa como pagamentos efetuados à Fenix.

25      Em 22 de abril de 2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou à Fenix avisos de liquidação do IVA a pagar relativamente aos meses de julho de 2017 a janeiro de 2020, bem como ao mês de abril de 2020, entendendo que se devia considerar que a Fenix agia em seu nome, ao abrigo do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011. Por conseguinte, esta autoridade considerou que a Fenix devia pagar o IVA sobre a totalidade do montante recebido de um fã e não apenas sobre os 20 % desse montante, que cobrava a título de remuneração.

26      Em 27 de julho de 2020, a Fenix interpôs recurso no First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária), Reino Unido], que é o órgão jurisdicional de reenvio. Com este recurso, a Fenix contesta, no essencial, a validade da base jurídica dos avisos de liquidação, a saber, o artigo 9.o‑A do Regulamento de Execução n.o 282/2011, bem como os respetivos montantes.

27      Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a Fenix alega que o artigo 9.o‑A do Regulamento de Execução n.o 282/2011 tem por efeito alterar e/ou completar o artigo 28.o da Diretiva IVA, acrescentando‑lhe novas regras. Com efeito, o artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 vai além do artigo 28.o da Diretiva IVA, ao prever que se considera que o mandatário que participa numa prestação de serviços eletrónicos recebeu e forneceu os referidos serviços, mesmo que seja conhecida a identidade do fornecedor, que é o mandante. Tal disposição priva as partes da sua autonomia contratual e ignora a realidade comercial e económica. Altera fundamentalmente a responsabilidade do mandatário no domínio do IVA, ao transferir o encargo fiscal para as plataformas exploradas na Internet, uma vez que se afigura impossível, na prática, ilidir a presunção estabelecida no artigo 9.o‑A, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento de Execução n.o 282/2011. Por conseguinte, segundo a Fenix, este artigo 9.o‑A excede os limites das competências de execução conferidas ao Conselho ao abrigo do artigo 397.o da Diretiva IVA.

28      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à validade do artigo 9.o‑A do Regulamento de Execução n.o 282/2011.

29      Baseando‑se no Acórdão de 15 de outubro de 2014, Parlamento/Comissão, C‑65/13, EU:C:2014:2289), o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que uma disposição de aplicação de um ato legislativo só é lícita se essa disposição respeitar os objetivos gerais essenciais prosseguidos por esse ato, for necessária ou útil para a sua aplicação e não o alterar nem o completar, mesmo nos seus elementos não essenciais. Ora, embora se considere que o artigo 9.o‑A do Regulamento de Execução n.o 282/2011 constitui uma medida de aplicação do artigo 28.o da Diretiva IVA, pode, no entanto, sustentar‑se que, ao adotar este artigo 9.o‑A, o Conselho violou a competência de execução que lhe é conferida.

30      Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio alega que a presunção estabelecida no artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 se pode aplicar a todos os sujeitos passivos que participam na prestação de serviços, o que não constitui uma medida técnica, mas uma alteração radical do quadro jurídico resultante do artigo 28.o da Diretiva IVA. Além disso, a presunção estabelecida no artigo 9.o‑A, n.o 1, deste regulamento de execução, e mais particularmente a que figura no terceiro parágrafo desta disposição, parece suprimir a obrigação de examinar concretamente a situação económica e comercial do sujeito passivo, que, no entanto, resulta do artigo 28.o da Diretiva IVA, conforme especificado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 14 de julho de 2011, Henfling e o. (C‑464/10, EU:C:2011:489).

31      Foi nestas condições que o First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária)] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 9.o‑A do [Regulamento de Execução n.o 282/2011] é inválido, uma vez que excede a competência e o dever de execução do Conselho previstos no artigo 397.o da Diretiva [IVA], na medida em que completa e/ou altera o artigo 28.o [da referida diretiva]?»

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça

32      Resulta do artigo 86.o, n.o 2, do Acordo de Saída, que entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020, que o Tribunal de Justiça continua a ser competente para decidir, a título prejudicial, sobre os pedidos dos órgãos jurisdicionais do Reino Unido apresentados antes do termo do período de transição estabelecido, em conformidade com o artigo 126.o deste acordo, em 31 de dezembro de 2020. Por outro lado, resulta do artigo 86.o, n.o 3, do referido Acordo que se considera que um pedido de decisão prejudicial é apresentado, na aceção do n.o 2 deste artigo, na data em que o ato introdutório da instância foi registado pela secretaria do Tribunal de Justiça.

