CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 3 de dezembro de 2020 (1)

Processo C826/19

WZ

contra

Austrian Airlines AG

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landesgericht Korneuburg (Tribunal Regional de Korneuburgo, Áustria)]

«Reenvio prejudicial — Transportes aéreos — Indemnização aos passageiros dos transportes aéreos em caso de cancelamento ou atraso dos voos — Voo desviado para um aeroporto alternativo ao aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Artigo 2.o, alínea l) — Conceito de “cancelamento” — Artigo 8.o, n.o 3 — Responsabilidade pelo custo da transferência — Iniciativa — Violação das obrigações previstas nos artigos 8.o e 9.o do regulamento — Direito a indemnização»






1.        Um voo desviado para um aeroporto alternativo ao aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, mas situado próximo deste último, deve ser entendido como cancelado na aceção do Regulamento (CE) n.o 261/2004 (2), dando origem a um direito a indemnização em benefício dos passageiros abrangidos, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, deste regulamento, ou como estando simplesmente atrasado, caso em que esses passageiros só têm tal direito se o atraso atingir uma duração igual ou superior a três horas, em conformidade com o Acórdão Sturgeon e o. (3)?

2.        Após a aterragem, a transportadora aérea deve assumir por sua própria iniciativa o custo da transferência para o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita ou para outro destino próximo acordado com o passageiro na aceção do artigo 8.o, n.o 3, do referido regulamento?

3.        A violação do dever de suportar o custo de transferência previsto neste artigo, bem como no artigo 9.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004, dá origem a um direito a indemnização fixa na aceção do artigo 7.o, n.o 1, do mesmo regulamento?

4.        Estas são algumas das questões que fazem parte do pedido prejudicial apresentado pelo Landesgericht Korneuburg (Tribunal Regional de Korneuburgo, Áustria), que serão tidas em consideração, a pedido do Tribunal de Justiça, nas presentes conclusões.

5.        No acórdão a proferir, o Tribunal de Justiça terá, nomeadamente, a oportunidade de se pronunciar pela primeira vez sobre a interpretação do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 e de lhe atribuir assim um lugar certo na lógica e na economia deste regulamento.

I.      Quadro jurídico

6.        Os considerandos 1, 2 e 4 do Regulamento n.o 261/2004 enunciam:

«(1)      A ação da [União] no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros. Além disso, devem ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.

(2)      As recusas de embarque e o cancelamento ou atraso considerável dos voos causam sérios transtornos e inconvenientes aos passageiros.

[…]

(4)      Por conseguinte, a [União] deverá elevar os níveis de proteção estabelecidos naquele regulamento, quer para reforçar os direitos dos passageiros, quer para garantir que as transportadoras aéreas operem em condições harmonizadas num mercado liberalizado.»

7.        O artigo 5.o deste regulamento, sob a epígrafe «Cancelamento», dispõe:

«1.      Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

a)      Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos do artigo 8.o; e

b)      Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos da alínea a) do n.o 1 e do n.o 2 do artigo 9.o, bem como, em caso de reencaminhamento quando a hora de partida razoavelmente prevista do novo voo for, pelo menos, o dia após a partida que estava programada para o voo cancelado, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.o 1 do artigo 9.o; e

c)      Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.o, salvo se:

[…]

iii)      tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.

[…]»

8.        O artigo 6.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Atrasos», prevê:

«1.      Quando tiver motivos razoáveis para prever que em relação à sua hora programada de partida um voo se vai atrasar:

a)      Duas horas ou mais, no caso de quaisquer voos até 1500 quilómetros; ou

b)      Três horas ou mais, no caso de quaisquer voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e no de quaisquer outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros; ou

c)      Quatro horas ou mais, no caso de quaisquer voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b),

a transportadora aérea operadora deve oferecer aos passageiros:

i)      a assistência especificada na alínea a) do n.o 1 e no n.o 2 do artigo 9.o, e

ii)      quando a hora de partida razoavelmente prevista for, pelo menos, o dia após a hora de partida previamente anunciada, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.o 1 do artigo 9.o, e

iii)      quando o atraso for de, pelo menos, cinco horas, a assistência especificada na alínea a) do n.o 1 do artigo 8.o

2.      De qualquer modo, a assistência deve ser prestada dentro dos períodos fixados no presente artigo para cada ordem de distância.»

9.        O artigo 7.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Direito a indemnização», enuncia:

«1.      Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

a)      250 euros para todos os voos até 1500 quilómetros;

b)      400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros;

c)      600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).

Na determinação da distância a considerar, deve tomar‑se como base o último destino a que o passageiro chegará com atraso em relação à hora programada devido à recusa de embarque ou ao cancelamento.

[…]»

10.      O artigo 8.o do Regulamento n.o 261/2004, sob a epígrafe «Direito a reembolso ou reencaminhamento», prevê:

«1.      Em caso de remissão para o presente artigo, deve ser oferecida aos passageiros a escolha entre:

a)      —      O reembolso no prazo de sete dias, de acordo com as modalidades previstas no n.o 3 do artigo 7.o, do preço total de compra do bilhete, para a parte ou partes da viagem não efetuadas, e para a parte ou partes da viagem já efetuadas se o voo já não se justificar em relação ao plano inicial de viagem, cumulativamente, nos casos em que se justifique,

–        um voo de regresso para o primeiro ponto de partida;

b)      O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final, na primeira oportunidade; ou

c)      O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final numa data posterior, da conveniência do passageiro, sujeito à disponibilidade de lugares.

[…]

3.      Sempre que uma cidade ou região for servida por vários aeroportos e uma transportadora aérea operadora oferecer aos passageiros um voo para um aeroporto alternativo em relação àquele para o qual tinha sido feita a reserva, a transportadora aérea operadora deve suportar o custo da transferência do passageiro desse aeroporto alternativo para o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, ou para outro destino próximo acordado com o passageiro.»

11.      O artigo 9.o do Regulamento n.o 261/2004, sob a epígrafe «Direito a assistência», dispõe:

«1.      Em caso de remissão para o presente artigo, devem ser oferecidos a título gratuito aos passageiros:

a)      Refeições e bebidas em proporção razoável com o tempo de espera;

b)      Alojamento em hotel:

–        caso se torne necessária a estadia por uma ou mais noites, ou

–        caso se torne necessária uma estadia adicional à prevista pelo passageiro;

c)      Transporte entre o aeroporto e o local de alojamento (hotel ou outro).

[…]»

II.    Matéria de facto na origem do litígio, tramitação processual e questões prejudiciais

12.      WZ efetuou uma reserva única na Austrian Airlines para uma viagem constituída por dois voos em 21 de maio de 2018, o primeiro, entre Klagenfurt (Áustria) e Viena (Áustria), com partida e chegada previstas, respetivamente, às 18 h 35 e às 19 h 20, e o segundo, entre Viena e Berlim Tegel (Alemanha), com partida e chegada previstas, respetivamente, às 21 h 00 e às 22 h 20.

13.      As condições meteorológicas verificadas na antepenúltima rotação da aeronave a Viena provocaram um atraso que foi depois repercutido nos voos posteriores efetuados por este avião na rota que ligava Viena a Berlim, pelo que o voo com destino a Berlim Tegel reservado por WZ excederia o horário de proibição de voo noturno em vigor nesse aeroporto.

