ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

5 de outubro de 2020 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Procedimento administrativo — Decisão que ordena uma inspeção — Exceção de ilegalidade do artigo 20.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Direito a um recurso efetivo — Igualdade de armas — Dever de fundamentação — Direito à inviolabilidade do domicílio — Indícios suficientemente sérios — Proporcionalidade»

No processo T‑249/17,

Casino, GuichardPerrachon, com sede em Saint‑Étienne (França),

Achats Marchandises Casino SAS (AMC), antiga EMC Distribution, com sede em Vitry‑sur‑Seine (França),

representadas por: D. Théophile, I. Simic, O. de Juvigny, T. Reymond, A. Sunderland e G. Aubron, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Mongin, A. Dawes e I. Rogalski, na qualidade de agentes, assistidos por F. Ninane, advogada,

recorrida,

apoiada pelo:

Conselho da União Europeia, representado por S. Boelaert, S. Petrova e O. Segnana, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE, destinado à anulação da Decisão C(2017) 1054 final da Comissão, de 9 de fevereiro de 2017, que ordena à Casino, Guichard‑Perrachon e a todas as sociedades direta ou indiretamente controladas por ela que se sujeitem a uma inspeção em conformidade com o artigo 20.o, n.os 1 e 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho (processo AT.40466 — Tute 1),

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

composto por: S. Gervasoni (relator), presidente, L. Madise, R. da Silva Passos, K. Kowalik‑Bańczyk e C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 29 de janeiro de 2020,

profere o presente

Acórdão

I.      Quadro jurídico

1        O artigo 20.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), com a epígrafe «Poderes da Comissão em matéria de inspeção», dispõe:

«1.      No cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo presente regulamento, a Comissão pode efetuar todas as inspeções necessárias junto das empresas e associações de empresas.

2.      Os funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão para efetuar uma inspeção podem:

a)      Aceder a todas as instalações, terrenos e meios de transporte das empresas e associações de empresas;

b)      Inspecionar os livros e outros registos relativos à empresa, independentemente do seu suporte;

c)      Tirar ou obter sob qualquer forma cópias ou extratos dos documentos controlados;

d)      Apor selos em quaisquer instalações, livros ou registos relativos à empresa por período e na medida necessária à inspeção;

e)      Solicitar a qualquer representante ou membro do pessoal da empresa ou da associação de empresas explicações sobre factos ou documentos relacionados com o objeto e a finalidade da inspeção e registar as suas respostas.

3.      Os funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão para efetuar uma inspeção exercem os seus poderes mediante a apresentação de mandado escrito que indique o objeto e a finalidade da inspeção, bem como a sanção prevista no artigo 23.o no caso de os livros ou outros registos relativos à empresa que tenham sido exigidos serem apresentados de forma incompleta ou de as respostas aos pedidos feitos em aplicação do n.o 2 do presente artigo serem inexatas ou deturpadas. A Comissão deve avisar em tempo útil antes da inspeção a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efetuar a inspeção.

4.      As empresas e as associações de empresas são obrigadas a sujeitar‑se às inspeções que a Comissão tenha ordenado mediante decisão. A decisão deve indicar o objeto e a finalidade da inspeção, fixar a data em que esta tem início e indicar as sanções previstas nos artigos 23.o e 24.o, bem como a possibilidade de impugnação da decisão perante o Tribunal de Justiça. A Comissão toma essas decisões após consultar a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efetuar a inspeção.

5.      Os funcionários da autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efetuar a inspeção, ou os agentes mandatados por essa autoridade, devem, a pedido desta ou da Comissão, prestar assistência ativa aos funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão. Dispõem, para o efeito, dos poderes definidos no n.o 2.

6.      Quando os funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão verificarem que uma empresa se opõe a uma inspeção ordenada nos termos do presente artigo, o Estado‑Membro em causa deve prestar‑lhes a assistência necessária, solicitando, se for caso disso, a intervenção da força pública ou de uma autoridade equivalente, para lhes dar a possibilidade de executar a sua missão de inspeção.

7.      Se, para a assistência prevista no n.o 6, for necessária a autorização de uma autoridade judicial de acordo com as regras nacionais, essa autorização deve ser solicitada. Essa autorização pode também ser solicitada como medida cautelar.

8.      Sempre que for solicitada a autorização prevista no n.o 7, a autoridade judicial nacional controla a autenticidade da decisão da Comissão, bem como o caráter não arbitrário e não excessivo das medidas coercivas relativamente ao objeto da inspeção. Ao proceder ao controlo da proporcionalidade das medidas coercivas, a autoridade judicial nacional pode pedir à Comissão, diretamente ou através da autoridade do Estado‑Membro responsável em matéria de concorrência, informações circunstanciadas, em especial quanto aos motivos que tem a Comissão para suspeitar de violação dos artigos [101.o] e [102.o TFUE], bem como quanto à gravidade da infração suspeita e à natureza do envolvimento da empresa em causa. No entanto, a autoridade judicial nacional não pode pôr em causa a necessidade da inspeção, nem exigir que lhe sejam apresentadas informações que constem do processo da Comissão. O controlo da legalidade da decisão da Comissão encontra‑se reservado exclusivamente ao Tribunal de Justiça.»

II.    Antecedentes do litígio

2        A Casino, Guichard‑Perrachon, a primeira recorrente (a seguir «Casino»), é a sociedade‑mãe do grupo Casino, que exerce a sua atividade designadamente em França, principalmente no setor da distribuição alimentar e não alimentar. A sua filial, a Achats Marchandises Casino SAS (AMC), anteriormente EMC Distribution, a segunda recorrente, é uma central de compras que negoceia as condições de compra com os fornecedores para as marcas do grupo Casino em França.

3        Tendo recebido informações relativas ao intercâmbio de informações entre a primeira recorrente e outras empresas ou associações de empresas, nomeadamente a Intermarché, sociedade que também exerce a sua atividade no setor da distribuição alimentar e não alimentar, a Comissão Europeia adotou, em 9 de fevereiro de 2017, a Decisão C(2017) 1054 final, que ordena à Casino, Guichard‑Perrachon e a todas as sociedades direta ou indiretamente controladas por ela que se sujeitem a uma inspeção em conformidade com o artigo 20.o, n.os 1 e 4, do Regulamento n.o 1/2003 (processo AT.40466 — Tute 1) (a seguir «decisão impugnada»).

4        O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

A Casino […], e todas as sociedades direta ou indiretamente controladas por ela, são obrigadas a sujeitar‑se a uma inspeção relativa à sua eventual participação em práticas concertadas contrárias ao artigo 101.o [TFUE] nos mercados do abastecimento de bens de consumo corrente, no mercado de venda de serviços aos fabricantes de produtos de marca e nos mercados de venda aos consumidores de bens de consumo corrente. Essas práticas concertadas consistem em:

a)      intercâmbios de informações, desde 2015, entre empresas e/ou associações de empresas, nomeadamente a ICDC […], e/ou os seus membros, nomeadamente a Casino e a AgeCore e/ou os seus membros, nomeadamente a Intermarché, relativamente aos descontos que obtiveram nos mercados do abastecimento de bens de consumo corrente, nos setores dos produtos alimentares, produtos de higiene e produtos de limpeza e aos preços no mercado de venda de serviços aos fabricantes de produtos de marca nos setores dos produtos alimentares, produtos de higiene e produtos de limpeza, em diversos Estados‑Membros da União Europeia, nomeadamente em França, e

b)      intercâmbios de informações, pelo menos desde 2016, entre a Casino e a Intermarché relativamente às suas estratégias comerciais futuras, nomeadamente em termos de gama de produtos, desenvolvimento de lojas, de comércio eletrónico e de política promocional nos mercados do abastecimento de bens de consumo corrente e nos mercados de venda aos consumidores de bens de consumo corrente, em França.

Esta inspeção pode ter lugar em quaisquer instalações da empresa […]

A Casino autoriza os funcionários e outras pessoas mandatadas pela Comissão para proceder a uma inspeção e os funcionários e outras pessoas mandatadas pela autoridade da concorrência do Estado‑Membro em causa para os ajudar ou nomeadas por esta último para este efeito a aceder a todas as suas instalações e meios de transporte durante as horas normais de funcionamento. Sujeita à inspeção os livros e todos os demais documentos profissionais, qualquer que seja o seu suporte, se os funcionários e outras pessoas mandatadas o solicitarem e permite‑lhes examiná‑los nas instalações e fazer ou obter sob qualquer forma cópia ou extrato desses livros ou documentos. Autoriza a aposição de selos em todas as instalações comerciais e livros ou documentos durante a inspeção e na medida em que tal seja necessário para o efeito. Dá imediatamente no local explicações verbais a respeito do objeto e da finalidade da inspeção se esses funcionários ou pessoas o solicitarem e autoriza qualquer representante ou membro do pessoal a dar essas explicações. Autoriza o registo dessas explicações sob qualquer forma.

Artigo 2.o

A inspeção pode ter início em 20 de fevereiro de 2017 ou pouco tempo depois.

Artigo 3.o

A Casino e todas as sociedades direta ou indiretamente controladas por ela são destinatárias da presente decisão.

Esta decisão é notificada, imediatamente antes da inspeção, à empresa destinatária, nos termos do artigo 297.o, n.o 2, [TFUE].»

5        Tendo sido informada desta inspeção pela Comissão, a Autorité de la concurrence (Autoridade da Concorrência) francesa submeteu à apreciação dos juízes competentes em matéria de liberdades e de detenção dos tribunaux de grande instance de Créteil e de Paris (Tribunais de Primeira Instância de Créteil e de Paris, França) um pedido de autorização para realizar operações de visita e de apreensão nas instalações das recorrentes. Por Despachos de 17 de fevereiro de 2017, esses juízes competentes em matéria de liberdades e de detenção autorizaram as visitas e as apreensões requeridas, como medida cautelar. Uma vez que nenhuma das medidas tomadas durante a inspeção necessitou do uso de «poderes coercivos» na aceção do artigo 20.o, n.os 6 a 8, do Regulamento n.o 1/2003, estes despachos não foram notificados às recorrentes.

6        A inspeção teve início em 20 de fevereiro de 2017, data em que os inspetores da Comissão, acompanhados de representantes da Autoridade da Concorrência francesa, se apresentaram na sede parisiense do grupo Casino e nas instalações da segunda recorrente e notificaram a decisão impugnada às recorrentes.

7        No âmbito da inspeção, a Comissão procedeu, nomeadamente, a uma visita dos escritórios, a uma recolha de material, em especial informático (computadores portáteis, telemóveis, tablet, dispositivos de armazenamento), à audição de diversas pessoas e à cópia do conteúdo do material recolhido.

8        Cada uma das recorrentes enviou à Comissão uma mensagem de correio eletrónico datada de 24 de fevereiro de 2017, na qual formularam reservas quanto à decisão impugnada e ao desenrolar da inspeção realizada com base nela.

III. Tramitação do processo e pedidos das partes

9        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de abril de 2017, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

10      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de julho de 2017, o Conselho da União Europeia apresentou um pedido de intervenção no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por Decisão de 22 de setembro de 2017, o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral autorizou essa intervenção. O Conselho apresentou o seu articulado e as partes principais apresentaram as suas observações sobre o mesmo nos prazos fixados.

11      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        adotar uma medida de organização do processo que ordene à Comissão a apresentação de todos os documentos, peças processuais e outras informações com base nos quais, na data da decisão impugnada, considerava dispor de indícios suficientemente sérios para justificar que fosse feita uma inspeção nas suas instalações;

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão e o Conselho nas despesas.

12      A Comissão, apoiada pelo Conselho, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

13      Por proposta da Nona Secção, o Tribunal Geral decidiu, nos termos do artigo 28.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, remeter o processo à Nona Secção alargada.

14      Por proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Nona Secção alargada), no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, convidou a Comissão a apresentar uma versão não confidencial dos indícios de infrações presumidas de que dispunha à data da decisão impugnada e pediu às recorrentes para tomarem posição sobre os indícios apresentados. A Comissão e as recorrentes cumpriram estes pedidos nos prazos fixados.

15      Em reação às observações das recorrentes, a Comissão pediu ao Tribunal Geral para adotar uma medida de instrução, conforme prevista no artigo 91.o do Regulamento de Processo, na qual lhe fosse ordenada a apresentação da versão confidencial dos indícios acima referidos, desde que apenas os representantes das recorrentes lhes tivessem acesso, em condições limitadas e mediante a assunção de um compromisso de confidencialidade que estipulasse que não podiam revelar o conteúdo da versão confidencial dos indícios aos seus clientes.

16      Os representantes das recorrentes opuseram‑se às condições de acesso aos indícios propostas pela Comissão, considerando que esses compromissos de confidencialidade não lhes permitiriam assegurar plenamente a defesa das suas clientes. Pediram ao Tribunal Geral para ordenar, no âmbito da medida de instrução em causa, o acesso de pelo menos um empregado de cada recorrente aos documentos em questão ou a apresentação de uma versão não confidencial cujos dados ocultados se limitassem àqueles cuja revelação permitisse identificar as empresas com as quais a Comissão se reuniu e àqueles para os quais a Comissão justificasse especialmente a confidencialidade e fornecesse um resumo suficientemente preciso. Além disso, solicitaram a adoção de uma medida de organização do processo, convidando a Comissão a apresentar os elementos que permitissem verificar a data da criação e da eventual alteração de alguns dos indícios comunicados. Por último, pediram ao Tribunal Geral para organizar uma reunião informal antes da adoção da medida de instrução solicitada, para determinar a sua amplitude e o seu conteúdo.

17      Através de novas medidas de organização do processo, o Tribunal Geral, no prolongamento das críticas feitas pelas recorrentes aos indícios apresentados, colocou várias questões à Comissão e pediu às recorrentes para tomarem posição sobre algumas das respostas da Comissão. A Comissão e as recorrentes cumpriram estes pedidos nos prazos fixados.

18      Por proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Nona Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo.

19      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de dezembro de 2019, a Comissão apresentou uma «resposta complementar» a uma das suas anteriores respostas às questões do Tribunal Geral. O Tribunal Geral juntou este requerimento aos autos, sem prejuízo da sua admissibilidade, e pediu às recorrentes para apresentarem as suas observações sobre o referido requerimento, o que fizeram no prazo fixado, contestando nomeadamente a admissibilidade da resposta complementar da Comissão.

20      As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 29 de janeiro de 2020.

IV.    Questão de direito

21      As recorrentes invocam, em substância, três fundamentos em apoio do presente recurso. O primeiro baseia‑se na exceção de ilegalidade do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, o segundo é baseado na violação do dever de fundamentação e o terceiro na violação do direito à inviolabilidade do domicílio.

A.      Quanto ao primeiro fundamento, baseado na exceção de ilegalidade do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003

22      As recorrentes suscitam a ilegalidade do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, por violar os artigos 47.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e o artigo 6.o, n.o 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). Invocam, em apoio desta exceção, uma primeira crítica, relativa à violação do direito a um recurso efetivo, e uma segunda, relativa à violação do princípio da igualdade de armas e dos direitos de defesa.

1.      Quanto à admissibilidade da exceção de ilegalidade

23      A Comissão alega que a exceção de ilegalidade arguida pelas recorrentes é inadmissível por três razões.

24      Em primeiro lugar, a Comissão, apoiada pelo Conselho, defende que o fundamento invocado não é suficientemente preciso, uma vez que, por um lado, as recorrentes não identificaram claramente a disposição do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 que era ilegal e, por outro, não expuseram com precisão as críticas dirigidas a este artigo, que fixa o regime jurídico aplicável às decisões de inspeção, e não o aplicável ao desenrolar das inspeções.

25      Em segundo lugar, de acordo com a Comissão, também apoiada pelo Conselho, não existe um elemento de conexão entre a decisão impugnada e o ato de alcance geral em causa. Com efeito, as recorrentes não demonstraram em que medida o facto de o artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, no todo ou em parte, não prever a existência de um recurso contra o desenrolar de uma inspeção implica a ilegalidade de uma decisão de inspeção, que constitui um ato distinto dos atos adotados durante a inspeção. A Comissão acrescenta, na tréplica e no seguimento do Conselho, que a alegação das recorrentes na réplica, de que a exceção de ilegalidade visa o artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 na sua totalidade, mais não faz do que confirmar a inadmissibilidade desta exceção, uma vez que a decisão impugnada se baseia somente nos n.os 1 e 4 do artigo 20.o Sublinha também que nenhum ato de direito derivado estabelece vias de recurso jurisdicional específicas, uma vez que as vias de recurso são previstas apenas no Tratado.

26      Em terceiro lugar, a pretexto de contestar o artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, no todo ou em parte, as recorrentes criticam, na realidade, a jurisprudência assente do Tribunal Geral e do Tribunal de Justiça relativa às vias de recurso previstas no Tratado, que não permite contestar o desenrolar de uma inspeção além de determinados casos específicos limitados.

27      Quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade invocado, cabe recordar que, nos termos do artigo 21.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao processo no Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto e do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo, qualquer petição deve conter o objeto do litígio, os fundamentos e argumentos invocados e uma exposição sumária dos referidos fundamentos. Segundo jurisprudência constante, que também é aplicável aos fundamentos com base numa exceção de ilegalidade (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2016, Alesa/Comissão, T‑99/14, não publicado, EU:T:2016:413, n.os 87 a 91 e jurisprudência referida), essa indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao recorrido preparar a sua defesa e ao Tribunal Geral conhecer do recurso, sendo caso disso, sem outras informações. Para garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição (v. Acórdão de 25 de janeiro de 2018, BSCA/Comissão T‑818/14, n.os 94 e 95 e jurisprudência referida).

28      No caso em apreço, as recorrentes explicitaram clara e precisamente em que consistiam as duas críticas que alegavam contra a disposição controvertida do Regulamento n.o 1/2003, indicando o seu fundamento jurídico, textual e jurisprudencial, bem como os argumentos circunstanciados em seu apoio, sem que seja necessário solicitar outras informações. Pode, aliás, salientar‑se que, tendo em conta a argumentação apresentada pela Comissão na contestação e na tréplica, esta esteve manifestamente em condições de compreender as contestações formuladas pelas recorrentes.

29      Importa acrescentar que a circunstância alegada pela Comissão, de que a disposição cuja ilegalidade é suscitada (que fixa o regime jurídico das decisões de inspeção) não fixa as regras criticadas pela exceção (relativas ao desenrolar das inspeções), não põe em causa o respeito, no caso em apreço, das exigências de precisão e de clareza da exceção de ilegalidade (v., a este respeito, n.os 35 a 43, infra).

30      Importa salientar, por outro lado, que as recorrentes referiram claramente nos seus articulados que suscitavam, a título principal, a ilegalidade do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 na sua totalidade, pelo que não lhes pode ser censurado não terem precisado o ou os números em causa deste artigo. Com efeito, na medida em que resulta dos próprios termos do artigo 277.o TFUE que qualquer «ato de alcance geral» pode ser legalmente contestado por uma exceção de ilegalidade (v., para uma exceção suscitada contra dois regulamentos, Acórdão de 13 de julho de 1966, Itália/Conselho e Comissão, 32/65, EU:C:1966:42, e, para uma exceção suscitada contra um artigo do Regime Aplicável aos Outros Agentes das Comunidades Europeias, Acórdão de 30 de abril de 2009, Aayhan e o./Parlamento, F‑65/07, EU:F:2009:43), não se pode impor aos autores dessa exceção que precisem o número do artigo do ato geral cuja ilegalidade suscitam a título de exigências formais de apresentação da sua exceção, podendo, no entanto, essa precisão ser exigida a título de outras condições de admissibilidade de uma exceção de ilegalidade (v. n.os 33 e 34, infra).

31      Por conseguinte, o primeiro fundamento de inadmissibilidade invocado contra a exceção de ilegalidade (n.o 24, supra) deve ser julgado improcedente.

32      Quanto aos outros dois fundamentos de inadmissibilidade invocados contra a exceção de ilegalidade (v. n.os 25 e 26, supra), é necessário salientar, a título preliminar, que são dirigidos unicamente à primeira crítica invocada em apoio da exceção de ilegalidade, relativa ao desrespeito do direito a um recurso efetivo.

33      Quanto à primeira crítica invocada em apoio da exceção de ilegalidade, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, uma exceção de ilegalidade deduzida de modo incidental ao abrigo do artigo 277.o TFUE, em caso de contestação a título principal da legalidade de outro ato, só é admissível se existir uma conexão entre esse ato e a norma cuja pretensa ilegalidade é arguida. Na medida em que o artigo 277.o TFUE não se destina a permitir a uma parte contestar a aplicabilidade de qualquer ato de caráter geral em apoio de qualquer tipo de recurso, o alcance de uma exceção de ilegalidade deve ser limitado ao que é indispensável para a solução do litígio. Daqui resulta que o ato de caráter geral cuja ilegalidade é deduzida deve ser aplicável, direta ou indiretamente, à situação que é objeto do recurso (v. Acórdão de 12 de junho de 2015, Health Food Manufacturers’ Association e o./Comissão, T‑296/12, EU:T:2015:375, n.o 170 e jurisprudência referida). Daqui também resulta que deve existir um vínculo jurídico direto entre a decisão individual impugnada e o ato geral em questão. Todavia, a existência desse nexo pode ser deduzida da constatação de que a decisão impugnada assenta essencialmente numa disposição do ato cuja legalidade é contestada, mesmo que esta última não constitua formalmente a sua base jurídica (v. Acórdão de 20 de novembro de 2007, Ianniello/Comissão, T‑308/04, EU:T:2007:347, n.o 33 e jurisprudência referida).

34      Resulta daqui que a exceção de ilegalidade suscitada neste caso só é admissível na medida em que respeita às disposições do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 que servem expressamente de fundamento à decisão impugnada, a saber, o n.o 4 deste artigo (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.os 57 e 58), mas também o n.o 1, que estabelece o poder genérico da Comissão de proceder a inspeções (a seguir «disposições relevantes do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003»). Com efeito, a presente inspeção foi ordenada através de uma decisão adotada com base nestas disposições e não é, portanto, uma inspeção efetuada com um simples mandato sem decisão prévia (regulada pelo n.o 3 do artigo 20.o), nem uma inspeção realizada quando a empresa em causa se lhe oponha (regulada pelos n.os 6 a 8 do artigo 20.o).

35      Assim, no caso em apreço, se as disposições relevantes do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 tivessem de ser declaradas ilegais, a decisão impugnada, adotada com base nestas disposições, perderia a base jurídica e teria de ser anulada, independentemente do fundamento de ilegalidade retirado das referidas disposições.

36      Daqui resulta que não se pode deduzir da argumentação apresentada em apoio tanto do segundo como do terceiro fundamento de inadmissibilidade que a primeira crítica invocada em apoio da exceção de ilegalidade é inadmissível.