33      No caso em apreço, o pedido de decisão prejudicial, apresentado por um órgão jurisdicional do Reino Unido, foi registado na secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de dezembro de 2020, ou seja, antes do termo do período de transição.

34      Daqui resulta que o Tribunal de Justiça é competente para decidir a título prejudicial sobre este pedido.

 Quanto à questão prejudicial

35      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 é inválido na medida em que o Conselho completou ou alterou o artigo 28.o da Diretiva IVA, excedendo assim as competências de execução que lhe são conferidas pelo artigo 397.o desta diretiva, em aplicação do artigo 291.o, n.o 2, TFUE.

 Observações preliminares

36      Em primeiro lugar, importa recordar que, segundo o artigo 291.o, n.o 1, TFUE, incumbe aos Estados‑Membros a execução dos atos juridicamente vinculativos da União. Todavia, nos termos do artigo 291.o, n.o 2, TFUE, quando sejam necessárias condições uniformes de execução de tais atos da União, estes conferirão competências de execução à Comissão ou, em casos específicos devidamente justificados e nos casos previstos nos artigos 24.o TUE e 26.o TUE, ao Conselho.

37      No que respeita mais especificamente a esta exigência de justificar devidamente a atribuição dessa competência de execução ao Conselho, o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 291.o, n.o 2, TFUE exige que se exponham, de modo circunstanciado, as razões pelas quais a adoção de medidas de execução de um ato juridicamente vinculativo da União é confiada a essa instituição (v., neste sentido, Acórdão de 1 de março de 2016, National Iranian Oil Company/Conseil, C‑440/14 P, EU:C:2016:128, n.os 49 e 50 e jurisprudência referida).

38      No caso em apreço, o artigo 397.o da Diretiva IVA confere ao Conselho um poder de execução na aceção do artigo 291.o, n.o 2, TFUE. Com efeito, o referido artigo 397.o dispõe que o Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, adota as medidas necessárias à aplicação da Diretiva IVA.

39      A este respeito, resulta dos considerandos 61 a 63 da Diretiva IVA que o legislador da União considerou que, por um lado, era necessário que medidas de aplicação desta diretiva fossem uniformes, nomeadamente para atenuar o problema da dupla tributação das operações transfronteiras que pudessem resultar da aplicação não uniforme, pelos Estados‑Membros, das normas relativas ao lugar das operações tributáveis, e, por outro, importava reservar ao Conselho a competência para adotar tais medidas de aplicação em razão do impacto, por vezes significativo, destas medidas nos orçamentos dos Estados‑Membros.

40      Estes motivos justificam a habilitação do Conselho, que resulta do artigo 397.o da Diretiva IVA, para adotar as medidas necessárias à aplicação desta diretiva, entre as quais figura o artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, que visa concretamente assegurar a aplicação uniforme do artigo 28.o da referida diretiva.

41      Em segundo lugar, quanto aos limites das competências de execução previstas no artigo 291.o, n.o 2, TFUE, importa recordar que a adoção das regras essenciais de uma matéria, como o IVA, é reservada à competência do legislador da União. Daqui decorre que as disposições que estabelecem os elementos essenciais de uma regulamentação de base, para a adoção das quais seja necessário efetuar opções políticas que são da responsabilidade desse legislador, não o podem ser em atos de execução, nem em atos delegados previstos no artigo 290.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2015, Parlamento/Conselho, C‑363/14, EU:C:2015:579, n.o 46 e jurisprudência referida).

42      Por outro lado, a identificação dos elementos de uma matéria que devem ser qualificados de essenciais deve basear‑se em elementos objetivos, suscetíveis de ser objeto de fiscalização jurisdicional, e impõe que sejam tomadas em conta as características e as particularidades do domínio em causa (Acórdão de 10 de setembro de 2015, Parlamento/Conselho, C‑363/14, EU:C:2015:579, n.o 47 e jurisprudência referida).

