ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

18 de outubro de 2012 (*)

«Livre prestação de serviços ― Restrições ― Legislação fiscal ― Retenção na fonte do imposto sobre as remunerações que deve ser aplicada pelo beneficiário de uma prestação de serviços, estabelecido no território nacional, à remuneração devida a um prestador de serviços estabelecido noutro Estado‑Membro ― Inexistência dessa obrigação relativamente a um prestador de serviços estabelecido no mesmo Estado‑Membro»

No processo C‑498/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 24 de setembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 14 de outubro de 2010, no processo

X NV

contra

Staatssecretaris van Financiën,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, A. Borg Barthet, E. Levits (relator), J.‑J. Kasel e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 17 de novembro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de X NV, por F. A. Engelen e S. C. W. Douma, belastingadviseurs,

¾        em representação do Governo neerlandês, por B. Koopman e C. Wissels, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo belga, por J.‑C. Halleux e M. Jacobs, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e N. Rouam, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo sueco, por A. Falk e S. Johannesson, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por L. Seeboruth, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e W. Roels, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 21 de dezembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 56.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe X NV (a seguir «X»), um clube de futebol semiprofissional («betaaldvoetbalorganisatie»), com sede nos Países Baixos, ao Staatssecretaris van Financiën, a respeito da retenção na fonte do imposto sobre a remuneração paga a um prestador de serviços que se encontra estabelecido noutro Estado‑Membro.

 Quadro jurídico

 Direito neerlandês

3        Em conformidade com o artigo 1.° da Lei de 1964, relativa ao imposto sobre as remunerações (Wet op de loonbelasting 1964, a seguir «Wet LB 1964»):

«É cobrado um imposto direto, denominado ‘imposto sobre as remunerações’, aos trabalhadores ou aos seus empregadores responsáveis pela retenção na fonte, aos artistas, aos desportistas profissionais, às sociedades estrangeiras e a outras pessoas singulares designadas pela presente lei ou nas suas disposições.»

4        Até 1 de janeiro de 2007, o artigo 5.°b, n.os 1 e 3, da Wet LB 1964 previa o seguinte:

«1.       Para efeitos da aplicação da presente lei e das disposições nela fundadas, entende‑se por sociedade estrangeira: um grupo de pessoas singulares ou coletivas, não residentes ou não estabelecidas nos Países Baixos a título principal, respetivamente, cujos membros, a título individual ou coletivo, exercem a profissão de artistas ou praticam a título profissional uma modalidade desportiva nos Países Baixos, com base num contrato de curta duração, ou de forma temporária a outro título.

[…]

3.       Caso um membro de uma sociedade estrangeira pratique ou exerça uma modalidade desportiva a título profissional no âmbito de uma relação de trabalho com uma pessoa responsável pela retenção na fonte, não estabelecida nos Países Baixos, o imposto sobre as remunerações é cobrado em conformidade com as disposições aplicáveis à sociedade estrangeira.»

5        Desde 1 de janeiro de 2007, este artigo tem a seguinte redação:

«Para efeitos da aplicação da presente lei e das disposições nela fundadas, entende‑se por sociedade estrangeira: um grupo de pessoas singulares ou de órgãos, não residentes ou não estabelecidos nos Países Baixos a título principal, respetivamente, cujos membros, a título individual ou coletivo, exercem a profissão de artistas ou praticam a título profissional uma modalidade desportiva nos Países Baixos, com base num contrato de curta duração, exceto se:

[…]

2.      se admitir que, em conformidade com as normas estabelecidas por decreto ministerial, a sociedade é principalmente constituída por membros residentes ou estabelecidos num país com o qual o Reino dos Países Baixos tenha concluído uma convenção destinada a evitar a dupla tributação, ou se residirem ou se encontrarem estabelecidos nos Países Baixos, nas Antilhas Neerlandesas ou em Aruba.»

6        O artigo 8.°a, n.° 1, da Wet LB 1964 prevê:

«É responsável pela retenção na fonte relativamente a remunerações de um artista, de um desportista profissional ou de uma sociedade estrangeira, se a prestação artística ou desportiva tiver por base um contrato de curta duração:

a.      quando os honorários sejam recebidos da pessoa com a qual a prestação artística ou desportiva foi acordada: a pessoa com a qual a prestação artística ou desportiva foi acordada;

b.      quando os honorários sejam recebidos de um terceiro: esse terceiro.»

