CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
PEDRO CRUZ VILLALÓN
apresentadas em 9 de janeiro de 2014 (1)
Processo C‑435/12
ACI Adam BV,
Alpha International BV,
AVC Nederland BV,
BAS Computers & Componenten BV,
Despec BV,
Dexxon Data Media and Storage BV,
Fuji Magnetics Nederland,
Imation Europe BV,
Maxell Benelux BV,
Philips Consumer Electronics BV,
Sony Benelux BV,
Verbatim GmbH
contra
Stichting de Thuiskopie
Stichting Onderhandelingen Thuiskopie vergoeding
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos)]
«Propriedade intelectual — Direitos de autor e direitos conexos — Diretiva 2001/29/CE — Harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação — Direito exclusivo de reprodução — Artigo 5.°, n.° 2, alínea b) — Artigo 5.°, n.° 5 — Exceções e limitações — Exceção de cópia privada — Âmbito de aplicação — Reproduções realizadas a partir de uma fonte ilícita — Taxa por cópia privada — Diretiva 2004/48/CE — Respeito dos direitos de propriedade intelectual — Artigo 14.° — Custas — Âmbito de aplicação»
1. No presente processo, é submetida ao Tribunal de Justiça uma nova série de questões prejudiciais relativas principalmente à interpretação da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (2), e, em especial, do seu artigo 5.°, n.° 2, alínea b) que permite que os Estados‑Membros prevejam uma exceção ao direito exclusivo de reprodução dos titulares de direitos de autor e de direitos conexos (3), a título de cópia privada.
2. A principal questão apresentada a título prejudicial pelo órgão jurisdicional de reenvio diz mais precisamente respeito à questão de saber se a exceção de cópia privada apenas é aplicável às reproduções realizadas a partir de fontes lícitas e, além disso, se a taxa por cópia privada só pode ser calculada e cobrada relativamente a reproduções realizadas a partir de fontes lícitas (4).
3. Trata‑se, portanto, de uma questão de interpretação da Diretiva 2001/29 (5) que é colocada por diversos órgãos jurisdicionais nacionais, que foi decidida, em certos Estados‑Membros, quer pelo legislador nacional (6) quer pelos órgãos jurisdicionais nacionais (7), mas que ainda não obteve resposta da parte do Tribunal de Justiça (8), que é uma questão controvertida na doutrina (9) e que, por conseguinte, assume uma certa importância.
4. Esta importância é acrescida, pela circunstância de a exceção de cópia privada se apresentar, para algumas das partes no processo principal e para uma parte da doutrina, como um meio de compensar os prejuízos causados aos titulares de direitos pela difusão não autorizada de obras e de material protegido na Internet, pelo menos na falta de medidas técnicas suscetíveis de combater eficazmente a «pirataria».
I – Quadro jurídico
A – Direito internacional
5. Três convenções internacionais são pertinentes para os fins da resolução do litígio no processo principal. A primeira, que é também a principal, é a Convenção de Berna (10) para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de setembro de 1886, na versão alterada por último pelo Ato de Paris de 24 de julho de 1971, resultante da alteração de 28 de julho de 1979 (a seguir «Convenção de Berna») (11).
6. As duas outras são, por um lado, o Acordo sobre os aspetos dos direitos de propriedade intelectual que dizem respeito ao comércio, constante do anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marraquexe e aprovado pela Decisão 94/800/CE, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (12), e, por outro lado, o Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual sobre o direito de autor, adotado em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, que foi aprovado pela Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 de março de 2000, relativa à aprovação, em nome da Comunidade Europeia, do Tratado da OMPI sobre direito de autor e do Tratado da OMPI sobre prestações e fonogramas (13), cujas disposições remetem para a Convenção de Berna (14).
B – Direito da União
7. As questões prejudiciais do órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito à interpretação, por um lado, das disposições do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, e do seu artigo 5.°, n.° 5 (15) e, por outro, da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (16), e em especial do seu artigo 14.° O texto das disposições pertinentes será citado, quando necessário, no decurso da exposição.
C – Direito neerlandês
8. O artigo 1.° da Lei sobre o direito de autor (a seguir «LDA») reconhece ao autor de uma obra literária, científica ou artística ou aos seus titulares o direito exclusivo de, nomeadamente, reproduzir essa obra, sob reserva das limitações previstas pela lei. A LDA contém, no caso vertente, disposições que preveem uma exceção de cópia privada e uma remuneração equitativa a título de contrapartida, a saber, a taxa por cópia privada.