43      Por conseguinte, quando, por força de um ato juridicamente vinculativo da União como a Diretiva IVA, o Conselho dispõe do poder de adotar medidas de aplicação, como o artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, esta instituição não pode, no âmbito desse poder, estabelecer regras essenciais na matéria, devendo estas últimas ser adotadas de acordo com o processo legislativo aplicável, a saber, no que respeita à Diretiva IVA, o processo especial instituído no artigo 113.o TFUE.

44      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que, quando são conferidas competências de execução à Comissão, esta é chamada a especificar o conteúdo do ato legislativo em causa, a fim de assegurar a sua execução em condições uniformes em todos os Estados‑Membros. Assim, as disposições de um ato de execução adotado pela Comissão devem, por um lado, respeitar os objetivos gerais essenciais prosseguidos pelo ato legislativo que essas disposições devem especificar e, por outro, ser necessárias ou úteis para a sua aplicação, sem o completar nem alterar, mesmo nos seus elementos não essenciais (v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2014, Parlamento/Comissão, C‑65/13, EU:C:2014:2289, n.os 43 a 46 e jurisprudência referida).

45      Estas considerações relativas aos limites das competências de execução da Comissão são igualmente válidas quando, em aplicação do artigo 291.o, n.o 2, TFUE, tais competências são atribuídas ao Conselho.

46      Com efeito, por um lado, importa salientar que, ao referir‑se tanto à Comissão como ao Conselho, o artigo 291.o, n.o 2, TFUE não faz nenhuma distinção quanto à natureza e ao alcance das competências de execução em função da instituição que está incumbida das mesmas.

47      Por outro lado, decorre da sistemática dos artigos 290.o e 291.o TFUE que o exercício pelo Conselho das competências de execução não pode ser regulado por condições diferentes das que se impõem à Comissão quando esta é chamada a exercer o seu poder de execução.

48      Com efeito, ao distinguir os atos de execução dos atos delegados, que só a Comissão está habilitada a adotar nas condições previstas no artigo 290.o TFUE e que permitem a esta completar ou alterar certos elementos não essenciais de um ato legislativo da União, os artigos 290.o e 291.o TFUE garantem que, quando o legislador da União confia ao Conselho a adoção de atos de execução, não dispõe dos poderes reservados à Comissão no âmbito da adoção de atos delegados. Por conseguinte, o Conselho não pode, através de atos de execução, completar ou alterar o ato legislativo, mesmo nos seus elementos não essenciais.

49      Resulta de todas estas considerações que as competências de execução conferidas à Comissão e ao Conselho ao abrigo do artigo 291.o, n.o 2, TFUE incluem, em substância, o poder de adotar medidas que sejam necessárias ou úteis para a execução uniforme das disposições do ato legislativo com base no qual são adotadas e que se limitam a especificar o seu conteúdo, no respeito dos objetivos gerais essenciais prosseguidos por esse ato, sem o alterar ou completar, nos seus elementos essenciais ou não essenciais.

50      Em especial, importa considerar que uma medida de execução se limita a especificar as disposições do ato legislativo em causa quando visa unicamente, de maneira geral ou para certos casos específicos, clarificar o alcance dessas disposições ou determinar as respetivas modalidades de aplicação, desde que, ao fazê‑lo, essa medida evite qualquer contradição face aos objetivos das referidas disposições e não altere, de modo algum, o conteúdo normativo desse ato ou o âmbito de aplicação do mesmo.

51      Por conseguinte, para determinar se, ao adotar o artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, o Conselho respeitou os limites das competências de execução que lhe foram conferidas, em aplicação do artigo 291.o, n.o 2, TFUE, pelo artigo 397.o da Diretiva IVA, importa verificar se este artigo 9.o‑A, n.o 1, se limita a especificar o conteúdo do artigo 28.o desta diretiva, o que implica examinar se o referido artigo 9.o‑A, n.o 1, primeiro, respeita os objetivos gerais essenciais da referida diretiva e, em especial, os do seu artigo 28.o, segundo, é necessário ou útil para facilitar a execução uniforme do mesmo artigo 28.o e, terceiro, não complementa nem altera de modo algum este último.

