ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

24 de outubro de 2013 (*)

«Cidadania da União — Artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE − Direito de livre circulação e de permanência — Nacional de um Estado‑Membro — Estudos prosseguidos noutro Estado‑Membro — Subsídio de formação — Requisitos — Duração da formação superior ou igual a dois anos — Obtenção de um diploma profissional»

No processo C‑275/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Verwaltungsgericht Hannover (Alemanha), por decisão de 22 de maio de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 4 de junho de 2012, no processo

Samantha Elrick

contra

Bezirksregierung Köln,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Ó Caoimh (relator), C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogada‑geral: E. Sharpston,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de março de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo dinamarquês, por V. P. Jørgensen e C. Thorning, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por V. Kreuschitz e D. Roussanov, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe S. Elrick, nacional alemã, à Bezirksregierung Köln (autoridade administrativa local de Colónia), a propósito da recusa desta última em lhe conceder um subsídio de formação para uma formação escolar no Reino Unido.

 Quadro jurídico

3        Sob a epígrafe «Princípio geral», o § 1 da Lei federal relativa aos incentivos individuais à formação [Bundesgesetz über individuelle Förderung der Ausbildung (Bundesausbildungsförderungsgesetz)], conforme alterada, em 23 de dezembro de 2007, pela Vigésima Segunda Lei de alteração da lei federal relativa aos incentivos individuais à formação (BGB1. I, p. 3254, a seguir «BAföG»), enuncia:

«Por força da presente lei, existe um direito ao subsídio individual de formação para estudos correspondentes aos interesses, às capacidades e aos resultados do formando, se este não dispuser, por outra via, dos recursos necessários ao seu sustento e à sua formação.»

4        Sob a epígrafe «Estabelecimentos de ensino», o § 2 da BAföG enuncia:

«1.      É concedido um subsídio de formação para a frequência de

1)      escolas gerais de ensino secundário [«weiterführende allgemeinbildende Schulen»] e escolas profissionais [«Berufsfachschulen»], incluindo cursos de todas as formas de formação profissional de base, a partir do 10.° ano, assim como cursos em institutos técnicos ou institutos superiores técnicos [«Fach‑und Fachoberschulklassen»] cuja frequência não exige a conclusão prévia de uma formação profissional, nos casos em que o formando preenche as condições do n.° 1a.

2)      Cursos em institutos técnico‑profissionais e cursos em institutos técnicos [«Berufsfachschulklassen und Fachschulklassen»] cuja frequência não exige a conclusão prévia de uma formação profissional, desde que proporcionem um diploma final de qualificação profissional após um ciclo de formação de pelo menos dois anos,

[…]

O tipo e o conteúdo da formação são determinantes para a sua classificação. O subsídio de formação é concedido nos casos de frequência de um estabelecimento de ensino público — com exceção dos estabelecimentos de ensino superior privados — ou de um estabelecimento de substituição privado [«Ersatzschule»].

[…]

1a. Só é concedido um subsídio de formação para a frequência dos estabelecimentos de ensino referidos no ponto 1 do n.° 1 se o formando não morar com os seus pais e

1)      não houver nenhum estabelecimento de ensino equivalente, a uma distância razoável de casa dos seus pais;

[...]

5.      Só é concedido um subsídio de formação se o período de formação durar pelo menos um semestre escolar ou universitário e se a formação exigir, em termos gerais, que o formando estude a tempo inteiro. [...]»

5        Em conformidade com o § 4 da BAföG, sem prejuízo dos §§ 5 e 6 desta lei, os subsídios de formação são concedidos para formações na Alemanha.

6        O § 5 da BAföG, intitulado «Formação no estrangeiro», tem a seguinte redação:

«1.      A residência permanente na aceção desta lei considera‑se fixada no local onde se encontra o centro da vida social do interessado, que não é apenas provisório, embora a vontade de instalação a título permanente seja irrelevante para este efeito; quem permanecer num local apenas para efeitos de formação, não fixou nesse local a sua residência permanente.

2.      É concedido um subsídio de formação aos formandos que têm o seu domicílio permanente em território alemão e que prosseguem estudos num estabelecimento de ensino situado no estrangeiro:

[...]

3)      quando o estudante […] inicie ou prossiga os estudos num estabelecimento de ensino num Estado‑Membro da União Europeia ou na Suíça.