9. O artigo 16.°‑C, n.° 1, da LDA, que transpõe o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, dispõe o seguinte:
«Não é considerada como uma violação do direito de autor sobre uma obra literária, científica ou artística a reprodução total ou parcial da obra num suporte destinado à representação de uma obra, desde que a reprodução […] não tenha fins comerciais diretos ou indiretos e que [se destine] exclusivamente à prática, ao estudo ou à utilização da pessoa singular que efetua a reprodução.»
10. O artigo 16.°‑C, n.° 2, da LDA prevê:
«A reprodução, entendida na aceção [do artigo 16.°‑C, n.° 1], implica o pagamento de uma remuneração equitativa em benefício do autor ou dos seus titulares. A obrigação de pagamento da remuneração incumbe ao produtor ou importador dos suportes referidos no n.° 1.»
11. Aliás, o artigo 1019.°‑H do Código de Processo Civil neerlandês, que transpõe o artigo 14.° da Diretiva 2004/48/CE, dispõe:
«Se necessário, em derrogação do Livro Primeiro, título segundo, décima segunda secção, segundo parágrafo, e do artigo 843.°‑A, n.° 1, a parte vencida é condenada no pagamento das custas judiciais, razoáveis e proporcionadas, e das outras despesas incorridas pela parte vencedora, exceto se, por uma questão de equidade, tal não for possível.»
II – Factos na origem do litígio no processo principal
12. As demandadas no processo principal são a Stichting de Thuiskopie, uma fundação encarregada da cobrança da taxa por cópia privada prevista no artigo 16.°‑C, n.° 2, da LDA e da repartição do seu produto, e a Stichting Onderhandelingen Thuiskopie vergoeding (17), uma fundação encarregada de fixar o montante da taxa por cópia privada.
13. As sociedades demandantes no processo principal são importadoras e/ou produtoras de suportes destinados à reprodução de obras na aceção do artigo 16.°‑C, n.° 1, da LDA, que devem, a esse título, pagar a taxa por cópia privada.
14. Entendendo que a taxa por cópia privada se destina exclusivamente a compensar o prejuízo sofrido pelos titulares do direito devido a atos de reprodução que entram no âmbito de aplicação do artigo 16.°‑C, n.° 1, da LDA, as referidas demandantes no processo principal intentaram uma ação judicial contra a Stichting de Thuiskopie e a SONT no Rechtbank te ’s‑Gravenhage, sustentando que o montante da taxa por cópia privada não deve ser calculado tendo em conta o dano resultante de cópias de obras realizadas a partir de uma fonte ilegal, em violação do direito de autor.
15. O Rechtbank te ’s‑Gravenhage julgou improcedente o pedido das demandantes no processo principal por sentença de 25 de junho de 2008 (18).
16. Por acórdão de 15 de novembro de 2010 (19), o Rechtbank te ’s‑Gravenhage confirmou essa decisão em sede de recurso, declarando que a remuneração equitativa prevista no artigo 16.°‑C da LDA tinha por objeto compensar o prejuízo resultante, para os titulares de direitos, de atos de reprodução abrangidos pela referida disposição.
17. Há que observar que resulta do despacho de reenvio que o Gerechtshof te ’s‑Gravenhage verificou que o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, e o artigo 16.°‑C da LDA não faziam qualquer distinção consoante a fonte das reproduções. No entanto, resulta dos trabalhos preparatórios da LDA que o seu artigo 16.°‑C deve ser interpretado no sentido de que autoriza a reprodução a partir de uma fonte ilícita desde que não existam medidas técnicas que permitam combater a cópia privada ilícita. Com efeito, considerou‑se que um regime que não proíbe as reproduções a partir de fontes ilícitas, ao impor a cobrança da taxa por cópia privada sobre essas reproduções, garantiria uma proteção acrescida dos interesses dos titulares de direitos sem os prejudicar irrazoavelmente na aceção do artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29.
18. As demandantes no processo principal recorreram desse acórdão do Gerechtshof te ’s‑Gravenhage para o Hoge Raad der Nederlanden. A Stichting de Thuiskopie interpôs um recurso subordinado igualmente no Hoge Raad der Nederlanden.
III – Questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça
19. Nestas circunstâncias, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça as três questões prejudiciais seguintes.
«1) O artigo 5.°, n.° 2, initio e alínea b), conjugado ou não com o artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva [2001/29], deve ser interpretado no sentido de que a limitação do direito de autor aí prevista se aplica às reproduções que satisfazem as exigências mencionadas nessa disposição, independentemente do facto de os exemplares da obra que foram reproduzidos se encontrarem à disposição da pessoa singular em questão de forma lícita, isto é, sem violação dos direitos de autor dos titulares, ou essa limitação apenas é válida para as reproduções de exemplares que a pessoa em questão teve à sua disposição sem violação do direito de autor?