7        O artigo 35.°g da Wet LB 1964 dispõe:

«1.      No que se refere a uma sociedade estrangeira, o imposto é cobrado em função dos honorários.

2.      Entende‑se por ‘honorários’ todos os montantes recebidos pela sociedade estrangeira em contrapartida da prestação artística ou desportiva realizada nos Países Baixos. Os honorários abrangem os reembolsos de despesas e o direito de receber, após um determinado período ou sob condição, um(a) ou vários pagamento(s) ou prestação(ões).

3.      Não estão incluídas nos honorários:

a.      as ajudas de custo e as prestações relativas aos consumos e às refeições […];

b.      as ajudas de custo relativas às despesas de viagem e de alojamento ― que não sejam despesas de viajem em automóvel privado ― necessárias à boa execução da prestação artística ou desportiva, desde que a sociedade transmita os documentos comprovativos à pessoa responsável pela retenção e que esta pessoa os conserve e os disponibilize em caso de inspeção;

c.      as prestações destinadas a evitar as despesas de viagem e de alojamento necessárias à boa execução da prestação artística ou desportiva;

[…]

4.      Os honorários não abrangem o que possa ser considerado, em virtude de uma decisão do inspetor, uma ajuda de custo que não faz parte dos honorários (decisão relativa ao reembolso das despesas). A decisão relativa ao reembolso das despesas é comunicada pelo inspetor, a pedido, e é suscetível de recurso. O pedido é apresentado pela sociedade ou pela pessoa responsável pela retenção, antes da prestação artística ou desportiva, ou pela pessoa responsável pela retenção, o mais tardar, um mês após a prestação. […]»

8        O artigo 35.° h, n.° 1, da Wet LB 1964 dispõe que o imposto devido ascende a 20% dos honorários.

 Convenção entre o Reino dos Países Baixos e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte

9        O artigo 17.° da Convenção destinada a evitar a dupla tributação e a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e a fortuna, concluída em 7 de novembro de 1980 entre o Reino dos Países Baixos e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (a seguir «convenção contra a dupla tributação»), prevê:

«1.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.° e 15.°, os benefícios ou os rendimentos que o residente de um dos Estados contratantes aufere com as suas atividades pessoais exercidas no outro Estado contratante, na qualidade de artista do espetáculo […] ou de desportista, são tributáveis nesse outro Estado.

2.      Quando os benefícios ou os rendimentos de atividades que um artista do espetáculo ou um desportista exerce pessoalmente e, nessa qualidade, são atribuídos não ao próprio artista ou desportista mas a outra pessoa, estes benefícios ou rendimentos são tributáveis, não obstante o disposto nos artigos 7.°, 14.° e 15.°, no Estado contratante onde as atividades do artista ou do desportista são exercidas.»

10      O artigo 22.°, n.° 1, desta convenção tem a seguinte redação:

«Tendo em conta as disposições da legislação do Reino Unido relativa à possibilidade de deduzir o imposto devido fora do Reino Unido do imposto devido no Reino Unido (disposições que não podem violar o seguinte princípio geral):

a.      o imposto neerlandês devido por força da legislação neerlandesa e em conformidade com as disposições da presente convenção, diretamente ou em virtude das retenções na fonte sobre os lucros, rendimentos ou mais‑valias obtidos nos Países Baixos (com exceção, no caso dos dividendos, do imposto sobre os lucros a título dos quais os dividendos foram pagos), pode ser deduzido do imposto apurado no Reino Unido sobre os mesmos lucros, rendimentos ou mais‑valias que aqueles sobre os quais foi calculado o imposto neerlandês;

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      Em julho de 2002 e março de 2004, X acordou realizar um jogo amigável com dois clubes de futebol semiprofissionais, com sede no Reino Unido. Estes jogos tiveram lugar nos Países Baixos, respetivamente, em agosto de 2002 e agosto de 2004.