14.      Assim, a Austrian Airlines desviou o voo em causa para o aeroporto de Berlim Schönefeld, situado fora da cidade de Berlim, no Land de Brandeburgo. Esse voo descolou de Viena às 22 h 07 e aterrou em Berlim Schönefeld às 23 h 18.

15.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o desvio do voo causou a WZ não apenas um atraso (aterragem às 23 h 18 em vez das 22 h 20 como previsto inicialmente) mas também um transtorno, atendendo ao local de aterragem mais afastado do seu domicílio (24 km, em vez de 8 km), que implicou para si mais tempo de deslocação (41 minutos para chegar ao seu domicílio a partir do aeroporto de Berlim Schönefeld, em vez de 15 minutos para chegar ao seu domicílio a partir do aeroporto de Berlim Tegel). A Austrian Airlines não propôs a WZ transporte de substituição entre os aeroportos de Berlim Schönefeld e de Berlim Tegel.

16.      WZ reclamou o pagamento de 250 euros a título de indemnização nos termos do artigo 5.o do Regulamento n.o 261/2004, conjugado com o artigo 7.o deste regulamento. Este pedido baseava‑se, por um lado, no atraso do voo à chegada e, por outro, no facto de a Austrian Airlines não lhe ter proposto um transporte complementar do aeroporto de Berlim Schönefeld para Berlim Tegel.

17.      A Austrian Airlines contestou o pedido e alegou que, primeiro, o recorrente chegou ao seu destino final, Berlim, com um atraso de apenas 58 minutos. Em segundo lugar, WZ podia ter chegado com facilidade ao seu domicílio utilizando um meio de transporte suplementar. Em terceiro lugar, está demonstrada a existência de «circunstâncias extraordinárias», na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, devido a problemas meteorológicos significativos durante a antepenúltima rotação que levou a Eurocontrol a atribuir a essa rotação, efetuada pelo mesmo aparelho, uma faixa horária mais tardia do que a inicialmente prevista.

18.      O Bezirksgericht Schwechat (Tribunal de Primeira Instância de Schwechat, Áustria) julgou improcedentes os pedidos de WZ, considerando que o desvio do voo não constituía uma alteração significativa do itinerário do voo, pelo que não podia ser considerado que o voo foi cancelado. Esse órgão jurisdicional concluiu também que o atraso não atingia uma duração igual ou superior a três horas.

19.      WZ interpôs recurso para o Landesgericht Korneuburg (Tribunal Regional de Korneuburgo). Este último interroga‑se sobre a questão de saber se, em primeiro lugar, os factos devem ser entendidos como um cancelamento, um atraso ou uma situação distinta; em segundo lugar, se a transportadora aérea pode invocar a ocorrência de circunstâncias extraordinárias na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 que tenham afetado um voo anterior ao voo reservado pelo passageiro e, em terceiro lugar, se a transportadora aérea deve pagar uma indemnização por violação dos deveres de assistência que lhe incumbem.

20.      Nestas condições, o Landgericht Korneuburg (Tribunal Regional de Korneuburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 8.o, n.o 3, do [Regulamento n.o 261/2004] ser interpretado no sentido de que é aplicável a dois aeroportos que se encontrem ambos na proximidade imediata do centro de uma cidade, apesar de apenas um se situar no território da cidade e o outro no Land (Estado Federado) vizinho?

2)      Devem os artigos 5.o, n.o 1, alínea c), 7.o, n.o 1, e 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 ser interpretados no sentido de que, em caso de aterragem num aeroporto alternativo situado no mesmo local, na mesma cidade ou na mesma região, há direito a indemnização por cancelamento do voo?

3)      Devem os artigos 6.o, n.o 1, 7.o, n.o 1, e 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 ser interpretados no sentido de que, em caso de aterragem num aeroporto alternativo situado no mesmo local, na mesma cidade ou na mesma região, há direito a indemnização por atraso considerável?

4)      Devem os artigos 5.o, 7.o e 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 ser interpretados no sentido de que, para determinar se um passageiro aéreo sofreu uma perda de tempo de três horas ou mais na aceção do Acórdão [de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716)], o atraso deve ser calculado em função da hora da aterragem no aeroporto alternativo ou em função da hora do transporte para o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, ou para outro destino próximo acordado com o passageiro?

5)      Deve o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 ser interpretado no sentido de que a transportadora aérea que realiza voos em regime de rotação pode invocar a ocorrência de um facto, em concreto uma redução da taxa de aproximações devido a uma trovoada que ocorreu no antepenúltimo voo do voo em causa?

6)      Deve o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 ser interpretado no sentido de que a transportadora aérea, em caso de aterragem num aeroporto alternativo, deve, por sua iniciativa, oferecer ao passageiro o transporte para outro local ou no sentido de que deve ser o passageiro a solicitar o transporte?

7)      Devem os artigos 7.o, n.o 1, 8.o, n.o 3, e 9.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004 ser interpretados no sentido de que o passageiro aéreo tem direito a uma indemnização por violação dos deveres de assistência e de acompanhamento previstos nos artigos 8.o e 9.o

21.      Foram apresentadas observações escritas por WZ, pelo Governo austríaco e pela Comissão Europeia.

III. Análise

22.      Como se ilustrou acima, as presentes conclusões incidirão apenas, em conformidade com o pedido do Tribunal de Justiça, sobre a segunda, terceira, sexta e sétima questões.

23.      Por conseguinte, examinarei estas questões sucessivamente.

A.      Quanto à segunda e terceira questões

24.      Com a segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, ao Tribunal de Justiça se o artigo 5.o, n.o 1, alínea c), o artigo 6.o, n.o 1, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 devem ser interpretados no sentido de que a aterragem de um voo num aeroporto diferente do aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, que se encontra na mesma cidade ou uma mesma região, dá origem a um direito a indemnização, em benefício do passageiro, por cancelamento ou atraso considerável do voo (4).

25.      Por outras palavras, o Tribunal de Justiça é chamado a apreciar se o caso de um voo desviado para um aeroporto alternativo situado próximo do aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita pode ser qualificado de cancelamento do voo ou deve ser considerado, se for caso disso, um atraso à chegada. A resposta a esta questão tem consequências significativas, na medida em que o direito a indemnização é automaticamente reconhecido ao passageiro em caso de cancelamento do voo [desde que não tenha sido informado do cancelamento nos prazos previstos no artigo 5.o, n.o 1, alínea c)], ao passo que esse passageiro não beneficia desse direito em caso de atraso se este último não tiver uma duração igual ou superior a três horas.

26.      Para propor uma resposta para estas questões, analisarei, antes de mais, o conceito de «cancelamento» na aceção do Regulamento n.o 261/2004 para chegar à conclusão de que este conceito, tal como interpretado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, pode, em princípio, abranger uma situação, como a do caso em apreço, em que um voo aterra num aeroporto alternativo situado na mesma região do aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita (secção 1). No entanto, defenderei, em seguida, que tal interpretação não é correta a partir do momento em que, com a introdução do artigo 8.o, n.o 3, no Regulamento n.o 261/2004, o legislador da União pretendeu subtrair a referida situação da aplicação do regime jurídico associado aos cancelamentos (secção 2). Assim, retirarei a conclusão de que um voo desviado para um aeroporto situado na mesma cidade ou região só dá origem a um direito a indemnização em benefício do passageiro em causa se este último chegar ao aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita ou a outro destino próximo acordado com a transportadora aérea com um atraso de duração igual ou superior a três horas (secção 3).