2) a) No caso de a resposta à primeira questão corresponder ao segundo elemento da alternativa formulada acima, a aplicação da tripla condição prevista no artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva [2001/29] pode servir para alargar o âmbito de aplicação da limitação referida no artigo 5.°, n.° 2, ou a aplicação da tripla condição apenas pode levar a restringir o alcance dessa limitação?
2) b) No caso de a resposta à primeira questão corresponder ao segundo elemento da alternativa formulada acima, uma norma de direito nacional que visa impor uma remuneração equitativa para as reproduções realizadas por uma pessoa singular para uso privado e sem quaisquer fins comerciais diretos ou indiretos, independentemente do facto de a realização das reproduções ser lícita à luz do artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva [2001/29] — disposição essa que não viola o direito dos titulares de proibir a reprodução nem o seu direito de indemnização — viola o artigo 5.° da [referida diretiva] ou alguma outra disposição do direito da União?
Para responder a esta questão é pertinente, à luz da tripla condição do artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva [2001/29], que (ainda) não existam medidas tecnológicas contra a realização de cópias privadas ilícitas?
3) A Diretiva 2004/48 é aplicável num processo como o que está em causa no processo principal, no qual — após um Estado‑Membro ter imposto, com base no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva [2001/29], a obrigação de repercutir a taxa equitativa prevista nessa disposição sobre os produtores e importadores de suportes adequados destinados à reprodução de obras, e determinado que essa compensação equitativa deve ser paga a uma organização designada pelo Estado‑Membro, que é encarregada da cobrança e da repartição da compensação equitativa — os devedores pedem ao órgão jurisdicional, tendo em consideração as circunstâncias especiais de um litígio que são pertinentes para a determinação da compensação equitativa, que proceda às declarações devidas à organização referida, que se defende contra esse pedido?»
20. As demandantes no processo principal, a Stichting de Thuiskopie, os Governos neerlandês, italiano, lituano e austríaco, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas.
21. As demandantes no processo principal, a Stichting de Thuiskopie, e os Governos neerlandês e espanhol, bem como a Comissão, apresentaram igualmente observações orais na audiência que se realizou em 9 de outubro de 2013.
IV – Observações preliminares
22. A primeira e a segunda questões do órgão jurisdicional de reenvio, que estão estreitamente ligadas (20), contêm na realidade várias questões que suscitam algumas observações preliminares e devem ser reformuladas e reagrupadas.
23. Com a sua primeira questão, o Hoge Raad der Nederlanden apresenta ao Tribunal de Justiça uma questão de interpretação da Diretiva 2001/29. Pergunta, em substância, se a exceção de cópia privada prevista no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 se aplica a todas as reproduções, independentemente da licitude da respetiva fonte (primeira alternativa), ou se, pelo contrário, a referida exceção apenas é aplicável às reproduções realizadas a partir de fontes lícitas em si mesmas (segunda alternativa). O Hoge Raad der Nederlanden questiona igualmente a incidência do artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29 na interpretação do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da referida diretiva.
24. O órgão jurisdicional de reenvio coloca em seguida, na sua segunda questão prejudicial, duas questões subsidiárias, para o caso de o Tribunal de Justiça interpretar o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 no sentido de que se aplica apenas às reproduções realizadas a partir de fontes lícitas (segunda alternativa).
25. Antes de mais [segunda questão, alínea a)], interroga‑se se o artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29, que define a «tripla condição», pode permitir alargar o alcance da exceção de cópia privada prevista no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), dessa diretiva, ou se apenas pode, pelo contrário, restringir a referida exceção.
26. Em seguida, questiona o Tribunal de Justiça, em substância [segunda questão, alínea b)], sobre a compatibilidade de uma disposição nacional que impõe uma remuneração equitativa pelas reproduções realizadas por uma pessoa singular para uso privado, e sem qualquer fim comercial direto ou indireto, independentemente do facto de a realização das reproduções ser lícita, com o direito da União, designadamente com a própria Diretiva 2001/29 ou com qualquer outra norma de direito.
27. Todavia, e pelas razões que passo a expor, a primeira questão e a segunda questão, alínea a), só podem ser analisadas em conjunto, dado que as próprias disposições do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), e n.° 5 da Diretiva 2001/29 estão formal e indissoluvelmente ligadas e só podem ser lidas e interpretadas em conjunto e de modo dinâmico.
28. Começarei, portanto, por analisar a questão de saber se o artigo 5.° da Diretiva 2001/29 no seu conjunto pode ser interpretado no sentido de a taxa por cópia privada poder ser cobrada sobre as reproduções realizadas a partir de fontes ilícitas, isto é, a partir de fontes não produzidas, não difundidas ou não comunicadas ao público com o consentimento dos titulares do direito exclusivo de reprodução [primeira questão e segunda questão, alínea a)].