12      X pagou a estes clubes, respetivamente, 133 000 euros e 50 000 euros pelos jogos em questão. Estes montantes não foram pagos aos jogadores pelos referidos clubes.

13      Uma vez que X não reteve nem pagou imposto sobre as remunerações relativamente a estes montantes, foram‑lhe dirigidos avisos de liquidação respeitantes a esse imposto, nos montantes de 26 050 euros e de 9 450 euros, respetivamente, correspondentes a 20% dos referidos montantes, após dedução de determinadas despesas.

14      Chamado a conhecer, em primeira instância, das decisões relativas a estes avisos de liquidação, o Rechtbank te ’s‑Gravenhage anulou as referidas decisões e os referidos avisos de liquidação.

15      Chamado a conhecer do recurso interposto pelo Staatssecretaris van Financiën, o Gerechtshof te ’s‑Gravenhage anulou, por acórdão de 1 de dezembro de 2008, as decisões do Rechtbank te ’s‑Gravenhage.

16      Por considerar que a regulamentação neerlandesa constitui uma restrição na aceção do artigo 56.° TFUE, não suscetível de justificação, X interpôs recurso de cassação do acórdão do Gerechtshof te ’s‑Gravenhage para o Hoge Raad der Nederlanden.

17      Nestas condições, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que existe um entrave à livre prestação de serviços quando o destinatário de um serviço prestado por um prestador de serviços estabelecido noutro Estado‑Membro é obrigado a reter impostos sobre a remuneração devida por esse serviço, por força da legislação do Estado‑Membro onde está estabelecido e onde o serviço é prestado, ao passo que este dever de retenção não existe no caso de se tratar de um prestador de serviços estabelecido no mesmo Estado‑Membro que o destinatário dos serviços?

2)      a)      Se a resposta à questão anterior implicar que uma legislação que prevê a tributação de um destinatário de serviços conduz a um entrave à livre circulação de serviços, esse entrave poderá ser justificado pela necessidade de garantir a tributação e a cobrança de um imposto às associações estrangeiras que permanecem nos Países Baixos por períodos de curta duração e são de difícil controlo, do que resulta problemático o exercício da competência fiscal atribuída a este país?

b)      É ainda relevante, neste caso, o facto de a legislação ter sido posteriormente alterada, relativamente a situações como a presente, no sentido da renúncia unilateral à tributação, pelo facto de a aplicação desta legislação se ter revelado difícil e ineficaz?

3)      A legislação ultrapassa o necessário, [tendo em conta as] possibilidades oferecidas, por exemplo, pela Diretiva 76/308/CEE [do Conselho, de 15 de março de 1976, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas (JO L 73, p. 18; EE 02 F3 p. 46), conforme alterada pela Diretiva 2001/44/CE do Conselho, de 15 de junho de 2001 (JO L 175, p. 17, a seguir «Diretiva 76/308»)], de assistência mútua em matéria de cobrança de impostos?

4)      Para a resposta às questões anteriores, é relevante a questão de saber se o imposto devido sobre a remuneração do serviço no Estado‑Membro onde o destinatário do serviço está estabelecido pode ser compensado com o imposto devido no outro Estado‑Membro sobre essa remuneração?»

 Quanto às questões prejudiciais

18      A título preliminar, importa recordar que, de acordo com jurisprudência assente, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência, com observância do direito da União (v., designadamente, acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C‑374/04, Colet., p. I‑11673, n.° 36; de 8 de novembro de 2007, Amurta, C‑379/05, Colet., p. I‑9569, n.° 16; e de 18 de junho de 2009, Aberdeen Property Fininvest Alpha, C‑303/07, Colet., p. I‑5145, n.° 24).

 Quanto à primeira questão

19      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que a obrigação imposta, por força da regulamentação de um Estado‑Membro, ao destinatário de serviços, de proceder à retenção na fonte do imposto sobre as remunerações pagas aos prestadores de serviços estabelecidos noutro Estado‑Membro, ao passo que essa obrigação não existe relativamente às remunerações pagas aos prestadores de serviços estabelecidos no Estado‑Membro em causa, constitui uma restrição à livre prestação de serviços na aceção desta disposição.