1.      O desvio de um voo para um aeroporto, que serve a mesma cidade ou região, diferente do aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita é um voo cancelado?

a)      Quanto ao conceito de «cancelamento» na jurisprudência do Tribunal de Justiça

27.      O conceito de «cancelamento» é definido no artigo 2.o, alínea l), do Regulamento n.o 261/2004, como «a não realização de um voo que anteriormente estava programado e em que, pelo menos, um lugar foi reservado». Uma vez que esta definição assenta, assim, na circunstância de um voo não ter sido realizado, um esclarecimento exato do sentido do conceito de «cancelamento» não pode abstrair de alguns esclarecimentos prévios quanto ao conceito de «voo».

28.      O Regulamento n.o 261/2004 não define o conceito de «voo». Todavia, jurisprudência assente do Tribunal de Justiça caracteriza‑o no sentido de consistir, no essencial, numa operação de transporte aéreo realizada por uma transportadora aérea que fixa o seu itinerário (5). Posteriormente, o Tribunal de Justiça esclareceu que o itinerário constitui um «elemento essencial» do voo, uma vez que este último é efetuado em conformidade com uma programação previamente estabelecida pela transportadora (6). Daqui resulta, parece‑me, que, se o itinerário do voo que consta dessa programação não for respeitado, esse voo não é realizado, na aceção do Regulamento n.o 261/2004, e deve, assim, ser qualificado de cancelado.

29.      Coloca‑se então a questão de saber em que condições se pode concluir que o itinerário do voo não foi respeitado.

30.      Parece‑me que a resposta foi dada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Sousa Rodríguez e o. (7). No processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça era interrogado quanto à questão de saber se o facto de pouco tempo após a descolagem um avião ter dado meia‑volta e regressado ao aeroporto de partida, de modo que os passageiros se encontravam no seu ponto de partida inicial significava que o voo tinha sido cancelado. Nessa ocasião, o Tribunal de Justiça declarou que, para que se possa considerar que um voo foi efetuado, «não basta que o avião tenha partido em conformidade com o itinerário previsto, mas ainda que chegue ao seu destino como consta do itinerário», baseando‑se na constatação de que «o termo “itinerário” designa o percurso a efetuar pelo avião, do aeroporto de partida até ao aeroporto de chegada, segundo uma cronologia estabelecida» (8) (9).

31.      Daqui decorre, em minha opinião, que são as alterações relativas ao aeroporto de partida e/ou ao aeroporto de chegada que admitem, em princípio, o abandono da programação inicialmente prevista e, por conseguinte, permitem que se considere o voo «cancelado» na aceção do Regulamento n.o 261/2004.

32.      Esta leitura parece‑me apoiada pelo Despacho proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Wunderlich (10). Nessa ocasião, o Tribunal de Justiça tinha sido chamado a pronunciar‑se sobre a questão de saber se um voo devia ser considerado cancelado no caso de os locais de partida e de chegada desse voo terem sido conformes com a programação prevista, mas o referido voo ter dado lugar a uma escala não programada. Considerando que a resposta se deduzia claramente do Acórdão Sousa Rodríguez e o. (11), o Tribunal de Justiça declarou que esta última circunstância não permitia considerar o voo em causa cancelado «dado que este último [tinha] cumprido os locais de partida e de chegada conforme a programação prevista» (12). Por outras palavras, a razão pela qual não se podia concluir pelo cancelamento do voo residia, segundo o Tribunal de Justiça, no facto de a alteração ocorrida no itinerário do referido voo não dizer respeito nem ao aeroporto de partida nem ao de chegada. Daqui deduzo, a contrario, que qualquer alteração que incida sobre um destes dois elementos determina, em princípio, a conclusão de que o voo em causa é um voo cancelado na aceção do Regulamento n.o 261/2004.

b)      Aplicação ao caso em apreço

33.      O quadro factual do presente processo demonstra — não o nego — os limites desta jurisprudência do Tribunal de Justiça. Com efeito, ainda que o voo apanhado pelo recorrente no processo principal não tenha aterrado no aeroporto do destino final, tal como consta da programação do voo, aterrou num aeroporto situado próximo do primeiro, o que pode eventualmente militar no sentido de uma interpretação mais flexível da exigência do respeito escrupuloso do itinerário programado, que me parece imposto pela jurisprudência do Tribunal de Justiça acima examinada.

34.      Com efeito, pode sustentar‑se que, estando o serviço de transporte aéreo, pela sua natureza, exposto à eventual ocorrência de dificuldades suscetíveis de provocar alterações do itinerário do voo, qualquer alteração ligeira desse itinerário, como a aterragem num aeroporto situado nas imediações do aeroporto de destino final, não deveria levar a considerar o voo em questão cancelado. É precisamente o que me parece argumentar a Comissão nas suas observações escritas quando afirma que, uma vez que o voo reservado pelo recorrente no processo principal foi apenas desviado de Berlim Tegel para Berlim Schönefeld, de forma que o aeroporto alternativo correspondia ao mesmo destino de viagem, a programação do voo não foi anulada, mas simplesmente adaptada às circunstâncias externas.

35.      Considero que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não pode ser interpretada da forma considerada pela Comissão por dois tipos de razões.

36.      Em primeiro lugar, devo esclarecer que o facto de o n.o 18 do Despacho proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Wunderlich (13) utilizar a expressão «locais de partida e de chegada», em vez de «aeroportos de partida e de chegada», não corrobora o argumento da Comissão, uma vez que o referido número visa parafrasear o n.o 28 do Acórdão de 13 de outubro de 2011, Sousa Rodríguez e o. (C‑83/10, EU:C:2011:652), para o qual remete, que faz referência aos «aeroportos de partida e de chegada».

37.      Em segundo lugar e sobretudo, não se pode esquecer que o Tribunal de Justiça elevou o itinerário, no Acórdão Sturgeon e o., ao nível de elemento determinante para distinguir o conceito de «cancelamento» do de «atraso» do voo, conceitos aos quais o Regulamento n.o 261/2004 associa consequências jurídicas bem diferentes (14). Ora, uma interpretação flexível da jurisprudência do Tribunal de Justiça acima examinada, segundo a qual alterações ligeiras que incidam sobre o aeroporto de partida ou sobre o de destino do voo não acarretariam o seu cancelamento, teria como efeito confundir a referida distinção, em detrimento dos requisitos de segurança jurídica na aplicação do Regulamento n.o 261/2004.

38.      Assim, considero que um voo desviado com vista a uma aterragem num aeroporto que serve a mesma cidade ou região que o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita pode, à primeira vista, ser qualificado de voo cancelado com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça que interpretou o conceito de «cancelamento», conforme previsto no artigo 2.o, alínea l), do Regulamento n.o 261/2004. Assim, o desvio do voo tem por efeito dar origem a um direito a indemnização ao abrigo da conjugação do artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004.