[...]

4.      [...] o ponto 3 do n.° 2 só se aplica à frequência de estabelecimentos de ensino que seja equivalente à frequência de cursos em institutos técnico‑profissionais [«Berufsfachschulklassen»], nos termos do § 2, n.° 1, segundo parágrafo, de institutos superiores técnicos [«höhere Fachschulen»], academias [«Akademien»] ou universidades [«Hochschulen»] situados na Alemanha. A apreciação da equivalência é realizada oficiosamente no âmbito do processo de concessão [do subsídio de formação].»

 Antecedentes do litígio e questão prejudicial

7        Resulta da decisão de reenvio que S. Elrick, nacional alemã, nascida na Alemanha em 1 de junho de 1989, tendo residência permanente, na aceção do § 5, n.° 1, da BAföG, com os seus pais neste Estado‑Membro, reside predominantemente no Reino Unido desde 1998.

8        Depois de ter concluído o ensino secundário num estabelecimento de ensino em Devon (Reino Unido), inscreveu‑se, a partir de 8 de setembro de 2008, como estudante a tempo inteiro no South Devon College, na formação destinada à obtenção do «First Diploma in Travel, Level 2». Trata‑se de um curso com a duração de um ano, cuja frequência não requeria a conclusão prévia de outra formação profissional. Durante os seus estudos de ensino secundário e enquanto esteve inscrita no South Devon College, S. Elrick tinha residência permanente com os seus pais na Alemanha.

9        Por requerimento de 5 de julho de 2008, S. Elrick pediu um subsídio de formação para frequentar o South Devon College a partir de setembro de 2008.

10      Por decisão de 13 de agosto de 2008, o Bezirksregierung Köln indeferiu este pedido, com fundamento em que a formação escolhida por S. Elrick, que não atribuía um diploma profissional de acordo com os critérios enunciados no § 2, n.° 1, primeiro período, ponto 2, da BAföG, era comparável a uma formação de um ano destinada à orientação profissional numa escola profissional alemã («Berufsfachschule») e que uma formação dessa natureza não dava direito a um subsídio de formação no estrangeiro.

11      Em 11 de setembro de 2008, S. Elrick interpôs recurso desta decisão, alegando que a sua exclusão dos subsídios de formação previstos pela BAföG violava os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE. Se tivesse frequentado uma formação análoga na Alemanha, ter‑lhe‑ia sido concedido um subsídio, ainda que essa formação apenas tivesse a duração de um ano. Por conseguinte, a legislação nacional dá‑lhe a escolher entre renunciar ao exercício do seu direito de circular livremente na União Europeia, ao optar pelo seu estabelecimento de formação, e renunciar a um subsídio de formação concedido ao abrigo do direito do seu Estado de origem. O seu direito à livre circulação está, portanto, indevidamente limitado por razões não objetivamente justificadas.

12      O Verwaltungsgericht Hannover tem dúvidas quanto à compatibilidade da legislação nacional com os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE. Expõe, a título preliminar, que, em conformidade com o § 5, n.° 2, ponto 3, da BAföG, no que respeita às formações inteiramente prosseguidas no estrangeiro, o subsídio de formação só pode ser concedido, em caso de frequência, na Alemanha, de um estabelecimento de ensino equivalente a um curso num instituto técnico‑profissional [«Berufsfachschulklasse»], se estiverem preenchidos os requisitos do § 2, n.° 1, ponto 2, da BAföG. Segundo esta última disposição, a formação em causa deve atribuir um diploma profissional no termo de um ciclo de formação de pelo menos dois anos. Ora, no que respeita à formação prosseguida por S. Elrick no Reino Unido, este requisito não está preenchido.

13      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, caso S. Elrick tivesse concluído na Alemanha um curso comparável à formação que prosseguiu no Reino Unido, teria, em princípio, beneficiado do direito a um subsídio de formação ao abrigo do § 1, do § 2, n.° 1, ponto 1, e do § 4, lidos em conjugação com o § 2, n.° 1a, ponto 1, da BAföG.