29. Como entendo que a resposta a esta questão deve ser negativa, analisarei, em seguida, muito rapidamente, a questão de saber se o artigo 5.° da Diretiva 2001/29 pode ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode no entanto (21) decidir cobrar a taxa por cópia privada sobre as reproduções realizadas a partir de fontes ilícitas. A resposta a esta segunda interrogação pode, com efeito, deduzir‑se facilmente dos elementos da resposta à primeira questão.
30. Enfim, responderei muito sucintamente à terceira questão do órgão jurisdicional de reenvio, relativa à interpretação do artigo 14.° da Diretiva 2004/48.
V – Quanto à questão de saber se a taxa por cópia privada pode ser cobrada sobre as reproduções realizadas a partir de cópias ilícitas [primeira questão e segunda questão, alínea a)]
A – Resumo das observações
31. As demandantes no processo principal, e os Governos espanhol, italiano e lituano, bem como a Comissão, concordam em considerar que, à luz do texto, do espírito e da finalidade da Diretiva 2001/29, a exceção de cópia privada prevista no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), desta diretiva, não é aplicável às reproduções realizadas a partir de fontes ilícitas.
32. Por um lado, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), já referido, não prevê essa possibilidade e, na medida em que constitui uma exceção ao direito exclusivo de reprodução garantido no artigo 2.° da Diretiva 2001/29, deve ser objeto de interpretação estrita, em conjugação com o artigo 5.°, n.° 5, dessa diretiva.
33. Por outro lado, essa interpretação restritiva corresponde à finalidade da Diretiva 2001/29, sendo a solução contrária suscetível de quebrar o justo equilíbrio que deve ser mantido entre os diversos direitos e interesses em presença. A remuneração equitativa prevista nessa disposição pretende compensar apenas o prejuízo sofrido pelos titulares de direitos «em consequência da introdução» da exceção de cópia privada, e não o prejuízo resultante para estes últimos das reproduções realizadas a partir de fontes ilícitas nem, a fortiori, o prejuízo resultante da difusão a montante de cópias ilícitas das suas obras.
34. Embora a Comissão reconheça, aliás, que esta interpretação restritiva pode, paradoxalmente, revelar‑se desfavorável aos titulares de direitos em certas circunstâncias, entende que esse elemento não pode conduzir a que essa interpretação seja posta em causa.
35. Em contrapartida, as demandadas no processo principal e os Governos neerlandês e austríaco entendem, em substância, que a possibilidade de os Estados‑Membros aplicarem a exceção de cópia privada às reproduções realizadas a partir de fontes ilícitas não é excluída pelo texto nem pela economia da Diretiva 2001/29, visto que, pelo contrário, se inscreve na finalidade desta última e permite manter um justo equilíbrio entre os direitos e interesses dos titulares de direitos, por um lado, e os utilizadores das obras e material protegido, por outro.
36. Sustentam, a este respeito, que não existe nenhum meio técnico de combater a realização de cópias privadas efetuadas a partir de fontes ilícitas e que a cobrança da taxa por cópia privada sobre tais reproduções contribui para uma exploração normal das obras reproduzidas, na aceção do artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29, e constitui portanto o melhor meio de garantir a proteção dos interesses legítimos dos titulares de direitos, sem contrariar a tripla condição.
B – Análise
37. Tendo em consideração as posições muito claras adotadas pelas demandantes no processo principal, pelos Estados‑Membros e pela Comissão sobre o principal problema suscitado pelas duas primeiras questões do órgão jurisdicional de reenvio, há que começar por recordar, antes de mais, em que consiste a exceção de cópia privada, e a compensação equitativa de que é acompanhada, estabelecida pelo artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29. Ora, a interpretação dessa disposição é indissociável da interpretação do artigo 5.°, n.° 5, da referida diretiva.
1. A exceção de cópia privada segundo a Diretiva 2001/29
38. A Diretiva 2001/29 impõe aos Estados‑Membros, no seu artigo 2.°, a obrigação de prever, em favor dos titulares do direito de autor e dos direitos conexos que esse artigo designa, o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, do material protegido, a saber, as suas obras, os seus fonogramas, os seus filmes ou as fixações das suas radiodifusões.
39. No entanto, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), dessa mesma diretiva concede aos Estados‑Membros a faculdade de preverem uma exceção ao direito de reprodução exclusivo referido no artigo 2.°
40. No caso de ser aplicada por um Estado‑Membro, a exceção de cópia privada autoriza (22) as pessoas singulares que detêm obras ou material protegido por direito de autor e direitos conexos a realizar uma cópia respetiva para uso privado e para fins que não sejam direta ou indiretamente comerciais (23). A exceção de cópia privada deve permitir, tipicamente, que o adquirente de um CD de áudio faça uma reprodução que poderá, por exemplo, escutar por meio de um leitor de MP3.