39.      Para verificar a exatidão desta proposta, é, no entanto, necessário examiná‑la à luz do teor do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, pois este último é aplicável ao caso em apreço, na medida em que regula especificamente a hipótese de um voo desviado para um aeroporto que serve a mesma cidade ou região que o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita.

2.      Quanto à compatibilidade da qualificação de «cancelamento» do caso em apreço com o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004

a)      Observações preliminares

40.      Importa recordar que, com o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros, o Regulamento n.o 261/2004 estabeleceu um sistema normativo no qual os direitos aí previstos, ou seja, os direitos a indemnização e a assistência (artigos 7.o, 8.o e 9.o), estão dependentes da ocorrência de determinados eventos, a saber a recusa de embarque, o cancelamento e o atraso considerável à partida (artigos 4.o, 5.o e 6.o), aos quais a jurisprudência acrescentou o atraso considerável à chegada (Acórdão Sturgeon e o.) (15). Assim, o cancelamento de um voo tem como efeito conferir ao passageiro um direito a indemnização (250, 400 ou 600 euros em função da distância que esse voo deveria percorrer se tivesse sido efetuado), um direito a assistência sob a forma de reembolso do preço do bilhete ou de um reencaminhamento para o destino final, bem como um direito a assistência que consiste na oferta gratuita de refeições e bebidas, de comunicações (telefónicas, por fax e eletrónicas) e, sendo caso disso, de alojamento.

41.      Neste contexto, pode considerar‑se, em conformidade com o que foi referido no n.o 38 das presentes conclusões, que a situação de desvio prevista no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 corresponde a uma situação de cancelamento na aceção do Regulamento n.o 261/2004 e que confere assim, aos passageiros, todos os direitos daí decorrentes, os quais, no que respeita à assistência, consistirão necessariamente numa assunção, por parte da transportadora aérea, do custo da transferência entre o aeroporto alternativo e o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita ou para outro destino próximo acordado com o passageiro. Se assim for, a proposta apresentada no final da secção anterior está evidentemente correta.

42.      No entanto, também se pode considerar que a situação de desvio prevista no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 não corresponde a uma situação de cancelamento, mas a um caso diferente de prestação deficiente em relação à recusa de embarque, ao cancelamento ou ao atraso, conferindo assim, aos passageiros, o único direito aí previsto quando ocorre essa prestação deficiente. Se assim for, a proposta apresentada no final da secção anterior deve evidentemente ser alterada.

43.      Para determinar qual das duas leituras do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 é a correta, há que recorrer aos métodos clássicos de interpretação do Tribunal de Justiça.

b)      Interpretação literal, sistemática, histórica e teleológica

44.      No que respeita à interpretação literal, considero que esta pode fundamentar tanto a primeira como a segunda possibilidade prevista nos n.os 41 e 42 das presentes conclusões. Com efeito, esta disposição limita‑se a prever um direito do passageiro ao custo da transferência entre o aeroporto alternativo e o que estava aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, em caso de desvio de um voo para um aeroporto situado na mesma cidade ou região, sem incluir no seu texto nenhum elemento que permita confirmar ou excluir a qualificação desse desvio como cancelamento na aceção do artigo 2.o, alínea l), do Regulamento n.o 261/2004.

45.      Felizmente, as interpretações sistemática e histórica do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 conduzem a um resultado exegético mais claro.

46.      Na perspetiva sistemática, importa, antes de mais, ter em conta o artigo 8.o do Regulamento n.o 261/2004 na sua totalidade. Recordo que o n.o 1 desta disposição refere o conteúdo do direito a assistência, ao prever que, quando é feita remissão para este artigo, deve ser oferecida aos passageiros a escolha entre o reembolso do preço do bilhete (e um voo de regresso para o primeiro ponto de partida) [alínea a)] e o reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final, na primeira oportunidade [alínea b)], ou numa data posterior [alínea c)]. O artigo 5.o do Regulamento n.o 261/2004 («Cancelamento»), que remete para aquele artigo, refere aí que o cancelamento de um voo dá aos passageiros em causa o direito de beneficiar destas duas alternativas de assistência. Ora, na minha opinião, é razoável admitir que, se o direito que figura no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 tivesse sido concebido, tal como os direitos ao reembolso do preço do bilhete ou ao reencaminhamento, como dependendo do cancelamento do voo, teria provavelmente sido incluído no n.o 1 desse preceito, eventualmente mediante o aditamento de uma alínea «d)» a este último.

47.      Caso se tome em consideração o facto de o direito à assunção do custo da transferência entre o aeroporto alternativo e o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita que serve a mesma cidade ou região ser colocado num número autónomo, diferente daquele que define os direitos a uma assistência atribuídos aos passageiros em caso de cancelamento, há que deduzir necessariamente daí que as condições de que depende a constituição desses direitos não são aplicáveis ao primeiro.

48.      Especificamente, importa recordar que a primeira parte do número 1 («Em caso de remissão para o presente artigo […]») pressupõe que os direitos a uma assistência aí previstos estão em princípio sujeitos à ocorrência de eventos exaustivamente identificados no Regulamento n.o 261/2004 e na jurisprudência que o interpretou, a saber a recusa de embarque (artigo 4.o), o cancelamento (artigo 5.o), o atraso à partida (artigo 6.o) e o atraso de uma duração igual ou superior a três horas (Acórdão Sturgeon e o.) (16). Ora, se o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 deve ter uma interpretação autónoma em relação ao referido número 1, como preconizei no número precedente, não se pode considerar que o direito aí previsto está sujeito à ocorrência de um desses eventos. Assim, deve concluir‑se que o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 atribui aos passageiros um direito ao custo da transferência entre o aeroporto alternativo e aquele para o qual a reserva tinha sido feita quando esses aeroportos estão situados numa mesma cidade ou região, independentemente da questão de saber se um dos referidos eventos ocorreu efetivamente.

49.      Uma interpretação autónoma do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 parece‑me tanto mais justificada quanto o direito em causa se distingue materialmente dos direitos a uma assistência que figuram no n.o 1 do mesmo artigo, na medida em que não se refere ao «reencaminhamento» do passageiro aéreo para o seu destino final, mas sim à situação de uma «transferência» entre dois aeroportos situados na proximidade. Enquanto o primeiro constitui um serviço de transporte aéreo geralmente prestado pela transportadora em causa (17), o segundo é um serviço de transporte de natureza diferente assegurado por um operador económico independente da transportadora aérea, sendo esta última unicamente responsável pela assunção das despesas efetuadas pelo passageiro para beneficiar desse serviço. Em resumo, considero que o facto de o direito que figura no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 ter uma natureza diferente da dos direitos a assistência pode ser explicado por ser conferido ao passageiro em razão de uma prestação deficiente da transportadora aérea diferente das que dão direito a uma assistência, em conformidade com o Regulamento n.o 261/2004 e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça que o interpretou.

