ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

16 de Julho de 1998 (1)

«Decisão da Comissão que declara não se justificar o reembolso de direitos de importação — Recurso de anulação — Artigo 239.° do Código Aduaneiro — Dever de fundamentar»

No processo T-195/97,

Kia Motors Nederland BV, sociedade de direito neerlandês, com sede em Vianen (Países Baixos),

e

Broekman Motorships BV, sociedade de direito neerlandês, com sede em Roterdão (Países Baixos), representada por Annetje-Theckla Ottow, advogada no foro de Amesterdão, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Claude Medernach, 8-10, rue Mathias Hardt,

recorrentes

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Hendrik van Lier, consultor jurídico, na qualidade de agente, assistido por Marc van der Woude, advogado em Bruxelas, e Rita Wezenbeek-Geuke, advogada em Roterdão, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão, de 8 de Abril 1997, dirigida aos Países Baixos e relativa a um pedido de restituição de direitos de importação,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: V. Tiili, presidente, C. P. Briët, e A. Potocki, juízes,

secretário: A. Mair, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Maio de 1998,

profere o presente

Acórdão

1.
    O artigo 20.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro 1992, que institui o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «Código Aduaneiro»), dispõe que «(o)s direitos legalmente devidos em caso de constituição de uma dívida aduaneira serão baseados na Pauta Aduaneira das Comunidades Europeias». O n.° 3 do mesmo artigo precisa que «(a) Pauta Aduaneira das Comunidades Europeias compreende:... d) as medidas pautais preferenciais incluídas em acordos que a Comunidade tenha concluído com determinados países ou grupos de países e que prevejam a concessão de um tratamento pautal preferencial; e) as medidas pautais preferenciais adoptadas unilateralmente pela Comunidade em benefício de determinados países, grupos de países ou territórios...».

2.
    O artigo 66.° do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 253, p. 1, a seguir «regulamento de aplicação»), dispõe que, «(p)ara a aplicação das disposições respeitantes às preferências pautais generalizadas concedidas pela Comunidade a determinados produtos originários de países em desenvolvimento, são considerados como produtos originários de um país beneficiário dessas preferências... , desde que tenham sido transportados directamente, na acepção do artigo 75.°, para a Comunidade: a) os produtos inteiramente obtidos nesse país...».

3.
    O artigo 75.° do regulamento de aplicação precisa que «(s)ão consideradas como transportadas directamente do país beneficiário de exportação para a Comunidade: a) as mercadorias cujo transporte se efectua sem travessia do território de um outro país, excepto se se tratar de um outro país do mesmo grupo regional, caso se aplique o disposto no artigo 70.°; b) as mercadorias cujo transporte se efectua com travessia dos territórios de outros países distintos do país beneficiário de exportação ou, caso se aplique o disposto no artigo 70.°, distintos dos territórios de outros países do mesmo grupo regional, com ou sem transbordo ou armazenagem temporária nestes países, contanto que o transporte através desses países se justifique por razões de ordem geográfica ou exclusivamente devido a exigências inerentes ao transporte, e as mercadorias... tenham permanecido sob a vigilância das autoridades aduaneiras do país de trânsito ou de armazenagem... não tenham sido nem comercializadas nem introduzidas no consumo nesse país e... não tenham sido sujeitas a operações distintas da descarga, carga ou de qualquer outra operação destinada a assegurar a sua conservação no seu estado inalterado».

4.
    De acordo com o artigo 76.°, segunda alínea, do regulamento de aplicação, «(c)aso os produtos originários exportados do país beneficiário para outro país sejam devolvidos, esses produtos devem ser considerados como não originários, salvo se se puder comprovar, a contento das autoridades competentes... que as mercadorias devolvidas são as mesmas que foram exportadas (e) não foram sujeitas a quaisquer operações para além das necessárias à sua conservação no seu estado inalterado e em boas condições enquanto permaneceram nesse país».

5.
    O artigo 77.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 3254/94 da Comissão, de 19 de Dezembro de 1994, que altera o Regulamento (CEE) n.° 2454/93, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 346, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 3254/92»), prevê que «(o)s produtos originários podem, na sua importação na Comunidade, beneficiar das preferências pautais... desde que tenham sido transportados directamente para a Comunidade nos termos do artigo 78.° (...)».