41. A exceção de cópia privada afeta correlativamente o monopólio de reprodução dos titulares de direitos, causando‑lhes um prejuízo que se considera permitido em contrapartida de uma compensação equitativa. Essa compensação é considerada como uma indemnização adequada dos titulares de direitos pelo prejuízo resultante da reprodução das suas obras e material protegido (24) mais do que uma remuneração.
42. Enfim, como «exceção indemnizada», a exceção de cópia privada impõe aos Estados‑Membros a obrigação não apenas de instaurar a compensação equitativa devida aos titulares de direitos, mas ainda de a cobrar efetivamente (25) e certamente proceder à respetiva repartição entre os titulares de direitos.
43. Esta compensação equitativa deve ser financiada pela pessoa singular que causa o prejuízo ao titular exclusivo do direito de reprodução ao realizar, sem solicitar a sua autorização prévia para esse efeito, a reprodução de uma obra ou de um objeto protegido para seu uso privado e para fins não comerciais (26). Todavia, por razões práticas, os Estados‑Membros têm a faculdade de cobrar uma taxa por cópia privada a pessoas que, como as demandantes no processo principal, colocam à disposição das pessoas singulares devedoras os suportes que utilizam para fazer as suas reproduções. Contudo, o justo equilíbrio que deve ser encontrado entre os titulares de direitos e os utilizadores das obras e do material protegido implica, por um lado, que o encargo real dessa taxa possa ser repercutido nos referidos utilizadores (27) e, por outro, que apenas seja cobrada pelos suportes colocados à disposição destes últimos para seu uso privado (28).
44. Nesse sistema, no fundo, a compensação equitativa baseia‑se na presunção de que os utilizadores de suportes de reprodução os utilizarão para fins de cópia privada de obras ou de material protegido.
2. Considerações preliminares sobre as disposições do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), e n.° 5, da Diretiva 2001/29
45. Antes de dar uma resposta concreta às questões suscitadas no presente processo, há que analisar a relação que une o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), e o artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29, dado que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta explicitamente se as referidas disposições devem ser lidas conjuntamente.
46. O artigo 5.°, n.° 5, da referida diretiva (29) subordina a instauração das exceções previstas no seu artigo 5.°, n.os 1, 2, 3 e 4, entre as quais a exceção de cópia privada prevista no seu artigo 5.°, n.° 2, alínea b), à tripla condição de esta exceção só ser aplicável em certos casos especiais, de não entrar em conflito com uma exploração normal da obra e de não prejudicar irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito de autor (30).
47. Estas três condições, que não se encontram definidas de outro modo na Diretiva 2001/29, correspondem, tal como resulta do considerando 44 da Diretiva 2001/29, às obrigações internacionais dos Estados‑Membros e da União e, mais precisamente, às condições das limitações ao direito de autor previstas no artigo 9.°, n.° 2, da Convenção de Berna, a chamada «tripla condição» (31) utilizada pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial, reproduzidas no artigo 13.° do ADPIC e no artigo 10.° do TDA.
48. Ao contrário do que parece sugerir o órgão jurisdicional de reenvio na sua primeira questão prejudicial, não há alternativa à interpretação conjunta do disposto no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, e do artigo 5.°, n.° 5, dessa diretiva. A aplicação da exceção de cópia privada pelos legisladores nacionais deve, em qualquer hipótese, estar em conformidade com o previsto no referido artigo 5.°, n.° 2, alínea b), mas também e simultaneamente corresponder às exigências estabelecidas pelo artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29, no respeito das obrigações internacionais (32). O mesmo é válido quanto à aplicação da exceção de cópia privada pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Contrariamente ao que sustenta o Governo neerlandês, o disposto no artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29 dirigem‑se apenas ao legislador nacional.
49. Aliás, e no que se refere à segunda questão, alínea a), apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio, as disposições do artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29 não podem ser interpretadas no sentido de permitirem alargar o alcance da exceção de cópia privada prevista no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), daquela diretiva, mas, pelo contrário, contribuírem indissociavelmente, se for caso disso, para a delimitação do âmbito de aplicação e do alcance dessa diretiva.
50. No caso vertente, o enquadramento muito preciso das exceções e das limitações ao direito de reprodução previstas no artigo 5.° da Diretiva 2001/29 é considerado justamente, sob muitos aspetos, como a execução adequada da tripla condição (33).
51. Assim, a definição precisa das exceções e limitações ao direito de reprodução pelo artigo 5.° da Diretiva 2001/29, entre as quais a exceção de cópia privada, esforça‑se por responder em qualquer hipótese ao primeiro termo da «tripla condição», relativo à limitação da sua aplicabilidade a casos especiais. Há que salientar, a este respeito, que a limitação pelo artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 do direito de cópia privada apenas às pessoas singulares que atuam com fins privados e não comerciais, vem reforçar esta exigência.