50.      Um olhar atento aos trabalhos preparatórios do regulamento em causa, bem como ao seu antecessor, a saber, o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (18), confirma, na minha opinião, que o direito consagrado no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 justifica uma interpretação autónoma em relação à dos outros direitos a assistência que figuram no referido artigo 8.o

51.      Quanto ao Regulamento n.o 295/91, há que observar, com efeito, que este apresentava, no seu artigo 6.o, n.o 2, uma norma de conteúdo quase idêntico à que consta do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 (19) e que essa norma fazia parte de uma disposição consagrada exclusivamente aos direitos dos passageiros a assistência (20), em vez de figurar entre os direitos a uma assistência previstos no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 295/91 (21). Quanto aos trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 261/2004, observo que, apesar de a proposta da Comissão na origem deste regulamento (22) ter transferido a norma em questão para um artigo com a epígrafe «Direito a reembolso ou reencaminhamento», essa transferência não levou à sua inserção no artigo 8.o, n.o 1, do referido regulamento, mas à autonomização dessa norma no n.o 3, onde se mantém atualmente.

52.      Por conseguinte, resulta de uma interpretação sistemática e histórica que o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 foi concebido como uma disposição autónoma que estabelece simultaneamente os seus próprios requisitos de aplicação (a proposta da transportadora aérea ao passageiro de um voo operado para um aeroporto situado na mesma cidade ou região que o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita) e as consequências jurídicas decorrentes da verificação desses requisitos (o direito do passageiro à assistência no custo incorrido devido à transferência entre o aeroporto alternativo e o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita ou para outro destino próximo acordado com a transportadora aérea), sem que seja necessário, para identificar os requisitos ou as consequências, conjugá‑lo com outras disposições do Regulamento n.o 261/2004, conforme interpretadas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

53.      Por último, há que entender a disposição em causa sob um prisma teleológico, que é indubitavelmente — recordo‑o — o método privilegiado pelo Tribunal de Justiça para interpretar o Regulamento n.o 261/2004 (23). Ora, refiro desde já que este método permite, na minha opinião, dissipar qualquer eventual dúvida residual quanto à questão de saber se a situação de desvio prevista no artigo 8.o, n.o 3, deste regulamento deve ser equiparada a um cancelamento do voo na aceção do artigo 2.o, alínea l), do referido regulamento.

54.      À luz do objetivo principal prosseguido pelo Regulamento n.o 261/2004, importa, antes de mais, recordar que este regulamento visa, como decorre dos seus considerandos 1, 2 e 4, garantir um elevado nível de proteção dos passageiros e dos consumidores, reforçando os respetivos direitos em certas situações que criam dificuldades e inconvenientes sérios, mediante a sua reparação de forma estandardizada e imediata (24).

55.      Assim, a qualificação de um voo como estando «cancelado» implica que os inconvenientes com que os passageiros são confrontados devido ao incumprimento da obrigação de transporte são sérios. Ora, a aterragem de um voo num aeroporto diferente do aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, mas que serve a mesma cidade ou região, não constitui, na minha opinião, uma situação que implique, enquanto tal, para os passageiros, inconvenientes tão sérios como os gerados por um cancelamento (ou uma recusa de embarque ou um atraso igual ou superior a três horas).

56.      Além disso, não me parece evidente que uma interpretação do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 que equipare a situação de desvio para um aeroporto que serve a mesma cidade ou região que o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, a um cancelamento se traduza numa garantia de proteção dos passageiros mais elevada do que a interpretação que a qualifica de prestação deficiente diferente do cancelamento, da recusa de embarque e do atraso considerável à chegada. Com efeito, recordo que um dos meios utilizados pelo referido regulamento para atingir o seu objetivo primário de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros é o de dissuadir as transportadoras aéreas de procederem a cancelamentos (25). Neste contexto, é fácil imaginar que, se a situação de desvio prevista no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 não fosse entendida no sentido de se subtrair ao âmbito do conceito de «cancelamento» e criasse assim, para o passageiro, os mesmos direitos que o cancelamento, as transportadoras aéreas reagiriam, num grande número de situações, enquanto operadores económicos avisados, decidindo cancelar os voos que, simplesmente, poderiam ter sido desviados para um aeroporto situado na proximidade do aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita e propondo depois aos passageiros desses voos um reencaminhamento para este último aeroporto, provavelmente numa data posterior. Acima de tudo, seria economicamente racional envidar esforços organizacionais, muitas vezes não despiciendos, para permitir aos passageiros atingir o seu destino final o mais rapidamente possível, ao passo que as obrigações que incumbem às transportadoras aéreas por força desse desvio são semelhantes às que lhes incumbem em caso de cancelamento (indemnização e assistência)?

3.      Conclusão

57.      À luz das considerações que precedem, julgo que não pode ser acolhida a interpretação considerada no n.o 41 das presentes conclusões, segundo a qual um voo desviado para aterragem num aeroporto que serve a mesma cidade ou região que o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita pode ser qualificado de voo cancelado, na medida em que o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 concebe esse desvio como um caso de prestação deficiente diferente do cancelamento do voo. Daqui resulta que esse desvio, em princípio, dá origem apenas a um direito do passageiro ao custo da sua transferência entre o aeroporto alternativo e o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita (ou outro destino próximo acordado entre a transportadora aérea e o passageiro), com exclusão do direito a indemnização de que o passageiro disporia em caso de cancelamento do voo.

58.      Para todos os efeitos, e embora esteja consciente de que não é o caso no processo principal, acrescento que não se pode certamente excluir que, na hipótese do desvio em questão, o passageiro chegue ao aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita ou ao destino próximo acordado com a transportadora aérea com um atraso de duração igual ou superior a três horas. É evidente que esse atraso considerável à chegada daria, a esse passageiro, um direito a indemnização nos termos da leitura conjugada dos artigos 5.o, 6.o e 7.o do Regulamento n.o 261/2004, como decorre do Acórdão Sturgeon e o. (26), acima referido.

59.      Antes de concluir, devo salientar que uma interpretação que equipara a situação de desvio regida pelo artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 a um cancelamento do voo entraria igualmente em conflito, na minha opinião, com o princípio da igualdade de tratamento, ao qual o Tribunal de Justiça se tem reiteradamente referido no âmbito da interpretação de outras disposições deste regulamento (27).

60.      Como se sabe, este princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado. Relativamente ao Regulamento n.o 261/2004, o Tribunal de Justiça já declarou que a questão de saber se situações abrangidas por esse regulamento são comparáveis deve ser decidida «em função do tipo e da importância dos diferentes inconvenientes e prejuízos sofridos pelos passageiros em causa» (28) (29). Tendo em conta estes critérios, não há nenhuma dúvida, na minha opinião, de que um passageiro que apanhou um voo que decorreu em conformidade com a programação inicial e chegou ao aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita com um atraso inferior a três horas sofreria um transtorno do mesmo tipo e da mesma importância que um passageiro, como o recorrente no processo principal, cujo voo foi desviado para um aeroporto alternativo que serve da mesma cidade ou região, e que chegou ao aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita com um atraso inferior a três horas. No entanto, se se considerasse que esta situação de desvio deve ser equiparada a um cancelamento, só o segundo passageiro teria direito a receber uma indemnização ao abrigo do artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004.