 Quanto ao respeito pelo artigo 9.oA do Regulamento de Execução n.o 282/2011 dos objetivos gerais essenciais prosseguidos pelo artigo 28.o da Diretiva IVA

52      Em primeiro lugar, importa recordar que a Diretiva IVA visa estabelecer um sistema comum de IVA. Para a aplicação uniforme deste sistema, que figura entre os objetivos desta diretiva, como o sublinha, nomeadamente, o seu considerando 61, os conceitos que definem o âmbito de aplicação desta última, como os de «operação tributável», de «sujeito passivo» e de «atividade económica», devem ter uma interpretação autónoma e uniforme (v., neste sentido, Acórdão de 29 de setembro de 2015, Gmina Wrocław, C‑276/14, EU:C:2015:635, n.o 26 e jurisprudência referida).

53      Por força do artigo 28.o da Diretiva IVA, que faz parte do título IV desta diretiva intitulado «Operações tributáveis», quando um sujeito passivo participe numa prestação de serviços agindo em seu nome, mas por conta de outrem, considera‑se que recebeu e forneceu pessoalmente os serviços em questão.

54      Este artigo, que está redigido em termos gerais, sem conter restrições quanto ao seu âmbito de aplicação ou ao seu alcance, e que abrange portanto todas as categorias de serviços (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2011, Henfling e o., C‑464/10, EU:C:2011:489, n.o 36), cria a ficção jurídica de duas prestações de serviços idênticas efetuadas consecutivamente, por força da qual o operador, que intervém como intermediário na prestação de serviços como comissário, recebeu, num primeiro momento, os serviços em causa do operador por conta do qual atua, que é o comitente, antes de, num segundo momento, prestar pessoalmente esses serviços ao cliente (Acórdão de 21 de janeiro de 2021, UCMR — ADA, C‑501/19, EU:C:2021:50, n.o 43 e jurisprudência referida).

55      O artigo 28.o da Diretiva IVA estabelece assim que o sujeito passivo que, no âmbito de uma prestação de serviços, age na qualidade de intermediário em seu nome mas por conta de outrem, se presume ser o prestador desses serviços.

56      Em segundo lugar, resulta dos considerandos 2, 4 e 5 do Regulamento de Execução n.o 282/2011 que, na medida em que as regras enunciadas na Diretiva IVA estão, em certos casos, sujeitas a divergências de aplicação entre os Estados‑Membros, incompatíveis com o bom funcionamento do mercado interno, o objetivo deste regulamento de execução é garantir uma aplicação uniforme do sistema atual do IVA, adotando disposições de execução da Diretiva IVA no que diz respeito, nomeadamente, às prestações de serviços, disposições essas que devem dar reposta a determinadas questões de aplicação e estar concebidas de modo a assegurar, em toda a União, um tratamento uniforme apenas para os casos específicos que estão aí regulamentados.

57      No que respeita, mais especificamente, ao artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, introduzido pelo Regulamento de Execução n.o 1042/2013, resulta dos considerandos 1 e 4 deste último regulamento que, tendo em conta a evolução que, no âmbito da Diretiva IVA, caracteriza nomeadamente a tributação dos serviços eletrónicos a uma pessoa que não seja sujeito passivo, a partir de 1 de janeiro de 2015, serão tributados no Estado‑Membro onde o destinatário está estabelecido ou tem domicílio ou residência habitual, independentemente do local onde esteja estabelecido o sujeito passivo que presta esses serviços, o Conselho considerou necessário especificar para efeitos de IVA quem é que presta os serviços ao destinatário quando os referidos serviços são prestados através de redes de telecomunicações ou de uma interface ou portal.

58      É neste contexto que o artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 indica, «para a aplicação do artigo 28.o da Diretiva [IVA]» e no caso de serem prestados serviços eletrónicos através de uma rede de telecomunicações, de uma interface ou de um portal, por exemplo um mercado de aplicações, em que condições importa considerar que o sujeito passivo, que participa na prestação desse serviço, age em seu nome, mas por conta do fornecedor.