52. Nessa mesma perspetiva, o considerando 38 da Diretiva 2001/29 afirma igualmente que deve dar‑se aos Estados‑Membros a faculdade de preverem uma exceção ou limitação ao direito de reprodução mediante uma equitativa compensação, para certos tipos de reproduções de material áudio, visual e audiovisual destinadas a utilização privada. Todavia, deverão ser tidas devidamente em conta as diferenças existentes entre a cópia digital privada e a cópia analógica privada e, em certos aspetos, deverá ser feita uma distinção entre elas, na medida em que a cópia digital privada virá provavelmente a ter uma maior divulgação e um maior impacto económico.
53. A exceção de cópia privada, que é certamente um dos «casos» da exceção ao direito exclusivo de reprodução previsto no artigo 2.° da Diretiva 2001/29, deve portanto ser configurada pelos Estados‑Membros e aplicada pelos órgãos jurisdicionais nacionais tendo em conta as exigências decorrentes da restrição do seu âmbito de aplicação a casos especiais (34).
54. Do mesmo modo, e tal como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar, os Estados‑Membros são obrigados, ao decidirem instaurar a exceção de cópia privada no seu direito nacional, a prever o pagamento de uma compensação equitativa em benefício dos titulares de direitos. A exceção de cópia privada só pode ser instaurada se for prevista e efetivamente cobrada uma compensação equitativa. A compensação exigida pelo artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 insere‑se na terceira vertente da «tripla condição», relativa à necessidade, referida no artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29, de não prejudicar irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito de autor (35).
55. Em contrapartida, há que observar que a Diretiva 2001/29 não contém nenhuma referência explícita à segunda condição referida no artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29, segundo a qual a exceção ou a limitação ao direito exclusivo de reprodução não deve entrar em conflito com a exploração normal (36) das obras ou do material protegido. O presente processo possibilita, por isso, ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se a esse respeito (37), inspirando‑se na medida do possível na prática internacional (38).
56. É à luz das considerações precedentes que há que dar uma resposta concreta à primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio.
3. Quanto à limitação do âmbito de aplicação da exceção de cópia privada às reproduções realizadas a partir de fontes lícitas
57. Há que partir da verificação de que o artigo 5.° da Diretiva 2001/29 não contém indicações expressas sobre se a exceção de cópia privada é aplicável a todas as reproduções, quer sejam realizadas a partir de fontes lícitas quer de fontes ilícitas, ou se, pelo contrário, apenas é aplicável às reproduções realizadas a partir de fontes lícitas. Aliás, e como o Tribunal de Justiça já salientou, nem o artigo 2.° da referida diretiva nem qualquer outra das suas disposições define o conceito de «reprodução» (39) constante do seu artigo 2.°, tal como não define os conceitos de «reprodução em parte» (40), de «remuneração» (41), de «remuneração equitativa» (42) ou de «compensação equitativa» (43) que constam do seu artigo 5.°, o conceito de «comunicação ao público» do seu artigo 3.°, n.° 1 (44), ou ainda a expressão «pelos seus próprios meios» do seu artigo 5.°, n.° 2, alínea d) (45).
58. Uma vez que estas disposições não contêm, aliás, nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance, decorre das exigências da aplicação uniforme do direito da União e do princípio da igualdade (46) que esse conceito deve ter, em toda a União, uma interpretação autónoma e uniforme (47), que deve ser procurada tendo em conta não apenas os termos das disposições que o empregam, mas igualmente o contexto em que estas se inserem e o objetivo prosseguido pela regulamentação de que fazem parte (48), ou mesmo pelo conjunto das disposições pertinentes do direito da União (49). A génese dessas disposições pode igualmente incluir elementos pertinentes para a sua interpretação (50).
59. Aliás, os atos de direito da União devem ser interpretados, na medida do possível, à luz do direito internacional (51), em especial quando têm por objetivo justamente dar cumprimento a um acordo internacional celebrado pela Comunidade (52).
60. O considerando 15 da Diretiva 2001/29 precisa, a este propósito, que esta visa dar execução às obrigações internacionais resultantes da adoção pela União do TDA (53), nomeadamente no que respeita aos meios de combate contra a pirataria no universo digital a nível mundial. Aliás, o Tribunal de Justiça julgou que, do ponto de vista do âmbito de aplicação da Diretiva 2001/29, a União se substituiu aos Estados‑Membros para aplicar as disposições da Convenção de Berna (54).
