ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Segunda Secção)

11 de abril de 2016

Processo F‑49/15

FU

contra

Comissão Europeia

«Função pública — Processo disciplinar — Conselho de Disciplina — Agente temporário do Tribunal de Contas nomeado funcionário estagiário na Comissão — Mudança do lugar de afetação — Falta de declaração de mudança do lugar de afetação à Administração do Tribunal de Contas — Pedidos simultâneos do subsídio de reinstalação no país de origem e do subsídio de instalação em Bruxelas — Pedido de reembolso das despesas de mudança de residência do Luxemburgo para o país de origem — Inspeção do OLAF — Sanção disciplinar — Classificação num grupo de funções inferior sem retrogradação — Artigo 25.° do anexo IX do Estatuto — Erro manifesto de apreciação — Não respeito do princípio do contraditório — Facto novo — Obrigação de reabrir o processo disciplinar — Proporcionalidade da sanção — Prazo processual»

Objeto:      Recurso interposto nos termos do artigo 270.° TFUE, aplicável ao Tratado CEEA por força do seu artigo 106.°‑A, em que FU pede a anulação da decisão de 3 de junho de 2014 através da qual a Autoridade Investida do Poder de Nomeação da Comissão Europeia lhe aplicou a sanção de classificação num grupo de funções inferior, sem descida de grau, com efeitos a 1 de julho de 2014.

Decisão:      É negado provimento ao recurso. FU suporta as suas próprias despesas e é condenado a suportar as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

Sumário

1.      Funcionários — Regime disciplinar — Processo disciplinar — Processos disciplinares e penais instaurados concomitantemente a respeito dos mesmos factos — Obrigação que incumbe à Administração de regular definitivamente a situação do funcionário apenas depois de a decisão do tribunal penal ter transitado em julgado e de respeitar os factos apurados por este — Obrigação que incumbe ao funcionário de fornecer à Administração os elementos que permitem comparar os factos abrangidos pelo processo disciplinar e os que são objeto dos processos penais

(Estatuto dos Funcionários, anexo IX, artigo 25.°)

2.      Funcionários — Reembolso das despesas — Despesas de mudança de residência — Condições de reembolso

(Estatuto dos Funcionários, artigo 20.° e anexo VII, artigo 9.°, n.° 1; Regime Aplicável aos Outros Agentes, artigo 22.°)

3.      Funcionários — Regime disciplinar — Processo disciplinar — Obrigação de reabrir o processo disciplinar — Inexistência

(Estatuto dos Funcionários, anexo IX, artigo 28.°)

4.      Funcionários — Regime disciplinar — Sanção — Poder de apreciação da Autoridade Investida do Poder de Nomeação — Limites — Respeito do princípio da proporcionalidade — Fiscalização jurisdicional — Limites

(Estatuto dos Funcionários, anexo IX, artigo 10.°)

5.      Funcionários — Regime disciplinar — Processo disciplinar — Prazos — Obrigação que incumbe à Administração de agir num prazo razoável — Apreciação — Inobservância — Circunstâncias particulares — Ónus da prova

(Estatuto dos Funcionários, anexo IX)

1.      O artigo 25.° do anexo IX do Estatuto proíbe a Autoridade Investida do Poder de Nomeação encarregada de regular definitivamente, no plano disciplinar, a situação do funcionário em causa, pronunciando‑se sobre os factos que são concomitantemente objeto de um processo penal, enquanto a decisão proferida pelo órgão jurisdicional penal que conhece do litígio não se tiver tornado definitiva. Por conseguinte, este artigo não atribui à referida autoridade encarregada de regular definitivamente a situação de um funcionário, em relação ao qual é aberto um processo disciplinar, um poder discricionário quanto à faculdade de suspender, ou não, o processo sobre a situação do referido funcionário quando esse funcionário seja acusado num processo que corre num tribunal penal.