20      Deve salientar‑se, à partida, que o artigo 56.° TFUE se opõe à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha por efeito tornar a prestação de serviços entre Estados‑Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna a um Estado‑Membro (v., designadamente, acórdão de 11 de junho de 2009, X e Passenheim‑van Schoot, C‑155/08 e C‑157/08, Colet., p. I‑5093, n.° 32 e jurisprudência referida).

21      Com efeito, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 56.° TFUE exige a supressão de qualquer restrição à livre prestação de serviços, imposta pelo facto de o prestador se encontrar estabelecido num Estado‑Membro diferente daquele onde a prestação é efetuada (v. acórdãos de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C‑290/04, Colet., p. I‑9461, n.° 31, e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C‑345/04, Colet., p. I‑1425, n.° 20).

22      Constituem restrições à livre prestação de serviços as medidas nacionais que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício dessa liberdade (v., designadamente, acórdãos de 4 de dezembro de 2008, Jobra, C‑330/07, Colet., p. I‑9099, n.° 19, e de 22 de dezembro de 2010, Tankreederei I, C‑287/10, Colet., p. I‑14233, n.° 15).

23      Além disso, de acordo com jurisprudência assente, o artigo 56.° TFUE confere direitos não só ao próprio prestador de serviços mas também ao destinatário desses serviços (v. acórdão de 26 de outubro de 1999, Eurowings Luftverkehr, C‑294/97, Colet., p. I‑7447, n.° 34; acórdão FKP Scorpio Konzertproduktionen, já referido, n.° 32; e acórdão de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman‑Lavaleije, C‑233/09, Colet., p. I‑6645, n.° 24).

24      O Reino dos Países Baixos sujeita os destinatários de serviços no domínio desportivo, que recorrem a prestadores de serviços não residentes, à obrigação de procederem a uma retenção na fonte, à taxa mínima de 20%, do imposto sobre as remunerações pagas aos referidos prestadores não residentes. Em contrapartida, no caso de um prestador de serviços residente, o destinatário dos serviços em causa não é sujeito a essa obrigação.

25      A este respeito, os governos que apresentaram observações no Tribunal de Justiça referem o acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, Colet., p. I‑10767), e alegam que a diferença de tratamento entre as remunerações pagas aos prestadores residentes e as pagas aos prestadores não residentes é justificada pela aplicação de duas técnicas de tributação diferentes aos contribuintes fiscais que se encontram em situações diferentes. Com efeito, embora a remuneração paga a um prestador de serviços estabelecido nos Países Baixos não esteja sujeita a retenção na fonte, este prestador é diretamente tributado ao abrigo do imposto sobre as sociedades ou, sendo caso disso, ao abrigo do imposto sobre o rendimento neerlandês. A necessidade de aplicar técnicas diferentes de cobrança do imposto é justificada pela posição do Reino dos Países Baixos, que é diferente quando se trata de prestadores de serviços residentes, diretamente sujeitos ao controlo das autoridades fiscais neerlandesas, e quando se trata de prestadores de serviços não residentes, em relação aos quais este Estado‑Membro age na qualidade de Estado da fonte dos rendimentos e, em virtude deste facto, não pode limitar‑se a determinar e a proceder à cobrança dos créditos fiscais do contribuinte, mas depende da cooperação com as autoridades fiscais do Estado de residência deste.

26      É verdade que o Tribunal de Justiça já admitiu a aplicação de técnicas de tributação diferentes aos beneficiários de rendimentos de capitais, consoante estes sejam residentes ou não residentes, na medida em que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (acórdão Truck Center, já referido, n.° 41). Uma vez que a referida diferença de tratamento não confere necessariamente uma vantagem aos beneficiários residentes, o Tribunal de Justiça declarou que esta não constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento (acórdão Truck Center, já referido, n.os 49 e 50).

27      Todavia, como salientou a advogada‑geral no n.° 32 das suas conclusões, o prestador e o destinatário dos serviços são dois sujeitos de direito distintos, dotados de interesse próprio, e ambos podem reclamar o benefício da livre prestação de serviços, quando os seus direitos são lesados.