14      Com efeito, segundo este órgão jurisdicional, a frequência, na Alemanha, do estabelecimento mais próximo do domicílio dos pais da recorrente, onde esse curso fosse lecionado, obrigaria a um trajeto de ida e volta de mais de uma hora cada, o que, nos termos da circular relativa à BAföG (Verwaltungsvorschriften zum BAföG), não é razoável. Assim, caso S. Elrick tivesse transferido o seu domicílio para um local, na Alemanha, onde houvesse um estabelecimento de ensino comparável, teria, em princípio, tido direito ao subsídio de formação para esse curso.

15      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade da legislação nacional em causa no processo principal com o direito da União. Assim, na medida em que a formação prosseguida no Reino Unido não dá direito ao subsídio de formação ao abrigo da BAföG, contrariamente a uma formação comparável prosseguida na Alemanha, S. Elrick vê‑se obrigada a renunciar ao exercício do seu direito à livre circulação ou ao benefício do seu direito ao subsídio de formação.

16      Nestas condições, o Verwaltungsgericht Hannover decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 20.° [TFUE] e 21.° TFUE são contrários a um regime nacional segundo o qual é recusado a uma cidadã alemã com residência permanente na Alemanha e que frequenta um estabelecimento de ensino num Estado‑Membro da União Europeia o subsídio de formação nos termos da [BAföG], para frequentar o referido estabelecimento de ensino estrangeiro, por a formação frequentada no estrangeiro ter uma duração de apenas um ano, ao passo que, nos termos da BAföG, poderia ter recebido subsídio de formação para uma formação comparável na Alemanha que também tivesse a duração de um ano?»

 Quanto à questão prejudicial

17      Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro como a que está em causa no processo principal, que subordina a concessão de um subsídio de formação a uma nacional com domicílio neste Estado‑Membro, para estudar noutro Estado‑Membro, ao requisito de essa formação atribuir um diploma profissional equivalente aos concedidos por um instituto técnico‑profissional situado no Estado prestador, no fim de um curso de pelo menos dois anos, ao passo que, tendo em conta a situação particular da interessada, lhe teria sido concedido um subsídio se tivesse optado por prosseguir neste último Estado uma formação equivalente à que pretendia seguir noutro Estado‑Membro, com uma duração inferior a dois anos.

18      Em primeiro lugar, importa recordar que, enquanto cidadã alemã, S. Elrick goza do estatuto de cidadã da União nos termos do artigo 20.°, n.° 1, TFUE, pelo que pode invocar, mesmo relativamente ao seu próprio Estado‑Membro de origem, direitos decorrentes deste estatuto (v. acórdãos de 26 de outubro de 2006, Tas‑Hagen e Tas, C‑192/05, Colet., p. I‑10451, n.° 19; de 23 de outubro de 2007, Morgan e Bucher, C‑11/06 e C‑12/06, Colet., p. I‑9161, n.° 22; e de 18 de julho de 2013, Prinz e Seeberger, C‑523/11 e C‑585/11, n.° 23 e jurisprudência referida).

19      Como o Tribunal de Justiça já afirmou reiteradamente, o estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros, permitindo que quem, de entre estes últimos, se encontrar na mesma situação receba, no domínio de aplicação ratione materiae do Tratado FUE, independentemente da sua nacionalidade e sem prejuízo das exceções expressamente previstas a este respeito, o mesmo tratamento jurídico (acórdãos de 11 de julho de 2002, D’Hoop, C‑224/98, Colet., p. I‑6191, n.° 28; de 21 de fevereiro de 2013, N., C‑46/12, n.° 27; e acórdão Prinz e Seeberger, já referido, n.° 24).

20      Entre as situações abrangidas pelo domínio de aplicação do direito da União figuram as relativas ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, nomeadamente as que se enquadram no exercício da liberdade de circular e de permanecer no território dos Estados‑Membros, como conferido pelo artigo 21.° TFUE (acórdãos, já referidos, Morgan e Bucher, n.° 23, e Prinz e Seeberger, n.° 25 e jurisprudência referida).

21      A este propósito, embora os Estados‑Membros sejam competentes, por força do artigo 165.°, n.° 1, TFUE, no que respeita ao conteúdo do ensino e à organização dos seus sistemas educativos respetivos, esta competência deve ser exercida no respeito do direito da União, em especial das disposições do Tratado relativas à liberdade de circular e de permanecer no território dos Estados‑Membros, tal como conferida pelo artigo 21.°, n.° 1, TFUE (v. acórdãos, já referidos, Morgan e Bucher, n.° 24, e Prinz e Seeberger, n.° 26 e jurisprudência referida).