37      Com efeito, com esta argumentação, a Comissão, apoiada pelo Conselho, critica, em substância, a inexistência de nexo entre o fundamento de ilegalidade invocado, a saber, a inexistência de fiscalização jurisdicional efetiva do desenrolar das inspeções, e a decisão impugnada, que ordena uma inspeção, alegando, por um lado, que as regras que regem a fiscalização jurisdicional do desenrolar das inspeções não fundamentam a decisão impugnada (segundo fundamento de inadmissibilidade) e, por outro, que essas regras resultam da interpretação jurisprudencial do artigo 263.o TFUE e não devem constar do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 no qual a decisão impugnada se fundamenta (terceiro fundamento de inadmissibilidade).

38      Em todo o caso, mesmo no pressuposto de que a admissibilidade de uma exceção de ilegalidade esteja subordinada ao estabelecimento de um nexo entre o fundamento de ilegalidade alegado e a decisão impugnada, não se pode considerar que esse nexo não existe no caso em apreço.

39      Como sublinham pertinentemente as recorrentes, não são, enquanto tais, os atos posteriores à decisão de inspeção regulada pelo artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, abrangidos pela execução dessa decisão e pelo desenrolar da inspeção, que são visados pela ilegalidade suscitada. São criticadas as lacunas nas vias de recurso que permitem a fiscalização destes atos e que existem desde a adoção da decisão de inspeção, as quais são, segundo as recorrentes, imputáveis às disposições relevantes do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003.

40      À semelhança do que o Tribunal Geral declarou no Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão (T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.os 50 e 108), a propósito da alegada necessidade de obter um mandado judicial prévio à adoção de uma decisão de inspeção, as recorrentes solicitam, no caso em apreço, a identificação, pelo Tribunal Geral, de uma nova formalidade essencial que condicionaria a legalidade dessa decisão, que consiste na garantia de vias de recurso específicas desde a sua adoção que permitam a fiscalização jurisdicional das medidas tomadas em aplicação da referida decisão, e que deste modo deveria constar das disposições relevantes do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003.

41      Não está em causa, nesta fase, a questão diferente da determinação das vias de recurso que permitem assegurar a fiscalização jurisdicional efetiva do desenrolar das inspeções e da sua formalização no artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, que faz parte da análise do mérito da exceção de ilegalidade. Com efeito, a análise da admissibilidade da exceção de ilegalidade não implica determinar em que modalidades e por que tipo de disposições deve ser estabelecida a fiscalização jurisdicional do desenrolar das inspeções. É no âmbito da verificação da conformidade do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 com o direito a um recurso efetivo e, assim, da análise do mérito da exceção de ilegalidade que esta questão deverá ser decidida. É notável, a este respeito, que a Comissão se refira, em apoio do seu terceiro fundamento de inadmissibilidade, à sua argumentação relativa ao mérito da exceção de ilegalidade, bem como ao Acórdão de 28 de abril de 2010, Amann Ż Söhne e Cousin Filterie/Comissão (T‑446/05, EU:T:2010:165, n.os 123 a 152), que julgou improcedente a exceção de ilegalidade suscitada nesse processo.

42      Daqui resulta, por outro lado, que também é indiferente a circunstância alegada pela Comissão, de resto parcialmente inexata, de que nenhum ato de direito derivado prevê uma via de recurso específica. Com efeito e a título exemplificativo, o próprio Regulamento n.o 1/2003 prevê, no seu artigo 31.o, a competência de plena jurisdição do juiz da União Europeia para conhecer dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Comissão uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória, para suprimir, reduzir ou aumentar as referidas coima ou a sanção pecuniária compulsória. Do mesmo modo, o Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1), do mesmo modo que outros atos que criaram órgãos ou organismos da União, prevê os recursos que podem ser interpostos perante o juiz da União das decisões das Câmaras de Recurso instituídas no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO). É certo que estas vias de recurso se inscrevem no prolongamento das previstas no Tratado e não são, neste sentido, vias de recurso autónomas não previstas no Tratado, o que, aliás, não poderia ser. Todavia, no caso em apreço, as recorrentes não reclamam a criação de tais vias de recurso autónomas. Com efeito, é necessário considerar que contestam a inexistência, no artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, de disposições que confiram às medidas que decorrem do desenrolar de uma inspeção a natureza de atos suscetíveis de recurso ao abrigo do Tratado, à semelhança do que prevê o artigo 90.o‑A do Estatuto dos Funcionários da União Europeia para os atos de inquérito do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), e que impõem a menção desse recurso possível na decisão de inspeção, como deve ser referido, nos termos do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, a impugnabilidade da própria decisão de inspeção perante o juiz da União.

43      Daqui resulta que a exceção de ilegalidade é admissível no que respeita à primeira crítica invocada em seu apoio. O mesmo vale para a segunda crítica invocada em apoio da exceção de ilegalidade, relativa à violação do princípio da igualdade de armas e dos direitos de defesa, cuja admissibilidade não é, de resto, contestada (v. n.o 32, supra). Com efeito, à semelhança das lacunas censuradas às disposições relevantes do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 no que se refere à proteção jurisdicional efetiva no âmbito da primeira crítica, as recorrentes censuram, com a sua segunda crítica, a falta de previsão nestas disposições da comunicação dos indícios que justificaram a inspeção à empresa inspecionada, que é a única, em seu entender, capaz de garantir o respeito do princípio da igualdade de armas e dos direitos de defesa da referida empresa.

44      Resulta de tudo o que precede que a exceção de ilegalidade suscitada pelas recorrentes deve ser declarada admissível no que respeita às duas críticas invocadas em seu apoio, mas apenas na parte em que tem por objeto as disposições relevantes do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003.

2.      Quanto ao mérito da exceção de ilegalidade

a)      Quanto à primeira crítica, relativa à violação do direito a um recurso efetivo

45      As recorrentes alegam que o artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 viola o direito a um recurso efetivo. Baseando‑se na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») e na dos órgãos jurisdicionais da União, salientam que, na medida em que a fiscalização jurisdicional do desenrolar das inspeções só pode ser efetuada no âmbito do recurso de anulação da decisão final sancionatória adotada pela Comissão em aplicação do artigo 101.o TFUE, a possibilidade de contestar esse desenrolar não é certa e não é oferecida num prazo razoável. As recorrentes deduzem daqui que o regime dos recursos interpostos das condições da tramitação das inspeções ordenadas com base no artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 não oferece uma «reparação adequada» às empresas que delas são objeto. Com efeito, não tiveram a possibilidade de se colocar em tempo útil sob a proteção de um juiz imparcial e independente e foram, assim, obrigadas a responder favoravelmente a todos os pedidos dos inspetores.

46      Importa recordar que, nos termos do artigo 47.o da Carta, sob a epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial»:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei […]»

47      Por outro lado, resulta das Anotações Relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 17) que, de acordo com o artigo 52.o, n.o 7, da Carta, devem ser tidas em devida conta pelos órgãos jurisdicionais da União (v. Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 20 e jurisprudência referida), que o artigo 47.o da Carta corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, e ao artigo 13.o da CEDH.

48      Como sublinha com pertinência o Conselho, esta correspondência entre as disposições da Carta e as da CEDH não implica que a fiscalização da legalidade a efetuar no caso em apreço deva sê‑lo à luz das disposições da CEDH. Resulta efetivamente da jurisprudência, em especial do Acórdão de 14 de setembro de 2017, K. (C‑18/16, EU:C:2017:680, n.o 32 e jurisprudência referida), citado pelo Conselho, que, embora, como é confirmado pelo artigo 6.o, n.o 3, TUE, os direitos fundamentais reconhecidos pela CEDH façam parte do direito da União enquanto princípios gerais, e o artigo 52.o, n.o 3, da Carta disponha que os direitos nela contidos que correspondam aos direitos garantidos pela CEDH têm o mesmo sentido e o mesmo âmbito que os que lhes são conferidos pela referida convenção, esta não constitui, enquanto a União não aderir à mesma, um instrumento jurídico formalmente integrado na ordem jurídica da União, de forma que a fiscalização da legalidade deve ser feita unicamente à luz dos direitos fundamentais garantidos pela Carta.

49      No entanto, resulta tanto do artigo 52.o da Carta como das anotações relativas a este artigo que as disposições da CEDH e a jurisprudência do TEDH relativas a estas disposições devem ser tidas em conta na interpretação e na aplicação das disposições da Carta num determinado caso (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2010, DEB, C‑279/09, EU:C:2010:811, n.os 35 e 37 e jurisprudência referida, e de 26 de fevereiro de 2013, Melloni, C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 50). Com efeito, o artigo 52.o, n.o 3, da Carta enuncia que, na medida em que a Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos pela CEDH e as anotações relativas a este artigo esclarecem que o sentido e o âmbito dos direitos garantidos pela CEDH são determinados não só pelo texto da CEDH e dos seus protocolos, mas também pela jurisprudência do TEDH.

50      Ora, resulta da jurisprudência do TEDH que se pronunciou sobre o cumprimento da CEDH, nomeadamente dos seus artigos 6.o e 13.o, a propósito de visitas domiciliárias e, em especial, dos Acórdãos do TEDH de 21 de fevereiro de 2008, Ravon e outros c. França (CE:ECHR:2008:0221JUD001849703, a seguir «Acórdão Ravon»), de 21 de dezembro de 2010, Société Canal Plus e outros c. França (CE:ECHR:2010:1221JUD002940808, a seguir «Acórdão Canal Plus»), de 21 de dezembro de 2010, Compagnie des gaz de pétrole Primagaz c. França (CE:ECHR:2010:1221JUD002961308, a seguir «Acórdão Primagaz»), e de 2 de outubro de 2014, Delta Pekárny a.s. c. República Checa (CE:ECHR:2014:1002JUD000009711, a seguir «Acórdão Delta Pekárny»), invocados e analisados pelas partes, os seguintes princípios:

–        deve existir uma fiscalização jurisdicional efetiva, tanto de facto como de direito, da regularidade da decisão ou das medidas em causa (Acórdãos Ravon, n.o 28, e Delta Pekárny, n.o 87) (a seguir «requisito da efetividade);

–        o ou os recursos disponíveis devem permitir, caso se verifique a irregularidade, prevenir não só a superveniência da operação como, no caso de já ter ocorrido uma operação irregular, fornecer ao interessado uma reparação adequada (Acórdãos Ravon, n.o 28, e Delta Pekárny, n.o 87) (a seguir «requisito da eficácia»);

–        a acessibilidade do recurso em causa deve ser certa (Acórdãos Canal Plus, n.o 40, e Primagaz, n.o 28) (a seguir «requisito da certeza»);

–        a fiscalização jurisdicional deve ocorrer num prazo razoável (Acórdãos Canal Plus, n.o 40, e Primagaz, n.o 28) (a seguir «requisito do prazo razoável»).

51      Daqui também resulta que o desenrolar de uma operação de inspeção deve poder ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva e que a fiscalização deve ser efetiva nas circunstâncias específicas do processo em causa (Acórdão Delta Pekárny, n.o 87), o que implica a tomada em consideração de todas as vias de recurso disponíveis e, assim, uma análise global dessas vias de recurso (v., neste sentido, Acórdãos Ravon, n.os 29 a 34; Canal Plus, n.os 40 a 44, e Delta Pekárny, n.os 89 a 93). Por conseguinte, a análise do mérito da exceção de ilegalidade não pode ser limitada à análise das carências, denunciadas pelas recorrentes, do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, devendo assentar na tomada em consideração de todas as vias de recurso à disposição de uma empresa que é objeto de uma inspeção.

52      Importa salientar, a título preliminar, que, contrariamente ao que alegam a Comissão e o Conselho, a jurisprudência do TEDH recordada nos n.os 50 e 51, supra, não pode ser considerada desprovida de relevância no caso em apreço.

53      É certo que, no caso em apreço, a Comissão não recorreu à «força pública» ou aos «poderes coercivos» das autoridades nacionais com fundamento no artigo 20.o, n.os 6 a 8, do Regulamento n.o 1/2003. Isto é evidenciado, nomeadamente, pelo facto de os despachos dos juízes franceses que autorizaram essas inspeções e apreensões, pedidas a título preventivo pela Comissão, não terem sido notificados às recorrentes (v. n.os 5 e 34, supra). No entanto, como as recorrentes sustentam com razão, foram obrigadas a sujeitar‑se à decisão de inspeção, que é obrigatória para os seus destinatários, que pode dar lugar à aplicação de uma coima em caso de incumprimento [artigo 23.o, n.o 1, alíneas c) a e), do Regulamento n.o 1/2003] e que implica, nomeadamente, o acesso a todas as suas instalações, bem como a inspeção e a cópia dos seus documentos profissionais [artigo 20.o, n.o 2, alíneas a) a d), do Regulamento n.o 1/2003], o que basta para caracterizar uma intrusão no domicílio das empresas inspecionadas que justifica que sejam garantidos os direitos reconhecidos pela jurisprudência do TEDH referida nos n.os 50 e 51, supra, às empresas que são objeto de visitas domiciliárias (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.o 65; TEDH, 14 de março de 2013, Bernh Larsen Holding AS e outros c. Noruega, CE:ECHR:2013:0314JUD002411708, n.o 106). Por conseguinte, não é determinante que a inspeção tenha sido realizada no caso em apreço sem a intervenção prévia de um juiz que autorize o recurso à força pública e pode mesmo considerar‑se que essa falta de intervenção jurisdicional prévia justifica, a fortiori, o necessário respeito das garantias impostas pela jurisprudência do TEDH na fase da fiscalização jurisdicional a posteriori da decisão que ordena a inspeção (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.o 66 e jurisprudência do TEDH referida). Além disso, importa sublinhar que, quando o juiz da União foi chamado a pronunciar‑se sobre o respeito dos direitos fundamentais de empresas inspecionadas, sempre se baseou na jurisprudência do TEDH (Acórdãos de 18 de junho de 2015, Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:404, n.os 41 a 48; de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.os 109 a 114; e de 10 de abril de 2018, Alcogroup e Alcodis/Comissão, T‑274/15, não publicado, EU:T:2018:179, n.o 91).

54      Por conseguinte, é preciso verificar o respeito do direito a um recurso efetivo pelo sistema das vias de recurso que permitem a contestação do desenrolar de uma inspeção em matéria de direito da concorrência à luz da jurisprudência acima referida do TEDH.

55      Como resulta da jurisprudência do TEDH e referido no n.o 51, supra, esta verificação deve assentar numa análise global das vias de recurso suscetíveis de dar lugar ao controlo das medidas tomadas no âmbito de uma inspeção. Por conseguinte, é indiferente que, consideradas individualmente, nenhuma destas vias de recurso preencha os quatro requisitos exigidos para que seja admitida a existência de um direito a um recurso efetivo.

56      As partes invocaram seis vias de recurso. Trata‑se:

–        do recurso da decisão de inspeção;

–        do recurso de qualquer ato que preencha os requisitos jurisprudenciais do ato suscetível de recurso adotado pela Comissão na sequência da decisão de inspeção e no âmbito do desenrolar das operações de inspeção, como uma decisão que indefira um pedido de proteção de documentos ao abrigo da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes (v. Acórdão de 17 de setembro de 2007, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, T‑125/03 e T‑253/03, EU:T:2007:287, n.os 46, 48 e 49 e jurisprudência referida);

–        do recurso da decisão final que encerra o procedimento iniciado nos termos do artigo 101.o TFUE;

–        do pedido de medidas provisórias;

–        da ação de responsabilidade extracontratual;

–        dos pedidos que podem ser dirigidos ao auditor.

57      Importa salientar que, como sublinham as recorrentes, com exceção dos pedidos dirigidos ao auditor que não pode ser qualificado de «tribunal» na aceção da CEDH, pelo facto, nomeadamente, de que este apenas possui um poder de recomendação [artigo 4.o, n.o 2, alínea a), da Decisão 2011/695/UE do Presidente da Comissão, de 13 de outubro de 2011, relativa às funções e ao mandato do Auditor em determinados procedimentos de concorrência (JO 2011, L 275, p. 29)], cada uma destas vias de recurso permite submeter a um juiz contestações relativas a uma operação de inspeção.

58      Com efeito, em primeiro lugar, resulta da jurisprudência, e de resto não é contestado pelas recorrentes, que as condições em que uma inspeção decorreu podem ser criticadas no âmbito de um recurso de anulação interposto da decisão final que põe termo ao procedimento aberto ao abrigo do artigo 101.o TFUE (Acórdão de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão, T‑135/09, EU:T:2012:596, n.o 132; v., também, Acórdão de 10 de abril de 2018, Alcogroup e Alcodis/Comissão, T‑274/15, não publicado, EU:T:2018:179, n.o 91 e jurisprudência referida). Esta fiscalização da legalidade das decisões finais não sofre, com exceção da inadmissibilidade dos fundamentos que deveriam ser apresentados contra a decisão de inspeção (v., neste sentido, Acórdão de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, EU:T:1999:80, n.os 408 a 415), de nenhuma restrição no que toca a fundamentos invocáveis e, deste modo, de objeto da fiscalização. Permite especificamente a verificação do cumprimento pela Comissão dos limites que lhe são impostos durante o desenrolar de uma inspeção (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.os 79 a 82) e considerou‑se que garantia a existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva sobre as medidas de inspeção, conforme exigido pelo TEDH (Acórdão de 10 de abril de 2018, Alcogroup e Alcodis/Comissão, T‑274/15, não publicado, EU:T:2018:179, n.o 91).

59      Em segundo lugar, resulta também da jurisprudência, e o presente recurso comprova, que uma decisão de inspeção é suscetível de ser objeto de recurso de anulação (Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.os 97 e 111). Esta fiscalização está, aliás, prevista no próprio artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 (n.os 4 e 8), que impõe a sua menção na decisão de inspeção. Ora, por um lado, a fiscalização da legalidade da decisão de inspeção, relativa, nomeadamente, à detenção, pela Comissão, de indícios suficientemente sérios que permitem suspeitar de uma infração às regras da concorrência, pode levar, em caso de declaração de ilegalidade, a que todas as medidas tomadas em aplicação da decisão sejam elas próprias consideradas feridas de ilegalidade, nomeadamente por não serem necessárias (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2018, České dráhy/Comissão, T‑621/16, não publicado, EU:T:2018:367, n.o 40 e jurisprudência referida). Por outro lado, no caso de uma decisão de inspeção ser adotada na sequência de outras inspeções e em que as informações obtidas no âmbito das inspeções precedentes fundamentaram essa decisão de inspeção, a fiscalização da legalidade da referida decisão pode incidir, nomeadamente, sobre a conformidade das medidas adotadas ao abrigo das decisões de inspeção anteriores com o âmbito da inspeção definido nessas decisões (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.os 138 a 160) e levar à sua anulação em caso de não conformidade constatada (Acórdão de 18 de junho de 2015, Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:404, n.os 56 a 67 e 71; v. também, neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2018, Alcogroup e Alcodis/Comissão, T‑274/15, não publicado, EU:T:2018:179, n.o 63).

60      Em terceiro lugar, mesmo que as partes não o tenham referido, é também necessário salientar que, à semelhança de qualquer decisão sancionatória aplicada nos termos do Regulamento n.o 1/2003, uma decisão da Comissão que sancione uma obstrução à inspeção com base no artigo 23.o, n.o 1, alíneas c) a e), do Regulamento n.o 1/2003 pode ser objeto de recurso de anulação. Pode então, nomeadamente, ser invocado, em apoio desse recurso, a ilegalidade da sanção pelo facto de a medida tomada durante a inspeção à qual a empresa sancionada não se tenha sujeitado, como um pedido de apresentação de um documento confidencial ou um pedido de explicação dirigido a um membro do seu pessoal, ser ela própria ilegal (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão, T‑135/09, EU:T:2012:596, n.o 126).

61      Em quarto lugar, resulta claramente do Acórdão de 17 de setembro de 2007, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (T‑125/03 e T‑253/03, EU:T:2007:287, n.os 46, 48 e 49 e jurisprudência referida), que uma decisão que indefira explicita ou implicitamente um pedido de proteção de documentos ao abrigo da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes apresentado durante uma inspeção constitui um ato impugnável. Esta via de recurso foi aberta precisamente porque o juiz da União considerou que a possibilidade de que dispunha a empresa de interpor recurso de uma eventual decisão que declarasse a existência de uma infração às regras da concorrência não bastava para proteger adequadamente os seus direitos, uma vez que, por um lado, o procedimento administrativo podia não conduzir a uma decisão de declaração de existência de uma infração e, por outro, a impugnabilidade dessa decisão não fornecia, de qualquer forma, à empresa o meio de prevenir os efeitos irreversíveis que resultariam da tomada de conhecimento irregular de documentos protegidos pela confidencialidade (v. Acórdão de 17 de setembro de 2007, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, T‑125/03 e T‑253/03, EU:T:2007:287, n.o 47 e jurisprudência referida).

62      Do mesmo modo, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, e embora o juiz da União não tenha, até à data, declarado esse recurso admissível, pode‑se considerar que o Tribunal Geral admitiu a possibilidade de um recurso ser interposto nas mesmas condições pela empresa inspecionada contra uma decisão que indefere o pedido de proteção dos membros do seu pessoal a título da sua vida privada. Com efeito, após ter recordado o Acórdão de 17 de setembro de 2007, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (T‑125/03 e T‑253/03, EU:T:2007:287), e a jurisprudência aí referida, o Tribunal Geral, ao mesmo tempo que referiu a possibilidade de uma «decisão que recusa o benefício d[a] proteção [a título da vida privada]», declarou que essa decisão não tinha sido adotada no caso em apreço. Para o efeito, baseou‑se na circunstância de as recorrentes não terem alegado, aquando da adoção da decisão de cópia dos dados, que documentos que lhes pertenciam beneficiavam de uma proteção semelhante à conferida à confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, nem identificado os documentos precisos ou as partes de documentos em causa (Acórdão de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão, T‑135/09, EU:T:2012:596, n.os 129 e 130). Pode, aliás, salientar‑se que as recorrentes não põem em causa, enquanto tal, a existência da via de recurso em questão, mas sim o seu caráter restritivo e vinculativo para as empresas visadas, na medida em que estas devem reagir imediatamente quando a inspeção está em curso e antes de qualquer cópia efetuada pela Comissão (v. n.o 72, infra).

63      Com efeito, é necessário considerar que nem as disposições dos Tratados nem a redação do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 excluem a possibilidade de uma empresa interpor um recurso de anulação desses atos praticados no âmbito do desenrolar de uma inspeção, desde que preencha as exigências decorrentes do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

64      Em quinto lugar, embora, em conformidade com o artigo 278.o TFUE, nem todos os recursos acima referidos sejam, em princípio, suspensivos, é possível obter, ao abrigo desta mesma disposição, a suspensão da execução dos atos impugnados no âmbito desses recursos. Especificamente, tal pedido de suspensão pode conduzir à suspensão das operações de inspeção, esclarecendo‑se, todavia, que, na medida em que a decisão de inspeção é, em princípio, notificada e levada ao conhecimento da empresa inspecionada no dia em que a inspeção começa, só o recurso ao procedimento previsto no artigo 157.o, n.o 2, do Regulamento de Processo permite, se estiverem reunidas as condições de concessão de uma suspensão provisória, obter esse resultado (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.o 98). Com efeito, o presidente do Tribunal Geral pode, com base nesta disposição, deferir o pedido de suspensão antes de ouvir a Comissão e assim ordenar a suspensão apenas alguns dias após a apresentação do pedido e antes do fim da inspeção.