59      Deste modo, o artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 visa assegurar, a partir de 1 de janeiro de 2015, uma aplicação uniforme da presunção estabelecida no artigo 28.o da Diretiva IVA relativamente a esses sujeitos passivos e, assim, do sistema comum do IVA, instituído por esta diretiva, aos serviços referidos nesse artigo 9.o‑A, n.o 1, que são abrangidos pelo âmbito de aplicação deste artigo 28.o, abrangendo este, como resulta do n.o 54 do presente acórdão, todas as categorias de serviços.

60      Daqui resulta que as disposições do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 respeitam os objetivos gerais essenciais da Diretiva IVA e, em especial, os do seu artigo 28.o

 Quanto à necessidade ou à utilidade do artigo 9.oA, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 para a execução uniforme do artigo 28.o da Diretiva IVA

61      Importa observar que resulta nomeadamente da exposição de motivos da proposta da Comissão de regulamento do Conselho que altera o Regulamento de Execução n.o 282/2011 no que respeita ao lugar de prestação dos serviços [COM(2012) 763 final], na origem da introdução do artigo 9.o‑A nesse regulamento de execução, que, tendo em conta as alterações efetuadas na Diretiva IVA a partir de 1 de janeiro de 2015, no que respeita ao lugar de tributação de determinadas prestações de serviços, entre as quais os serviços de telecomunicações e os serviços eletrónicos, se tinha tornado essencial, a fim de garantir a segurança jurídica dos prestadores de serviços e de evitar a dupla tributação ou não tributação que teria resultado de modalidades de execução divergentes entre os Estados‑Membros, alterar o referido regulamento de execução para estabelecer regras de execução das disposições relevantes da referida diretiva.

62      Nestas condições, há que considerar que o artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 é útil, ou até mesmo necessário, para a execução uniforme do artigo 28.o da Diretiva IVA.

 Quanto ao respeito, pelo artigo 9.oA, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, da proibição de completar ou de alterar o conteúdo do artigo 28.o da Diretiva IVA

63      Segundo a Fenix, os três parágrafos do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 completam ou alteram o artigo 28.o da Diretiva IVA, pelo que ignoram os limites do poder de execução reconhecido ao Conselho.

64      Antes de mais, no que respeita ao primeiro parágrafo do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, a Fenix considera, por um lado, que o legislador da União não pretendeu regulamentar, no artigo 28.o da Diretiva IVA, a questão de saber em que casos um sujeito passivo que participa na prestação de serviços age em seu nome, mas por conta de outrem, o que o Conselho não pode suprir, a não ser que ultrapasse as suas competências, através de um ato de execução. Por outro lado, segundo a Fenix, a presunção estabelecida no primeiro parágrafo deste artigo 9.o‑A, n.o 1, aplica‑se independentemente da realidade contratual e comercial, em violação da jurisprudência do Tribunal de Justiça, e altera radicalmente a responsabilidade do comissário no domínio do IVA.

65      A este respeito, importa recordar que, por força do artigo 9.o‑A, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, «presume‑se» que o sujeito passivo que participa numa prestação de serviços eletrónicos através de uma rede de telecomunicações, de uma interface ou de um portal, por exemplo um mercado de aplicações, «age em seu nome, mas por conta do fornecedor do serviço eletrónico, a menos que o fornecedor do serviço seja expressamente indicado por esse sujeito passivo como sendo o prestador e tal indicação conste dos acordos contratuais celebrados entre as partes».

66      Ora, não resulta de modo algum da Diretiva IVA que o legislador da União tenha renunciado a assegurar, se for caso disso, através da atribuição de competências de execução ao Conselho nos termos do artigo 397.o desta diretiva, uma aplicação uniforme das condições previstas no artigo 28.o da referida diretiva, em especial a condição de que, para poder ser considerado o prestador de um serviço, o sujeito passivo que participa nessa prestação deva agir em seu nome, mas por conta de outrem. Isto é tanto mais assim quanto esta condição apresenta um caráter crucial para a execução da presunção estabelecida no artigo 28.o da Diretiva IVA e, por conseguinte, para a aplicação uniforme do sistema comum do IVA, que figura, como foi recordado no n.o 52 do presente acórdão, entre os objetivos desta diretiva.