61.      Tendo em conta o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda e terceira questões que o artigo 5.o, n.o 1, alínea c), o artigo 6.o, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 devem ser interpretados no sentido de que a aterragem de um voo num aeroporto alternativo ao aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, que se situa na mesma cidade ou na mesma região, não dá origem, em benefício do passageiro, a um direito a indemnização por cancelamento do voo. Só há direito a indemnização se, devido a esse desvio, o passageiro chegar ao aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, ou a outro destino próximo acordado com a transportadora aérea, com um atraso igual ou superior a três horas.

B.      Quanto à sexta questão

62.      Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que, em caso de aterragem num aeroporto alternativo àquele para o qual a reserva tinha sido feita, a transportadora aérea deve, por sua própria iniciativa, propor ao passageiro suportar ela própria os custos da transferência para este último aeroporto ou outro destino próximo acordado com o passageiro.

63.      Gostaria, antes de mais, de assinalar o meu desacordo com a posição expressa pela Comissão nas suas observações escritas, segundo a qual o facto de este artigo prever que a transportadora aérea «deve suportar o custo da transferência do passageiro desse aeroporto alternativo para o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, ou para outro destino próximo acordado com o passageiro» (30), deve necessariamente levar a concluir que essa transportadora não é obrigada a tomar a iniciativa para cumprir esta obrigação. Com efeito, embora seja verdade que o termo «suportar» pode levar a pensar que a referida obrigação comporta unicamente o reembolso do custo da transferência a pedido do passageiro, esta interpretação ignoraria, no entanto, o facto de o membro de frase anterior da disposição em causa («[...se] uma transportadora aérea operadora oferecer aos passageiros um voo para um aeroporto alternativo em relação àquele para o qual tinha sido feita a reserva») (31) se referir a uma proposta da transportadora que poderia ser acompanhada de uma proposta de assunção dos custos incorridos pelo passageiro devido à transferência em questão. Por conseguinte, considero que a letra do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 não permite retirar uma resposta unívoca à presente questão.

64.      Nestas condições, o aspeto teleológico do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 reveste, uma vez mais, uma importância determinante para a sua interpretação. Com efeito, há que recordar que, embora o objetivo primário deste regulamento seja, como indica o seu primeiro considerando, «garantir um elevado nível de proteção do passageiro», este mesmo considerando precisa que «é ainda conveniente ter plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral» (32).

65.      Por outras palavras, a filosofia subjacente ao sistema de regras instituído pelo Regulamento n.o 261/2004 baseia‑se igualmente no facto de o passageiro‑consumidor se encontrar numa situação desvantajosa em relação à transportadora aérea‑prestadora do serviço. Para compensar essa situação e permitir assim ao passageiro‑consumidor um gozo efetivo dos direitos que lhe são conferidos, parece‑me que este regulamento exige que o passageiro‑consumidor seja assistido de forma ativa pela transportadora aérea‑prestadora do serviço.

66.      Tal resulta, nomeadamente, de disposições do Regulamento n.o 261/2004 que regulam os direitos do passageiro a assistência. A este respeito, pode‑se efetivamente verificar que, embora as diferentes versões linguísticas do artigo 8.o, n.o 1, do referido regulamento não sejam unânimes quanto à questão de saber se a iniciativa incumbe à transportadora aérea ou ao passageiro (33), o artigo 4.o, n.o 3 (recusa de embarque), o artigo 5.o, n.o 1, alínea a) (cancelamento), e o artigo 6.o, n.o 1, alínea c), iii) (atraso de pelo menos cinco horas), do mesmo regulamento preveem, respetivamente, que a transportadora aérea «presta assistência [aos passageiros em causa]», que «os passageiros em causa têm direito [a r]eceber da transportadora aérea operadora assistência» e que «a transportadora aérea operadora deve oferecer aos passageiros […] a assistência especificada na alínea a) do n.o 1 do artigo 8.o».

67.      A necessidade de uma proposta de assistência por parte da transportadora aérea reflete, com efeito, a exigência de proteção do passageiro‑consumidor, na medida em que este último, «despejado» num aeroporto alternativo ao do seu destino final, devido à ocorrência de um dos eventos acima referidos, se encontra numa situação de vulnerabilidade em relação à transportadora aérea estabelecida nesse aeroporto. É a razão por que esta última deve dar cumprimento ao dever de assistência que lhe incumbe, independentemente de um pedido prévio por parte desse passageiro.

68.      Como foi observado pelo Governo austríaco nas suas observações escritas, parece‑me que esta interpretação está plenamente em linha com o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Rusu, no qual declarou que incumbe à transportadora aérea que recusou o embarque aos passageiros oferecer‑lhes a assistência prevista no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004. Mais especificamente, o Tribunal de Justiça considerou, nesse acórdão, que recaía sobre a transportadora aérea, aquando da apresentação da sua proposta, fornecer ao passageiro as informações necessárias para lhe permitir fazer uma escolha eficaz entre o reembolso do bilhete ou o reencaminhamento, sem que esse passageiro tenha de contribuir ativamente para a procura dessas informações (34). Em resumo, parece‑me que decorre desse acórdão que o gozo efetivo do direito a assistência por parte do passageiro não pode ignorar a necessidade de uma intervenção prévia da transportadora aérea.

69.      Ora, embora o direito ao custo da transferência entre o aeroporto alternativo e aquele para o qual a reserva tinha sido feita (ou para outro destino próximo acordado com o passageiro) deva ser objeto, como foi sustentado nas presentes conclusões, de uma interpretação autónoma relativamente aos direitos à assistência que figura no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004, considero que a obrigação correlativa que recai sobre a transportadora aérea também deve ter em conta a exigência de proteção do passageiro‑consumidor, conforme enunciada no primeiro considerando deste regulamento.

70.      Tendo em conta o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à sexta questão que o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que, em caso de aterragem num aeroporto alternativo àquele para o qual a reserva tinha sido feita, a transportadora aérea deve propor, por sua própria iniciativa, ao passageiro a assunção do custo da transferência para este último aeroporto ou para outro destino próximo acordado com o passageiro.

C.      Quanto à sétima questão

71.      Com a sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se a violação do dever de suportar o custo da transferência do passageiro entre o aeroporto alternativo e o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita (ou para o destino próximo acordado com o passageiro) e do transporte desde o aeroporto até ao local de alojamento, que incumbe à transportadora aérea por força dos artigo 8.o, n.o 3, e do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004, é suscetível de conferir ao passageiro um direito a uma indemnização fixa na aceção do artigo 7.o, n.o 1, deste regulamento.

72.      Importa, antes de mais, sugerir ao Tribunal de Justiça que reformule esta questão por referência apenas ao artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004. Quanto ao artigo 9.o, n.o 1, alínea c), deste regulamento, entendo que, de facto, a pertinência da sua interpretação para a resolução do litígio no processo principal não resulta claramente do quadro factual do presente processo e que, em todo o caso, a interpretação do artigo 8.o, n.o 3, do referido regulamento enquanto disposição autónoma, que defendo nas presentes conclusões, pode excluir essa pertinência na medida em que essa interpretação implica que só é aplicável o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 numa situação de desvio como a ora em apreço.