65      Importa acrescentar que também pode ser apresentado um pedido de medidas provisórias paralelamente ao recurso de uma decisão que indefere um pedido de proteção ao abrigo da confidencialidade das comunicações entre os advogados e os seus clientes. Comprovam‑no os Despachos de 27 de setembro de 2004, Comissão/Akzo e Akcros [C‑7/04 P(R), EU:C:2004:566], e de 30 de outubro de 2003, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (T‑125/03 R e T‑253/03 R, EU:T:2003:287). Com efeito, pode‑se considerar que, nesse despacho do presidente do Tribunal de Justiça, este último, embora anulando o despacho do presidente do Tribunal Geral que ordenou a suspensão pedida, não excluiu que, na falta de compromisso assumido pela Comissão de não permitir a terceiros o acesso aos documentos em causa, se possam ordenar a suspensão da execução da decisão que indefere o pedido de proteção da confidencialidade das comunicações entre as sociedades em causa e os seus advogados, bem como a conservação dos dados confidenciais em causa na Secretaria do órgão jurisdicional até que seja proferida decisão sobre o recurso principal [v., neste sentido, Despacho de 27 de setembro de 2004, Comissão/Akzo e Akcros, C‑7/04 P(R), EU:C:2004:566, n.o 42 e n.os 1 e 2 do dispositivo; v. também, neste sentido, Despacho de 17 de setembro de 2015, Alcogroup e Alcodis/Comissão, C‑386/15 P(R), EU:C:2015:623, n.o 24]. Contrariamente ao que alegam as recorrentes, não se pode, portanto, considerar que o processo de medidas provisórias não oferece qualquer reparação possível contra as eventuais irregularidades praticadas pela Comissão no decurso de uma inspeção independentemente da decisão que a ordenou.

66      Em sexto lugar, mesmo na falta de adoção de um ato suscetível de recurso nas operações de inspeção, se a empresa inspecionada considerar que a Comissão praticou ilegalidades na inspeção e que essas ilegalidades lhe causaram um prejuízo suscetível de desencadear a responsabilidade da União, é‑lhe possível intentar contra a Comissão uma ação de indemnização por responsabilidade extracontratual. Esta possibilidade existe desde antes da adoção de uma decisão que encerra o procedimento de infração e mesmo na hipótese de a inspeção não levar a uma decisão final que possa ser objeto de um recurso de anulação. Com efeito, esta ação de responsabilidade não se enquadra no sistema de fiscalização da validade dos atos da União que tenham efeitos jurídicos obrigatórios suscetíveis de afetar os interesses da parte requerente, mas está disponível quando uma parte sofreu um prejuízo em resultado de um comportamento ilegal de uma instituição, e isto mesmo que esse comportamento não se materialize num ato impugnável (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão, T‑135/09, EU:T:2012:596, n.o 133; de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.o 99; e de 10 de abril de 2018, Alcogroup e Alcodis/Comissão, T‑274/15, não publicado, EU:T:2018:179, n.o 92).

67      Além disso, pode‑se considerar que o sistema de fiscalização do desenrolar das operações de inspeção constituído pelo conjunto das vias de recurso anteriormente descritas preenche os quatro requisitos recordados no n.o 50, supra.

68      Relativamente, em primeiro lugar, ao requisito da efetividade, impõe‑se salientar, e aliás não foi contestado pelas recorrentes, que as vias de recurso acima referidas dão lugar a uma fiscalização aprofundada, tanto sobre as questões de direito como sobre as questões de facto (v., especificamente em relação às decisões de inspeção, Acórdão de 18 de junho de 2015, Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:404, n.os 33 e 34, e, em relação mais genericamente às decisões da Comissão relativas aos procedimentos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 62).

69      Além disso, importa sublinhar que, embora nenhuma destas vias de recurso permita, individualmente, realizar uma fiscalização do mérito de todas as medidas tomadas aquando da inspeção, o seu exercício combinado, que não coloca problemas de admissibilidade, permite essa fiscalização, como resulta da enumeração, nos n.os 57 a 66, supra, das diversas medidas tomadas no decurso das inspeções e dos diversos direitos das empresas inspecionadas suscetíveis de serem fiscalizados aquando da análise dos diversos recursos em causa. Especificamente, as recorrentes não podem validamente alegar que nenhuma via de recurso abrange a hipótese de os inspetores fazerem cópia de documentos não abrangidos pelo âmbito da inspeção. Com efeito, no caso, alegado pelas recorrentes, em que a inspeção em causa não conduz a uma decisão de constatação de infração e de sanção, mas à abertura de um novo inquérito e à adoção de uma nova decisão de inspeção, as empresas inspecionadas podem interpor recurso de anulação da referida decisão contestando a legalidade dos indícios que a fundamentaram como tendo sido irregularmente obtidos na inspeção anterior (v. n.o 59, supra).

70      Daqui resulta que são irrelevantes as alegações das recorrentes baseadas em acórdãos do TEDH que declararam a existência de uma violação do direito a um recurso efetivo pelo facto de uma das vias de recurso acima referidas não existir. Especificamente, não são transponíveis para o caso em apreço as conclusões do TEDH no seu Acórdão Delta Pekárny (n.os 82 a 94), uma vez que a legislação checa em causa não tinha instituído uma via de recurso específica que permitisse contestar as decisões de inspeção. Com efeito, as empresas inspecionadas só podiam questionar a legalidade da inspeção no âmbito de um processo em que fossem examinadas as conclusões materiais da autoridade da concorrência e, nesse âmbito, questões como a necessidade, a duração e o âmbito da inspeção, bem como a sua proporcionalidade, não podiam ser analisadas (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:92, n.o 37), quando poderiam sê‑lo no âmbito de um recurso da decisão de inspeção.

71      Do mesmo modo, contrariamente às circunstâncias que deram origem ao Acórdão do TEDH de 2 de abril de 2015, Vinci Construction e GTM Génie Civil e Services c. França (CE:ECHR:2015:0402JUD006362910), resulta da jurisprudência do juiz da União a possibilidade de pedir uma fiscalização efetiva do respeito da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes durante as operações de inspeção (v. n.o 61, supra). É, nomeadamente, fiscalizado neste âmbito se os documentos em causa estão materialmente abrangidos por essa confidencialidade (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2007, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, T‑125/03 e T‑253/03, EU:T:2007:287, n.os 117 a 135, 138 a 140 e 165 a 179).

72      Além disso, é necessário considerar que não é atentatório do princípio do direito a um recurso efetivo o facto de exigir à empresa visada numa decisão de inspeção que efetue determinadas diligências para preservar os seus direitos e o seu acesso às vias de recurso que lhe permitem assegurar o seu cumprimento, nomeadamente a diligência que consiste em formular pedidos de proteção à Comissão (v. n.os 61 e 62, supra). Isto é tanto mais assim que esta última deve conceder um curto prazo à empresa para consultar os seus advogados antes de efetuar cópias para efeitos de, se necessário, formular esses pedidos (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.o 89).

73      Em segundo lugar, relativamente ao requisito da eficácia, pode‑se concluir que as vias de recurso acima referidas permitem uma fiscalização tanto preventiva graças ao processo de medidas provisórias, impedindo que as operações de inspeção sejam finalizadas (v. n.o 64, supra), como compensativa, após a realização das operações de inspeção, graças às outras vias de recurso. Importa sublinhar, a este respeito, que a jurisprudência do TEDH não exige a reunião de uma fiscalização a priori e a posteriori, uma vez que as considera a título alternativo (v. n.o 50, supra). Assim, ainda que, como alegam as recorrentes no caso em apreço, o processo de medidas provisórias não tenha a eficácia exigida, os recursos que podem ser interpostos a posteriori fornecem, em todo o caso, ao litigante uma reparação adequada.

74      Assim, em caso de anulação da decisão de inspeção, a Comissão fica impedida de utilizar para efeitos do procedimento de infração às regras de concorrência todos os documentos ou elementos probatórios que tenha reunido no âmbito dessa inspeção (Acórdãos de 22 de outubro de 2002, Roquette Frères, C‑94/00, EU:C:2002:603, n.o 49, e de 12 de dezembro de 2012, Almamet/Comissão, T‑410/09, não publicado, EU:T:2012:676, n.o 31). Especificamente, essa anulação implica inevitavelmente a anulação da nova decisão de inspeção adotada exclusivamente com base nos documentos apreendidos por ocasião da primeira inspeção irregular (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2018, České dráhy/Comissão, T‑621/16, não publicado, EU:T:2018:367, n.os 39 e 40).

75      Do mesmo modo, no âmbito do recurso da decisão final da Comissão, a consequência da constatação de uma irregularidade no decurso de uma inspeção reside na impossibilidade de a Comissão utilizar os elementos de prova recolhidos dessa forma para efeitos do procedimento por infração (v. Acórdão de 18 de junho de 2015, Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:404, n.o 45 e jurisprudência referida), o que pode levar à anulação da decisão que declara a existência da infração e a sanciona, quando os elementos de prova em causa são determinantes para efeitos dessa declaração e dessa sanção.

76      Além disso, mesmo na hipótese de uma decisão de declaração de existência e de sanção de infração não ter sido adotada, importa recordar que ainda estão em aberto, por um lado, a via do pedido de anulação de determinadas medidas adotadas durante a inspeção (v. n.os 61 e 62, supra) e, por outro lado, a via do pedido de indemnização (v. n.o 66, supra). Ora, estas duas vias de recurso permitem obter, respetivamente, o desaparecimento de medidas de inspeção anuladas da ordem jurídica e a indemnização do prejuízo sofrido devido às referidas medidas, desde antes e independentemente do encerramento do eventual procedimento por infração subsequente. A este propósito, importa esclarecer que, uma vez que se deve efetuar de forma global (v. n.o 51, supra) a apreciação das vias de recurso e da adequação da reparação que permitem, e em que outras vias de recurso impedem a Comissão de utilizar os documentos irregularmente copiados, é indiferente que a via indemnizatória não o impeça. Contrariamente ao que alegam as recorrentes, não se pode deduzir, especificamente, do Acórdão Ravon que o TEDH exija, para constatar a eficácia da fiscalização jurisdicional das operações de inspeção, que os recursos em causa se saldem por uma decisão de proibição da utilização dos documentos e dos depoimentos obtidos. Com efeito, o TEDH limitou‑se, nesse acórdão, a aplicar o método de apreciação global das vias de recurso disponíveis, declarando que a ação de indemnização não bastava para compensar as insuficiências das outras vias de recurso, nomeadamente dos recursos de anulação previstos na legislação francesa em causa (Acórdão Ravon, n.o 33), os quais não apresentavam a eficácia dos recursos de anulação possíveis perante o juiz da União.

77      Em terceiro lugar, relativamente ao requisito da certeza, é sobretudo contestado pelas recorrentes pelo facto de não ser certo que sejam adotados os atos suscetíveis de ser impugnados pelas diversas vias de recurso acima referidas. Especificamente, a Comissão não adota necessariamente uma decisão a declarar verificada uma infração e a sancionar o seu autor na sequência de uma inspeção. Contudo, o requisito da certeza deve ser interpretado não no sentido de que exige a abertura de todas as vias de recurso teoricamente possíveis em todas as hipóteses e quaisquer que sejam as medidas adotadas na sequência da inspeção, mas no sentido de que exige a abertura das capazes de contestar as medidas que produzem efeitos negativos em relação à empresa inspecionada no momento em que os referidos efeitos se produzem. Portanto, na hipótese em que tais efeitos negativos não consistem numa decisão de declaração de existência ou de sanção de infração, a inexistência de possibilidade de recurso de uma decisão não pode ser considerada violadora da exigência de um recurso certo contra as medidas adotadas durante uma inspeção.

78      Não se pode deduzir outra interpretação do Acórdão Canal Plus (v. n.o 50, supra). Com efeito, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, o TEDH não declarou, nesse acórdão, que a acessibilidade do recurso da decisão que autoriza a inspeção se tinha tornado incerta devido às incertezas em torno da adoção de uma decisão de mérito pela autoridade da concorrência. Limitou‑se, nomeadamente, a constatar, nas circunstâncias específicas do regime transitório instituído pelo legislador francês, que a ação permitida por esse regime contra o despacho que autoriza a visita domiciliária estava condicionada pela existência de um recurso pendente da decisão de mérito, o que criava uma condicionalidade que tornava efetivamente a acessibilidade da referida ação incerta (v., neste sentido, conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:92, n.o 48). De resto, deve salientar‑se que essa condicionalidade não existe no âmbito do sistema das vias de recurso em matéria de inspeções da Comissão. Com efeito, a interposição do recurso de uma decisão de inspeção não está condicionada pela interposição de um recurso da decisão que encerra o procedimento nos termos do artigo 101.o TFUE, e de resto não pode ser, tendo em conta o prazo de recurso fixado no artigo 263.o TFUE.

79      Em quarto lugar, relativamente ao requisito do prazo razoável, é necessário salientar que as recorrentes não baseiam a alegação de inobservância desse requisito na duração das instâncias perante o juiz da União e admitem, por outro lado, a existência de prazos de recurso. Criticam unicamente a duração significativa que pode separar a inspeção da decisão final que encerra o procedimento iniciado nos termos do artigo 101.o TFUE.

80      Ora, não se pode deduzir desse prazo, que pode efetivamente demorar vários anos, que os recursos que permitem contestar o desenrolar das inspeções perante o juiz da União não garantam uma proteção jurisdicional efetiva. Com efeito, por um lado, é apenas criticado o prazo que separa a adoção das medidas de inspeção da data da sua contestação possível no âmbito do recurso interposto da decisão final adotada nos termos do artigo 101.o TFUE, o qual constitui apenas uma das vias de recurso que permitem a sua contestação. Por outro lado, e sobretudo o tempo durante o qual as medidas de inspeção em causa são mantidas deve ser posto em perspetiva com o facto de que, até essa decisão final, a Comissão não toma posição de forma definitiva sobre a existência de uma infração e a sanção subsequente da empresa inspecionada. Se, em contrapartida, durante esse prazo ocorrerem outras consequências danosas para a empresa inspecionada, como um comportamento prejudicial da Comissão ou a adoção de uma nova decisão de inspeção com base nas informações recolhidas, a referida empresa pode submeter à apreciação do juiz, imediatamente e sem aguardar o desfecho do procedimento por infração, uma ação de indemnização ou um recurso de anulação da nova decisão de inspeção.

81      Resulta do que precede que a primeira crítica invocada em apoio da exceção de ilegalidade do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto à segunda crítica, relativa à violação do princípio da igualdade de armas e dos direitos de defesa

82      As recorrentes alegam que o artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 viola o princípio da igualdade de armas e os direitos de defesa. Decorre destes princípios fundamentais que um arguido deve ter o direito de acesso ao processo. Ora, o quadro jurídico da inspeção fixado no artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, ao não permitir que as partes acedam aos documentos à disposição da Comissão que justificam a sua decisão de recorrer a uma inspeção, coloca as recorrentes numa situação de desequilíbrio manifesto em relação à Comissão e impossibilita‑as de preparar a defesa.

83      Segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de armas, que é um corolário do próprio conceito de processo equitativo e tem por objetivo assegurar o equilíbrio entre as partes processuais, implica a obrigação de oferecer a cada parte uma possibilidade razoável de apresentar a sua causa, incluindo as provas, em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem relativamente ao seu adversário. Este princípio tem por objetivo assegurar o equilíbrio processual entre as partes num processo judicial, garantindo a igualdade de direitos e obrigações das partes no que diz respeito, designadamente, às regras que regem a produção de prova e o debate contraditório perante o juiz (v. Acórdão de 28 de julho de 2016, Ordre des barreaux francophones e germanophone e o., C‑543/14, EU:C:2016:605, n.os 40 e 41 e jurisprudência referida).

84      Embora as recorrentes citem esta jurisprudência e se baseiem somente nos artigos 47.o e 48.o da Carta e no artigo 6.o da CEDH, que regem os direitos dos particulares perante um juiz, em apoio da alegação de violação do princípio da igualdade de armas e dos direitos de defesa, a jurisprudência que invocam por outro lado (v. n.o 94, infra) atesta que elas se referem de maneira geral aos direitos da empresa inspecionada de se defender perante um juiz ou perante a Comissão.

85      Ora, resulta de jurisprudência constante relativamente aos elementos que devem ser comunicados à empresa inspecionada com vista a assegurar a proteção dos seus direitos de defesa perante a Comissão que esta última não é obrigada a comunicar‑lhe, na decisão de inspeção ou no decurso da inspeção, os indícios que justificaram a referida inspeção (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de outubro de 1989, Dow Chemical Ibérica e o./Comissão, 97/87 a 99/87, EU:C:1989:380, n.os 45, 50 e 51; de 8 de julho de 2008, AC‑Treuhand/Comissão, T‑99/04, EU:T:2008:256, n.o 48; de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão, T‑135/09, EU:T:2012:596, n.o 69; de 14 de março de 2014, Cementos Portland Valderrivas/Comissão, T‑296/11, EU:T:2014:121, n.o 37; de 25 de novembro de 2014, Orange/Comissão, T‑402/13, EU:T:2014:991, n.o 81; e de 20 de junho de 2018, České dráhy/Comissão, T‑325/16, EU:T:2018:368, n.os 45 e 46).

86      Esta solução jurisprudencial baseia‑se não num princípio de confidencialidade dos indícios em causa, mas na preocupação, que o legislador tomou também em consideração na redação do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, de preservar a eficácia dos inquéritos da Comissão numa fase em que estes apenas estão a começar.

87      Com efeito, o procedimento administrativo ao abrigo do Regulamento n.o 1/2003, que decorre na Comissão, divide‑se em duas fases distintas e sucessivas, obedecendo cada uma delas a uma lógica interna própria, a saber, uma fase de instrução preliminar, por um lado, e uma fase contraditória, por outro. A fase de instrução preliminar, durante a qual a Comissão usa dos poderes de instrução previstos no Regulamento n.o 1/2003 e que se estende até à comunicação de acusações, visa permitir que a Comissão reúna todos os elementos pertinentes que confirmam ou não a existência de uma infração às regras de concorrência e que tome uma primeira posição sobre a orientação e o seguimento ulterior a dar ao procedimento. Em contrapartida, a fase contraditória, que vai desde a comunicação de acusações à adoção da decisão final, deve permitir à Comissão pronunciar‑se definitivamente sobre a infração imputada (v. Acórdão de 25 de novembro de 2014, Orange/Comissão, T‑402/13, EU:T:2014:991, n.o 77 e jurisprudência referida).

88      Por um lado, no que respeita à fase de instrução preliminar, esta tem como ponto de partida a data em que a Comissão, no exercício dos poderes que lhe foram conferidos pelo legislador da União, toma medidas que implicam a censura da prática de uma infração e deve permitir‑lhe tomar posição sobre a orientação a dar ao procedimento (Acórdãos de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, EU:C:2011:620, n.o 114, e de 15 de julho de 2015, SLM e Ori Martin/Comissão, T‑389/10 e T‑419/10, EU:T:2015:513, n.o 337). Por outro lado, só no início da fase contraditória administrativa é que a empresa em causa é informada, através da comunicação de acusações, de todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do procedimento e só nessa altura é conferido a essa empresa o direito de consultar o processo, para garantir o exercício efetivo dos seus direitos de defesa. Consequentemente, só depois do envio da comunicação de acusações é que a empresa em causa pode invocar plenamente os seus direitos de defesa. Com efeito, se esses direitos fossem estendidos à fase que antecede o envio da comunicação de acusações, a eficácia do inquérito da Comissão ficaria comprometida, uma vez que a empresa teria, logo na fase de instrução preliminar, a possibilidade de identificar as informações conhecidas pela Comissão e, por conseguinte, aquelas que ainda lhe poderiam ser sonegadas (v. Acórdão de 25 de novembro de 2014, Orange/Comissão, T‑402/13, EU:T:2014:991, n.o 78 e jurisprudência referida).

89      Todavia, as diligências de instrução realizadas pela Comissão na fase de instrução preliminar, nomeadamente as averiguações e os pedidos de informações, implicam por natureza a imputação de uma infração e podem ter repercussões significativas na situação das empresas suspeitas. Por conseguinte, é necessário evitar que os direitos de defesa possam ser irremediavelmente comprometidos nessa fase do procedimento administrativo quando as diligências de instrução realizadas possam ser determinantes para a produção de provas da ilegalidade de comportamentos de empresas suscetíveis de desencadear a responsabilidade das mesmas (v. Acórdão de 25 de novembro de 2014, Orange/Comissão, T‑402/13, EU:T:2014:991, n.o 79 e jurisprudência referida).

90      Neste contexto, importa recordar que a obrigação que o artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003 impõe de mencionar o objeto e finalidade de uma inspeção constitui uma garantia fundamental dos direitos de defesa das empresas em causa e, por conseguinte, o alcance do dever de fundamentação das decisões de inspeção não pode ser restringido em função de considerações atinentes à eficácia do inquérito. A este respeito, embora, de acordo com o artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 e a jurisprudência, a Comissão não esteja obrigada a comunicar ao destinatário de uma decisão todas as informações de que dispõe a respeito das infrações presumidas, nem a delimitar com precisão o mercado em causa, nem a proceder à qualificação jurídica rigorosa dessas infrações, nem a indicar o período no decurso do qual essas infrações foram cometidas, não deve deixar de indicar, com toda a precisão possível, as presunções que tenciona verificar, a saber, o que é procurado e os elementos sobre os quais deve incidir a inspeção (v. Acórdão de 25 de novembro de 2014, Orange/Comissão, T‑402/13, EU:T:2014:991, n.o 80 e jurisprudência referida).

91      Tendo em conta todos estes elementos, declarou‑se de forma constante que não se pode impor à Comissão que indique, na fase de instrução preliminar, além das presunções de infração que tenciona verificar, os indícios, isto é, os elementos que a levam a ponderar a hipótese de uma violação do artigo 101.o TFUE. Com efeito, tal obrigação poria em causa o equilíbrio que a jurisprudência estabelece entre a preservação da eficácia do inquérito e a preservação dos direitos de defesa da empresa em questão (v. Acórdão de 20 de junho de 2018, České dráhy/Comissão, T‑325/16, EU:T:2018:368, n.o 45 e jurisprudência referida; v. também n.o 85, supra).

92      Daqui resulta que o artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003 não pode ser declarado ilegal pelo facto de, ao não prever a comunicação dos indícios que justificam a inspeção à empresa inspecionada, violar o princípio da igualdade de armas e os direitos de defesa da referida empresa.