6.
    O artigo 78.°, n.° 1, do mesmo regulamento precisa que «(s)ão considerados como transportados directamente do país de exportação beneficiário para a Comunidade ou da Comunidade para o país beneficiário... b) As mercadorias que constituam uma só remessa, cujo transporte se efectue mediante a travessia do território de outros países que não o do país de exportação beneficiário ou o da Comunidade, com transbordo ou armazenagem temporária nestes países, contanto que as mercadorias tenham permanecido sob vigilância das autoridades aduaneiras do país de trânsito ou de armazenagem, e não tenham sido sujeitas a operações diferentes das de carga e descarga ou a operações destinadas a assegurar a sua conservação no mesmo estado...».

7.
    Os artigos 235.° a 242.° do Código Aduaneiro determinam as condições em que pode proceder-se ao reembolso ou à dispensa de pagamento dos direitos de importação.

8.
    O artigo 236.°, n.° 1, do Código Aduaneiro, prevê que «(p)roceder-se-á ao reembolso dos direitos de importação ou dos direitos de exportação na medida em que se provar que, no momento do seu pagamento, o respectivo montante não era legalmente devido...». Segundo o n.° 2 do mesmo artigo, «(o) reembolso... será concedido mediante pedido apresentado na estância aduaneira competente antes do termo do prazo de três anos a contar da data da comunicação dos referidos direitos ao devedor». O artigo 235.°, alínea a), do Código Aduaneiro precisa que se entende por «reembolso» a «restituição total ou parcial dos direitos de importação... que tenham sido pagos».

9.
    O artigo 239.°, n.° 1, do Código Aduaneiro, dispõe que «(p)ode-se proceder ao reembolso... em situações especiais, distintas das referidas nos artigos 236.°, 237.° e 238.° a determinar pelo procedimento do comité... decorrentes de circunstâncias que não envolvam qualquer artifício ou negligência manifesta por parte do interessado. As situações em que pode ser aplicada esta disposição bem como as modalidades processuais a observar para esse efeito são definidas de acordo com o procedimento do comité. O reembolso ou a dispensa do pagamento pode ficar subordinado a condições especiais». Segundo o n.° 2 do mesmo artigo, o reembolso deve, nestes casos, ser requerido antes do termo do prazo de doze meses a contar da data de comunicação dos referidos direitos ao devedor.

10.
    O artigo 899.° do regulamento de aplicação permite à autoridade aduaneira nacional, à qual foi apresentado o pedido de reembolso, autorizar o reembolso sempre que constate que as condições de reembolso previstas na legislação se encontram satisfeitas. O artigo 905.° do regulamento de aplicação acrescenta que, «(s)empre que a autoridade aduaneira decisória, à qual foi apresentado o pedido de reembolso ou de dispensa do pagamento em conformidade com o n.° 2 do artigo 239.° do Código, não puder decidir com base no artigo 899.° e o pedido se apresentar acompanhado de justificações susceptíveis de constituir uma situação especial resultante de circunstâncias que não impliquem nem artifício nem negligência manifesta por parte do interessado, o Estado-Membro a que pertence esta autoridade transmitirá o caso à Comissão para que seja tratado de acordo com o procedimento previsto nos artigos 906.° a 909.°»

11.
    De acordo com o artigo 906.° do regulamento de aplicação, a Comissão deve, logo que possível, inscrever o exame do processo na ordem de trabalhos de uma reunião do comité do Código Aduaneiro. O artigo 907.° do mesmo regulamento dispõe que : «após consulta de um grupo de peritos composto por representantes de todos os Estados-Membros, reunidos no âmbito do comité para análise do caso em apreço, a Comissão adoptará uma decisão que estabeleça que a situação especial analisada justifica, ou não, a concessão do reembolso... Esta decisão deverá ser adoptada num prazo de seis meses a contar da data de recepção pela Comissão do processo

referido no n.° 2 do artigo 905.° Caso a Comissão haja pedido ao Estado-Membro informações complementares para poder decidir, o prazo de seis meses será prorrogado em função do período que tiver decorrido entre a data do envio pela Comissão do pedido de informações complementares e a data da sua recepção pela Comissão».

12.
    Segundo o artigo 908.°, n.° 2, do regulamento de aplicação, «(c)om base na decisão da Comissão notificada..., a autoridade decisória decidirá do pedido que lhe foi apresentado».

13.
    O artigo 243.° do Código Aduaneiro dispõe que todas as pessoas têm o direito de interpor recurso das decisões tomadas pelas autoridades aduaneiras em aplicação da legislação aduaneira e que lhe digam directa e individualmente respeito.