28      Ora, impõe‑se concluir que, independentemente dos efeitos que a retenção na fonte possa ter na situação fiscal dos prestadores de serviços não residentes, a obrigação de proceder a essa retenção, na medida em que implica um ónus administrativo adicional e riscos em matéria de responsabilidade, é suscetível de tornar os serviços transfronteiriços menos atrativos para os destinatários de serviços residentes do que os serviços prestados por prestadores de serviços residentes e de dissuadir os referidos destinatários de recorrerem a prestadores de serviços não residentes.

29      Esta conclusão não é contrariada pelos argumentos do Governo neerlandês, segundo os quais o impacto do ónus administrativo adicional imposto ao destinatário de serviços, por um lado, é negligenciável, na medida em que este já é obrigado a efetuar outras retenções na fonte e a transferir os montantes retidos para a Administração Fiscal, e, por outro, é compensado por uma simplificação do ónus administrativo do prestador de serviços não residente, que não tem de apresentar uma declaração de impostos nos Países Baixos, para além das suas obrigações administrativas para com a Administração Fiscal do Estado‑Membro onde se encontra estabelecido.

30      A este respeito, basta recordar que mesmo uma restrição de pequeno impacto ou de menor importância a uma liberdade fundamental é proibida pelo Tratado FUE (v., neste sentido, acórdãos de 15 de fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑34/98, Colet., p. I‑995, n.° 49; de 11 de março de 2004, de Lasteyrie du Saillant, C‑9/02, Colet., p. I‑2409, n.° 43; de 14 de dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C‑170/05, Colet., p. I‑11949, n.° 50; e acórdão Dijkman e Dijkman‑Lavaleije, já referido, n.° 42).

31      Além disso, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um tratamento fiscal desfavorável, contrário a uma liberdade fundamental, não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de existirem outros benefícios, mesmo supondo que esses benefícios existam (v., neste sentido, acórdão de 6 de junho de 2000, Verkooijen, C‑35/98, Colet., p. I‑4071, n.° 61, e acórdãos, já referidos, Amurta, n.° 75, e Dijkman e Dijkman‑Lavaleije, n.° 41).

32      Por conseguinte, há que considerar que a obrigação, imposta ao destinatário de serviços, de proceder à retenção na fonte do imposto sobre as remunerações pagas aos prestadores de serviços não residentes, ao passo que essa retenção na fonte não é aplicada às remunerações pagas aos prestadores de serviços residentes, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, na medida em que implica um ónus administrativo adicional e riscos em matéria de responsabilidade.

33      Como salientou a advogada‑geral no n.° 39 das suas conclusões, esta conclusão não é suscetível de afetar a resposta à questão, que aliás não faz parte do presente pedido de decisão prejudicial, de saber se uma retenção na fonte como a que está em causa no processo principal constitui também uma restrição à livre prestação de serviços na hipótese em que implica que a prestação de serviços efetuada por um prestador não residente esteja sujeita a um encargo fiscal mais elevado do que o suportado por uma prestação de serviços fornecida por um prestador residente. Na medida em que essa retenção pode ter repercussões no custo da prestação de serviços em questão, é, com efeito, suscetível de dissuadir tanto o prestador não residente, de efetuar esta prestação, como o destinatário desta, de recorrer a esse prestador.

34      Tendo em conta o exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que a obrigação imposta, por força da regulamentação de um Estado‑Membro, ao destinatário de serviços, de proceder à retenção na fonte do imposto sobre as remunerações pagas aos prestadores de serviços estabelecidos noutro Estado‑Membro, ao passo que essa obrigação não existe relativamente às remunerações pagas aos prestadores de serviços estabelecidos no Estado‑Membro em causa, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, na aceção daquela disposição, na medida em que implica um ónus administrativo adicional e riscos em matéria de responsabilidade.

 Quanto à segunda e terceira questões

35      Com a segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a restrição à livre prestação de serviços decorrente da regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, pode ser justificada pela necessidade de assegurar a cobrança eficaz do imposto e não excede o que é necessário para atingir este objetivo, mesmo tendo em conta as possibilidades de assistência mútua em matéria de cobrança dos impostos, previstas na Diretiva 76/308. Além disso, aquele órgão jurisdicional pergunta se importa levar em conta a circunstância de que a referida regulamentação nacional foi alterada, na medida em que o Reino dos Países Baixos renunciou à retenção na fonte em causa no processo principal.