93      Nenhum dos argumentos apresentados pelas recorrentes permite pôr em causa esta conclusão.

94      No que respeita, em primeiro lugar, à jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União, importa salientar que as recorrentes não evocam a jurisprudência acima referida, nem, a fortiori, a contestam expressamente, e citam apenas um acórdão do Tribunal Geral em apoio da alegação de que este último considera que o princípio da igualdade de armas implica que as empresas visadas tenham o direito de acesso ao processo. É certo que resulta desse acórdão que o princípio geral da igualdade de armas pressupõe, num processo de concorrência, que a empresa em causa tenha dos documentos utilizados no processo um conhecimento igual ao da Comissão (Acórdão de 29 de junho de 1995, ICI/Comissão, T‑36/91, EU:T:1995:118, n.os 93 e 111). No entanto, como a Comissão sublinha de forma pertinente, esta menção diz respeito à fase contraditória do procedimento e, em especial, aos documentos que deveriam ter sido enviados à empresa recorrente com a comunicação de acusações (v., a propósito da distinção entre a fase de instrução preliminar e a fase contraditória administrativa, n.os 87 e 88, supra).

95      No que respeita, em segundo lugar, à jurisprudência do TEDH, cuja invocação pode ser entendida, tendo em conta o que precede, no sentido de que exprime o desejo de uma evolução conforme da jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União ou uma declaração de ilegalidade das disposições pertinentes do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, importa considerar que a mesma não é suscetível de justificar tal evolução, nem essa declaração, independentemente da circunstância de os acórdãos do TEDH se terem pronunciado sobre os direitos de pessoas singulares em matéria penal, como sublinharam a Comissão e o Conselho. Com efeito, todas as violações do princípio da igualdade de armas constatadas nesses acórdãos do TEDH foram‑no pelo facto de as pessoas acusadas terem sido condenadas sem nunca terem tido acesso a todos os elementos relativos às acusações consideradas (TEDH, 18 de março de 1997, Foucher c. França, CE:ECHR:1997:0318JUD002220993; 25 de março de 1999, Pélissier e Sassi c. França, CE:ECHR:1999:0325JUD002544494; 26 de julho de 2011, Huseyn e outros c. Azerbaidjan, CE:ECHR:2011:0726JUD003548505; e 20 de setembro de 2011, OAO Neftyanaya Kompaniya Yukos c. Rússia, CE:ECHR:2011:0920JUD001490204), do que não se pode deduzir um direito de acesso a esses elementos na fase de instrução além do já reconhecido na fase contraditória posterior. Quanto ao acórdão do TEDH, do qual resulta que o princípio da igualdade de armas se aplica a todas as fases do procedimento, nomeadamente durante a instrução (TEDH, 30 de março de 1989, Lamy c. Bélgica, CE:ECHR:1989:0330JUD001044483), invocado pelas recorrentes apenas na audiência, aquele pronunciou‑se nesse sentido devido à adoção de uma decisão sobre a detenção do recorrente durante essa fase de instrução. O TEDH declarou, aliás, nesse processo, a existência de uma violação do artigo 5.o, n.o 4, da CEDH, relativo à proteção jurisdicional das pessoas detidas, sem tomar posição sobre o cumprimento do artigo 6.o da CEDH.

96      No que respeita, em terceiro lugar, à legislação francesa, invocada pelas recorrentes na audiência, não pode, enquanto tal, impor‑se na aplicação das regras do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 17 de janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão, 43/82 e 63/82, EU:C:1984:9, n.o 40). Pode‑se acrescentar, em todo o caso, que, nos termos do artigo L. 450‑4 do code de commerce (Código Comercial) francês, o despacho do juiz competente em matéria de liberdades e de detenção francês, que autoriza as visitas e as apreensões efetuadas pela Autoridade da Concorrência com base em informações e indícios suscetíveis de as justificar apresentados pela referida autoridade, só é notificado à empresa visada no momento da visita. Assim, só é suscetível de dar lugar a um debate contraditório, que pode incidir, nomeadamente, sobre o caráter suficientemente sério dos indícios apresentados, na fase do recurso interposto desse despacho para o primeiro presidente do Tribunal de Recurso.

97      No que respeita, em quarto lugar, aos receios expressos pelas recorrentes de dificuldades em se precaverem contra os riscos de intervenções arbitrárias e desproporcionadas da Comissão, importa salientar precisamente que o Tribunal Geral pode pedir à Comissão, através de medidas de organização do processo, que apresente os indícios que justificaram a decisão da uma inspeção (para a adoção de tal medida de organização do processo no caso em apreço, v. n.o 14, supra). Este acesso aos indícios que justificaram a decisão de inspeção é permitido na fase jurisdicional, uma vez que, nesta fase e na medida em que a inspeção está por definição concluída, o imperativo de preservar a eficácia das investigações da Comissão é menor. Com efeito, uma vez realizadas todas as operações de inspeção, já não é necessário prevenir um risco de dissimulação das informações relevantes para o inquérito, as quais, em princípio, já foram recolhidas durante a inspeção (v. n.o 88, supra). Além disso, pode‑se acrescentar que uma comunicação dos indícios na fase jurisdicional está em conformidade com o princípio da igualdade de armas perante o juiz, uma vez que a empresa inspecionada dispõe nessa fase de informações que lhe permitem contestar a detenção pela Comissão de indícios suficientemente sérios para justificar a inspeção (v., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Nexans e Nexans France/Comissão, C‑37/13 P, EU:C:2014:223, n.os 85 e 86), e não justifica, de resto, que seja concedido um acesso logo na adoção da decisão de inspeção.

98      Por todos os fundamentos expostos, a segunda crítica alegada em apoio da exceção de ilegalidade deve, por conseguinte, ser julgada improcedente, assim como deve, portanto, ser julgada improcedente na íntegra a exceção de ilegalidade das disposições relevantes do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003.

B.      Quanto ao segundo e terceiro fundamentos, baseados na violação do dever de fundamentação e na violação do direito à inviolabilidade do domicílio

99      A Comissão alega, a título preliminar, que as recorrentes fazem várias críticas ao desenrolar da inspeção controvertida, que são inadmissíveis no âmbito de um recurso de uma decisão de inspeção, e deduz daí a inadmissibilidade da petição.

100    Resulta efetivamente de jurisprudência constante que uma empresa não pode invocar a ilegalidade de que padece o desenrolar de procedimentos de inspeção em apoio de um pedido de anulação dirigido contra o ato com base no qual a Comissão procedeu essa inspeção (Acórdãos de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, EU:T:1999:80, n.o 413; de 17 de setembro de 2007, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, T‑125/03 e T‑253/03, EU:T:2007:287, n.o 55; e de 20 de junho de 2018, České dráhy/Comissão, T‑325/16, EU:T:2018:368, n.o 22).

101    Esta impossibilidade de invocar a ilegalidade de que padece o desenrolar das operações de inspeção em apoio dos pedidos formulados contra uma decisão de inspeção mais não faz do que refletir o princípio segundo o qual a legalidade de um ato deve ser apreciada face às circunstâncias de direito e de facto existentes no momento em que essa decisão foi adotada, pelo que os atos posteriores à adoção de uma decisão não podem afetar a sua validade (Despacho de 30 de outubro de 2003, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, T‑125/03 R e T‑253/03 R, EU:T:2003:287, n.os 68 e 69; v., também, neste sentido, Acórdão de 17 de outubro de 2019, Alcogroup e Alcodis/Comissão, C‑403/18 P, EU:C:2019:870, n.os 45 e 46 e jurisprudência referida).

102    Daqui resulta que, se, como pretende a Comissão, as críticas em causa devessem ser rejeitadas, deveriam sê‑lo devido ao seu caráter inoperante e não ao seu caráter inadmissível.

103    Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral na audiência, a Comissão esclareceu, como ficou registado na ata da audiência, por um lado, que remetia para o prudente arbítrio do Tribunal Geral quanto ao caráter inadmissível ou inoperante das críticas em causa e, por outro, que a sua alegação de inadmissibilidade não dizia respeito, enquanto tais, ao segundo e terceiro fundamentos, relativos, respetivamente, à violação do dever de fundamentação e à violação do direito à inviolabilidade do domicílio.

104    Daqui resulta que a petição não pode ser declarada inadmissível pelo motivo alegado pela Comissão nem, a fortiori, deve sê‑lo na sua totalidade.

105    Por conseguinte, importa examinar o segundo e terceiro fundamentos invocados pelas recorrentes, sem ter em conta, para efeitos da apreciação do respetivo mérito, as críticas invocadas em seu apoio que se baseiam no desenrolar da inspeção controvertida e que devem ser julgadas inoperantes.

1.      Quanto à violação do dever de fundamentação

106    As recorrentes alegam que a decisão impugnada está insuficientemente fundamentada, na medida em que não contém nenhum esclarecimento, nem sequer qualquer princípio de exposição das informações na posse da Comissão que tivessem justificado proceder à inspeção. Especificamente, a decisão impugnada não permite identificar nem o tipo, nem a natureza, nem a proveniência e ainda menos o conteúdo das informações de que a Comissão dispunha e assim privava as recorrentes de uma garantia fundamental dos seus direitos de defesa. As recorrentes acrescentam que essa total falta de informação relativa aos documentos à disposição da Comissão não pode ser sanada pela mera descrição das presunções de infração que esta última acreditou poder retirar do conteúdo dos referidos documentos.

107    Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação dos atos das instituições da União, exigida pelo artigo 296.o TFUE, deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. O dever de fundamentação deve ainda ser apreciado em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente, do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários do ato ou outras pessoas em causa direta e individualmente abrangidas possam ter em receber explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não só da sua redação, mas também do seu contexto e do conjunto de regras jurídicas que regulam a matéria em causa (v. Acórdão de 25 de junho de 2014, Nexans e Nexans France/Comissão, C‑‑37/13 P, EU:C:2014:2030, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida).

108    Por conseguinte, é necessário ter em conta, no caso em apreço, o quadro jurídico em que se desenrolam as inspeções da Comissão. Os artigos 4.o e 20.o do Regulamento n.o 1/2003 conferem, com efeito, poderes de inspeção à Comissão com o objetivo de lhe permitir cumprir a sua missão de proteger o mercado interno das distorções da concorrência e punir eventuais infrações às regras de concorrência nesse mercado (Acórdão de 25 de junho de 2014, Nexans e Nexans France/Comissão, C‑37/13 P, EU:C:2014:2030, n.o 33; v., também, neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2002, Roquette Frères, C‑94/00, EU:C:2002:603, n.o 42 e jurisprudência referida).

109    Assim, no que respeita mais especificamente às decisões de inspeção da Comissão, o artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003 dispõe que estas devem indicar a data em que a inspeção tem início, as sanções previstas nos artigos 23.o e 24.o do referido regulamento e a possibilidade de impugnação da decisão de inspeção no Tribunal de Justiça, mas também o objeto e a finalidade da inspeção.

110    Resulta da jurisprudência que a Comissão deve, para o fazer, indicar, com tanta precisão quanto possível, as presunções que pretende verificar, a saber, o que é procurado e os elementos sobre os quais deve incidir a inspeção. Mais especificamente, a decisão de inspeção deve conter uma descrição das características da infração objeto de suspeita, mediante a indicação do mercado presumido em causa e da natureza das restrições de concorrência objeto de suspeita, bem como os setores abrangidos pela pretensa infração a que diz respeito o inquérito, e das explicações sobre a forma como a empresa visada na inspeção está supostamente implicada na infração (v. Acórdãos de 8 de março de 2007, France Télécom/Comissão, T‑339/04, EU:T:2007:80, n.os 58 e 59 e jurisprudência referida, e de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.os 75 e 77 e jurisprudência referida).

111    Este dever de fundamentação específico constitui, como o Tribunal de Justiça esclareceu, um requisito fundamental com vista não só a demonstrar o caráter justificado da intervenção pretendida nas empresas em causa, mas também a dar‑lhes a possibilidade de apreenderem o alcance do seu dever de colaboração, preservando ao mesmo tempo os direitos de defesa. Com efeito, é importante dar às empresas visadas nas decisões de inspeção que lhes impõem obrigações, que comportam ingerências na sua esfera privada e cujo incumprimento as pode expor a pesadas coimas, a possibilidade de compreenderem os fundamentos dessas decisões sem esforços de interpretação desmesurados, para que possam exercer efetiva e oportunamente os seus direitos (v., a propósito de decisões que pedem informações, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo HeidelbergCement/Comissão, C‑247/14 P, EU:C:2015:694, n.o 42). Daqui resulta, por outro lado, que o alcance do dever de fundamentar as decisões de inspeção, conforme esclarecido no número anterior, não pode, em princípio, ser restringido em função de considerações relativas à eficácia da investigação (Acórdãos de 17 de outubro de 1989, Dow Benelux/Comissão, 85/87, EU:C:1989:379, n.o 8, e de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão, T‑135/09, EU:T:2012:596, n.o 42).

112    Contudo, as inspeções são realizadas, por definição, numa fase preliminar, na qual a Comissão não dispõe de informações precisas que lhe permitam qualificar como infração os comportamentos em causa e que implicam a possibilidade de procurar diversos elementos de informação que ainda não são conhecidos ou plenamente identificados (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de junho de 2014, Nexans e Nexans France/Comissão, C‑37/13 P, EU:C:2014:2030, n.o 37, e de 26 de outubro de 2010, CNOP e CCG/Comissão, T‑23/09, EU:T:2010:452, n.os 40 e 41 e jurisprudência referida). Assim, para salvaguardar o efeito útil das inspeções e por razões atinentes à sua própria natureza, admitiu‑se que a Comissão não estava obrigada nem a comunicar ao destinatário dessa decisão todas as informações de que dispunha a propósito de infrações presumidas, nem a delimitar com precisão o mercado em causa, nem a proceder a uma qualificação jurídica exata dessas infrações, nem a indicar o período durante o qual essas infrações teriam sido cometidas (v. Acórdão de 25 de novembro de 2014, Orange/Comissão, T‑402/13, EU:T:2014:991, n.o 80 e jurisprudência referida; Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Nexans e Nexans France/Comissão, C‑37/13 P, EU:C:2014:223, n.os 48 e 49).

113    Além disso, importa recordar que a Comissão não é obrigada a indicar, na decisão de inspeção, os indícios que justificaram a referida inspeção (v. n.os 85 e 91, supra).

114    Daqui resulta, por um lado, que o dever de fundamentação da Comissão não abrange todas as informações de que dispõe a propósito das presumíveis infrações e, por outro, que, entre as informações que justificaram proceder à inspeção, apenas devem ser fornecidas na decisão de inspeção as que permitam pôr em evidência a posse, pela Comissão, de indícios sérios de infração, sem, no entanto, revelar os indícios em causa. Com efeito, é jurisprudência constante que a Comissão é obrigada a revelar de forma circunstanciada na decisão que ordena uma inspeção que dispunha de elementos e de indícios materiais sérios nos autos que a levaram a suspeitar de uma infração por parte da empresa em causa na inspeção (v. Acórdão de 8 de março de 2007, France Télécom/Comissão, T‑339/04, EU:T:2007:80, n.o 60 e jurisprudência referida; Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.o 172).

115    Por conseguinte, importa verificar, no caso em apreço, se essa obrigação foi respeitada pela Comissão na decisão impugnada.

116    Ora, resulta claramente do considerando 8 da decisão impugnada e das informações aí dadas relativas às presumíveis infrações, conforme descritas nos considerandos 4 e 5 e que consistem em intercâmbios de informações sobre, nomeadamente, os descontos e as futuras estratégias comerciais, que a Comissão revelou de forma circunstanciada que considerava dispor de indícios sérios que a tinham levado a suspeitar das práticas concertadas em causa.

117    Com efeito, demonstram isso, além dos esclarecimentos relativos ao objeto dos intercâmbios de informações objeto de suspeita, nos considerandos 4 e 5 da decisão impugnada, os esclarecimentos dados no considerando 8 da decisão impugnada, introduzidos pelos termos «Segundo as informações de que a Comissão dispõe» e relativos às modalidades das trocas comerciais, às pessoas implicadas (qualidade e número aproximativo) e aos documentos controvertidos (número aproximativo, lugar e forma de conservação).

118    Importa esclarecer que as considerações que precedem se limitam à análise do caráter suficiente da fundamentação da decisão impugnada e respondem apenas à questão de saber se a Comissão mencionou na sua decisão as informações exigidas pela jurisprudência, a saber, as que atestam que considerava dispor de indícios sérios da existência das presumidas práticas concertadas. Em contrapartida, não é tratada neste âmbito a questão de saber se a Comissão considerou, com razão, que dispunha de tais indícios suficientemente sérios, a qual será abordada no exame do fundamento relativo à violação do direito à inviolabilidade do domicílio.

119    Importa acrescentar que a alegação das recorrentes do risco de poderem ser vítimas de concorrentes ou de parceiros comerciais mal‑intencionados não pode pôr em causa a conclusão acima referida relativa ao respeito, pela Comissão, do dever de fundamentação. Esse risco pode, com efeito, ser contrariado graças à verificação do caráter suficientemente sério dos indícios detidos pela Comissão aquando da apreciação do fundamento relativo à violação do direito à inviolabilidade do domicílio.

120    Por conseguinte, o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação deve ser julgado improcedente.

2.      Quanto à violação do direito à inviolabilidade do domicílio

121    As recorrentes alegam que o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, conforme consagrado no artigo 7.o da Carta e no artigo 8.o da CEDH, foi violado pela Comissão no caso em apreço. Com efeito, resulta da jurisprudência que esse direito é aplicável às decisões de inspeção da Comissão, as quais as recorrentes reiteram que não se baseiam na colaboração das empresas visadas. Resulta também daí que o direito à inviolabilidade do domicílio exige que o conteúdo e o alcance de um mandato que autoriza visitas domiciliárias sejam acompanhados de determinados limites para que a ingerência que autoriza nesse direito não seja potencialmente ilimitada e, portanto, desproporcionada. Ora, na medida em que a decisão impugnada foi adotada independentemente de qualquer fiscalização jurisdicional ex ante, o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio implica limites ainda mais estritos aos poderes de inspeção da Comissão, limites que não foram colocados ou respeitados neste caso.

122    Importa recordar que o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio constitui um princípio geral do direito da União atualmente consagrado no artigo 7.o da Carta, que corresponde ao artigo 8.o da CEDH (v. Acórdão de 18 de junho de 2015, Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:404, n.o 19 e jurisprudência referida).

123    Nos termos do artigo 7.o da Carta, todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações. Esta exigência de proteção contra as intervenções do poder público na esfera de atividade privada de uma pessoa diz respeito tanto às pessoas singulares como às pessoas coletivas (v. Acórdão de 25 de novembro de 2014, Orange/Comissão, T‑402/13, EU:T:2014:991, n.o 83 e jurisprudência referida).

124    O artigo 52.o, n.o 1, da Carta dispõe, por outro lado, que qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Além disso, na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

125    Importa igualmente precisar que, embora decorra da jurisprudência do TEDH que a proteção prevista no artigo 8.o da CEDH pode ser alargada a determinadas instalações comerciais, o mesmo Tribunal declarou que a ingerência pública pode ir mais além no caso de instalações ou de atividades profissionais ou comerciais do que noutros casos (v. Acórdão de 18 de junho de 2015, Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:404, n.o 20 e jurisprudência do TEDH referida). No entanto, o TEDH recordou constantemente que um grau aceitável de proteção contra as ingerências que atentam contra o artigo 8.o da CEDH implicava um quadro legal e limites estritos (v. Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.o 73 e jurisprudência do TEDH referida).

126    No que respeita mais especificamente aos poderes de inspeção conferidos à Comissão pelo artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, em causa no caso em apreço, foi declarado que o exercício desses poderes constituía uma ingerência evidente no direito da empresa inspecionada ao respeito da sua esfera de atividade privada, do seu domicílio e da sua correspondência (Acórdãos de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.o 65, e de 20 de junho de 2018, České dráhy/Comissão, T‑325/16, EU:T:2018:368, n.o 169).

127    Por conseguinte, é necessário verificar se a decisão impugnada preenche os requisitos exigidos pelo artigo 7.o da Carta.

128    As recorrentes alegam, a este respeito, que a decisão impugnada é, por um lado, desproporcionada e, por outro, arbitrária, na medida em que a Comissão não dispunha de indícios suficientemente sérios para justificar a inspeção decidida.

a)      Quanto ao respeito do princípio da proporcionalidade

129    Importa recordar que, segundo o considerando 24 do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão deve dispor de poderes para realizar as inspeções «necessárias» para detetar os acordos, decisões e práticas concertadas proibidas pelo artigo 101.o TFUE. Daqui resulta, segundo a jurisprudência, que cabe à Comissão apreciar se uma medida de inspeção é necessária para poder detetar uma infração às regras da concorrência (Acórdão de 18 de maio de 1982, AM & S Europe/Comissão, 155/79, EU:C:1982:157, n.o 17; v. também, quanto a uma decisão que pede informações, Acórdão de 14 de março de 2014, Cementos Portland Valderrivas/Comissão, T‑296/11, EU:T:2014:121, n.o 66 e jurisprudência referida).

130    Contudo, esta apreciação está sujeita à fiscalização do juiz e, em especial, ao cumprimento das regras que regem o princípio da proporcionalidade. Segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do adequado e do necessário à realização do objetivo pretendido, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos penalizante, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos (Acórdãos de 8 de março de 2007, France Télécom/Comissão, T‑339/04, EU:T:2007:80, n.o 117, e de 25 de novembro de 2014, Orange/Comissão, T‑402/13, EU:T:2014:991, n.o 22).

131    As recorrentes alegam, em substância, uma ingerência desproporcionada nas suas esferas de atividade privada, tendo em conta as sociedades e as instalações inspecionadas, a duração da inspeção controvertida e a data considerada para a inspeção.

1)      Quanto às sociedades e às instalações inspecionadas

132    As recorrentes acusam a Comissão de não ter identificado individualmente, na decisão impugnada, nem as pessoas que visava nem as instalações que os seus funcionários estavam habilitados a visitar. Assim, contrariamente à sua própria prática, a Comissão tomou a liberdade de, no caso em apreço, proceder a uma inspeção junto de várias centenas de pessoas coletivas distintas que compõem o grupo Casino e visitar vários milhares de instalações, a maioria das quais não tem qualquer ligação com o objeto da decisão impugnada. Ora, de acordo com a jurisprudência, é necessária a identificação precisa das instalações que podem ser visitadas e das pessoas visadas pelas autoridades para limitar os poderes de ingerência e proteger os cidadãos contra violações arbitrárias do poder público do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio. A este respeito, as recorrentes acrescentam que a definição do objeto da inspeção e, mais genericamente, a fundamentação da decisão impugnada, por mais específicas que sejam, não podem suprir a falta de limitação dos poderes da Comissão quanto à identificação das pessoas e das instalações suscetíveis de serem inspecionadas. Sublinham, por outro lado, que o conceito de empresa não pode obstar ao respeito dos direitos fundamentais inerentes ao conceito de pessoa jurídica, singular ou coletiva.

133    Resulta efetivamente da decisão impugnada que nem as sociedades nem os locais inspecionados são nominalmente designados. Refere‑se, assim, no artigo 1.o, segundo parágrafo, da decisão impugnada, que a «inspeção pode ter lugar em qualquer instalação da empresa», sendo esta indicação seguida da expressão «e em especial», esta mesma seguida de dois endereços. Por outro lado, é mencionado no artigo 1.o, primeiro parágrafo, e no artigo 3.o, primeiro parágrafo, da decisão impugnada que «a Casino […], bem como todas as sociedades direta ou indiretamente controladas por ela» são visadas na decisão de inspeção.