Factos na origem do litígio

14.
    A recorrente Kia Motors Nederland distribui nos Países Baixos veículos Kia, de origem coreana. A recorrente Broekman Motorships é um despachante aduaneiro, que efectua as declarações em substituição dos seus clientes, comprometendo-se estes contratualmente a reembolsá-la dos direitos aduaneiros que ela paga por eles.

15.
    É pacífico que, no momento dos factos que estão na origem do presente litígio, eram aplicáveis à importação de veículos provenientes da Coreia do Sul para a Comunidade medidas pautais preferenciais, na acepção do artigo 20.° do Código Aduaneiro.

16.
    Na Primavera de 1994, um importador estabelecido na Turquia, a IHLAS Industry and Foreign Trade (a seguir «HLAS»), encomendou à Kia Motors Corporation (a seguir «Kia Motors»), construtor automóvel estabelecido na Coreia do Sul, um lote de trezentos veículos de serviço para empresas. No entanto, antes da chegada dos veículos, a IHLAS apercebeu-se de que não eram vendáveis na Turquia em virtude da má conjuntura económica. Aquando da chegada dos veículos, a IHLAS colocou-os sob fiscalização aduaneira e contactou a Kia Motors a fim de encontrarem uma solução. Os veículos permaneceram sob fiscalização aduaneira, não tendo sido, portanto, desalfandegados na Turquia.

17.
    Logo que a Kia Motors tomou conhecimento desta situação, mostrou-se interessadaem distribuir os veículos em causa nos Países Baixos e comprou-os. Por uma questão de eficácia, os veículos não foram devolvidos fisicamente à Kia Motors antes de serem entregues à Kia Motors Nederland, tendo sido expedidos directamente da Turquia para os Países Baixos em 1 de Julho de 1994. A Broekman Motorships encarregou-se da declaração de importação da Kia Motors Nederland. Nessa declaração, que data de 18 de Julho de 1994, reivindicou a taxa preferencial aplicável aos veículos originários da Coreia do Sul. Para esse efeito, apresentou um certificado de origem emitido pelas autoridades sul-coreanas.

18.
    Em 5 de Outubro de 1994, as autoridades aduaneiras neerlandesas tributaram a Broekman Motorships em direitos de importação não preferenciais, no montante global de 474 584,30 HFL. Recusaram conceder a taxa preferencial em virtude de os veículos não terem sido objecto de «transporte directo» na acepção do artigo 75.°, n.° 1, do regulamento de aplicação. A Kia Motors Nederland entregou a importância tributada à Broekman Motorships, que a pagou às autoridades aduaneiras.

19.
    Em 10 de Julho de 1995, a Kia Motors Nederland apresentou ao controlador aduaneiro do distrito de Roterdão um pedido de reembolso com base no artigo 239.° do Código Aduaneiro e nos artigos 899.° e seguintes do regulamento de aplicação. No pedido, explicou que os veículos não tinham sido desalfandegados nem sujeitos a qualquer tipo de operação na Turquia. Sublinhou igualmente que a origem sul-coreana dos veículos era incontestável e que tinham sido transportados directamente da Turquia para os Países Baixos com a finalidade óbvia de evitar custos de transporte supérfluos. Entendia que, nestas circunstâncias e à luz do objectivo das medidas preferenciais, o requisito do «transporte directo» estava efectivamente satisfeito, embora formalmente os veículos não tivessem sido transportados directamente da Coreia do Sul para os Países Baixos, e que portanto existia uma situação especial justificativa do reembolso dos direitos aplicados.

20.
    Por ofício de 30 de Novembro de 1995, o controlador aduaneiro do distrito de Roterdão solicitou esclarecimentos complementares tendo em vista a transmissão do pedido à Comissão ao abrigo do artigo 239.° do Código Aduaneiro e do artigo 905.° do regulamento de aplicação. Solicitou, nomeadamente, a apresentação de um documento das autoridades turcas confirmando que os veículos não tinham sido objecto de qualquer alteração quando se encontravam na Turquia. Formulou igualmente algumas reservas a respeito do certificado de origem junto ao pedido de reembolso, uma vez que o valor do lote de veículos indicado nesse certificado era diferente do indicado nas facturas da IHLAS. O controlador concedeu um prazo de três meses para resposta ao seu ofício.