61. No caso vertente, a Diretiva 2001/29 define o âmbito dos atos abrangidos pelo direito de reprodução (55) e contém uma enumeração exaustiva das exceções e das limitações ao referido direito (56). Indica, aliás, que deve dar‑se aos Estados‑Membros a faculdade de preverem uma exceção ou limitação ao direito de reprodução mediante uma compensação equitativa, para certos tipos de reproduções de material áudio, visual e audiovisual destinadas a utilização privada (57), precisando, como já salientei, que devem, por um lado, ser tidas devidamente em conta as diferenças existentes entre a cópia digital privada e a cópia analógica privada (58) e, por outro, a evolução tecnológica e económica, quando existam medidas adequadas de caráter tecnológico destinadas à proteção (59).
62. A referida diretiva dispõe, aliás, que a compensação equitativa referida no seu artigo 5.°, n.° 2, alínea b), tem por objeto indemnizar os titulares de direitos, «de modo adequado», pela utilização feita das suas obras ou outro material protegido a título e em aplicação da exceção de cópia privada (60). Além disso, a forma, as modalidades e o possível nível dessa compensação equitativa devem ser determinados tendo em conta as circunstâncias específicas a cada caso, que podem ser avaliadas com base no possível prejuízo para os titulares de direitos (61).
63. Assim, pode deduzir‑se do texto da Diretiva 2001/29 que essa compensação equitativa deve indemnizar de modo adequado a manutenção ou a introdução pelos Estados‑Membros da exceção de cópia privada que cria o prejuízo causado aos titulares de direitos (62). Em contrapartida, não há nenhuma indicação explícita que permita determinar se ela apenas é aplicável às reproduções realizadas a partir de fontes lícitas ou se também é aplicável a reproduções realizadas a partir de fontes ilícitas.
64. Todavia, e ao contrário do que sustenta o Governo neerlandês, esta imprecisão não pode ser interpretada como a manifestação deliberada (63) do legislador da União de prever a cobrança da compensação equitativa sobre as reproduções realizadas a partir de fontes ilícitas. Tal interpretação não encontra qualquer fundamento na Diretiva 2001/29 e contraria, sobretudo, as disposições do seu artigo 5.°, n.° 5, e as exigências da tripla condição que este prescreve, em conformidade com as obrigações internacionais da União e dos Estados‑Membros.
65. O Governo neerlandês invoca, para provar essa vontade deliberada do legislador da União, a redação do artigo 5.°, n.° 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, que se refere à licitude das fontes das reproduções, do artigo 5.°, n.° 3, alínea e) (64) e do artigo 6.°, n.° 4, segundo parágrafo, da referida diretiva, que não lhe fazem referência, ou ainda a Diretiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de maio de 1991, relativa à proteção jurídica dos programas de computador (65).
66. O artigo 5.°, n.° 3, alínea d), da Diretiva 2001/29 permite que os Estados‑Membros prevejam uma exceção ao direito de reprodução para citações feitas para fins de crítica ou análise, mas apenas desde que, entre outros, relacionadas com uma obra ou outro material já legalmente tornado acessível ao público.
67. O artigo 5.°, n.° 3, alínea e), da Diretiva 2001/29 prevê, em contrapartida, uma exceção ao direito exclusivo de reprodução no caso de utilização de uma obra ou de material protegido para efeitos de segurança pública ou para assegurar o bom desenrolar de processos administrativos, parlamentares ou judiciais, sem se referir à licitude da fonte.
68. O artigo 6.°, n.° 4, da Diretiva 2001/29 prevê, de uma maneira geral, a possibilidade de os Estados‑Membros tomarem as medidas adequadas para assegurar que os beneficiários de exceções ou limitações previstas no artigo 5.° delas possam tirar partido, na falta de medidas voluntárias nesse sentido tomadas pelos titulares de direitos. Todavia, o segundo parágrafo desse n.° 4, que diz respeito apenas à exceção de cópia privada, distingue‑se do primeiro parágrafo (66) porque não faz qualquer referência à licitude do acesso à obra ou ao material protegido.
69. Por último, a Diretiva 91/250 estabelece o princípio do direito exclusivo do autor do programa de computador de autorizar ou proibir a respetiva reprodução, prevendo uma exceção com fins de cópia de apoio apenas para o «adquirente legítimo» (67).
70. Todavia, o âmbito de aplicação e o alcance da exceção de cópia privada não podem ser definidos por referência a disposições aplicáveis em contextos totalmente diferentes e que prosseguem finalidades próprias.
71. A este respeito, há que recordar que, em conformidade com uma jurisprudência reiterada, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, constituindo uma exceção (68) ao direito exclusivo de reprodução do titular de direitos garantida pelo artigo 2.° da referida diretiva, deve ser objeto de interpretação estrita. O âmbito de aplicação da exceção de cópia privada não pode, portanto, estender‑se a situações não expressamente previstas pela Diretiva 2001/29 (69).