134    A este respeito, importa salientar que, contrariamente ao que alegam as recorrentes, as decisões impugnadas nos processos que deram origem aos Acórdãos de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão (T‑135/09, EU:T:2012:596), e de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão (T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404), contêm menções semelhantes.

135    Ora, o alcance muito amplo da inspeção à qual conduzem essas menções não foi considerado pela jurisprudência como constituindo, enquanto tal, uma ingerência excessiva na esfera de atividade privada das empresas.

136    Com efeito, resulta de jurisprudência constante a partir do Acórdão de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão (46/87 e 227/88, EU:C:1989:337, n.o 26), que tanto a finalidade do Regulamento n.o 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de Execução dos Artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 1962, 13, p. 204), e do Regulamento n.o 1/2003, que lhe sucedeu, como a enumeração pelo artigo 14.o do Regulamento n.o 17 e pelo artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 dos poderes atribuídos aos funcionários da Comissão tornam patente que as inspeções podem ter um alcance bem lato. A este respeito, o direito de acesso a todas as instalações, terrenos e meios de transporte das empresas surge como revestido de especial importância, na medida em que permite à Comissão recolher as provas das infrações às regras de concorrência nos locais em que normalmente se encontram, ou seja, nas instalações comerciais das empresas (Acórdão de 12 de julho de 2007, CB/Comissão, T‑266/03, não publicado, EU:T:2007:223, n.o 71, e Despacho de 16 de junho de 2010, Biocaps/Comissão, T‑24/09, não publicado, EU:T:2010:238, n.o 32).

137    Resulta também desta jurisprudência que, embora os Regulamentos n.os 17 e 1/2003 confiram, assim, à Comissão amplos poderes de investigação, o respetivo exercício está sujeito a condições que visam garantir o respeito dos direitos das empresas em causa (Acórdão de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, EU:C:1989:337, n.o 28; v., também, neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão, T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.os 74 a 99).

138    Especificamente, convém salientar a obrigação imposta à Comissão de mencionar o objeto e finalidade da inspeção, a qual constitui exigência fundamental não apenas para revelar o caráter justificado da intervenção pretendida nas instalações das empresas em causa, como também para as colocar em condições de tomarem consciência do alcance do respetivo dever de colaboração, preservando ao mesmo tempo os respetivos direitos de defesa (v., relativamente ao Regulamento n.o 17, Acórdão de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, EU:C:1989:337, n.o 29).

139    Deve salientar‑se, além disso, que as condições exigíveis para o exercício dos poderes de inspeção da Comissão variam em função do procedimento escolhido pela Comissão, da atitude das empresas em causa e da intervenção das autoridades nacionais (v., relativamente ao Regulamento n.o 17, Acórdão de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, EU:C:1989:337, n.o 30).

140    O artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 visa, em primeiro lugar, as inspeções efetuadas em colaboração com as empresas em causa, quer voluntariamente, no caso de mandato de inspeção escrito, quer nos termos da obrigação decorrente de uma decisão de inspeção. Nesta última hipótese, que é a do caso presente, os funcionários da Comissão dispõem designadamente da faculdade de exigir a apresentação dos documentos que solicitem, de entrar nos locais que refiram e de exigir que lhes seja mostrado o conteúdo dos móveis que indiquem. Pelo contrário, não podem forçar o acesso a locais ou móveis ou obrigar o pessoal da empresa a garantir‑lhes esse acesso, nem empreender buscas sem autorização dos responsáveis da empresa (v., relativamente ao Regulamento n.o 17, Acórdão de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, EU:C:1989:337, n.o 31).

141    A situação é totalmente diversa quando a Comissão se depara com a oposição das empresas em causa. Neste caso, os funcionários da Comissão podem, com base no artigo 20.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003, procurar, sem a colaboração das empresas, todos os elementos de informação necessários à inspeção, com o apoio das autoridades nacionais, que têm a obrigação de lhes prestar a assistência necessária ao desempenho das suas missões. Embora essa assistência apenas seja exigida no caso de a empresa manifestar a sua oposição, deve acrescentar‑se que pode também ser solicitada como medida cautelar, nos termos do artigo 20.o, n.o 7, do Regulamento n.o 1/2003, para ultrapassar qualquer eventual oposição da empresa. (v., relativamente ao Regulamento n.o 17, Acórdão de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, EU:C:1989:337, n.o 32).

142    A crítica das recorrentes implica, portanto, que se responda à questão de saber se a Comissão devia, no caso em apreço, ao abrigo das garantias destinadas a protegê‑las de ingerências desproporcionadas, especificar mais precisamente as sociedades e as instalações objeto da inspeção.

143    Importa responder negativamente a esta questão pelas seguintes razões.

144    Antes de mais, as indicações que constam da decisão impugnada permitem, consideradas em conjunto, determinar as sociedades e as instalações afetadas pela inspeção. Com efeito, graças à especificação do objeto e da finalidade da inspeção, e, em especial, dos mercados dos produtos e dos serviços em causa, e do esclarecimento segundo o qual estão em causa a Casino e as suas filiais, bem como as suas instalações, pode facilmente deduzir‑se da decisão impugnada que são visados na inspeção a Casino e as suas filiais que operam nos setores abrangidos pela infração objeto de suspeita — a saber, os mercados do abastecimento em bens de consumo corrente (produtos alimentares, produtos de higiene e produtos de limpeza), os da venda desses bens aos consumidores e o da venda de serviços aos fabricantes de produtos de marca no setor dos bens de consumo corrente — e que a inspeção poderá ser efetuada no conjunto das suas instalações. Quando os funcionários da Comissão se deslocaram às instalações das sociedades visadas depois de lhes terem notificado a decisão impugnada, estas tiveram a possibilidade de verificar o objeto e o alcance da intervenção levada a cabo nas suas instalações, de apreender o alcance do dever de colaboração e de apresentar as suas observações. Por conseguinte, não eram indispensáveis à proteção dos direitos das recorrentes especificações mais precisas sobre o âmbito da inspeção.

145    Por outro lado, devem ser, em consequência, rejeitadas as críticas das recorrentes de que o âmbito da inspeção era demasiado amplo devido à falta de especificação das sociedades e das instalações visadas. A este respeito, também se pode salientar que a Comissão visou, na decisão impugnada, o sujeito de base do direito da concorrência que é a empresa, que inclui a maior parte das vezes uma sociedade‑mãe e a sua ou as suas filiais, à qual podem ser imputadas as infrações e, em especial, as infrações objeto de suspeita no caso em apreço, que justificam, portanto, que sejam mencionadas na decisão impugnada tanto a sociedade‑mãe Casino como as suas filiais.

146    Em seguida, a falta de esclarecimento na designação das sociedades e das instalações em causa contribui para o bom desenrolar das inspeções da Comissão, na medida em que lhe dá a margem de manobra necessária à recolha do máximo de provas possíveis e permite preservar um efeito surpresa indispensável para prevenir um risco de destruição ou de dissimulação dessas provas. Assim, na hipótese de a Comissão não ter podido determinar na fase da adoção da decisão de inspeção, que se situa muito a montante da identificação de uma infração e dos seus protagonistas, as sociedades do grupo que podiam ter participado nela e de descobrir durante a sua inspeção nas instalações de uma das sociedades abrangidas que uma das sociedades à qual está vinculada também podia ter desempenhado um papel na referida infração, a Comissão poderia fazer uma inspeção nas instalações dessa outra sociedade com base na mesma decisão de inspeção, isto é, tanto rapidamente como aproveitando o efeito surpresa, graças ao desfasamento no tempo, em que a sociedade inspecionada numa segunda fase podia deduzir que não estava abrangida pela inspeção (v., para a evocação da importância da execução rápida das decisões de inspeção que minimizam os risco de fuga de informação, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:92, n.o 62).

147    Por último, importa salientar que os Despachos de 17 de fevereiro de 2017 dos juízes competentes em matéria de liberdades e de detenção dos tribunaux de grande instance de Créteil e de Paris (Tribunais de Primeira Instância de Créteil e de Paris) (v. n.o 5, supra) tinham autorizado as visitas e as apreensões em causa a título preventivo, em caso de oposição à inspeção, especificando expressa e limitativamente as instalações em que essas visitas e essas apreensões poderão ser feitas. Daqui resulta que, em conformidade com a jurisprudência do juiz da União referida no n.o 141, supra, mas também com a do TEDH, dos tribunais alemão e francês, bem como com a legislação francesa, invocadas pelas recorrentes, quando a ingerência implicada na inspeção é mais significativa, no caso em apreço, porque é levada a cabo, apesar da oposição das sociedades inspecionadas, com recurso à força pública, com fundamento no artigo 20.o, n.os 6 a 8, do Regulamento n.o 1/2003, é reconhecida uma garantia suplementar que consiste na designação das instalações visitadas. Ora, no caso em apreço, uma vez que as recorrentes não se opuseram à inspeção a ponto de obrigar a Comissão a fazer uso dos referidos despachos e dos meios coercivos que lhe concedem, esta garantia suplementar não tem razão de ser. Contrariamente ao que alegam as recorrentes, esta solução não viola o «princípio» segundo o qual a proteção do direito à inviolabilidade do domicílio implica um enquadramento tanto mais estrito dos poderes de inspeção quanto estes são aplicados sem autorização judicial prévia. Com efeito, como resulta da jurisprudência do TEDH invocada neste sentido pelas recorrentes (TEDH, 10 de novembro de 2015, Slavov e outros c. Bulgária, CE:ECHR:2015:1110JUD005850010, n.os 144 a 146, e 16 de fevereiro de 2016, Govedarski c. Bulgária, CE:ECHR:2016:0216JUD003495712, n.os 81 a 83), esse enquadramento visa a eficácia da fiscalização exercida a posteriori pelo juiz e não implica enquanto tal que essa fiscalização dê lugar à concessão de garantias suplementares (v. também, neste sentido, n.o 53, supra).

148    A presente crítica relativa às pessoas e às instalações inspecionadas deve, portanto, ser julgada improcedente, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a sua admissibilidade, contestada pela Comissão.

2)      Quanto à duração da inspeção

149    As recorrentes acusam a Comissão de, contrariamente à jurisprudência e à sua própria prática, não ter fixado nenhum limite temporal à sua ingerência no direito fundamental à inviolabilidade do domicílio que autorizou. Com efeito, a decisão impugnada prevê apenas a data a partir da qual a inspeção podia começar e não fixa qualquer data de termo, nem qualquer duração máxima, pelo que a inspeção não estava terminada na data da interposição do presente recurso, o que, aliás, a Comissão não deixou de recordar às recorrentes. Por outro lado, estas últimas excluem que o caráter ilimitado no tempo dos poderes da Comissão possa ser validamente justificado pela eficácia das inspeções, baseando‑se nomeadamente em diversos direitos nacionais que preveem uma limitação no tempo dos poderes de inspeção da Administração.

150    Importa salientar que, tal como a decisão de inspeção em causa no Acórdão de 6 de setembro de 2013, Deutsche Bahn e o./Comissão (T‑289/11, T‑290/11 e T‑521/11, EU:T:2013:404, n.os 4, 14 e 21), que, contrariamente ao que alegam as recorrentes, contém uma menção semelhante, a decisão impugnada prevê, no seu artigo 2.o, que «[a] inspeção pode ter início em 20 de fevereiro de 2017 ou pouco tempo depois», sem fixar uma data na qual a inspeção deve estar terminada.

151    Importa recordar que essa menção está em conformidade com o artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, que exige apenas que a decisão de inspeção «[fixe] a data em que esta tem início» (v. n.o 109, supra).

152    Importa salientar, além disso, que o Tribunal Geral declarou que a falta de precisão quanto à data de termo da inspeção não significa que esta podia estender‑se no tempo de forma ilimitada, estando a Comissão, a este respeito, obrigada a respeitar um prazo razoável, em conformidade com o artigo 41.o, n.o 1, da Carta (Acórdão de 12 de julho de 2018, Nexans France e Nexans/Comissão, T‑449/14, em sede de recurso, EU:T:2018:456, n.o 69).

153    Daqui resulta um enquadramento temporal, delimitado pela data de início da inspeção fixada na decisão de inspeção e pelo limite do prazo razoável, que garante suficientemente a inexistência de ingerência desproporcionada na esfera de atividade privada das empresas.

154    Além disso, essa delimitação temporal permite garantir plenamente a eficácia dos poderes de inquérito da Comissão. Com efeito, uma vez que o limite do prazo razoável é apreciado a posteriori e em função das circunstâncias do caso concreto, permite ter em conta a circunstância de a duração da inspeção não poder ser conhecida antecipadamente, pois depende do volume de informações recolhidas no local e de eventuais comportamentos de obstrução por parte da empresa em causa.

155    É certo que se pode admitir, no seguimento das recorrentes, que a fixação de uma duração de inspeção a priori não põe em causa, enquanto tal, a eficácia das inspeções. No entanto, para garantir essa eficácia tendo em conta a circunstância mencionada no número anterior, essa duração fixada a priori seria provavelmente mais longa do que a duração efetiva da inspeção nos autos, neste caso, menos de cinco dias, o que não vai no sentido de uma garantia contra ingerências desproporcionadas.

156    Pode‑se acrescentar que a jurisprudência do TEDH e a de diversos órgãos jurisdicionais nacionais, bem como as legislações nacionais citadas pelas recorrentes, não são suscetíveis de pôr em causa estas considerações. Com efeito, são todas relativas a operações de visita ou de apreensões efetuadas sob coação, que implicam uma ingerência mais acentuada do que a inspeção que foi decidida no caso em apreço sem que os funcionários da Comissão tenham aplicado o artigo 20.o, n.os 6 a 8, do Regulamento n.o 1/2003 e dos meios de coação nacionais aos quais permite recorrer (v. n.o 53, supra). Assim, é de assinalar que os despachos dos juízes competentes em matéria de liberdades e de detenção referidos no n.o 147, supra, adotados no caso em apreço a título preventivo para serem utilizadas em caso de oposição à inspeção, mas que não o foram in casu por falta dessa oposição (artigo 20.o, n.o 7, do Regulamento n.o 1/2003), fixam todos uma data‑limite para a realização das operações de visita e de apreensão.

157    Portanto, a crítica relativa à duração da inspeção deve ser julgada improcedente.

3)      Quanto à data da inspeção

158    As recorrentes sustentam que a data de início da inspeção prevista na decisão impugnada viola o princípio da proporcionalidade, uma vez que precedia imediatamente a data em que a primeira recorrente devia concluir a negociação dos seus acordos anuais com os fornecedores, isto é, em 1 de março, e que tinha privado vários dos seus responsáveis encarregados dessas negociações dos seus instrumentos de trabalho no momento da condução das negociações finais.

159    Importa considerar que as recorrentes não demonstram os inconvenientes desproporcionados e intoleráveis que alegam. Ora, a este respeito, não se podem contentar com simples afirmações não acompanhadas de verdadeiros elementos probatórios (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2014, Cementos Portland Valderrivas/Comissão, T‑296/11, EU:T:2014:121, n.o 103).

160    Com efeito, as recorrentes demonstram apenas que diversos responsáveis pelas compras estiveram privados dos seus telefones e computadores profissionais durante um dia e meio, no máximo. Ora, mesmo que essas pessoas desempenhassem um papel importante nas negociações em causa, esse período de privação de alguns dos seus instrumentos de trabalho é muito curto tendo em conta a duração habitual deste tipo de negociações, em média de cinco meses (de 1 de outubro a 1 de março do ano seguinte). Por outro lado, não foi alegado, nem a fortiori provado, que essas pessoas tenham estado incapazes de conduzir as referidas negociações durante esse período e durante toda a inspeção, nomeadamente através de contactos diretos no local, cuja possibilidade é confirmada pelo facto de as recorrentes terem reconhecido na audiência que os seus parceiros de negociação se encontravam nas suas instalações no momento da inspeção. Assim, resulta daqui, quando muito, uma perturbação no desenrolar das negociações em causa. Isto é tanto mais assim quanto, no tipo de negociações em causa, as últimas horas antes do termo do prazo são as mais importantes e a inspeção controvertida terminou, no caso em apreço, dois dias úteis antes do termo do prazo de 1 de março, aos quais acrescia um fim de semana também geralmente mobilizado para tentar chegar a um acordo.

161    Além disso, a única pretensa alternativa menos gravosa proposta pelas recorrentes, que consistia em dar início à inspeção após a data‑limite de celebração dos acordos com os fornecedores, não pode ser considerada como tal.

162    Com efeito, embora sem dúvida menos gravosa para as recorrentes, esse adiamento da inspeção não constitui uma verdadeira alternativa à data da inspeção considerada pela decisão impugnada. Como a Comissão explicou nos seus articulados, a data foi escolhida intencionalmente no caso em apreço, para ter acesso ao máximo de empregados e de dirigentes abrangidos pelas infrações objeto de suspeita, cuja presença era garantida tanto pelo fim das férias escolares como, sobretudo, pela iminência da data‑limite de 1 de março para a celebração dos acordos comerciais acima referidos.

163    Daqui resulta que a crítica relativa à data da inspeção considerada deve ser julgada improcedente, bem como, consequentemente, todas as críticas ao caráter desproporcionado da decisão impugnada.

b)      Quanto à detenção de indícios suficientemente sérios pela Comissão

164    Importa recordar que a Comissão não tem a obrigação de indicar, na fase de instrução preliminar, além das presunções de infração que pretende averiguar, os indícios, ou seja, os elementos que a levam a considerar a hipótese de uma violação do artigo 101.o TFUE, uma vez que essa obrigação poria em causa o equilíbrio que o legislador e o juiz da União pretenderam estabelecer entre a preservação da eficácia do inquérito e a preservação dos direitos de defesa da empresa em causa (v. n.os 85 e 86, supra).

165    Contudo, não se pode deduzir daqui que a Comissão não deva estar na posse de elementos que a levem a encarar a hipótese de uma violação do artigo 101.o TFUE antes da adoção de uma decisão de inspeção. Com efeito, com o objetivo de respeitar o direito das empresas inspecionadas à inviolabilidade do seu domicílio, uma decisão de inspeção deve destinar‑se a recolher a documentação necessária para verificar a realidade e o alcance de determinadas situações de facto e de direito a propósito das quais a Comissão já dispõe de informações que constituem indícios suficientemente sérios que permitam suspeitar de uma infração às regras de concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2014, Orange/Comissão, T‑402/13, EU:T:2014:991, n.os 82 a 84 e jurisprudência referida).

166    Cabe então ao juiz da União, a fim de se certificar de que a decisão de inspeção não tem caráter arbitrário, isto é, que não foi adotada na inexistência de circunstâncias de facto ou de direito suscetíveis de justificar uma inspeção, verificar se a Comissão dispunha de indícios suficientemente sérios que permitissem suspeitar de uma infração às regras da concorrência por parte da empresa em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão, T‑135/09, EU:T:2012:596, n.o 43, e de 20 junho de 2018, České dráhy/Comissão, T‑325/16, EU:T:2018:368, n.o 48).

167    No caso em apreço, as recorrentes consideram que algumas diferenças entre o conteúdo da decisão impugnada e o objeto da inspeção efetivamente realizada permitem deduzir que a Comissão não dispunha, no momento da referida decisão, de indícios suficientemente sérios para suspeitar da existência de pelo menos algumas das infrações aí enunciadas. Ora, a exigência de proteção contra intervenções arbitrárias do poder público na esfera da atividade privada proíbe a Comissão de ordenar uma inspeção se não dispuser de indícios sérios que permitam suspeitar de uma infração às regras da concorrência e compete ao Tribunal Geral certificar‑se, em concreto, de que a Comissão dispunha de tais indícios.

168    Por conseguinte, é necessário determinar quais eram os indícios na posse da Comissão e com base nos quais ordenou a inspeção controvertida, antes de proceder à apreciação do seu caráter suficientemente sério para suspeitar das infrações em causa e justificar legalmente a adoção da decisão impugnada.

1)      Quanto à determinação dos indícios na posse da Comissão

169    Importa esclarecer que, em resposta às medidas de organização do processo adotadas pelo Tribunal Geral em 3 de dezembro de 2018 e em 13 de maio e em 25 de setembro de 2019, para verificar se a Comissão dispunha de indícios suficientemente sérios que justificassem a adoção da decisão impugnada, esta apresentou, em 10 de janeiro, em 5 de junho e em 18 de outubro de 2019, os seguintes documentos:

–        atas de audições que realizou em 2016 e 2017 com treze fornecedores de produtos de consumo corrente envolvidos que celebram regularmente acordos com a Casino e a Intermarché (anexos Q.1 a Q.13 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019; a seguir «atas»);

–        troca de mensagens de correio eletrónico com vista a estabelecer as datas das audições em causa e que incluem o questionário da Comissão que serviu de base a essas audições (anexos R.1 a R.14 da resposta da Comissão de 5 de junho de 2019);

–        uma mensagem de correio eletrónico de 22 de novembro de 2016 do diretor‑geral de uma associação de fornecedores, que regista os movimentos e as relações entre as marcas da grande distribuição, nomeadamente em associações de grandes distribuidores, circunstâncias que eram «suscetíveis de reduzir o nível de incerteza existente […]entre certos atores da distribuição» (anexo Q.14 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019, conforme completada pelas respostas da Comissão de 5 de junho e de 18 de outubro de 2019; a seguir «mensagem de correio eletrónico do diretor da associação N»), acompanhada de vários anexos, a saber, uma apresentação esquemática dos participantes e do desenrolar da «convenção Intermarché» de 21 de setembro de 2016 (a seguir «convenção Intermarché» ou «convenção») (anexo Q.15 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019), um quadro que recapitula as transferências de marcas entre alianças internacionais acompanhado de diversos quadros que indicam em relação a cada aliança internacional as potenciais fontes de informação que podem resultar de transferências de colaboradores, de transferências de marcas ou de acordos locais entre marcas que são membros de diferentes alianças (anexo Q.16 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019), um artigo de imprensa datado de outubro de 2016 que retoma as declarações de um diretor de marca (anexo Q.17 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019) e um quadro que regista os movimentos de pessoal entre marcas (anexo Q.18 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019);

–        diversos quadros que reproduzem as passagens relevantes dos documentos apresentados em anexo à resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019 com vista a apresentar de forma sintética os indícios relativos a cada uma das infrações objeto de suspeita, a saber:

–        os intercâmbios entre a ICDC (Casino) e a AgeCore (Intermarché) relativos aos descontos nos mercados de abastecimento e aos preços de venda de serviços aos fabricantes de produtos de marca à escala europeia, nomeadamente em França (a seguir «primeira infração») [artigo 1.o, alínea a), da decisão impugnada; quadro 1 anexo à resposta da Comissão de 5 de junho de 2019],

–        os intercâmbios entre a Casino e a Intermarché relativos a estratégias comerciais futuras em França (a seguir «segunda infração») [artigo 1.o, alínea b), da decisão impugnada; quadro 2 anexo à resposta da Comissão de 5 de junho de 2019].