67      No que respeita, mais especificamente, à questão de saber se o artigo 9.o‑A, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, como redigido pelo Conselho, completa ou altera o conteúdo do artigo 28.o da Diretiva IVA, há que salientar, primeiro, que a circunstância de esse artigo 9.o‑A, n.o 1, só dizer respeito, como foi salientado no n.o 59 do presente acórdão, a alguns dos serviços referidos no artigo 28.o da Diretiva IVA, e, portanto, a certos casos específicos, não impede, de modo algum, como resulta do n.o 50 do presente acórdão, que se considere o referido artigo 9.o‑A, n.o 1, como uma simples especificação do conteúdo deste artigo 28.o

68      Segundo, uma vez que o artigo 9.o‑A, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 prevê que se «presume» que o sujeito passivo que participa na prestação de serviços eletrónicos, «age em seu nome, mas por conta do fornecedor do serviço eletrónico», há que constatar que esta disposição se limita a especificar os casos em que se considera preenchida a condição relativa ao âmbito de aplicação pessoal do artigo 28.o da Diretiva IVA, necessário à aplicação da presunção prevista neste artigo, sem completar ou alterar o conteúdo do mesmo.

69      Em especial, a presunção que figura no artigo 9.o‑A, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 inscreve‑se plenamente na lógica subjacente ao artigo 28.o da Diretiva IVA. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 75 das suas conclusões, mesmo antes da adoção deste artigo 9.o‑A, o artigo 28.o da Diretiva IVA tinha por objeto transferir a responsabilidade em matéria de IVA no que respeita às prestações de serviços em que participa um sujeito passivo que age em seu nome, mas por conta de outrem.

70      Por conseguinte, a presunção que figura no artigo 9.o‑A, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 não altera a natureza da presunção estabelecida no artigo 28.o da Diretiva IVA, limitando‑se, ao integrá‑la plenamente, a concretizá‑la no contexto específico dos serviços eletrónicos prestados através de uma rede de telecomunicações, de uma interface ou de um portal, por exemplo um mercado de aplicações.

71      Terceiro, ao acrescentar «a menos que o fornecedor do serviço seja expressamente indicado por esse sujeito passivo como sendo o prestador e tal indicação conste dos acordos contratuais celebrados entre as partes», o primeiro parágrafo do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 permite ilidir esta presunção, tendo em conta a realidade contratual das relações entre os intervenientes na cadeia de transações económicas.

72      A este respeito, há que recordar que os acordos contratuais refletem, em princípio, a realidade económica e comercial das operações, cuja tomada em conta constitui um critério fundamental para a aplicação do sistema comum do IVA, pelo que as estipulações contratuais pertinentes representam um elemento a tomar em consideração quando se trata de identificar o prestador e o destinatário numa operação de «prestação de serviços», na aceção das disposições da Diretiva IVA (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de junho de 2013, Newey, C‑653/11, EU:C:2013:409, n.os 42 e 43, e de 24 de fevereiro de 2022, Suzlon Wind Energy Portugal, C‑605/20, EU:C:2022:116, n.o 58 e jurisprudência referida).

73      Por isso o Tribunal de Justiça já declarou que a condição relativa ao facto de o sujeito passivo dever agir em seu nome, mas por conta de outrem, que figura no artigo 28.o da Diretiva IVA, deve ser verificada, nomeadamente, com base nas relações contratuais entre as partes (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2011, Henfling e o., C‑464/10, EU:C:2011:489, n.o 42).

74      Daqui resulta que, ao prever, no artigo 9.o‑A, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, que a presunção de que o sujeito passivo visado nesta disposição age em seu nome, mas por conta do prestador dos serviços em causa pode ser ilidida se resultar dos acordos contratuais entre as partes que este último é expressamente reconhecido como o prestador de serviços, o Conselho limitou‑se a especificar o conteúdo normativo estabelecido pelo artigo 28.o da Diretiva IVA, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, a fim de assegurar a execução deste artigo em condições uniformes na União.

75      Em seguida, no que respeita ao segundo parágrafo do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, há que salientar que, segundo esta disposição, devem estar preenchidas duas condições «[p]ara se considerar que o fornecedor do serviço eletrónico é expressamente indicado pelo sujeito passivo como prestador dos serviços eletrónicos». Por um lado, a fatura emitida ou disponibilizada por cada sujeito passivo que participa na prestação dos serviços eletrónicos deve especificar esses serviços e o prestador dos mesmos. Por outro lado, a fatura ou o recibo emitido ao destinatário dos serviços ou posto à sua disposição devem especificar os serviços eletrónicos prestados e o prestador dos mesmos.