21.
    Por carta de 28 de Março de 1996, o controlador recebeu documentos adicionais, nomeadamente certidões das autoridades aduaneiras comprovativas de que os veículos não tinham sido desalfandegados na Turquia, e uma certidão da Kia Motors declarando que o certificado de origem dizia efectivamente respeito aos 300 veículos transportados até Roterdão via Turquia. A autenticidade e exactidão do certificado de origem foram igualmente confirmadas pelo Seoul Metropolitan Government. A IHLAS, por sua vez, declarou por escrito que os veículos não tinham sido objecto de qualquer alteração na Turquia.

22.
    Por ofício datado de 1 de Outubro de 1996, o Director das Alfândegas de Roterdão transmitiu à Comissão, ao abrigo do artigo 239.° do Código Aduaneiro e do artigo 905.° do regulamento de aplicação, o pedido de reembolso dos recorrentes.

23.
    Por decisão de 8 de Abril de 1997 dirigida ao Reino dos Países Baixos (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão declarou não se justificar o reembolso dos direitos de importação. A decisão impugnada foi tomada após consulta de «um grupo de peritos composto por representantes de todos os Estados-Membros». Na decisão, a Comissão declara, em primeiro lugar, que o Reino dos Países Baixos lhe pediu para se pronunciar sobre o pedido de reembolso em causa e que recebeu esse pedido em 14 de Outubro de 1996. Em seguida, declara que a taxa preferencial não podia ser aplicada à importação em apreço porque «os produtos em causa foram transportados através da Turquia» e «que, uma vez que a passagem por esse país não se justificava nem por razões geográficas nem por razões decorrentes exclusivamente das necessidades do transporte, na acepção do artigo 75.°, n.° 1, do regulamento (de aplicação), o regime preferencial não podia ser concedido ». Acrescenta, por fim, que a sua decisão não era infirmada pela entrada em vigor do Regulamento (CEE) n.° 3254/94, pouco depois da importação dos veículos em causa para Países Baixos, uma vez que este não tem efeito retroactivo.

24.
    Por ofício de 9 de Abril de 1997, a Comissão comunicou a decisão impugnada à Representação Permanente do Reino dos Países Baixos junto da União Europeia. Com base na decisão da Comissão, o controlador aduaneiro do distrito de Roterdão adoptou, em 28 de Abril de 1998, uma decisão de indeferimento do pedido da Kia Motors Nederland. A esta decisão foi junta uma cópia da decisão da Comissão.

Tramitação processual e pedidos das partes

25.
    Nestas circunstâncias, por petição entregue na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de Junho de 1997, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

26.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral sem proceder a diligências de instrução. As partes foram ouvidas em alegações e em resposta às perguntas orais do Tribunal na audiência pública realizada em 12 de Maio de 1998.

27.
    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

—    anular a decisão impugnada;

—    condenar a recorrida nas despesas.

28.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    negar provimento ao recurso;

—    condenar as recorrentes nas despesas.

Fundamentos da decisão

29.
    As recorrentes invocam quatro fundamentos como suporte do seu recurso. O primeiro argumento baseia-se em violação do artigo 190.° do Tratado. O segundo argumento baseia-se em violação do artigo 75.° do regulamento de aplicação. O terceiro argumento baseia-se em violação do artigo 76.° do regulamento de aplicação. O quarto argumento baseia-se em violação do artigo 239.° do Código Aduaneiro.

Quanto ao primeiro argumento, baseado em violação do artigo 190.° do Tratado

Argumentos das partes

30.
    As recorrentes alegam que a decisão impugnada assenta na simples afirmação de que os requisitos do artigo 75.° do regulamento de aplicação não foram preenchidos. A Comissão ter-se-ia abstido de verificar, nomeadamente com base nos documentos comprovativos juntos ao pedido de reembolso, se existiam circunstâncias especiais que pudessem justificar o reembolso. As recorrentes recordam a este respeito que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, cabe à Comissão indicar em cada caso se essas circunstâncias existem e fundamentar a sua decisão a esse respeito (acórdão de 13 de Novembro de 1984, Van Gend & Loos/Commission, C-98/83 e C-230/83, Recueil, p. 3763).

31.
    Segundo a recorrida, a decisão impugnada corresponde às exigências de fundamentação definidas pela jurisprudência. Nomeadamente, a Comissão teria indicado todos os elementos de facto e de direito em que baseou a sua apreciação. Em particular, indica-se na decisão que as mercadorias em causa não tinham sido objecto de um «transporte directo» na acepção do artigo 75.° do regulamento de aplicação, uma vez que tinham sido transportadas via Turquia sem que essa circunstância se justificasse por razões geográficas ou por motivos ligados às exigências inerentes a esse transporte. A recorrida entende que, nessas circunstâncias, as recorrentes puderam tomar conhecimento das razões da decisão e tiveram a possibilidade de defender os seus direitos.