170    Por outro lado, a Comissão entregou, em 19 de dezembro de 2019, uma «resposta complementar» à questão do Tribunal Geral de 13 de maio de 2019 (v. n.o 19, supra). Esta resposta compreendia, por um lado, uma nota interna da Direção‑Geral da Concorrência da Comissão, de 16 de dezembro de 2016, que dava conta das audições acima referidas levadas a cabo com os fornecedores e de suspeitas de infrações deduzidas, que comprovava, segundo a Comissão, que possuía indícios suficientemente sérios que permitiam suspeitar das referidas infrações à data da decisão impugnada, e, por outro, diversos documentos destinados a estabelecer a data de finalização das atas. As recorrentes consideram que esta resposta complementar, apresentada sem justificação pela Comissão após o encerramento da fase escrita do processo, é extemporânea e, por conseguinte, inadmissível.

171    Importa recordar que, nos termos do artigo 85.o, n.os 1 e 3, do Regulamento de Processo, as provas são apresentadas na primeira troca de articulados, podendo ainda as partes principais, a título excecional, apresentar provas antes do encerramento da fase oral, desde que o atraso na sua apresentação seja justificado.

172    É verdade que essa justificação da apresentação extemporânea das provas depois da primeira troca de articulados não pode ser exigida quando estes são apresentados em resposta a uma medida de organização do processo no prazo fixado para essa resposta (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de outubro de 2018, OY/Comissão, T‑605/16, não publicado, EU:T:2018:687, n.os 31, 34 e 35, e de 24 de outubro de 2018, Epsilon International/Comissão, T‑477/16, não publicado, EU:T:2018:714, n.o 57).

173    No entanto, nas hipóteses em que a prova produzida não responde ao pedido do Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de abril de 2018, Alcogroup e Alcodis/Comissão, T‑274/15, não publicado, EU:T:2018:179, n.os 49, 50, 54 e 55, e de 7 de fevereiro de 2019, RK/Conselho, T‑11/17, EU:T:2019:65, n.o 54) ou é‑o após o termo do prazo de resposta fixado pela medida de organização do processo (Acórdão de 9 de abril de 2019, Close e Cegelec/Parlamento, T‑259/15, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2019:229, n.o 34), a obrigação de justificação da extemporaneidade é aplicável.

174    Ora, no caso em apreço, mesmo que se devesse considerar, como afirma a Comissão, que a sua resposta complementar de 19 de dezembro de 2019 visava completar a de 5 de junho de 2019 e não a de 10 de janeiro de 2019, que já respondia a um pedido do Tribunal Geral para apresentar os indícios que justificaram a adoção da decisão impugnada, é necessário salientar que esta resposta complementar foi apresentada mais de seis meses após o termo do prazo fixado pelo Tribunal Geral na sua medida de organização do processo de 13 de maio de 2019, que expirava em 5 de junho de 2019.

175    Daqui resulta que cabia à Comissão justificar a apresentação extemporânea dos documentos anexos à sua resposta complementar de 19 de dezembro de 2019 e que a necessidade de tal justificação no caso em apreço não pode ser posta em causa pela jurisprudência referida pela Comissão na audiência.

176    Com efeito, nos acórdãos referidos, estavam em causa, ou documentos apresentados no prazo fixado pela medida de organização do processo que, por conseguinte, não o foram extemporaneamente (Acórdãos de 24 de outubro de 2018, Epsilon International/Comissão, T‑477/16, não publicado, EU:T:2018:714, n.os 35 e 57; de 5 de março de 2019, Pethke/EUIPO, T‑169/17, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2019:135, n.os 26, 36 e 40, e de 28 de março de 2019, Pometon/Comissão, T‑433/16, pendente de recurso, EU:T:2019:201, n.os 27, 28 e 328), ou documentos apresentados espontaneamente, que justificaram devidamente a sua apresentação extemporânea (Acórdão de 24 de outubro de 2018, Epsilon International/Comissão, T‑477/16, não publicado, EU:T:2018:714, n.os 32 e 58).

177    Ora, no caso em apreço, a Comissão não apresentou qualquer justificação para a extemporaneidade da apresentação da sua resposta complementar de 19 de dezembro de 2019, limitando‑se a apresentar nesse documento as suas desculpas ao Tribunal Geral pelos inconvenientes que essa apresentação pudesse causar. Por outro lado, mesmo admitindo que deva ser tida em conta a justificação apresentada na audiência em resposta a uma questão do Tribunal Geral, segundo a qual a extemporaneidade da apresentação se deve a um disfuncionamento interno da Comissão, tal justificação não pode validamente fundamentar a admissibilidade da resposta complementar em causa. Com efeito, tal alegação, que se refere a dificuldades puramente internas, não corresponde às circunstâncias excecionais suscetíveis de permitir a apresentação de elementos de prova no termo da segunda troca de articulados [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2017, Biogena Naturprodukte/EUIPO (ZUM wohl), T‑236/16, EU:T:2017:416, n.o 19] e, de resto, não está de forma alguma demonstrado por elementos de prova que a Comissão tivesse apresentado (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2019, HX/Conselho, C‑540/18 P, não publicado, EU:C:2019:707, n.os 66 e 67). Além disso, a data do principal documento apresentado em 19 de dezembro de 2019 (v. n.o 170, supra), mostra que esta o detinha antes mesmo da abertura da instância e que estava em condições de o apresentar antes do encerramento da fase escrita do processo, nos prazos fixados para a apresentação dos seus articulados, e a fortiori em resposta às ulteriores medidas de organização do processo. Por outro lado, embora o Tribunal Geral tenha permitido às recorrentes apresentarem as suas observações sobre a resposta complementar da Comissão de 19 de dezembro de 2019, especificamente quanto à sua admissibilidade, por escrito e na audiência, em conformidade com o princípio do caráter contraditório do processo, esta circunstância não pode exonerar a Comissão da sua obrigação de apresentar os elementos em apoio da legalidade da decisão impugnada nas condições fixadas no Regulamento de Processo.

178    Pode ainda acrescentar‑se, embora a Comissão não o tenha invocado, que os documentos anexos à resposta complementar de 19 de dezembro de 2019 não podem ser qualificados de provas contrárias não abrangidas pela regra de preclusão do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo (Despachos de 21 de março de 2019, Troszczynski/Parlamento, C‑462/18 P, não publicado, EU:C:2019:239, n.o 39, e de 21 de maio de 2019, Le Pen/Parlamento, C‑525/18 P, não publicado, EU:C:2019:435, n.o 48). Com efeito, o Tribunal Geral deu oportunidade à Comissão, através das suas medidas de organização do processo de 13 de maio e de 25 de setembro de 2019, de responder às objeções formuladas pelas recorrentes quanto à detenção de indícios que justificavam a inspeção controvertida, o que a Comissão pôde, portanto, fazer através das suas respostas de 5 de junho e 18 de outubro de 2019, tanto mais que o principal documento apresentado em 19 de dezembro de 2019 datava de 16 de dezembro de 2016 (v. n.o 177, supra).

179    A resposta complementar da Comissão de 19 de dezembro de 2019 deve, por conseguinte, ser julgada inadmissível.

180    Daqui resulta que, para efeitos da apreciação do caráter suficientemente sério dos indícios que justificaram a adoção da decisão impugnada, só serão tidos em conta os expostos no n.o 169, supra.

2)      Quanto à apreciação do caráter suficientemente sério dos indícios na posse da Comissão

181    Convidadas a apresentar as suas observações sobre os indícios apresentados pela Comissão a pedido do Tribunal Geral, as recorrentes alegaram que os documentos em causa estavam viciados de graves irregularidades formais, relacionadas, especificamente, com a falta de registo das audições que deram lugar às atas apresentadas e à falta de estabelecimento da data das referidas atas. Contestam, a este respeito, a jurisprudência invocada pela Comissão em apoio da sua alegação de que a data relevante para a avaliação da posse de indícios relativos às infrações objeto de suspeita é a das audições com os diversos fornecedores, e não aquela em que elaborou a ata dessas audições. Por outro lado, as recorrentes consideram que os indícios apresentados, relativos à convenção Intermarché organizada pela Intermarché para os seus fornecedores, não justificavam uma inspeção aos alegados intercâmbios nacionais de informações relativos a estratégias comerciais futuras, pelo que a decisão impugnada deve ser anulada pelo menos na parte em que diz respeito à segunda infração presumida. Acrescentam que a adoção, pela Comissão, em 13 de maio de 2019, de uma nova decisão de inspeção das suas instalações, relativa precisamente a esses intercâmbios nacionais de informações, revelava que a Comissão não dispunha de indícios suficientemente sérios para suspeitar da existência dos referidos intercâmbios.

182    Importa sublinhar, a título preliminar, que a apreciação do caráter suficientemente sério dos indícios à disposição da Comissão deve ser efetuada tendo em conta a circunstância de que a decisão de inspeção se inscreve no âmbito da fase de instrução preliminar, destinada a permitir à Comissão reunir todos os elementos relevantes que confirmem ou não a existência de uma infração às regras de concorrência e a tomar uma primeira posição sobre a orientação e o seguimento ulterior a dar ao procedimento.

183    Por conseguinte, nesta fase, não se pode exigir à Comissão, antes da adoção de uma decisão de inspeção, que esteja na posse de elementos que demonstrem a existência de uma infração. Esse nível de prova é exigido na fase da comunicação de acusações a uma empresa suspeita de ter cometido uma infração às regras da concorrência e para as decisões da Comissão nas quais esta declare a existência de uma infração e aplique coimas. Em contrapartida, para adotar uma decisão de inspeção nos termos do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003, basta que a Comissão disponha de elementos e de indícios materiais sérios que a levem a suspeitar da existência de uma infração (Acórdãos de 29 de fevereiro de 2016, EGL e o./Comissão, T‑251/12, não publicado, EU:T:2016:114, n.o 149, e de 20 de junho de 2018, České dráhy/Comissão, T‑325/16, EU:T:2018:368, n.o 66). Assim, devem distinguir‑se, por um lado, as provas de uma infração e, por outro, os indícios que sejam suscetíveis de levantar uma suspeita razoável quanto à ocorrência de presunções de infração (v., por analogia, Acórdão de 14 de março de 2014, Cementos Portland Valderrivas/Comissão, T‑296/11, EU:T:2014:121, n.o 43) ou, segundo outra terminologia também adotada na jurisprudência, suscetíveis de criar um princípio de suspeição sobre um comportamento anticoncorrencial (v., neste sentido, Acórdão de 29 de fevereiro de 2016, EGL e o./Comissão, T‑251/12, não publicado, EU:T:2016:114, n.os 153 e 155).

184    Por conseguinte, é necessário verificar, no caso em apreço, se, no momento da adoção da decisão impugnada, a Comissão detinha tais indícios sérios suscetíveis de criar uma suspeição de infração. Neste âmbito, não é exigido o exame da detenção de provas suscetíveis de demonstrar a existência das infrações em causa.

185    Esta distinção tem consequências sobre as exigências relativas à forma, ao autor e ao conteúdo dos indícios que justificam as decisões de inspeção, as quais as recorrentes consideram que não foram respeitadas no caso em apreço.

i)      Quanto à forma dos indícios que justificaram a decisão impugnada

186    Resulta da distinção entre provas de uma infração e de indícios que fundamentam uma decisão de inspeção que estes últimos não podem ser sujeitos ao mesmo grau de formalismo que o relativo, nomeadamente, ao respeito das regras impostas pelo Regulamento n.o 1/2003 e pela jurisprudência proferida com fundamento no mesmo sobre os poderes de inquérito da Comissão. Se fosse exigido o mesmo formalismo para a recolha dos indícios que precedem uma inspeção e a recolha das provas de uma infração, isso implicaria, com efeito, que a Comissão tivesse de respeitar as regras que regulam os seus poderes de inquérito, quando ainda não foi formalmente aberto nenhum inquérito na aceção do capítulo V do Regulamento n.o 1/2003 e a Comissão ainda não fez uso dos poderes de inquérito que lhe são conferidos, em especial, pelos artigos 18.o a 20.o do Regulamento n.o 1/2003, isto é, não adotou medidas que implicam a acusação de ter cometido uma infração, nomeadamente uma decisão de inspeção.

187    Esta definição do início de um inquérito e da fase de instrução preliminar resulta de jurisprudência constante recordada no n.o 88, supra, ainda recentemente confirmada (Acórdão de 12 de julho de 2018, The Goldman Sachs Group/Comissão, T‑419/14, pendente de recurso, EU:T:2018:445, n.o 241), mas já consagrada anteriormente por acórdãos do Tribunal de Justiça (Acórdãos de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.o 182, e de 21 de setembro de 2006, Nederlandse Federatieve e o./Comissão, C‑105/04 P, EU:C:2006:592, n.o 38); e do Tribunal Geral (Acórdão de 16 de junho de 2011, Heineken Nederland e Heineken/Comissão, T‑240/07, EU:T:2011:284, n.o 288), alguns dos quais se basearam na jurisprudência do TEDH.

188    Assim considerou‑se poderem, em princípio, constituir indícios que justificam validamente uma inspeção uma denúncia feita no âmbito de uma queixa escrita (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2018, České dráhy/Comissão, T‑325/16, EU:T:2018:368, n.o 95), que pode conduzir à abertura de um inquérito pela Comissão mesmo que não preencha as condições previstas para as denúncias no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 [n.o 4 da Comunicação da Comissão relativa ao tratamento de denúncias pela Comissão nos termos dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004, C 101, p. 65)], bem como uma denúncia oral no âmbito do pedido de clemência (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão, T‑135/09, EU:T:2012:596, n.o 74).

189    Do mesmo modo, no caso vertente, contrariamente ao que alegam as recorrentes, a Comissão não estava obrigada a cumprir os requisitos impostos pelo artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e pelo artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004 L 123, p. 18), tal como interpretados pelo Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632), e não estava, portanto, obrigada a registar as audições com os fornecedores que deram origem às atas de acordo com as modalidades estabelecidas nessas disposições (v. n.o 169, primeiro travessão, supra).

190    Importa recordar que, nos termos do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, incluído no capítulo V do referido regulamento, com a epígrafe «Poderes de inquérito», «[n]o cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo presente regulamento, a Comissão pode ouvir qualquer pessoa singular ou coletiva que a tal dê o seu consentimento para efeitos da recolha de informações sobre o objeto de um inquérito».

191    O artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004 esclarece:

«1.      Sempre que a Comissão proceda à audição de uma pessoa que para tal tenha dado o seu consentimento nos termos do artigo 19.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003, deve, no início da audição, indicar o fundamento legal e a finalidade da audição e recordar o seu caráter voluntário. Deve também informar a pessoa ouvida da intenção de registar as suas declarações.

2.      A audição pode ser realizada através de quaisquer meios, nomeadamente pelo telefone ou via eletrónica.

3.      A Comissão pode registar as declarações das pessoas ouvidas sob qualquer forma. Deve ser disponibilizada à pessoa ouvida uma cópia do registo para aprovação. Se for necessário, a Comissão deve fixar um prazo durante o qual a pessoa ouvida pode transmitir eventuais correções a introduzir nas suas declarações.»

192    É certo que resulta destas disposições e do Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 84 a 91), que incumbe à Comissão uma obrigação de registar, sob a forma da sua escolha, qualquer audição que realize nos termos do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, a fim de recolher informações relativas ao objeto de um inquérito da sua parte, sem que seja necessário distinguir entre audições formais e audições informais que escapam a essa obrigação.

193    Todavia, deve salientar‑se que esta obrigação não se impõe no caso de audições levadas a cabo antes da abertura de um inquérito pela Comissão, a qual pode, nomeadamente, ser marcada pela adoção de uma decisão de inspeção.

194    Com efeito, como resulta dos próprios termos do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, as audições em causa são as que visam a «recolha de informações sobre o objeto de um inquérito», que, por definição, deve ter sido iniciado e cujo objeto deve ter sido fixado antes da realização das referidas audições (v. também, neste sentido, manual do procedimento em matéria de política da concorrência da Direção‑Geral «Concorrência» da Comissão, capítulo 8, n.os 4, 5 e 22).

195    Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632), a audição à qual o Tribunal de Justiça considerou que se aplicava a obrigação de registo, nos termos do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, tinha ocorrido após a abertura de um inquérito marcado pela adoção de decisões de inspeção (Acórdão de 12 de junho de 2014, Intel/Comissão, T‑286/09, EU:T:2014:547, n.os 4 a 6). Portanto, não se pode deduzir daqui que esta obrigação de registo se aplique também a audições prévias à abertura de um inquérito.

196    Esta limitação da obrigação de registo às audições efetuadas no âmbito de um inquérito também resulta das Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Intel Corporation/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2016:788, n.os 232 e 233). O advogado‑geral N. Wahl considerou que não resultava das disposições conjugadas do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, relativas ao dever de registo das informações recolhidas em audições relacionadas com o objeto de um inquérito, que a Comissão nunca podia ter contactos informais com terceiros. Baseou‑se, a este respeito, na redação clara do próprio artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 para considerar que só as declarações relativas ao objeto de um inquérito estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação desta disposição e que a Comissão não estava obrigada a registar as conversas com terceiros quando não dissessem respeito ao objeto de um determinado inquérito.

197    Se assim não fosse, seria gravemente prejudicada a deteção de práticas ilícitas pela Comissão e o exercício dos seus poderes de investigação para esse efeito. Assim, a Comissão sublinhou, na audiência, os potenciais efeitos dissuasivos que um interrogatório formal podia ter, como previsto no artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, sobre a propensão de testemunhas para prestar informações e denunciar infrações, esclarecendo que essas informações representam uma parte significativa dos indícios que estão na origem da adoção de medidas de inquérito, como inspeções.

198    Ora, no caso em apreço, as audições com os fornecedores ocorreram antes da abertura de um inquérito nos termos do Regulamento n.o 1/2003. Tendo em conta o questionário com base no qual foram conduzidas, interrogando os fornecedores sobre as suas relações com as alianças de distribuidores e, de forma totalmente aberta, sobre o conhecimento de possíveis impactos destas alianças sobre a concorrência, não se pode, com efeito, considerar que essas audições implicavam, relativamente às recorrentes e, a fortiori, a respeito dos fornecedores, qualquer censura de terem praticado uma infração. O anexo Q.12 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019, referido pelas recorrentes na audiência, confirma‑o, de resto, uma vez que menciona o eventual início de um «inquérito formal» na sequência das audições e a utilização dos meios de inquérito previstos para esse efeito na legislação da União, ou seja, no caso em apreço, a adoção de uma decisão de inspeção que marca a abertura desse inquérito no caso em apreço. Daqui decorre que os indícios resultantes dessas audições não podem ser afastados por estarem viciados por uma irregularidade formal por incumprimento da obrigação de registo prevista no artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e no artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004. Por conseguinte, não é necessário apreciar a alegação da Comissão de que as atas constituíam registos em conformidade com essas disposições.

199    Daqui resulta, por outro lado, que não pode ser acolhido o argumento das recorrentes de que a Comissão não detinha, à data da adoção da decisão impugnada, os indícios resultantes das suas audições com os treze fornecedores, por não ter estabelecido a data das atas das referidas audições.

200    Com efeito, como resulta do exposto e como a Comissão sublinha pertinentemente, a data relevante a ter em conta para a determinação da detenção de indícios na data da decisão impugnada é a das audições com os fornecedores que foram objeto das atas. Foi nessa data que as informações posteriormente transcritas nas atas foram comunicadas à Comissão e que esta última podia ser considerada sua detentora. As atas redigidas em seguida, ainda que permitam determinar o conteúdo das audições com os fornecedores e devam ser tidas em conta a esse título, não são os documentos que permitem estabelecer a data em que a Comissão detinha os indícios resultantes das audições. Por outras palavras, as audições com os fornecedores não se tornaram «indícios» à disposição da Comissão a partir do momento em que foram registadas em atas pela Comissão, mas eram «indícios» à disposição da Comissão a partir da data em que ocorreram.

201    A este respeito, é relevante recordar aqui, à semelhança da Comissão, a jurisprudência efetivamente proferida no contexto específico dos processos de clemência, mas cujo alcance ultrapassa esse contexto, tendo em conta o caráter geral do conceito interpretado, o da «posse» de elementos de prova, e a interpretação lógica, razoável e de efeito útil que foi adotada a propósito. Com efeito, segundo esta jurisprudência, a posse, pela Comissão, de um elemento de prova equivale ao conhecimento do seu conteúdo [Acórdãos de 9 de junho de 2016, Repsol Lubricantes y Especialidades e o./Comissão, C‑617/13 P, EU:C:2016:416, n.o 72, e de 23 de maio de 2019, Recylex e o./Comissão, T‑222/17, pendente de recurso, EU:T:2019:356, n.o 87 (não publicado); v., também, neste sentido, Acórdão de 27 de novembro de 2014, Alstom Grid/Comissão, T‑521/09, EU:T:2014:1000, n.os 77 a 83]. Assim, no caso em apreço e por analogia, pode‑se considerar que as audições da Comissão com os treze fornecedores implicam o conhecimento das informações comunicadas nessas audições e a detenção das informações em causa na data das referidas audições.

202    Se assim não fosse, isso equivaleria a considerar que os indícios que pudessem justificar inspeções só poderiam ter uma forma oral, quando a obrigação de transcrição formal não só não é exigível nessa fase pelas disposições relevantes (v. n.os 193 a 198, supra), como, quanto ao mais, poderia comprometer a eficácia dos inquéritos da Comissão, obrigando‑a a recorrer ao procedimento de registo previsto no artigo 3.o, do Regulamento n.o 773/2004 (informação prévia, instalação de um procedimento de registo, disponibilização de uma cópia do registo para aprovação, fixação de um prazo de a provação), e, assim, atrasar a data da inspeção, quando é primordial adotar rapidamente as decisões de inspeção depois da comunicação de informações sobre potenciais infrações para minimizar os riscos de fuga de informação e de dissimulação das provas (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:92, n.os 61 e 62).

203    Por conseguinte, pode‑se concluir que a Comissão se baseou validamente nas datas das suas audições com os treze fornecedores para demonstrar que detinha os indícios resultantes dessas audições à data da decisão impugnada.

204    Além disso, contrariamente ao que alegam as recorrentes, os elementos de prova apresentados pela Comissão em anexo à sua resposta de 5 de junho de 2019 (anexos R.1 a R.13) demonstram efetivamente que as suas audições com treze fornecedores ocorreram antes de 9 de fevereiro de 2017, data da adoção da decisão impugnada.

205    Antes de mais, esses anexos comprovam a marcação de reuniões por mensagens de correio eletrónico para audições em datas anteriores a 9 de fevereiro de 2017, compreendidas entre 4 de outubro de 2016 e 8 de fevereiro de 2017.

206    É indiferente a circunstância de, em relação a dois dos fornecedores interrogados, o último intercâmbio com a Comissão ter decorrido na véspera da adoção da decisão impugnada. Com efeito, a data relevante é a dos intercâmbios que, na medida em que ocorreram em 8 de fevereiro de 2017, continuam a ser anteriores à data da adoção da decisão impugnada, que foi adotada em 9 de fevereiro de 2017.