76      Como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 76 das suas conclusões, esta disposição apresenta uma relação estreita com o primeiro parágrafo do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 e inscreve‑se na mesma lógica deste, ao indicar, de maneira mais detalhada, as condições, relativas à faturação, à luz das quais o fornecedor de serviços eletrónicos é expressamente reconhecido pelo sujeito passivo como prestador desses serviços.

77      Ora, uma vez que as indicações devem figurar, por força do artigo 226.o, pontos 5 e 6, da Diretiva IVA, na fatura, documento que, em conformidade com o artigo 220.o, ponto 1, desta diretiva, os sujeitos passivos devem assegurar que foi devidamente emitida para qualquer prestação de serviços que efetue, nomeadamente, a outro sujeito passivo (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, Evita‑K, C‑78/12, EU:C:2013:486, n.o 49 e jurisprudência referida), fazem parte dos elementos abrangidos pelas relações comerciais e contratuais entre as diferentes partes e que devem refletir a realidade económica e comercial das operações em causa. Assim, estas indicações podem permitir apreciar as relações que os diferentes operadores, que intervêm no âmbito da prestação de serviços eletrónicos, mantêm entre si.

78      Por conseguinte, o segundo parágrafo do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 limita‑se a expor os elementos que permitem apreciar de maneira concreta, à luz da necessidade de ter em conta a realidade económica e comercial das operações, as situações e as condições em que a presunção, que resulta do primeiro parágrafo desta disposição em conformidade com a estabelecida no artigo 28.o da Diretiva IVA, pode ser ilidida.

79      Por conseguinte, no que toca aos elementos de prova que permitem ilidir a presunção referida no primeiro parágrafo do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, cuja apreciação concreta cabe às autoridades fiscais e aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, não se pode considerar que o segundo parágrafo deste artigo 9.o‑A, n.o 1, enquanto tal, e tendo em conta as constatações que figuram nos n.os 71 a 74 do presente acórdão, complete ou altere o quadro normativo estabelecido no artigo 28.o da Diretiva IVA.

80      Por último, quanto ao terceiro parágrafo do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, importa recordar que, em conformidade com este artigo, «[p] ara efeitos [deste] número, um sujeito passivo que, relativamente a uma prestação de serviços eletrónicos, aprove a cobrança ao destinatário, aprove a prestação dos serviços ou fixe os termos e condições gerais da prestação, não pode indicar expressamente outra pessoa como o prestador desses serviços».

81      Resulta assim deste terceiro parágrafo que, quando o sujeito passivo se encontra numa das três hipóteses previstas no referido parágrafo, a presunção que figura no primeiro parágrafo do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 não pode ser ilidida e, torna‑se, portanto, inilidível. Por outras palavras, no caso de serviços eletrónicos prestados através de uma rede de telecomunicações, de uma interface ou de um portal, por exemplo um mercado de aplicações, presume‑se sempre que o sujeito passivo que participa nessa prestação age em seu nome, mas por conta do fornecedor do serviço eletrónico, e, por conseguinte, e considera‑se ser ele próprio o prestador dos referidos serviços, quando aprove a cobrança ao destinatário, aprove a prestação desses mesmos serviços ou fixe os termos e condições gerais dessa prestação.

82      Ora, há que observar que, contrariamente ao que sustenta a Fenix, o Conselho teve em conta, ao adotar o terceiro parágrafo do artigo 9.o‑A, n.o 1, deste regulamento de execução, a realidade económica e comercial das operações, no contexto específico da prestação de serviços eletrónicos prestados através de uma rede de telecomunicações, de uma interface ou de um portal, por exemplo um mercado de aplicações, como exige, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 73 do presente acórdão, o artigo 28.o da Diretiva IVA.