73.      Não me parece que tal questão coloque dificuldades especiais, pois a jurisprudência do Tribunal de Justiça já forneceu todas as referências necessárias para lhe dar resposta.

74.      Antes de mais, há que recordar que o Tribunal de Justiça já tomou expressamente posição em sentido afirmativo, embora sob a forma de um obiter dictum, sobre a questão da existência de um direito a indemnização do passageiro pelo facto de a transportadora aérea não ter cumprido as obrigações de assistência que lhe incumbem por força dos artigos 8.o e 9.o do Regulamento n.o 261/2004 no Acórdão Sousa Rodríguez e o. (35).

75.      Poder‑se‑ia eventualmente perguntar se um passageiro também dispõe desse direito quando a transportadora aérea violou o dever de suportar o custo da transferência do passageiro entre o aeroporto alternativo e aquele para o qual a reserva tinha sido feita (ou o destino próximo acordado) previsto no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004. Com efeito, recordo mais uma vez que a tese sustentada nestas conclusões é a de que as obrigações de assistência propriamente ditas, cuja violação dá origem a um direito de indemnização, de acordo com o Acórdão Sousa Rodríguez e o. (36), só estão previstas no artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento, devendo considerar‑se o artigo 8.o, n.o 3, do mesmo uma disposição autónoma. Ora, considero que a resposta a esta questão deve necessariamente ser afirmativa, uma vez que «é óbvio que [a obrigação em questão, tal como] a obrigação de prestar assistência (e de responsabilidade) seria inoperante se não pudesse ser executada», para utilizar as palavras da advogada‑geral E. Sharpston nas suas Conclusões relativas ao processo Sousa Rodríguez e o. (37).

76.      Quanto à questão de saber se a indemnização em causa pode consistir numa indemnização fixa na aceção do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004, como alega o recorrente no processo principal, basta examinar mais atentamente o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça no Acórdão McDonagh (38), quando aprecia a questão da validade do artigo 9.o do Regulamento n.o 261/2004 à luz do princípio da proporcionalidade, para excluir essa possibilidade.

77.      Segundo o Tribunal de Justiça, a inexistência de limite temporal ou financeiro ao dever de assistência consagrado no artigo 9.o deste regulamento não é suscetível de violar o princípio da proporcionalidade, uma vez que as consequências financeiras negativas, mesmo consideráveis, que acarreta para as transportadoras aéreas não são desmesuradas relativamente ao objetivo de elevada proteção dos passageiros e que, em todo o caso, as transportadoras aéreas, enquanto operadores avisados, podem repercutir os custos gerados por essa obrigação nos preços dos bilhetes de avião. Nesta fase, o Tribunal de Justiça acrescentou um outro ponto para esclarecer que o passageiro só pode, assim, obter, a título de indemnização pelo incumprimento desse dever de assistência por parte da transportadora aérea, o reembolso das quantias que, vistas as circunstâncias próprias de cada caso, se revelaram necessárias, adequadas e razoáveis a fim de suprir a falha da transportadora aérea na assistência ao passageiro em causa, deixando‑lhe o cuidado de submeter essa apreciação ao juiz nacional (39). Assim, o Tribunal de Justiça quis perceber, na minha opinião, se uma interpretação conforme com o princípio da proporcionalidade pressupõe uma correspondência entre o montante da indemnização devida pela transportadora aérea e o das despesas apresentadas pelo passageiro em causa, exigência que exclui, por definição, uma indemnização de natureza fixa, como a prevista no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004.

78.      Reconheço de bom grado que o aditamento deste número ao acórdão em causa não estava especificamente fundamentado pela preocupação de afastar a aplicação de uma indemnização fixa, mas apenas pela necessidade de fixar um limite aos montantes reclamados pelos passageiros devido ao incumprimento da transportadora aérea do dever de assistência que lhe incumbe no caso de o seu voo ter sido cancelado em consequência de circunstâncias extraordinárias que perduram no tempo. Todavia, o caráter geral da formulação utilizada pelo Tribunal de Justiça, conjugado com o facto de o número em questão constar também do dispositivo do referido acórdão, revela, na minha opinião, que o reconhecimento de uma indemnização fixa ao passageiro, como a prevista no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004, na sequência da violação do seu dever de assistência previsto no artigo 9.o deste regulamento, acarreta, segundo o Tribunal de Justiça, consequências financeiras negativas para a transportadora aérea tão importantes, que este artigo não pode ser assim interpretado sem violar o princípio da proporcionalidade.

79.      Por conseguinte, pode‑se concluir que, no caso em apreço, a violação do dever de assistência que consta do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 261/2004, por parte da transportadora aérea, gera, em benefício do passageiro, um direito ao reembolso das quantias que, vistas as circunstâncias próprias de cada caso, se revelarem necessárias, adequadas e razoáveis para suprir esta falha da transportadora aérea.

80.      Tendo em conta a necessidade de adotar uma interpretação conforme com o princípio da proporcionalidade de qualquer disposição do Regulamento n.o 261/2004, é evidente, na minha opinião, que esta conclusão é igualmente aplicável no caso de a obrigação violada pela transportadora aérea ser a prevista no artigo 8.o, n.o 3, do referido regulamento.

81.      À luz das considerações anteriores, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda à sétima questão prejudicial que a violação do dever de suportar o custo da transferência do passageiro entre o aeroporto alternativo e o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita (ou o destino próximo acordado com o passageiro) que incumbe à transportadora aérea por força do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, não é suscetível de conferir ao passageiro um direito a uma indemnização fixa na aceção do artigo 7.o, n.o 1, deste regulamento. Em contrapartida, cria, em benefício do passageiro, um direito ao reembolso das quantias que, vistas as circunstâncias próprias de cada caso, se revelem necessárias, adequadas e razoáveis para suprir essa falha da transportadora aérea.

IV.    Conclusão

82.      Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda, terceira, sexta e sétima questões prejudiciais submetidas pelo Landesgericht Korneuburg (Tribunal Regional de Korneuburgo, Áustria), nos termos seguintes:

1)      O artigo 5.o, n.o 1, alínea c), o artigo 6.o, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91, devem ser interpretados no sentido de que a aterragem de um voo num aeroporto alternativo ao aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, que se situa na mesma cidade ou na mesma região, não dá origem, em benefício do passageiro, a um direito a indemnização por cancelamento do voo. Só há direito a indemnização se, devido a esse desvio, o passageiro chegar ao aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita, ou a outro destino próximo acordado com a transportadora aérea, com um atraso igual ou superior a três horas.

2)      O artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que, em caso de aterragem num aeroporto alternativo àquele para o qual a reserva tinha sido feita, a transportadora aérea deve propor, por sua própria iniciativa, ao passageiro a assunção dos custos da transferência para este último aeroporto ou para outro destino próximo acordado com o passageiro.

3)      A violação do dever de suportar o custo da transferência do passageiro entre o aeroporto alternativo e o aeroporto para o qual a reserva tinha sido feita (ou o destino próximo acordado com o passageiro), que incumbe à transportadora aérea por força do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, não é suscetível de conferir ao passageiro um direito a uma indemnização fixa na aceção do artigo 7.o, n.o 1, deste regulamento. Em contrapartida, cria, em benefício do passageiro, um direito ao reembolso das quantias que, vistas as circunstâncias próprias de cada caso, se revelem necessárias, adequadas e razoáveis para suprir essa falha da transportadora aérea.