207    De qualquer modo, mesmo que devesse ser tida em conta a data de elaboração das atas, não se pode deduzir da data deste último intercâmbio, como fazem as recorrentes, que a Comissão redigiu necessariamente todas as atas após 9 de fevereiro de 2017. Por um lado, só estão em causa dois fornecedores e, assim, duas atas em treze. Por outro lado, a Comissão referiu ter redigido as atas para cumprir o que considerava ser uma obrigação de registar as declarações de fornecedores, por força do artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004 (v. n.o 198, supra), o que apoia a sua alegação de que as referidas atas foram redigidas à medida dos intercâmbios, ou seja, desde o início desses intercâmbios, que datam maioritariamente do fim de 2016. As duas atas em causa estavam assim redigidas, pelo menos em parte, na data da decisão impugnada e podiam ser razoavelmente consideradas como contendo nessa data o essencial dos dados que constam da sua versão finalizada, uma vez que resulta dessas atas que o último intercâmbio, de 8 de fevereiro de 2017, dava seguimento a outros e destinava‑se a obter alguns últimos esclarecimentos. A este respeito, importa recordar o imperativo de celeridade que orienta a adoção das decisões de inspeção para minimizar os riscos de fuga de informação na sequência de denúncias (v. n.o 202, supra).

208    Pode‑se também acrescentar que, mesmo que devessem ser tidos em conta a alegação e os documentos justificativos apresentados pela Comissão, na sua resposta complementar de 19 de dezembro de 2019, com vista a demonstrar que as atas estavam finalizadas — e não elaboradas — entre a data da última audição e 21 de fevereiro de 2017, essa finalização posterior à data da decisão impugnada não permitiria pôr em causa as considerações precedentes. Com efeito, pode‑se deduzir da nota interna da Comissão de 16 de dezembro de 2016, anexa a esta resposta complementar, que contém uma síntese muito detalhada das informações recolhidas durante as audições, que esta tinha elaborado, a partir dessa data, atas muito completas, embora não finalizadas.

209    Em seguida, os elementos de prova apresentados no caso em apreço para estabelecer a data em que as audições foram marcadas bastam para demonstrar que as audições em causa decorreram efetivamente com os treze fornecedores nas datas fixadas. A este respeito, não se pode subscrever a alegação das recorrentes, de resto sem nenhuma fundamentação, de que esses elementos de prova nem sequer permitem demonstrar que os funcionários da Comissão tinham comunicado com pessoas externas à Comissão. Com efeito, esta alegação é claramente contrariada pelas datas indicadas nas agendas eletrónicas dos funcionários em causa da Comissão (reproduzidas nas partes finais dos anexos R.1 a R.13 da resposta da Comissão de 5 de junho de 2019) que correspondem às datas indicadas nas mensagens de correio eletrónico destinadas a fixar essas datas trocadas entre a Comissão e interlocutores externos (reproduzidas nas partes iniciais dos anexos R.1 a R.13), cuja qualidade de fornecedor decorre claramente do questionário junto em anexo a essas mensagens, intitulado «Questões sobre as alianças de compras entre retalhistas para os fornecedores de produtos que abastecem os retalhistas».

210    Por último e pelas mesmas razões, em especial as relações evidentes entre o questionário acima referido e os elementos constantes das atas, pode‑se considerar, contrariamente ao que alegam as recorrentes, que os intercâmbios fixados nas mensagens de correio eletrónico são efetivamente os que deram origem às atas. Com efeito, todas as atas seguem um plano que contém, em substância, as mesmas subdivisões (nomeadamente alianças com as quais o fornecedor celebrou acordos e contrapartidas, intercâmbios de informações, transferências de pessoal), que comprova que são reproduzidas, pelo menos, uma parte das respostas ao questionário (essencialmente parte I, que inclui as questões 1 a 10, e parte III do questionário, que agrupa as questões 15 a 18).

211    Resulta, assim, de tudo o que precede que a Comissão dispunha na data da decisão impugnada dos indícios sintetizados nas atas e que estas últimas podem ser tidas em conta na análise da detenção, pela Comissão, de indícios suficientemente sérios, sem que seja necessário determinar com precisão as datas de criação e de finalização das atas.

212    Daqui resulta que devem ser julgadas improcedentes todas as críticas formais que ponham em causa os indícios apresentados pela Comissão.

ii)    Quanto aos autores dos indícios que justificaram a decisão impugnada

213    Importa recordar que, segundo jurisprudência constante relativa à apreciação das provas de uma infração, o único critério pertinente para apreciar essas provas reside na sua credibilidade, esclarecendo‑se assim a credibilidade e, portanto, o valor probatório de um documento depende da sua origem, das circunstâncias da sua elaboração, do seu destinatário e do caráter sensato e fiável do seu conteúdo e importa, designadamente, atribuir grande importância à circunstância de um documento ter sido elaborado em ligação imediata com os factos ou por uma testemunha direta destes factos (v. Acórdãos de 27 de junho de 2012, Coats Holdings/Comissão, T‑439/07, EU:T:2012:320, n.o 45 e jurisprudência referida, e de 8 de setembro de 2016, Goldfish e o./Comissão, T‑54/14, EU:T:2016:455, n.o 95 e jurisprudência referida).

214    A aplicação desses critérios de apreciação das provas de uma infração aos indícios que justificam uma inspeção não pode levar a excluir o caráter de indício suficientemente sério do conjunto dos indícios que não emanam diretamente das empresas inspecionadas. Isso impediria que declarações ou documentos de terceiros fossem qualificados de indícios suficientemente sérios e, deste modo, privaria a Comissão do essencial das suas possibilidades de efetuar inspeções.

215    Com efeito, embora as provas das infrações sejam, a maior parte das vezes, provas diretas provenientes das empresas autoras dessas infrações, os indícios que permitem suspeitar de infrações provêm, em geral, de estranhos às infrações, quer se trate de empresas concorrentes ou vítimas dos comportamentos ilícitos, quer de entidades públicas ou privadas, sem qualquer relação com esses comportamentos, como peritos ou autoridades de concorrência.

216    Assim, no caso em apreço, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, o facto de as atas terem sido elaboradas pela Comissão, que decidirá se deve ou não processar e punir as recorrentes, não basta, por si só, para que lhes seja negado qualquer valor probatório na apreciação da detenção, pela Comissão, de indícios suficientemente sérios.

217    Com efeito, importa recordar que as atas se destinam a materializar e, assim, estabelecer as informações comunicadas pelos fornecedores à Comissão (v. n.o 200, supra). Ora, estas informações, que constituem apenas os indícios propriamente ditos que fundamentaram a decisão impugnada, não emanam da Comissão, mas dos fornecedores que têm relações comerciais diretas com as recorrentes. A este respeito, importa sublinhar, que os fornecedores têm relações comerciais com as recorrentes e podem, assim, sofrer diretamente as consequências do comportamento ilícito suspeito destas últimas. Por conseguinte, podem ter interesse em que as recorrentes sejam punidas. Todavia, precisamente devido às relações comerciais que mantêm com as recorrentes, têm, ao contrário de simples concorrentes dos autores da infração, um conhecimento direto dos efeitos atribuíveis, sendo caso disso, a esse eventual comportamento ilícito. Nesta medida, a prudência exigida pela jurisprudência quanto à interpretação das denúncias de empresas relativamente a outras empresas quando as primeiras têm interesse em que as segundas sejam punidas (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2011, Mitsubishi Electric/Comissão, T‑133/07, EU:T:2011:345, n.o 88) não pode ser plenamente aplicável às declarações dos fornecedores, especialmente quando, como no caso em apreço, estes últimos referem dados factuais precisos resultantes das relações comerciais que mantêm com os presumíveis autores da infração.

218    Além disso, no que se refere ao valor probatório das atas elaboradas pela Comissão, deve salientar‑se que não é posto em causa pelo único argumento invocado pelas recorrentes para o contestar, baseado na apresentação estandardizada de determinadas passagens das atas, que atesta que a Comissão não reproduziu fielmente as declarações dos diversos fornecedores. Como alegam as recorrentes, a passagem relativa à data e aos participantes na convenção Intermarché e a consequência dessa participação, a saber, o conhecimento, pelos participantes, de determinados objetivos comerciais da Intermarché, são efetivamente idênticas em quatro atas (anexos Q.4, Q.5, Q.7 e Q.8 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019). Todavia, essa identidade, na medida em que apenas caracteriza quatro atas das treze comunicadas e respeita a dados suscetíveis de terem sido comunicados em resposta ao questionário e de serem descritos da mesma forma, não permite deduzir uma deformação das declarações recolhidas. Isto é tanto mais assim quanto a passagem idêntica em causa é completada em cada uma das quatro atas com dados diferentes relativos à convenção Intermarché.

219    A este respeito, importa também recordar que a Comissão é, por força dos Tratados, a instituição encarregada de assegurar o cumprimento, com toda a imparcialidade, do direito da concorrência da União e que a acumulação pela Comissão das funções de instrução e de punição das infrações às regras de concorrência não constitui, por si só, uma violação da exigência de imparcialidade (v., neste sentido, Acórdão de 27 de junho de 2012, Bolloré/Comissão, T‑372/10, EU:T:2012:325, n.o 66 e jurisprudência referida). Portanto, não se pode pressupor, sem prova nem sequer princípio de prova, que a Comissão instruiu o presente processo incriminatório deformando as declarações dos fornecedores para obter indícios do caráter ilícito das práticas dos distribuidores.

220    Resulta do que precede que os argumentos que deduzem da qualidade dos autores dos indícios comunicados que a Comissão não dispunha de indícios suficientemente sérios para efetuar a inspeção controvertida devem ser julgados improcedentes.

iii) Quanto ao conteúdo dos indícios que justificaram a decisão impugnada

221    Resulta da distinção entre provas de uma infração e indícios que fundamentam uma decisão de inspeção que estes últimos não têm de demonstrar a existência e o conteúdo de uma infração, nem os seus participantes, sob pena de privar de qualquer utilidade os poderes conferidos à Comissão pelo artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 14 de março de 2014, Cementos Portland Valderrivas/Comissão, T‑296/11, EU:T:2014:121, n.o 59).

222    Portanto, o facto de os elementos tidos em conta poderem ser objeto de interpretações divergentes não impede que constituam indícios suficientemente sérios, uma vez que a interpretação privilegiada pela Comissão se revela plausível (v., por analogia, para uma decisão de pedido de informações, Acórdão de 14 de março de 2014, Cementos Portland Valderrivas/Comissão, T‑296/11, EU:T:2014:121, n.o 59). Na apreciação deste caráter plausível, importa ter presente que o poder de inspeção da Comissão implica a faculdade de procurar diversos elementos de informação ainda não conhecidos ou não totalmente identificados (v. Acórdão de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão, T‑135/09, EU:T:2012:596, n.o 62 e jurisprudência referida).

223    Importa também recordar que os diferentes indícios que permitem suspeitar de uma infração devem ser apreciados não isoladamente, mas no seu conjunto, e que estes se podem reforçar mutuamente (v. Acórdãos de 27 de novembro de 2014, Alstom Grid/Comissão, T‑521/09, EU:T:2014:1000, n.o 54 e jurisprudência referida, e de 29 de fevereiro de 2016, EGL e o./Comissão, T‑251/12, não publicado, EU:T:2016:114, n.o 150 e jurisprudência referida).

224    Especificamente, em relação às infrações objeto de suspeita no caso em apreço, a saber, práticas concertadas (v., nomeadamente, considerando 6 da decisão impugnada), é jurisprudência constante que, como resulta dos próprios termos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, o conceito de prática concertada implica, além da concertação entre empresas, um comportamento no mercado que seja consequência dessa concertação e um nexo de causalidade entre esses dois elementos (Acórdãos de 8 de julho de 1999, Comissão contra Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, EU:C:1999:356, n.o 118, e de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, EU:T:2000:77, n.o 1865). Por conseguinte, é exigida a reunião de três elementos constitutivos.

225    Quanto à prova destes três elementos constitutivos, é necessário recordar que o conceito de «prática concertada» foi introduzido nos Tratados para permitir a aplicação do direito da concorrência a colusões que não assumem a forma de um acordo formal de vontades e, por isso mesmo, mais difíceis de identificar e de estabelecer. Como o juiz da União sublinhou por diversas vezes, embora o artigo 101.o TFUE faça a distinção entre o conceito de «prática concertada» e o de «acordo entre empresas», é no intuito de apreender, sob as proibições deste artigo, uma forma de coordenação entre empresas que, sem se ter desenvolvido até à celebração duma convenção propriamente dita e, assim, sem reunir todos os elementos de um acordo, substitui cientemente por uma cooperação prática entre elas os riscos da concorrência (Acórdãos de 14 de julho de 1972, Imperial Chemical Industries/Comissão, 48/69, EU:C:1972:70, n.o 64, e de 5 de abril de 2006, Degussa/Comissão, T‑279/02, EU:T:2006:103, n.o 132).

226    Do mesmo modo e mais genericamente, deve‑se recordar que a proibição de participar em práticas ou acordos anticoncorrenciais e as sanções em que os infratores podem incorrer são notórias. Por conseguinte, é normal que as atividades que estas práticas e acordos implicam decorram clandestinamente, que as reuniões se realizem secretamente e que a documentação que lhes diz respeito seja reduzida ao mínimo. Mesmo que a Comissão descubra documentos que comprovem de maneira explícita a existência de contactos ilegais entre os operadores, esses documentos são normalmente fragmentários e dispersos, pelo que, muitas vezes, é necessário reconstituir por dedução determinados pormenores. Na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências que, consideradas no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras da concorrência (Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.os 55 a 57, e de 25 de janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão, C‑403/04 P e C‑405/04 P, EU:C:2007:52, n.o 51; v., também, neste sentido, Acórdão de 27 de junho de 2012, Coats Holdings/Comissão, T‑439/07, EU:T:2012:320, n.o 42).

227    Daqui resulta que o juiz da União admitiu, em determinadas hipóteses, que o ónus da prova dos três elementos constitutivos de uma prática concertada fosse aligeirado para a Comissão.

228    Assim, um paralelismo de comportamentos no mercado pode, em determinadas condições, ser considerado como fazendo prova da existência de uma concertação, no caso em apreço, se a concertação constituir a única explicação plausível para esses comportamentos. (Acórdãos de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, EU:C:1993:120, n.o 71, e de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, EU:T:2008:254, n.o 143).

229    Do mesmo modo, importa presumir, salvo prova em contrário que às partes interessadas cabe fazer, que as empresas que participam na concertação e que continuam ativas no mercado levam em linha de conta as informações que trocaram com os seus concorrentes para determinarem os seus comportamentos nesse mercado (Acórdãos de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, EU:C:1999:356, n.o 121, e de 8 de outubro de 2008, Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, T‑69/04, EU:T:2008:415, n.o 118). Por outras palavras, a prova da reunião dos dois primeiros elementos constitutivos de uma prática concertada permite, em certos casos, presumir o seu terceiro elemento constitutivo.

230    Este regime probatório específico das práticas concertadas não deixa de ter consequências nas condições exigidas para considerar que estão reunidos indícios suficientemente sérios que permitem suspeitar da existência de tais práticas. Especialmente, tendo em conta a necessária distinção entre provas de uma prática concertada e indícios que justificam inspeções para efeitos da recolha dessas provas, o limiar de reconhecimento da detenção, pela Comissão, de indícios suficientemente sérios deve necessariamente situar‑se abaixo do que permite concluir pela existência de uma prática concertada.

231    Assim, é à luz destas considerações que importa responder aos argumentos que as recorrentes baseiam no conteúdo das informações à disposição da Comissão para daí deduzirem que esta não possuía indícios suficientemente sérios para adotar a decisão impugnada.

–       Quanto à inexistência de indícios suficientemente sérios relativos à suspeita da primeira infração

232    Importa recordar, a título preliminar, que a primeira infração é caracterizada do seguinte modo no artigo 1.o, alínea a), da decisão impugnada:

«[…] intercâmbios de informações, desde 2015, entre empresas e/ou associações de empresas, nomeadamente a ICDC […], e/ou os seus membros, nomeadamente a Casino e a AgeCore e/ou os seus membros, nomeadamente a Intermarché, relativamente aos descontos que obtiveram nos mercados do abastecimento de bens de consumo corrente, nos setores dos produtos alimentares, produtos de higiene e produtos de limpeza e aos preços no mercado de venda de serviços aos fabricantes de produtos de marca nos setores dos produtos alimentares, produtos de higiene e produtos de limpeza, em diversos Estados‑Membros da União Europeia, nomeadamente em França […]»

233    As recorrentes não contestaram, quanto ao mérito, a detenção de indícios suficientemente sérios relativos à primeira infração, nem nos seus articulados, nem nas suas respostas às questões do Tribunal Geral no sentido de tomarem posição sobre os indícios apresentados pela Comissão. Alegaram, pela primeira vez na audiência, duas críticas não invocadas anteriormente. Em primeiro lugar, a fusão do mercado da venda de serviços e do mercado de abastecimento no quadro 1 anexo à resposta da Comissão, de 5 de junho de 2019, quando esses dois mercados eram visados distintamente no artigo 1.o, alínea a), da decisão impugnada, demonstra, por força da jurisprudência resultante do Acórdão de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão (T‑135/09, EU:T:2012:596), que a Comissão não detinha indícios suficientemente sérios relativos à primeira infração. Em segundo lugar, a abertura do procedimento formal a respeito apenas de determinados aspetos da segunda infração demonstra que a Comissão não dispunha de indícios suficientemente sérios relativos à primeira infração.

234    Quanto à primeira crítica apresentada pelas recorrentes na audiência, deve ser julgada inadmissível, uma vez que foi suscitada extemporaneamente. Com efeito, contrariamente ao que prevê o artigo 84.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, as recorrentes não formularam a primeira crítica logo que tiveram conhecimento do quadro 1 anexo à resposta da Comissão de 5 de junho de 2019, dado que, apesar do pedido do Tribunal Geral para tomarem posição antes de 4 de julho de 2019 sobre a referida resposta, só suscitaram a primeira crítica na audiência de 29 de janeiro de 2020.

235    Pode‑se acrescentar, em todo o caso, que esta primeira crítica não pode proceder quanto ao mérito. Resulta efetivamente do quadro 1 anexo à resposta da Comissão de 5 de junho de 2019 que esta não distinguiu entre o mercado do abastecimento de bens de consumo corrente e o mercado da venda de serviços aos fabricantes, apesar de mencionados distintamente na decisão impugnada, explicando nesse quadro que os «descontos [no mercado do abastecimento] podem também ser considerados preços de venda de serviços aos fabricantes de produtos de marca nos setores de produtos alimentares, de produtos de higiene e de produtos de limpeza». Todavia, esta menção significa simplesmente que, em conformidade com a jurisprudência e, em especial, com o Acórdão de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão (T‑135/09, EU:T:2012:596, n.o 62), a Comissão, nesta fase, ainda não determinou que forma tinha o montante de que beneficiavam os distribuidores em detrimento dos fornecedores e sobre o qual suspeitava de concertação entre os distribuidores, o que, de resto, admite, ao esclarecer, na sua resposta de 5 de junho de 2019, que utiliza, nos anexos juntos, apenas o termo «descontos», «sem antecipar se um inquérito aprofundado concluiria que se trata de desconto nos mercados do abastecimento ou de preços de venda de serviços aos fabricantes». Com efeito, é necessário recordar que, segundo o referido acórdão, o poder de inspeção da Comissão implica a faculdade de procurar diversos elementos de informação ainda não conhecidos ou não totalmente identificados (v. também n.o 222, supra).

236    Em contrapartida, contrariamente ao que alegam as recorrentes, não se pode deduzir do Acórdão de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão (T‑135/09, EU:T:2012:596, n.os 60 a 94), que a Comissão está obrigada, no caso de indícios de uma vantagem em matéria de preços a favor das empresas inspecionadas, a especificar esses indícios distinguindo consoante os dois mercados abrangidos por essa vantagem, tanto mais que resulta de jurisprudência constante relativa ao dever de fundamentação que a Comissão não tem de delimitar com precisão o mercado em causa (v. n.o 112, supra). Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal Geral não criticou a Comissão por uma distinção insuficiente dos dois mercados potencialmente abrangidos pelos indícios apurados, mas censurava‑lhe um âmbito de inspeção que ultrapassava o quadro do único mercado de que tinha indícios. Ora, no caso em apreço, as recorrentes não apresentam nenhum elemento no sentido dessa ultrapassagem, na medida em que, contrariamente ao que afirmaram na audiência, as declarações dos fornecedores não visam unicamente a ICDC, que intervinha apenas no mercado da venda de serviços aos fabricantes (v. n.o 248, infra).

237    Quanto à segunda crítica alegada pelas recorrentes na audiência, pode‑se considerá‑la admissível nos termos do artigo 84.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, na medida em que se baseia na decisão de abertura do procedimento formal, adotada em 4 de novembro de 2019 pela Comissão, ou seja, posteriormente ao prazo de resposta acima referido de 4 de julho de 2019 e à abertura da fase oral no presente processo, e em que foi apresentada durante essa fase oral. Esta crítica deve, no entanto, ser julgada sem fundamento.

238    Com efeito, mesmo independentemente do facto de a decisão de dar início ao procedimento formal ser posterior à decisão impugnada e, deste modo, ser inapta para pôr em causa a sua legalidade, não se pode deduzir do alcance dessa decisão que a Comissão não possuía indícios suficientemente sérios relativos à primeira infração.

239    É certo que resulta da Decisão C(2019) 7997, de 4 de novembro de 2019, que dá início à tramitação do processo AT.40466 no que se refere a suspeitas de infração diferentes das relativas à primeira infração, que a Comissão não considerou dispor de elementos suficientes para dar início ao procedimento a propósito dessa infração. No entanto, pela sua própria natureza, os indícios que justificam uma inspeção permitem apenas suspeitar de uma infração, a qual pode, afinal, não ser demonstrada, o que explica, de resto, que nem todas as inspeções sejam seguidas de uma decisão que dê início ao procedimento, nem, a fortiori, de uma decisão que declare a existência de uma infração. Assim, a existência de indícios de infração não implica necessariamente a existência de provas da infração objeto de suspeita, nem sequer a existência de elementos suficientes para dar início ao procedimento. Por conseguinte, não se pode deduzir do facto de a inspeção controvertida não ter permitido recolher esses elementos que a Comissão não dispunha de indícios suficientemente sérios antes da inspeção.

240    Importa acrescentar que a Comissão comunicou ao Tribunal Geral um determinado número de indícios que detinha aquando da adoção da decisão impugnada, relativos a um paralelismo de comportamentos entre a ICDC (Casino) e a AgeCore (Intermarché), caracterizado, no caso em apreço, pela concomitância e pela convergência dos seus pedidos de descontos aos fornecedores.

241    Ora, as informações em causa constituem indícios suficientemente sérios da existência dessa concomitância e convergência.