83      Com efeito, quando um sujeito passivo, que participa na prestação de um serviço eletrónico, ao explorar, por exemplo, uma plataforma de rede social em linha, tem o poder de aprovar a prestação desse serviço, ou a cobrança do mesmo, ou ainda de fixar os termos e condições gerais dessa prestação, esse sujeito passivo dispõe da possibilidade de definir unilateralmente elementos essenciais relativos à prestação, a saber, a sua realização e o momento em que esta terá lugar, ou as condições segundo as quais a contraprestação será exigível, ou ainda as regras que formam o quadro geral dessa prestação. Nestas circunstâncias, e tendo em conta a realidade económica e comercial por elas refletida, o sujeito passivo deve ser considerado o prestador de serviços, ao abrigo do artigo 28.o da Diretiva IVA.

84      É, portanto, claramente conforme com o artigo 28.o da Diretiva IVA que, nas circunstâncias enumeradas no terceiro parágrafo do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, esse sujeito passivo não possa escapar à presunção estabelecida nesse artigo 28.o, designando contratualmente outro sujeito passivo como sendo o prestador dos serviços em causa. Com efeito, esta última disposição não pode tolerar estipulações contratuais que não reflitam a realidade económica e comercial.

85      O facto de as circunstâncias previstas no terceiro parágrafo do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 não serem mencionadas no artigo 28.o da Diretiva IVA não é suscetível de contrariar esta análise.

86      Com efeito, tendo em conta as considerações expostas nos n.os 50 e 82 a 84 do presente acórdão, basta salientar que, ao enumerar expressamente essas circunstâncias, o artigo 9.o‑A, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento de Execução n.o 282/2011 não altera o conteúdo normativo instituído pelo artigo 28.o da Diretiva IVA, limitando‑se, pelo contrário, a concretizar a sua aplicação no caso específico dos serviços referidos no artigo 9.o‑A, n.o 1, deste regulamento de execução.

87      Por motivos análogos, também não pode ser acolhido o argumento avançado pela Fenix segundo o qual seria contrário ao artigo 28.o da Diretiva IVA tratar o sujeito passivo referido neste artigo como sendo o prestador de serviços quando o cliente final conhece a existência do mandato entre o comitente e o comissário, bem como a identidade desse comitente.

88      A este respeito, é verdade que, para que o artigo 28.o da Diretiva IVA possa ser aplicável, deve haver um mandato em cuja execução o comissário intervém, por conta do comitente, na prestação de serviços (Acórdão de 12 de novembro de 2020, ITH Comercial Timişoara, C‑734/19, EU:C:2020:919, n.o 51). Todavia, mesmo admitindo que, apesar da complexidade das cadeias de transações que pode caracterizar a prestação de serviços eletrónicos, o cliente final esteja, em certos casos, em condições de conhecer a existência do mandato e a identidade do comitente, estas circunstâncias não são, por si só, suficientes para excluir que o sujeito passivo, que participa na prestação de serviços, aja em seu nome, mas por conta de outrem, na aceção do artigo 28.o da Diretiva IVA (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2011, Henfling e o., C‑464/10, EU:C:2011:489, n.o 43). Com efeito, são sobretudo os poderes de que este sujeito passivo dispõe no âmbito da prestação em que participa que são importantes.

89      Nestas condições, tal como os dois primeiros parágrafos do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, não se pode considerar que o terceiro parágrafo desta disposição complete ou altere o artigo 28.o da Diretiva IVA.

90      Por conseguinte, ao adotar o artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, a fim de assegurar uma aplicação uniforme na União do artigo 28.o da Diretiva IVA aos serviços referidos nesta primeira disposição, o Conselho não ultrapassou as competências de execução que lhe foram conferidas pelo artigo 397.o desta diretiva, em aplicação do artigo 291.o, n.o 2, TFUE.

91      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que a sua análise não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do artigo 9.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Execução n.o 282/2011, à luz dos artigos 28.o e 397.o da Diretiva IVA e do artigo 291.o, n.o 2, TFUE.

 Quanto às despesas

92      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

A análise da questão prejudicial não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do artigo 9.oA, n.o 1, do Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 1042/2013 do Conselho, de 7 de outubro de 2013, à luz dos artigos 28.o e 397.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva (UE) 2017/2455 do Conselho, de 5 de dezembro de 2017, e do artigo 291.o, n.o 2, TFUE.

 

Assinaturas      

 

*      Língua do processo: inglês.