O artigo 25.° do anexo IX do Estatuto tem uma dupla razão de ser. Por um lado, responde à preocupação de não afetar a posição do funcionário em causa no quadro dos processos‑crime que sejam contra ele instaurados com base em factos que são igualmente objeto de um processo disciplinar na sua instituição. Por outro lado, a suspensão do processo disciplinar enquanto se aguarda pela conclusão do processo penal permite tomar em consideração, no âmbito do processo disciplinar, matéria de facto apurada pelo juiz penal quando a decisão deste tenha transitado em julgado. Com efeito, o artigo 25.° do anexo IX do Estatuto consagra o princípio segundo o qual «o processo penal suspende o processo disciplinar», o que se justifica, designadamente, pelo facto de os órgãos jurisdicionais penais nacionais disporem de poderes de investigação mais alargados do que a Autoridade Investida do Poder de Nomeação. Assim, no caso de os mesmos factos poderem ser constitutivos de uma infração penal e de uma violação das obrigações estatutárias do funcionário, a Administração está vinculada pelos factos apurados pelo órgão jurisdicional penal no âmbito do processo penal. Uma vez que este último tenha declarado a existência dos factos do caso concreto, a Administração pode proceder seguidamente à sua qualificação jurídica à luz do conceito de infração disciplinar, verificando, em especial, se estes constituem incumprimento das obrigações estatuárias.

Além disso, incumbe ao funcionário em causa fornecer à Autoridade Investida do Poder de Nomeação os elementos que permitem apreciar se os factos que lhe são imputados no âmbito do processo disciplinar são paralelamente objeto de processos penais instaurados contra ele. Para cumprir esta obrigação, o funcionário em causa deve, em princípio, demonstrar que foram instaurados processos penais contra si num momento em que já era arguido num processo disciplinar. Com efeito, só quando esses processos penais tiverem sido instaurados é que os factos sobre os quais incidem poderão ser identificados e comparados com os factos que estiveram na origem da instauração do processo disciplinar, para se determinar a sua eventual identidade.

(cf. n.os 66 a 70)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: acórdãos de 19 de março de 1998, Tzoanos/Comissão, T‑74/96, EU:T:1998:58, n.os 32 a 34; de 21 de novembro de 2000, A/Comissão, T‑23/00, EU:T:2000:273, n.° 37; de 30 de maio de 2002, Onidi/Comissão, T‑197/00, EU:T:2002:135, n.° 81; de 13 de março de 2003, Pessoa e Costa/Comissão, T‑166/02, EU:T:2003:73, n.° 45; de 10 de junho de 2004, François/Comissão, T‑307/01, EU:T:2004:180, n.° 75; e de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.os 341 e 342

2.      Resulta da leitura conjugada do artigo 20.° do Estatuto e do artigo 9.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto, aplicável aos agentes temporários por força do artigo 22.° do Regime Aplicável aos Outros Agentes, que um agente que se encontre obrigado a mudar a sua residência para residir no local da sua afetação ou a uma distância que não o prejudique no exercício das suas funções será reembolsado das despesas de mudança de residência se não beneficiar, por outra fonte, de um reembolso das mesmas despesas. Esta mudança da residência pode, assim, ocorrer no momento da entrada em funções do agente temporário ou do funcionário, do seu local de origem para o local de afetação, ou então aquando de uma alteração posterior do local de afetação, mudança que pode ser motivada, designadamente, pela nomeação de um agente temporário de uma determinada instituição como funcionário estagiário de outra instituição e pela sua obrigação concomitante de mudar a sua residência para o novo lugar de afetação.

(cf. n.° 90)

3.      Segundo o anexo IX do Estatuto, e mais especialmente o seu artigo 28.°, a Autoridade Investida do Poder de Nomeação não está obrigada a reabrir o processo disciplinar, consultando novamente o Conselho de Disciplina, uma vez que esta disposição deixa à referida autoridade a escolha de reabrir ou não o processo disciplinar, seja por sua própria iniciativa seja a pedido do funcionário em causa.

(cf. n.° 109)

4.      Nos termos do artigo 10.° do anexo IX do Estatuto, a sanção disciplinar aplicada deve ser proporcional à gravidade da infração cometida. Este mesmo artigo indica igualmente os critérios que a Autoridade Investida do Poder de Nomeação deve tomar em conta na escolha da sanção.