22      Em seguida, há que salientar que uma legislação nacional que põe determinados nacionais numa situação de desvantagem pelo simples facto de terem exercido a sua liberdade de circular e de permanecer noutro Estado‑Membro constitui uma restrição às liberdades reconhecidas pelo artigo 21.°, n.° 1, TFUE a qualquer cidadão da União (acórdão de 18 de julho de 2006, De Cuyper, C‑406/04, Colet., p. I‑6947, n.° 39, e acórdãos, já referidos, Morgan e Bucher, n.° 25, e Prinz e Seeberger, n.° 27). A este respeito, um nacional de um Estado‑Membro que se desloca para outro Estado‑Membro, onde prossegue os seus estudos secundários, faz uso da liberdade de circular garantida pelo artigo 20.° TFUE (v., neste sentido, acórdãos D’Hoop, já referido, n.os 29 a 34, e de 15 de março de 2005, Bidar, C‑209/03, Colet., p. I‑2119, n.° 35).

23      Com efeito, as facilidades concedidas pelo Tratado em matéria de livre circulação dos cidadãos da União não poderiam produzir a plenitude dos seus efeitos se um nacional de um Estado‑Membro pudesse ser dissuadido de as exercer em virtude de obstáculos colocados à sua permanência noutro Estado‑Membro por uma regulamentação do seu Estado de origem que o penalizasse pelo simples facto de as ter exercido (v. acórdãos, já referidos, D’Hoop, n.° 31, Morgan e Bucher, n.° 26, e Prinz e Seeberger, n.° 28).

24      Esta consideração é particularmente importante no domínio da educação, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelos artigos 6.°, alínea e), TFUE e 165.°, n.° 2, segundo travessão, TFUE, a saber, nomeadamente, incentivar a mobilidade dos estudantes e dos professores (v. acórdãos D’Hoop, já referido, n.° 32; de 7 de julho de 2005, Comissão/Áustria, C‑147/03, Colet., p. I‑5969, n.° 44; Morgan e Bucher, já referido, n.° 27; e Prinz e Seeberger, já referido, n.° 29).

25      Por outro lado, importa recordar que o direito da União não obriga os Estados‑Membros a preverem um sistema de subsídio de formação para estudos noutro Estado‑Membro. Todavia, quando um Estado‑Membro preveja um sistema de subsídios de formação que permite aos estudantes beneficiarem dos subsídios, deve assegurar‑se de que as modalidades da sua concessão não criem entraves injustificados ao direito de circular e de permanecer no território dos Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Morgan e Bucher, n.° 28, e Prinz e Seeberger, n.° 30).

26      No caso em apreço, é pacífico que a recorrente teria beneficiado do direito ao subsídio de formação se tivesse completado na Alemanha uma formação comparável à que seguiu no Reino Unido, dado que não havia um estabelecimento que oferecesse uma formação equivalente, situado a uma distância razoável do domicílio dos seus pais na Alemanha.

27      O Governo alemão alega que a legislação em causa no processo principal não restringe a liberdade de circular e de permanecer, visto que o legislador alemão escolheu legitimamente não instituir um direito ao subsídio de formação para o tipo de curso frequentado por S. Elrick e não existe nenhuma medida de direito da União que o obrigue a fazê‑lo. Segundo este governo, a BAföG tem como objetivo efetuar uma seleção qualitativa dos tipos de formações subsidiadas pela República Federal da Alemanha. Esta legislação não constitui uma restrição às liberdades fundamentais de circular e de permanecer.

28      No entanto, uma legislação como a que está em causa no processo principal, que vincula a concessão do subsídio de formação no estrangeiro a um requisito de equivalência a uma formação lecionada num instituto técnico‑profissional («Berufsfachschulklasse») que atribua um diploma profissional no fim de um curso de pelo menos dois anos, constitui uma restrição na aceção do artigo 21.° TFUE, uma vez que a um requerente que se encontrasse na mesma situação pessoal de S. Elrick seria concedido um subsídio para seguir, na Alemanha, uma formação equivalente ao curso que ela frequentou noutro Estado‑Membro.