32.
    Seguidamente, a recorrida sublinha que a decisão responde rigorosamente ao pedido de reembolso tal como este havia sido formulado pelo Director das Alfândegas de Roterdão. Observa em particular que a argumentação apresentada nesse pedido versava sobre a aplicação do artigo 75.° do regulamento de aplicação por parte das autoridades aduaneiras neerlandesas.

Apreciação do Tribunal

33.
    O Tribunal observa liminarmente que o artigo 239.° do Código Aduaneiro constitui uma «cláusula geral de equidade» na acepção da jurisprudência relativa à disposição correspondente anteriormente em vigor, o artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1430/79 do Conselho, de 2 de Julho de 1979, relativo ao

reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de importação ou de exportação (JO L 175, p. 1; EE 02 F6 p. 36, a seguir «Regulamento n.° 1430/79»), alterado pelo artigo 1.°, n.° 6, do Regulamento (CEE) n.° 3069/86 do Conselho, de 7 de Outubro de 1986, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1430/79 relativo ao reembolso ou à dispensa dos direitos de importação ou de exportação (JO L 286, p. 1), que dispunha que «(p)ode proceder-se ao reembolso ou à dispensa de pagamento dos direitos de importação em situações especiais que não sejam as previstas nas secções A a D que resultem de circunstâncias que não implicam artifício nem negligência manifesta por parte do interessado» (v., para esta jurisprudência, o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Março 1987, Coopérative agricole d'approvisionnement des Avirons, 58/86, Colect., p. 1525, n.° 22, e, em último lugar, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Fevereiro de 1998, Eyckeler e Malt/Comissão, T-42/96, ainda não publicado na Colectânea, n.° 132). A semelhança entre o artigo 239.° do Código Aduaneiro e o artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79 resulta, nomeadamente, do facto de esta disposição abranger as «situações especiais, distintas das referidas nos artigos 236.°, 237.° e 238.° (do Código Aduaneiro)», que devem, nos termos do artigo 905.° do regulamento de aplicação, ser consideradas «situaçõe(s) especia(is)». Por outro lado, as partes no presente litígio afirmam que o artigo 239.° do Código Aduaneiro deve receber a mesma interpretação que o artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79.

34.
    Deve recordar-se seguidamente que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 190.° do Tratado deve revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional comunitário exercer a sua fiscalização. Resulta, além disso, desta jurisprudência que não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, uma vez que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 1996, C-56/93, Bélgica/Comissão, Colect., p. I-723, n.° 86, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril 1998, Vlaams Gewest/Comissão, T-214/95, ainda não publicado na Colectânea, n.os 62 e 63).

35.
    O Tribunal constata que, do conjunto de normas jurídicas que regem o reembolso de direitos de importação (v. os n.os 1 a 13, supra), só o artigo 905.° atribui competência decisória à Comissão. Esta disposição habilita-a a tomar posição sobre os pedidos de reembolso apresentados ao abrigo do artigo 239.° do Código Aduaneiro que lhe são transmitidos pelas autoridades aduaneiras nacionais. Como o Tribunal constatou no contexto de procedimentos instaurados com base no artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79, cabe à Comissão indicar, para cada pedido de reembolso que lhe é apresentado, se existem circunstâncias especiais, na acepçãodesta disposição, e fundamentar a sua decisão a esse respeito (acórdão Van Gend & Loos/Comissão, supra referido, n.° 18).

36.
    No caso vertente, há que reconhecer que a Comissão considerou que a situação concreta não resultava de circunstâncias especiais, sem ter indicado os fundamentos que levaram a essa conclusão. Com efeito, na sua decisão, a Comissão constatou que a importação em causa não satisfazia a condição relativa ao transporte directo definida pelo artigo 75.° do regulamento de aplicação e que, por consequência, o pedido de reembolso era infundado. Ora, como a própria recorrida sublinhou nos seus articulados, os pedidos enviados à Comissão nos termos dos artigos 239.° do Código Aduaneiro e 905.° do regulamento de aplicação conjugados não dizem respeito à questão de saber se as disposições de direito material aduaneiro, como o artigo 75.° do regulamento de aplicação, foram correctamente aplicadas pelas autoridades aduaneiras. De facto, tal questão é da competência exclusiva das autoridades aduaneiras nacionais, com base no artigo 236.° do Código Aduaneiro, podendo as decisões ser impugnadas nas jurisdições nacionais, ao abrigo do artigo 243.° do Código Aduaneiro, as quais podem submeter a questão ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado.