36      Como decorre de jurisprudência assente, uma restrição à livre prestação de serviços só pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Mas, mesmo nesse caso, é necessário que a aplicação dessa restrição seja adequada a garantir a realização do objetivo prosseguido e não exceda o necessário para o atingir (acórdão Tankreederei I, já referido, n.° 19 e jurisprudência referida).

37      Resulta de jurisprudência bem assente que a necessidade e a proporcionalidade das disposições adotadas por um Estado‑Membro não são excluídas pelo simples facto de o referido Estado ter escolhido um sistema de proteção diferente do adotado por outro Estado‑Membro (v. acórdão de 14 de outubro de 2004, Omega, C‑36/02, Colet., p. I‑9609, n.° 38), devendo essas disposições ser apenas apreciadas à luz dos objetivos prosseguidos pelas autoridades nacionais do Estado‑Membro interessado e do nível de proteção que as mesmas pretendem garantir (v., neste sentido, acórdãos de 21 de setembro de 1999, Läärä e o., C‑124/97, Colet., p. I‑6067, n.° 36; de 21 de outubro de 1999, Zenatti, C‑67/98, Colet., p. I‑7289, n.° 34; e de 11 de setembro de 2003, Anomar e o., C‑6/01, Colet., p. I‑8621, n.° 80).

38      Decorre daqui, por analogia, que a posterior renúncia de um Estado‑Membro à aplicação de uma medida também não pode pôr em causa o seu caráter adequado para atingir o objetivo pretendido nem a sua proporcionalidade, os quais devem ser apenas apreciados à luz do objetivo prosseguido.

39      O Tribunal de Justiça já declarou que a necessidade de assegurar a eficácia da cobrança do imposto constitui uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição à livre prestação de serviços. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, o procedimento de retenção na fonte e o regime de responsabilidade que lhe serve de garantia constituem um meio legítimo e adequado para assegurar o tratamento fiscal dos rendimentos de uma pessoa estabelecida fora do Estado de tributação e para evitar que os rendimentos em causa escapem ao imposto tanto no Estado de residência como no Estado onde os serviços são prestados (acórdão FKP Scorpio Konzertproduktionen, já referido, n.° 36).

40      Os governos que apresentaram observações no Tribunal de Justiça alegam que essa justificação deve ser admitida no que diz respeito à legislação em causa no processo principal.

41      O Governo neerlandês explica, em particular, que a retenção na fonte em causa no processo principal foi estabelecida após a Administração Fiscal ter constatado que o sistema baseado nos avisos de liquidação enviados individualmente a cada prestador de serviços não residente era ineficaz, devido às dificuldades e ao ónus administrativo que esse sistema criava aos referidos prestadores não residentes e à Administração. Segundo o Governo neerlandês, a retenção na fonte aplicável às remunerações pagas aos clubes desportivos, das quais são deduzidas as despesas relevantes, permite tributar os rendimentos dos jogadores de forma mais simples e eficaz, tanto do ponto de vista destes últimos como do ponto de vista da Administração.

42      A este respeito, há que concluir que, quando estão em causa prestadores de serviços que prestam serviços ocasionais num Estado‑Membro diferente daquele onde se encontram estabelecidos, e aí permanecem pouco tempo, a retenção na fonte constitui um meio adequado para assegurar uma cobrança eficaz do imposto devido.

43      Importa ainda verificar se esta medida não excede o necessário para assegurar uma cobrança eficaz do imposto devido, tendo em conta, nomeadamente, as possibilidades previstas na Diretiva 76/308 no domínio da assistência mútua em matéria de cobrança de impostos.