1      Língua original: francês.


2      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1).


3      Acórdão de 19 de novembro de 2009 (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716).


4      Apesar da referência ao artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004, parece‑me evidente que o «atraso considerável» referido na terceira questão corresponde à hipótese de atraso considerável à chegada, a saber, um atraso à chegada igual ou superior a três horas na aceção do Acórdão de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.os 65 a 69), e não à do atraso considerável à partida. Com efeito, resulta da decisão de reenvio que o pedido de pagamento de uma indemnização apresentado pelo recorrente no processo principal nos órgãos jurisdicionais nacionais se baseava, nomeadamente, no atraso do voo em causa à chegada. Em todo o caso, um atraso na partida não dá origem a qualquer direito a indemnização enquanto tal, tendo em conta a falta de remissão do artigo 6.o do Regulamento n.o 261/2004 para o seu artigo 7.o


5      V. Acórdão de 10 de julho de 2008, Emirates Airlines (C‑173/07, EU:C:2008:400, n.o 40).


6      Acórdão de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.o 30).


7      Acórdão de 13 de outubro de 2011 (C‑83/10, EU:C:2011:652).


8      Acórdão de 13 de outubro de 2011, Sousa Rodríguez e o. (C‑83/10, EU:C:2011:652, n.o 28).


9      O sublinhado é meu.


10      Despacho de 5 de outubro de 2016 (C‑32/16, EU:C:2016:753).


11      Acórdão de 13 de outubro de 2011 (C‑83/10, EU:C:2011:652).


12      Despacho de 5 de outubro de 2016, Wunderlich (C‑32/16, EU:C:2016:753, n.o 18).


13      Despacho de 5 de outubro de 2016 (C‑32/16, EU:C:2016:753).


14      Acórdão de 19 de novembro de 2009 (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.os 29 a 36).


15      Acórdão de 19 de novembro de 2009 (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716).


16      Acórdão de 19 de novembro de 2009 (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716).


17      Isto resulta de forma particularmente clara da leitura da versão em língua italiana do artigo 8.o do Regulamento n.o 261/2004, na qual o termo «reencaminhamento» foi traduzido por «imbarco su un volo alternativo» (o sublinhado é meu), ou seja, «embarque num voo alternativo».


18      Regulamento do Conselho, de 4 de fevereiro de 1991, que estabelece regras comuns relativas a um sistema de compensação por recusa de embarque de passageiros nos transportes aéreos regulares (JO 1991, L 36, p. 5).


19      O artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 295/91 tinha a seguinte redação: «No caso de uma cidade ou de uma região ser servida por vários aeroportos e uma transportadora aérea oferecer a um passageiro a quem tenha sido recusado o embarque um voo para um aeroporto diferente daquele para o qual o passageiro tinha efetuado a reserva, as despesas de deslocação entre os aeroportos alternativos ou para um destino alternativo próximo, acordado com o passageiro, ficam a cargo da transportadora».


20      V. artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 295/91, nos termos do qual, «[a]lém das compensações mínimas fixadas no artigo 4.o, a transportadora oferecerá, a título gratuito, aos passageiros a quem seja recusado o embarque: a) O custo de uma chamada telefónica e/ou mensagem de telex/telefax para o local de destino; b) Refeições e bebidas em proporção razoável ao tempo de espera; c) Alojamento num hotel no caso de bloqueamento dos passageiros por uma ou várias noites».


21      Esta disposição tinha a seguinte redação: «Em caso de recusa de embarque, o passageiro tem direito de escolher entre: — o reembolso sem penalização do preço do bilhete correspondente à parte da viagem não efetuada, — o reencaminhamento no mais curto prazo para o destino final ou — o reencaminhamento numa data posterior da conveniência do passageiro».


22      Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos/* COM/2001/0784 final — COD 2001/0305 */(JO 2002, C 103E/17, p. 225).


23      De entre um número considerável de exemplos possíveis, v. a referência do Tribunal de Justiça aos objetivos do Regulamento n.o 261/2004, quando foi chamado a interpretar o conceito de «voo» no Acórdão de 10 de julho de 2008, Emirates Airlines (C‑173/07, EU:C:2008:400, n.o 35), segundo o qual «[…] considerar um “voo” […] como uma viagem de ida e volta teria, na realidade, como consequência diminuir a proteção que deve ser concedida aos passageiros ao abrigo desse regulamento, o que seria contrário ao seu objetivo, que consiste em garantir um elevado nível de proteção dos passageiros […]».


24      V. Acórdão de 22 de junho de 2016, Mennens (C‑255/15, EU:C:2016:472, n.o 26 e jurisprudência referida).


25      V., a este respeito, proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos/* COM/2001/0784 final — COD 2001/0305 */n.o 5. V., também, Acórdão de 10 de janeiro de 2006, Bohez (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 83).


26      Acórdão de 19 de novembro de 2009 (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716).


27      Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.os 93 a 100); de 10 de julho de 2008, Emirates Airlines (C‑173/07, EU:C:2008:400, n.os 38 e 39); de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.os 48 e segs.); de 23 de outubro de 2012, Nelson e o. (C‑581/10 e C‑629/10, EU:C:2012:657, n.os 33 a 40); e de 7 de setembro de 2017, Bossen e o. (C‑559/16, EU:C:2017:644, n.os 19 e segs.); Despacho de 5 de outubro de 2016, Wunderlich (C‑32/16, EU:C:2016:753, n.os 21 e segs.).


28      Acórdão de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.o 49).


29      O sublinhado é meu.


30      O sublinhado é meu.


31      O sublinhado é meu.


32      O sublinhado é meu.


33      As versões em língua alemã («so können Fluggäste wählen zwischen […]»), finlandesa («matkustajalle on annettava mahdollisuus valita jokin seuraavista vaihtoehdoista […]»), lituana («keleiviams leidžiama rinktis […]») e polaca («pasażerowie mają prawo wyboru pomiędzy […]») limitam‑se a fazer referência ao facto de os passageiros poderem ou terem o direito de escolher entre as diferentes formas de assistência disponíveis, sem especificar se incumbe à transportadora aérea propor aos passageiros a assistência prevista nessa disposição ou a estes últimos pedi‑la, ao passo que as demais versões linguísticas consagram a primeira destas duas hipóteses.


34      Acórdão de 29 de julho de 2019 (C‑354/18, EU:C:2019:637, n.os 53 a 55).


35      Acórdão de 13 de outubro de 2011 (C‑83/10, EU:C:2011:652, n.o 44).


36      Acórdão de 13 de outubro de 2011 (C‑83/10, EU:C:2011:652).


37      V. Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Sousa Rodriguez e o. (C‑83/10, EU:C:2011:427, n.o 60).


38      Acórdão de 31 de janeiro de 2013 (C‑12/11, EU:C:2013:43).


39      V. Acórdão de 31 de janeiro de 2013, McDonagh (C‑12/11, EU:C:2013:43, n.os 45 a 51).