37.
    Interrogada na audiência sobre a questão de saber se, independentemente da inobservância por parte das recorrentes das condições técnicas definidas no artigo 75.° do regulamento de aplicação, existiam circunstâncias especiais que poderiam ter justificado, do ponto de vista da equidade, um reembolso, e, mais particularmente, sobre a resposta que dera a essa questão na decisão impugnada, a recorrida remeteu para o considerando da mesma decisão segundo o qual «a entrada em vigor, alguns meses após a importação de 18 de Julho 1994, das disposições mais flexíveis do Regulamento (CEE) n.° 3254/94, que altera o Regulamento (CEE) n.° 2454/93, não é de molde a criar uma situação como a prevista no artigo 239.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92, porque essas disposições não são mais do que a expressão de uma nova política comercial da Comunidade para com os países beneficiários do sistema de preferências generalizadas. Uma vez que essa nova política comercial não tem qualquer efeito retroactivo, a política que era seguida anteriormente pelas autoridades comunitárias até ao momento da sua entrada em vigor não é por ela afectada». O Tribunal entende que com este considerando a Comissão pretendeu unicamente sublinhar que as condições técnicas do artigo 75.° do regulamento de aplicação deviam ser aplicadas à importação em causa, apesar da posterior entrada em vigor de critérios mais flexíveis (v., quanto a esses critérios, o n.° 6, supra). Esta parte dos fundamentos da decisão impugnada respeita portanto, tal como as restantes partes, à questão de saber se a importação dos veículos em causa para os Países Baixos satisfazia ou não a exigência do «transporte directo». Deve recordar-se que esta questão não está abrangida pelo artigo 239.° do Código Aduaneiro.

38.
    Daqui resulta que a Comissão se dedicou, na realidade, a explicar nos fundamentos da decisão impugnada por que entendia que os direitos de importação aplicados pela autoridade aduaneira neerlandesa às recorrentes eram legalmente devidos, quando o dispositivo da referida decisão, ao indeferir o pedido formulado com base no artigo 239.° do Código Aduaneiro, responde à questão de saber se a circunstância de os veículos terem estado sob fiscalização aduaneira na Turquia, e

portanto continuarem a ter origem coreana aquando da sua importação para os Países Baixos, permitia, ao abrigo da cláusula geral de equidade, dispensar as recorrentes do pagamento dos direitos que, segundo as disposições legislativas técnicas, eram devidos (v., a este respeito, o acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Março 1987, Cerealmangimi e Italgrani/Comissão, 244/85 e 245/85, Colect., p. 1303, n.° 11). Por conseguinte, há que concluir que, à luz do conjunto de normas jurídicas que regem a matéria em causa, a Comissão não fundamentou a sua decisão.

39.
    Esta conclusão não é infirmada pela argumentação da recorrida segundo a qual a decisão impugnada estava suficientemente fundamentada, uma vez que a argumentação apresentada no pedido de reembolso se referia, também ela, ao artigo 75.° do regulamento de aplicação. A este respeito, deve recordar-se que a fundamentação de uma decisão deve ser sempre tal que permita ao órgão jurisdicional comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade. Esta condição não está preenchida no caso vertente. Com efeito, a Comissão baseou a sua decisão de indeferimento do pedido de reembolso num raciocínio que o Tribunal não pode fiscalizar. A própria recorrida sublinhou, na fase escrita, que não cabe ao Tribunal pronunciar-se acerca das questões colocadas pela exigência de «transporte directo», uma vez que as decisões respeitantes à interpretação e à aplicação do artigo 75.° do regulamento de aplicação estão sujeitas às vias processuais nacionais.

40.
    Resulta do acima exposto que o argumento baseado em violação do artigo 190.° do Tratado é procedente. Em consequência, sem que seja necessário apreciar os outros argumentos, há que anular a decisão impugnada.

Quanto às despesas

41.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão sido vencida e tendo as recorrentes pedido a condenação da Comissão nas despesas, há que condenar a Comissão nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção),

decide:

1.
    É anulada a decisão da Comissão de 8 de Abril 1997, dirigida aos Países Baixos e relativa a um pedido de reembolso de direitos de importação.

2.
    A Comissão é condenada nas despesas.

    Tiili                    Briët                    Potocki

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Julho de 1998.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1: Língua do processo: neerlandês.