242    Com efeito, entre os treze fornecedores interrogados, dez dos quais afirmam manter relações comerciais simultaneamente com a ICDC e a AgeCore, oito referiram de forma circunstanciada pedidos de descontos idênticos por parte da ICDC (Casino) e da AgeCore (Intermarché) (a saber, as empresas A, B, C, D, E, G, H e J; anexos Q.1 a Q.5, Q.7, Q.8 e Q.10 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019), um menciona o alinhamento da AgeCore sobre os seus concorrentes, sem os designar nominalmente (empresa I; anexo Q.9), e dois fornecedores evocam, de forma geral, terem enfrentado pedidos de descontos semelhantes provenientes de alianças de distribuidores diferentes (empresas L e M; anexos Q.12 e Q.13).

243    Além disso, a Comissão não se limitou a comunicar indícios relativos a este primeiro elemento constitutivo de uma prática concertada que é o paralelismo de comportamentos no mercado, o qual pode aliás, sob certas condições, permitir presumir a presença do segundo elemento constitutivo de uma prática concertada que é a concertação (v. n.o 228, supra). Referiu ter tido também à sua disposição indícios relativos à existência dessa concertação, que consistiam, no caso em apreço, em intercâmbios de informações, que podem também ser considerados, analisados em conjunto, suficientemente sérios.

244    É verdade que os fornecedores que evocam explicitamente intercâmbios entre os distribuidores sobre os descontos são menos numerosos e as suas declarações a este respeito são a maior parte das vezes vagas e especulativas. Três fornecedores referem explicitamente uma partilha ou intercâmbios de informações (a saber, as empresas C, E H; anexos Q.3, Q.5 e Q.8 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019) e outros referem o conhecimento de uma aliança dos descontos obtidos por outros (nomeadamente as empresas B, D, G e I; anexos Q.2, Q.4, Q.7 e Q.9). Por outro lado, um dos fornecedores evoca uma explicação possível dos pedidos de descontos concomitantes, que é o bluff revelado pelos distribuidores aquando das suas negociações para obterem condições comerciais mais favoráveis (empresa L; anexo Q.12).

245    No entanto, antes de mais, deve salientar‑se que nenhum fornecedor refere considerar pouco provável a circunstância de que a concomitância e a convergência dos pedidos de descontos resultam de intercâmbios de informações. Os únicos fornecedores que se expressaram num sentido diferente do da existência de intercâmbios de informações, ou ficaram calados, ou referiram não dispor de informações relativas a intercâmbios de informações entre distribuidores (a saber as empresas A, F, J, K e M; anexos Q.1, Q.6, Q.10, Q.11 e Q.13 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019), sem excluir expressamente a existência de tais intercâmbios.

246    Em seguida, importa sublinhar que o fornecedor que mencionou a hipótese de um bluff dos distribuidores não só matizou a probabilidade desta hipótese, referindo «acreditar que a informação invocada [relativa ao conhecimento das condições obtidas pelas outras alianças] era, no entanto, exata», como também esclareceu não participar nas negociações que ultrapassam o âmbito nacional, principalmente em causa na primeira infração objeto de suspeita, o que limita a fiabilidade das suas declarações. Daqui resulta que os indícios de que a Comissão dispunha não lhe permitiam considerar que os pedidos de descontos concomitantes e convergentes se explicavam, plausivelmente, de uma forma diferente da de uma concertação subjacente (v. n.o 228, supra).

247    Por último, as declarações dos fornecedores relativas aos intercâmbios entre distribuidores sobre os descontos são corroboradas por informações que mencionam os canais pelos quais esses intercâmbios podem passar.

248    Assim, vários fornecedores e a mensagem de correio eletrónico do diretor da associação N evocam os movimentos entre alianças de distribuidores, as transferências de marcas e os movimentos de pessoal entre distribuidores e entre alianças, apresentando‑os como fontes potenciais de conhecimento, nomeadamente, dos descontos obtidos pelos diferentes distribuidores (nomeadamente anexo Q.2, página 4, anexo Q.7, página 4, anexo Q.8, página 5, e anexos Q.14, Q.16 e Q.18 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019). Mencionam, especificamente, a aliança criada em França pela Casino e pela Intermarché, sob a forma da filial comum a Intermarché Casino Achats (INCA), e referem uma relação entre essa participação numa mesma aliança à escala nacional e o conhecimento, pela Casino e pela Intermarché, dos descontos obtidos por cada uma junto dos respetivos fornecedores (nomeadamente, anexo Q.4, página 4, e anexo Q.7, páginas 4 e 6).

249    Pela multiplicidade dos canais de comunicação assim evidenciados, pelos esclarecimentos dados relativamente a esses canais e pela concordância das informações comunicadas, quando os seus autores não dispõem a priori dos mesmos meios e fontes de informação, pode‑se considerar que a Comissão tinha à sua disposição indícios suficientemente sérios que lhe permitiam suspeitar dos intercâmbios controvertidos. Com efeito, importa recordar que, embora os fornecedores possam ser testemunhas diretas de um comportamento anticoncorrencial no mercado (v. n.o 217, supra), não o podem ser quanto à concertação subjacente e clandestina. Nestas condições, a multiplicidade, a precisão e a concordância das informações comunicadas relativas aos intercâmbios de informações em causa vêm compensar, na apreciação de conjunto destinada a verificar a existência de indícios suficientemente sérios, o caráter frequentemente especulativo das referidas informações.

250    Por conseguinte, tendo também em conta a circunstância de que esses indícios relativos aos intercâmbios de informações objeto de suspeita vêm completar os relativos aos comportamentos no mercado, importa considerar que a Comissão detinha indícios suficientemente sérios para suspeitar da primeira infração.

–       Quanto à inexistência de indícios suficientemente sérios relativos à suspeita da segunda infração

251    Importa recordar que esta segunda infração é descrita da seguinte forma no artigo 1.o, alínea b), da decisão impugnada:

«[…] intercâmbios de informações, pelo menos desde 2016, entre a Casino e a Intermarché relativamente às suas estratégias comerciais futuras, nomeadamente em termos de gama de produtos, desenvolvimento de lojas, de comércio eletrónico e de política promocional nos mercados do abastecimento de bens de consumo corrente e nos mercados de venda aos consumidores de bens de consumo corrente, em França.»

252    Deve salientar‑se, antes de mais, no seguimento das recorrentes e como admite a Comissão, que esta última baseou as suas suspeitas relativas à segunda infração num indício principal, relativo ao desenrolar da convenção Intermarché.

253    Resulta dos autos que a convenção Intermarché se realizou em 21 de setembro de 2016, na sede da Intermarché, e que a direção da Intermarché, acompanhada dos responsáveis das suas marcas, recebia aí os seus principais fornecedores para apresentar os seus objetivos e prioridades comerciais.

254    É pacífico que participaram nessa convenção representantes de um grande número de fornecedores da Intermarché, mas também representantes da INCA, filial comum da Intermarché e da Casino, especificamente A, aliás diretor no grupo Casino, bem como um representante da AgeCore, B, dirigente desta associação de empresas. É também pacífico que os temas abordados nessa convenção, apresentados pela equipa de direção da Intermarché, incidiam sobre os objetivos e as vias de desenvolvimento da empresa em relação a quotas de mercado, de crescimento do seu parque de lojas, de transformação digital e do desenvolvimento do comércio eletrónico, de inovações destinadas a acelerar a colocação à venda dos produtos novos, de aumento dos seus pontos de venda «drive» e de implementação de novos esforços promocionais.

255    As recorrentes sustentam que as informações assim apresentadas não revelam nenhum intercâmbio de dados comerciais sensíveis e confidenciais que permitam suspeitar de uma concertação entre concorrentes, proibida pelo artigo 101.o TFUE, e daí deduzem que a Comissão não dispunha de indícios suficientemente sérios para presumir a existência da segunda infração.

256    Em primeiro lugar, quanto à possibilidade de presumir a existência de intercâmbios e, assim, de uma concertação a partir de anúncios feitos por um único distribuidor, neste caso, a Intermarché, é necessário recordar que, por força de jurisprudência constante, os critérios de coordenação e de cooperação que permitem definir o conceito de prática concertada devem ser interpretados à luz da conceção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado interno. Embora esta exigência de autonomia não exclua o direito de os operadores económicos se adaptarem inteligentemente ao comportamento constatado ou anunciado dos seus concorrentes, opõe‑se rigorosamente a qualquer contacto direto ou indireto entre eles, que tenha por objeto ou por efeito, ou influenciar o comportamento no mercado de um concorrente atual ou potencial, ou revelar a esse concorrente o comportamento que foi decidido seguir ou que se pretende adotar no mercado (Acórdãos de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, EU:C:2009:343, n.os 32 e 33, e de 24 de outubro de 1991, Rhône‑Poulenc/Comissão, T‑1/89, EU:T:1991:56, n.o 121).

257    Daqui decorre que o facto de apenas um dos participantes nas reuniões entre empresas concorrentes revelar as suas intenções não é suficiente para excluir a existência de um acordo ou de uma prática concertada. Com efeito, segundo jurisprudência igualmente constante, embora seja verdade que o conceito de prática concertada pressupõe efetivamente a existência de contactos entre concorrentes caracterizados pela reciprocidade, esta condição fica, todavia, preenchida quando a divulgação, por um concorrente a outro, das suas intenções ou do seu comportamento futuro no mercado foi solicitada ou, pelo menos, recebida pelo segundo. Este, graças à receção dessa informação, que deve necessariamente ter em conta, direta ou indiretamente, elimina antecipadamente a incerteza relativa ao comportamento futuro do primeiro, ao passo que qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política comercial que pretende seguir no mercado. A receção, por uma empresa, de informações provenientes de um concorrente relativas ao seu comportamento futuro no mercado constitui, consequentemente, uma prática concertada proibida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, EU:T:2000:77, n.o 1849; de 12 de julho de 2001, Tate Ż Lyle e o./Comissão, T‑202/98, T‑204/98 e T‑207/98, EU:T:2001:185, n.o 54; e de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, EU:T:2008:254, n.os 231 a 234).

258    Ora, não se pode considerar que a mera presença de um diretor no grupo concorrente Casino, durante a apresentação pela Intermarché das suas prioridades comerciais, seja suficiente, no caso em apreço, para suspeitar de uma receção de informações comunicadas, conforme exigida pela jurisprudência para constatar uma reciprocidade e daí deduzir a existência de uma prática concertada entre a Casino e a Intermarché.

259    Com efeito, por um lado, como pertinentemente sublinharam as recorrentes, aliás sem a contestação da Comissão, A assistiu à convenção Intermarché não enquanto representante da Casino, mas na qualidade de cogerente da INCA, cuja presença se justificava pelo facto de esta negociar por conta da Intermarché as condições de abastecimento com os seus principais fornecedores. Por outro lado, A estava sujeito à estrita obrigação de confidencialidade em relação à Casino, também não contestada por si só, e não se pode presumir que essa obrigação não era respeitada.

260    Ora, este motivo da presença de A na convenção Intermarché e a obrigação que se lhe impõe não permitem, enquanto tais e sem qualquer outro elemento de apoio, não apresentado no caso em apreço pela Comissão, criar uma suspeita razoável de receção, pela Casino, de informações comunicadas pela Intermarché, que justifique que sejam prosseguidas as investigações para determinar se a Casino tinha solicitado ou, pelo menos, recebido as informações da Intermarché. Com efeito, a Comissão limita‑se a evocar uma única ata que dá conta de conversações entre A e o representante da Intermarché na INCA durante a convenção (anexo Q.5, páginas 7 e 8, da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019), conversações à margem que não correspondem a uma receção de declarações feitas em público e cujo conteúdo não tem necessariamente relação com o teor dessas declarações, tendo em conta as funções exercidas por essas duas pessoas na INCA, as quais demonstram trocas entre si relativas a outros assuntos. Importa salientar, a este respeito, que, contrariamente ao que alega a Comissão, ao referir, na introdução do quadro 2 anexo à sua resposta de 5 de junho de 2019, ter recebido informações segundo as quais a INCA poderia servir de veículo de intercâmbio de informações abrangidas pela segunda infração, os extratos das atas retomados no referido quadro limitam‑se a mencionar a presença de A na convenção Intermarché, sem que daí se possa deduzir que a INCA desempenhava um papel específico nesse âmbito.

261    Em segundo lugar, relativamente aos dados comunicados durante a convenção Intermarché, importa recordar que a qualificação infracional de um intercâmbio de informações depende nomeadamente da natureza das informações trocadas (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, EU:C:1998:256, n.os 88 a 90, e de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, EU:C:2006:734, n.o 54).

262    No caso em apreço, é necessário salientar, no seguimento das recorrentes, que as atas que relatam a convenção Intermarché (anexos Q.4, Q.5, Q.7, Q.9 e, com maiores esclarecimentos, anexo Q.8 da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019) referem de forma geral os elementos de política comercial relativos à gama de produtos, ao comércio eletrónico ou às práticas promocionais, que foram evocados na referida convenção. Essas menções gerais constam também em anexo da mensagem de correio eletrónico do diretor da associação N (anexo Q.15). Além disso, foram reproduzidas num artigo publicado na imprensa especializada, comunicado pelas recorrentes.

263    Resulta efetivamente dos autos, o que, aliás, não é contestado pela Comissão, que a convenção Intermarché se realizou publicamente, na presença de mais de 400 fornecedores, mas também de jornalistas, e que foi objeto de um artigo detalhado na imprensa especializada. Além disso, a Comissão tinha sido informada desse caráter público, como demonstram as atas das audições com os fornecedores, tendo um deles referido que a imprensa estava presente na convenção Intermarché (anexo Q.2, página 7). Por outro lado, referiu, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral, que não tinha sido informada de eventuais apresentações feitas durante a convenção Intermarché, além da presença de jornalistas.

264    Ora, é jurisprudência constante que um sistema de troca de informações públicas não é, enquanto tal, suscetível de violar as regras de concorrência do Tratado (v. Acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, EU:T:2003:245, n.o 1154 e jurisprudência referida).

265    Do mesmo modo, de acordo com o n.o 92 das orientações sobre a aplicação do artigo 101.o [TFUE] aos acordos de cooperação horizontal (JO 2011, C 11, p. 1; a seguir «orientações sobre os acordos de cooperação horizontal»), pelas quais a Comissão se autolimitou no exercício do seu poder de apreciação e às quais não pode renunciar sob pena de poder ser sancionada (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 211), as «informações verdadeiramente públicas» são informações geralmente acessíveis em condições idênticas a todos os concorrentes e clientes. Ora, o mesmo número das orientações sobre os acordos de cooperação horizontal esclarece que «[p]ara que as informações sejam verdadeiramente públicas, a sua obtenção não deve ser mais onerosa para os compradores e empresas não participantes no sistema de intercâmbio do que para as empresas que nele participam» e que «[p]or esta razão, os concorrentes não optariam normalmente por trocar dados que podem obter no mercado com a mesma facilidade e, assim, o intercâmbio de informações verdadeiramente públicas é na prática improvável». Além disso, resulta do n.o 63 das orientações sobre os acordos de cooperação horizontal, consagrado especificamente às declarações públicas unilaterais, citado pelas recorrentes na audiência, que «um anúncio unilateral genuinamente público, por exemplo através de um jornal, este comportamento não constitui normalmente uma prática concertada na aceção do artigo 101.o [TFUE]».

266    No caso em apreço, resulta claramente das circunstâncias do desenrolar da convenção Intermarché que as informações que aí foram comunicadas pela Intermarché são informações verdadeiramente públicas na aceção das orientações sobre os acordos de cooperação horizontal. Graças à presença de jornalistas e à informação detalhada que publicaram na imprensa especializada apenas alguns dias após a realização da convenção Intermarché, as informações dadas pela Intermarché aquando dessa convenção foram tornadas acessíveis não só a A, diretor no grupo concorrente Casino, mas também com a mesma facilidade a todos os outros concorrentes da Intermarché.

267    Além disso, resulta do artigo da imprensa especializada que relatou o desenrolar da convenção Intermarché, cujo conteúdo a Comissão não contestou, que as informações apresentadas nesse evento tinham um caráter muito genérico e se destinavam a valorizar, junto dos fornecedores da empresa, a política de desenvolvimento e de inovação da equipa de direção da Intermarché. A Comissão não explicou com precisão em que medida essas informações poderiam não ser qualificadas de dados públicos. Embora seja verdade que, nesse evento, foi anunciado um objetivo de criação de 200 lojas, esta simples informação, pelo seu caráter genérico, não é, por si só, suscetível de fundamentar uma suspeita de prática concertada entre concorrentes, proibida pelo artigo 101.o TFUE. O caráter público das informações divulgadas na convenção Intermarché impede, consequentemente, que se considere que estas possam ser objeto de intercâmbio de informações ilícitas, tal como, portanto, qualificar a convenção Intermarché como indício suficientemente sério da infração em causa.

268    Isto é tanto mais assim quanto, no caso em apreço, a própria Comissão apresentou os indícios das infrações objeto de suspeita na decisão impugnada como demonstrando trocas secretas entre um número limitado de pessoas e através de documentos eles próprios secretos (v. n.o 117, supra). Com efeito, como pertinentemente recordaram as recorrentes, segundo o considerando 8 da decisão impugnada, «as presumíveis práticas concertadas têm lugar no segredo mais absoluto, uma vez que o conhecimento da sua existência e da sua aplicação está limitado aos quadros superiores e a um número restrito de membros do pessoal dignos de confiança em cada empresa», e «[o]s documentos que se referem às práticas concertadas presumidas estão limitados ao mínimo estritamente necessário e guardados em locais e sob uma forma que facilite a sua dissimulação, a sua retenção ou a sua destruição». Ora, indícios constituídos por declarações públicas, como as feitas durante a convenção Intermarché, não podem, enquanto tais, permitir suspeitar de intercâmbios relativamente às mesmas informações e mantidos no maior segredo.

269    Estas considerações não são postas em causa pela referência, no n.o 63 das orientações sobre os acordos de cooperação horizontal, segundo a qual «não pode ser excluída a existência de uma prática concertada» a partir de um «anúncio unilateral genuinamente público». Com efeito, além do facto de esses anúncios públicos não corresponderem à presente presunção de intercâmbios ilícitos secretos, importa salientar que a Comissão não afirmou nem, a fortiori, explicou na decisão impugnada, e também não no decurso da presente instância, que a segunda infração corresponde a esta hipótese de uma prática concertada a partir de declarações unilaterais em público.

270    Daqui decorre que a Comissão não podia validamente deduzir da apreciação de conjunto das características da convenção Intermarché uma suspeita de intercâmbios de dados comerciais entre concorrentes proibidos pelo artigo 101.o TFUE. Daqui resulta também que esta convenção não pode constituir um indício suficientemente sério que permita suspeitar da segunda infração.

271    Em todo o caso, a tomada em consideração da nota interna da Comissão de 16 de dezembro de 2016, anexa à sua resposta complementar de 19 de dezembro de 2019, assim como a apresentação da versão confidencial das atas entregues pela Comissão na sua versão não confidencial, através de medida de instrução, não permitiria alterar esta conclusão. Com efeito, por um lado, não resulta dessa nota interna qualquer outro dado diferente dos que constam das atas. Por outro lado, resulta da versão não confidencial dessas atas que os dados ocultados visam unicamente impedir a identificação de entidades ou de pessoas, de datas e de dados quantitativos, pelo que a tomada em consideração dos referidos dados também não permitiria estabelecer a ligação entre as declarações públicas feitas aquando da convenção Intermarché e os intercâmbios secretos objeto de suspeita. Daqui resulta, também, que não é necessário ordenar a medida de instrução acima referida, que a Comissão tinha pedido ao Tribunal Geral.

272    Os pedidos concomitantes relativos a um mesmo «bónus de inovação» que a Casino e a Intermarché apresentaram aos seus fornecedores também não podem constituir um indício suficientemente sério que permita suspeitar da segunda infração. Com efeito, nenhum dos indícios comunicados permite distinguir claramente esse bónus ou esses «benefícios de inovação» dos descontos e dos preços de venda de serviços aos fornecedores em causa na primeira infração. Tendo em conta as explicações que são dadas nas atas (anexo Q.6, página 3, e anexo Q.7, página 5 e nota n.o 7, da resposta da Comissão de 10 de janeiro de 2019), os referidos benefícios consistem, ou num desconto pedido aos fornecedores, ou numa remuneração de serviços de referenciamento prestados pelos distribuidores aos fornecedores, ainda que especificamente relacionados com os produtos inovadores e aplicável em França, que é também afetada pela primeira infração. Do mesmo modo, no quadro 2 elaborado pela Comissão para apresentar de forma sintética os indícios que correspondem à segunda infração (v. n.o 169, último travessão, supra), esta isolou os indícios relativos aos «descontos de inovação» dos relativos à gama de produtos, ao desenvolvimento de lojas, à política de comércio eletrónico e à política promocional, únicos referidos na decisão impugnada. Além disso, pode salientar‑se que só dois dos treze fornecedores interrogados (anexos Q.6 e Q.7) dão conta de pedidos concomitantes de benefícios de inovação.

273    Por conseguinte, mesmo tomando em consideração de forma global os elementos relativos à convenção Intermarché e ao «bónus de inovação», é forçoso concluir pela não detenção pela Comissão de indícios suficientemente sérios que permitam suspeitar da existência da segunda infração e justificar o artigo 1.o, alínea b), da decisão impugnada, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre os argumentos das recorrentes relativos à nova decisão de inspeção referente, nomeadamente, a aspetos da segunda infração que lhes foi dirigida no decurso da presente instância [Decisão C(2019) 3761 da Comissão, de 13 de maio de 2019, que ordena à Casino, Guichard‑Perrachon SA e a todas as sociedades direta ou indiretamente controladas por ela que se sujeitem a uma inspeção em conformidade com o artigo 20.o, n.os 1 e 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho (AT.40466 — Tute 1)].

274    O fundamento relativo à violação do direito à inviolabilidade do domicílio das recorrentes deve, por conseguinte, ser julgado procedente no que respeita à segunda infração.

275    Resulta de tudo o que precede que a decisão impugnada deve ser anulada na parte em que ordena às recorrentes, no seu artigo 1.o, alínea b), que se sujeitem a uma inspeção relativa à eventual participação das mesmas na segunda infração e que deve ser negado provimento ao recurso quanto ao restante.

 Quanto às despesas

276    Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. Tendo a decisão impugnada sido parcialmente anulada, importa decidir que as recorrentes e a Comissão suportarão, respetivamente, as suas próprias despesas. O Conselho, que interveio em apoio da Comissão, suportará as suas próprias despesas em aplicação do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

decide:

1)      O artigo 1.o, alínea b), da Decisão C(2017) 1054 final da Comissão, de 9 de fevereiro de 2017, que ordena à Casino, GuichardPerrachon e a todas as sociedades direta ou indiretamente controladas por ela que se sujeitem a uma inspeção em conformidade com o artigo 20.o, n.os 1 e 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho (processo AT.40466 — Tute 1) é anulado.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A Casino, GuichardPerrachon e a Achats Marchandises Casino SAS (AMC), a Comissão Europeia e o Conselho da União Europeia suportarão cada um as suas próprias despesas.

Gervasoni

Madise

da Silva Passos

Kowalik‑Bańczyk

 

      Mac Eochaidh

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de outubro de 2020.

Assinaturas


Índice



*      Língua do processo: francês.