44      A Diretiva 76/308 estabelece regras comuns no que se refere à assistência mútua com o objetivo de garantir a cobrança de créditos relativos a certos direitos, quotizações e impostos (v., neste sentido, acórdão de 14 de janeiro de 2010, Kyrian, C‑233/08, Colet., p. I‑177, n.° 34). Em conformidade com as disposições desta diretiva, um Estado‑Membro pode solicitar a assistência de outro Estado‑Membro, no que respeita à cobrança do imposto sobre o rendimento devido por um contribuinte residente nesse último Estado‑Membro (v. acórdão de 9 de novembro de 2006, Turpeinen, C‑520/04, Colet., p. I‑10685, n.° 37).

45      Decorre dos seus três primeiros considerandos que a Diretiva 76/308 tem por objetivo eliminar os obstáculos ao estabelecimento e ao funcionamento do mercado comum, resultantes da limitação territorial do âmbito de aplicação das disposições nacionais em matéria de cobrança.

46      A Diretiva 76/308 prevê, assim, medidas de assistência sob a forma de comunicação de informações úteis à cobrança, de notificação dos atos ao destinatário e sob a forma de cobrança dos créditos que sejam objeto de um título executivo.

47      A extensão do âmbito de aplicação da Diretiva 76/308, nomeadamente, aos créditos relativos aos impostos sobre o rendimento pela Diretiva 2001/44 visa, como resulta dos considerandos 1 a 3 desta última diretiva, assegurar a «neutralidade fiscal do mercado interno» e proteger os interesses financeiros, nomeadamente, dos Estados‑Membros, tendo em conta o aumento da fraude fiscal (v. acórdão de 29 de abril de 2004, Comissão/Conselho, C‑338/01, Colet., p. I‑4829, n.° 68). Embora a Diretiva 2001/44 proceda a uma determinada aproximação das disposições nacionais em matéria fiscal na medida em que obriga todos os Estados‑Membros a tratar os créditos provenientes dos outros Estados‑Membros como créditos nacionais (acórdão Comissão/Conselho, já referido, n.° 75), a sua vocação não é, como salientou a advogada‑geral no n.° 53 das suas conclusões, substituir a retenção na fonte como técnica de cobrança do imposto.

48      No caso concreto, importa referir que a renúncia à retenção na fonte e o recurso às modalidades de assistência mútua permitem, na verdade, eliminar a restrição à livre prestação de serviços provocada ao destinatário dos serviços pela regulamentação nacional em causa no processo principal.

49      Todavia, essa renúncia não elimina necessariamente todas as formalidades que impendem sobre o destinatário dos serviços. Com efeito, como salientaram determinados governos que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, a retenção na fonte permite à Administração Fiscal tomar conhecimento do facto gerador do imposto de que é devedor o prestador de serviços não residente. Não havendo essa retenção, a Administração Fiscal do Estado‑Membro em causa vê‑se provavelmente obrigada a impor ao destinatário de serviços estabelecido no território deste último Estado a obrigação de declarar a prestação efetuada pelo prestador de serviços não residente.

50      Além disso, a renúncia à retenção na fonte impõe a necessidade de proceder à cobrança do imposto junto do prestador de serviços não residente, o que pode acarretar, como salientou a advogada‑geral no n.° 58 das suas conclusões, um ónus considerável para este prestador, na medida em que ele tem de apresentar uma declaração fiscal numa língua diferente da sua e familiarizar‑se com um sistema fiscal de um Estado‑Membro diferente do do Estado onde se encontra estabelecido. O prestador de serviços não residente pode, assim, ser dissuadido de prestar o serviço no Estado‑Membro em causa e, afinal, poderá tornar‑se ainda mais difícil para o destinatário do serviço obter um serviço proveniente de um Estado‑Membro diferente daquele onde se encontra estabelecido.

51      Além disso, essa cobrança direta junto do prestador de serviços não residente acarreta igualmente um ónus administrativo considerável para as autoridades fiscais do destinatário dos serviços em relação à maioria dos serviços pontualmente prestados.

52      À luz das considerações precedentes, há que concluir, como salientou a advogada‑geral no n.° 59 das suas conclusões, que a cobrança direta do imposto junto do prestador de serviços não residente não constitui necessariamente uma medida menos restritiva do que a retenção na fonte.