No que se refere à avaliação da gravidade do incumprimento constatado pelo Conselho de Disciplina imputado a um funcionário e à escolha da sanção que, atendendo a esse incumprimento, parece ser a mais adequada, estes integram, em princípio, o amplo poder de apreciação da Autoridade Investida do Poder de Nomeação, exceto se a sanção aplicada for desproporcionada relativamente aos factos apurados. Assim, a referida autoridade pode efetuar uma apreciação da responsabilidade do funcionário diferente da que foi efetuada pelo Conselho de Disciplina, tendo também a possibilidade de escolher a sanção disciplinar que considere adequada para punir as infrações disciplinares apuradas.

Para apreciar a proporcionalidade de uma sanção disciplinar em relação à gravidade dos factos apurados, o Tribunal da Função Pública deve tomar em consideração o facto de a determinação da sanção assentar numa avaliação global por parte da Autoridade Investida do Poder de Nomeação de todos os factos concretos e de todas as circunstâncias específicas de cada caso concreto, havendo que recordar que o Estatuto não prevê nenhuma relação fixa entre as sanções aí indicadas e as diversas categorias de incumprimento praticado pelos funcionários, nem precisa em que medida a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes deve intervir na escolha da sanção. A análise do juiz de primeira instância limita‑se, por conseguinte, à questão de saber se a ponderação das circunstâncias agravantes e atenuantes por parte da referida autoridade foi feita de forma proporcional, precisando‑se que, aquando dessa análise, o juiz não pode substituir os juízos de valor da referida autoridade a este respeito.

(cf. n.os 120 a 122)

Ver:

Tribunal da Função Pública: acórdão de 19 de novembro de 2014, EH/Commissão, F‑42/14, EU:F:2014:250, n.os 91 e 93

5.      O Estatuto fixa na secção 5 do seu anexo IX prazos para o desenrolar do processo disciplinar no Conselho de Disciplina. Assim, o artigo 18.° deste anexo dispõe que o Conselho de Disciplina transmite um parecer fundamentado à Autoridade Investida do Poder de Nomeação e ao funcionário em causa no prazo de dois meses a contar da data de receção do relatório da referida autoridade, desde que este prazo seja adaptado à complexidade do processo. O artigo 22.°, n.° 1, do mesmo anexo prevê que, depois de ter ouvido o funcionário em causa, esta autoridade toma a sua decisão no prazo de dois meses a contar da receção do parecer do Conselho de Disciplina.

Embora seja verdade que estes prazos não são perentórios, eles enunciam, contudo, uma regra de boa administração cuja finalidade consiste em evitar, no interesse tanto da Administração como dos funcionários, um atraso injustificado na adoção da decisão que põe termo ao processo disciplinar. Consequentemente, as autoridades disciplinares têm a obrigação de conduzir com diligência o processo disciplinar e agir de forma a que cada ato processual seja praticado dentro de um prazo razoável relativamente ao ato precedente. A inobservância desse prazo, que só pode ser apreciada em função das circunstâncias particulares do processo, pode conduzir à anulação do ato.

A este respeito, o caráter razoável da duração do processo disciplinar deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo e, designadamente, da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo e do comportamento do recorrente e das autoridades competentes. Nenhum fator em particular é determinante. Há que examinar cada um de forma separada para, em seguida, avaliar o seu efeito cumulado. Alguns exemplos de atraso imputáveis à Autoridade Investida do Poder de Nomeação podem não parecer excessivos se forem considerados isoladamente, mas já o serem se forem considerados no seu conjunto. As exigências em matéria de diligência processual não excedem, no entanto, as exigências que são compatíveis com o princípio da boa administração.

Quando, devido a decisões adotadas pela Autoridade Investida do Poder de Nomeação, um processo tiver excedido aquilo que normalmente seria considerado uma duração razoável, incumbe a esta autoridade provar a existência de circunstâncias particulares suscetíveis de justificar esse tempo excessivo.

(cf. n.os 135 a 139)

Ver:

Tribunal da Função Pública: acórdão de 8 de março de 2012, Kerstens/Comissão, F‑12/l0, EU:F:2012:29, n.os 124 e 128 a 130 e jurisprudência referida