29      Um requisito desta natureza é suscetível de dissuadir os cidadãos da União, como S. Elrick, de exercerem a sua liberdade de circular e de permanecer noutro Estado‑Membro, tendo em conta a incidência que o exercício dessa liberdade pode ter no seu direito a um subsídio de formação (v. acórdão Prinz e Seeberger, já referido, n.° 32). Além disso, não se pode considerar que os efeitos restritivos que resultam deste requisito sejam demasiado aleatórios ou demasiado insignificantes para constituírem uma restrição à liberdade de circular e de permanecer (v., neste sentido, acórdão Morgan e Bucher, já referido, n.° 32).

30      Segundo jurisprudência constante, uma legislação suscetível de restringir uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado só se pode justificar, à luz do direito da União, se se basear em considerações objetivas de interesse geral, independentes da nacionalidade das pessoas em causa, e se for proporcionada ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional (v. acórdãos, já referidos, De Cuyper, n.° 40; Tas‑Hagen e Tas, n.° 33; e Morgan e Bucher, n.° 33). Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma medida é proporcionada quando, sendo adequada à realização do objetivo prosseguido, não vai além do necessário para o alcançar (acórdãos, já referidos, De Cuyper, n.° 42; Morgan e Bucher, n.° 33; e Prinz e Seeberger, n.° 33).

31      O Governo alemão alega que a legislação nacional em causa no processo principal é justificada pela escolha do legislador alemão de conceder um subsídio de formação no estrangeiro em função da utilidade normalmente previsível da formação bem como da relação entre a permanência no estrangeiro e a duração total da referida formação. Segundo este governo, o objetivo geral da legislação em causa no processo principal é, portanto, conceder um subsídio de formação no estrangeiro apenas às formações que proporcionam ao estudante as melhores oportunidades no mercado de trabalho. A este respeito, uma formação que confere poucas qualificações, como a que está em causa no processo principal, serve para uma orientação profissional geral, mas só aumenta ligeiramente as hipóteses desse estudante no mercado de trabalho. Por estas razões, essa formação não merece a concessão do subsídio de formação no estrangeiro.

32      Contudo, dos argumentos apresentados pelo Governo alemão não decorre claramente como é que o objetivo de subsidiar apenas as formações no estrangeiro que têm por efeito aumentar as hipóteses dos estudantes no mercado de trabalho é garantido pela legislação em causa no processo principal e, em particular, pelo requisito previsto no § 2, n.° 2, da BAföG, que exige uma duração mínima de dois anos para a formação prevista, sem tomar em consideração a natureza e o conteúdo da mesma, ao passo que uma formação que não preenche este requisito, mas que é efetuada na Alemanha, é subsidiada em determinadas circunstâncias, como, nomeadamente, as que caracterizam a situação da recorrente. A exigência de duração de dois anos afigura‑se, pois, desprovida de qualquer relação com o nível da formação escolhida.

33      Assim sendo, a imposição de um requisito de duração como o que está em causa no processo principal não se afigura coerente e não pode ser considerada proporcionada a este objetivo (v., por analogia, acórdão Morgan e Bucher, já referido, n.° 36).

34      Tendo em conta o acima exposto, importa responder à questão colocada que os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro como a que está em causa no processo principal, que subordina a concessão de um subsídio de formação a uma nacional com domicílio neste Estado‑Membro, para estudar noutro Estado‑Membro, ao requisito de essa formação atribuir um diploma profissional equivalente aos concedidos por um instituto técnico‑profissional situado no Estado prestador, no fim de um curso de pelo menos dois anos, ao passo que, tendo em conta a situação particular da interessada, lhe teria sido concedido um subsídio se tivesse optado por efetuar nesse último Estado uma formação equivalente à que pretendia seguir noutro Estado‑Membro, com uma duração inferior a dois anos.

 Quanto às despesas

35      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

Os artigos 20.° TFUE e 21.° TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro como a que está em causa no processo principal, que subordina a concessão de um subsídio de formação a uma nacional com domicílio neste Estado‑Membro, para estudar noutro Estado‑Membro, ao requisito de essa formação atribuir um diploma profissional equivalente aos concedidos por um instituto técnico‑profissional situado no Estado prestador, no fim de um curso de pelo menos dois anos, ao passo que, tendo em conta a situação particular da interessada, lhe teria sido concedido um subsídio se tivesse optado por efetuar nesse último Estado uma formação equivalente à que pretendia seguir noutro Estado‑Membro, com uma duração inferior a dois anos.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.