53      Tendo em conta o exposto, importa responder à segunda e terceira questões que, sempre que a restrição à livre prestação de serviços decorrente da regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, resulte da obrigação de proceder à retenção na fonte, na medida em que esta acarreta um ónus administrativo adicional e riscos em matéria de responsabilidade, essa restrição pode ser justificada pela necessidade de assegurar a cobrança eficaz do imposto e não excede o necessário para atingir este objetivo, mesmo tendo em conta as possibilidades de assistência mútua em matéria de cobrança dos impostos, previstas na Diretiva 76/308. A posterior renúncia à retenção na fonte em causa no processo principal não pode prejudicar nem o seu caráter adequado para atingir o objetivo pretendido nem a sua proporcionalidade, os quais devem ser apenas apreciados à luz do objetivo prosseguido.

 Quanto à quarta questão

54      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, para apreciar se a obrigação de o destinatário de serviços proceder à retenção na fonte, na medida em que implica um ónus administrativo adicional e riscos em matéria de responsabilidade, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, proibida pelo artigo 56.° TFUE, importa saber se o prestador de serviços não residente pode deduzir o imposto retido nos Países Baixos do imposto que deve pagar no Estado‑Membro onde se encontra estabelecido.

55      Ora, como foi salientado no n.° 28 do presente acórdão, a obrigação de proceder a essa retenção é suscetível de tornar os serviços transfronteiriços menos atrativos para os destinatários de serviços residentes do que os serviços prestados por prestadores de serviços residentes e dissuadir os referidos destinatários de recorrerem a prestadores de serviços não residentes, independentemente dos efeitos que a retenção na fonte possa ter na situação fiscal destes últimos prestadores de serviços.

56      Assim, o tratamento fiscal do prestador de serviços no Estado‑Membro onde se encontra estabelecido é irrelevante para apreciar se a obrigação de o destinatário de serviços proceder à referida retenção na fonte constitui uma restrição à livre prestação de serviços, proibida pelo artigo 56.° TFUE.

57      Por conseguinte, há que responder à quarta questão que, para apreciar se a obrigação de o destinatário de serviços proceder à retenção na fonte, na medida em que implica um ónus administrativo adicional e riscos em matéria de responsabilidade, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, proibida pelo artigo 56.° TFUE, não é relevante a questão de saber se o prestador de serviços não residente pode deduzir o imposto retido nos Países Baixos do imposto que deve pagar no Estado‑Membro onde se encontra estabelecido.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que a obrigação imposta, por força da regulamentação de um Estado‑Membro, ao destinatário de serviços, de proceder à retenção na fonte do imposto sobre as remunerações pagas aos prestadores de serviços estabelecidos noutro Estado‑Membro, ao passo que essa obrigação não existe relativamente às remunerações pagas aos prestadores de serviços estabelecidos no Estado‑Membro em causa, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, na aceção daquela disposição, na medida em que esta implica um ónus administrativo adicional e riscos em matéria de responsabilidade.

2)      Sempre que a restrição à livre prestação de serviços decorrente de uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, resulte da obrigação de proceder à retenção na fonte, na medida em que esta acarreta um ónus administrativo adicional e riscos em matéria de responsabilidade, esta restrição pode ser justificada pela necessidade de assegurar a cobrança eficaz do imposto e não excede o necessário para atingir este objetivo, mesmo tendo em conta as possibilidades de assistência mútua em matéria de cobrança dos impostos, previstas na Diretiva 76/308/CEE do Conselho, de 15 de março de 1976, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas, conforme alterada pela Diretiva 2001/44/CE do Conselho, de 15 de junho de 2001. A posterior renúncia à retenção na fonte em causa no processo principal não pode prejudicar nem o seu caráter adequado para atingir o objetivo pretendido nem a sua proporcionalidade, os quais devem ser apenas apreciados à luz do objetivo prosseguido.

3)      Para apreciar se a obrigação de o destinatário de serviços proceder à retenção na fonte, na medida em que implica um ónus administrativo adicional e riscos em matéria de responsabilidade, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, proibida pelo artigo 56.° TFUE, não é relevante a questão de saber se o prestador de serviços não residente pode deduzir o imposto retido nos Países Baixos do imposto que deve pagar no Estado‑Membro onde se encontra estabelecido.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.