72. Em qualquer caso, a interpretação defendida pelo Governo neerlandês contraria as disposições do artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29, tal como são interpretadas à luz da Convenção de Berna, do TDA e do ADPIC, e contraria em especial a condição relativa à necessidade de não entrar em conflito com a exploração normal da obra ou do material protegido.
73. A este respeito, a Stichting de Thuiskopie e os Governos neerlandês e austríaco sustentam, em substância, que uma regulamentação que autoriza a cobrança da taxa por cópia privada sobre as reproduções realizadas a partir de fontes ilícitas constitui o único meio de reparar o prejuízo sofrido pelos titulares de direitos, na falta de medidas técnicas fiáveis que permitam impedir a publicação ou a difusão das referidas fontes ilícitas e à sua reprodução infinita, em especial no universo digital. Uma regulamentação desse tipo contribuiria mais para a exploração normal das obras e do material protegido que uma regulamentação que proíbe qualquer reprodução a partir de fontes ilícitas, e garantiria o equilíbrio dos direitos entre os titulares de direitos e os utilizadores das obras e do material protegido.
74. Ainda que se admita que uma regulamentação dessa natureza possa, em absoluto, constituir uma resposta legítima e adequada às violações do direito de autor e dos direitos conexos decorrente da difusão ilícita de cópias de obras ou de material protegido na Internet e da sua reprodução, todavia, é incontroverso que a exceção de cópia privada não foi instituída com esse objetivo e está excluído que o possa ser, sob pena de voltar a pôr em causa os próprios fundamentos em que se baseia, independentemente da existência ou não de medidas técnicas que permitam combater de forma eficaz a realização e a difusão de cópias ilícitas de obras ou de material protegido.
75. A este respeito, antes de mais, deve observar‑se que a argumentação do Governo neerlandês radica na circunstância de que a lei neerlandesa tolera o descarregamento («downloading» ou descarregamento descendente) de obras ou de material protegido ilicitamente colocado à disposição na Internet, reprimindo apenas a colocação em linha («uploading» ou descarregamento ascendente) das referidas obras ou material protegido. Ao fazê‑lo, o Reino dos Países Baixos favorece indireta mas necessariamente a difusão em massa de produtos resultante da exploração de obras e de material protegido que não pode em caso nenhum ser considerada normal, ou seja, a própria causa do fenómeno cujas consequências desfavoráveis para os titulares de direitos esse Estado‑Membro pretende reparar. A banalização do descarregamento descendente de obras ou de material protegido difundidos ilicitamente na Internet (descarregamento ascendente) entra necessariamente em conflito com a exploração normal dos mesmos.
76. Aliás, é duvidoso que a cobrança da taxa por cópia privada, na sua conceção atual, possa compensar adequadamente, de qualquer maneira, a perda de rendimentos decorrente para os titulares de direitos da difusão em massa das suas obras e do seu material protegido na Internet em violação dos seus direitos exclusivos de reprodução, de comunicação ao público (70) ou de distribuição (71).
77. Salvo em caso de redefinição profunda da própria razão de ser da exceção de cópia privada e das principais modalidades de determinação da compensação equitativa que a deve acompanhar, com todas as consequências que isso implica, o produto da taxa por cópia privada não é suscetível de compensar a perda de rendimentos que geraria a exploração normal das suas obras na Internet. Provavelmente haveria que prever, em especial, um aumento considerável do montante da taxa que qualquer utilizador de suporte deveria pagar, mesmo que nunca realizasse reproduções a partir de fontes ilícitas, correndo o risco de destruir o equilíbrio dos direitos entre titulares de direitos e utilizadores de obras e de material protegido.
78. A ideia avançada pelo Governo neerlandês, segundo a qual a cobrança da taxa por cópia privada sobre as reproduções realizadas a partir de fontes ilícitas, aliás, respeita mais o direito à proteção da vida privada dos utilizadores de obras e de material protegido que a execução de medidas de controlo da utilização das suas obras na esfera privada dos referidos utilizadores (72), garantindo assim um melhor equilíbrio dos direitos, não pode conduzir a uma inversão dessa interpretação do artigo 5.° da Diretiva 2001/29. A este respeito, observaremos simplesmente que a exclusão da aplicabilidade da exceção de cópia privada às reproduções realizadas a partir de fontes ilícitas não está necessariamente ligada à eventual violação do direito ao respeito da vida privada dos utilizadores (73).
79. Por conseguinte, proponho responder à primeira questão e à alínea a) da segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio declarando que o artigo 5.° da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que a exceção de cópia privada que prevê só se aplica às reproduções de obras ou de material protegido a título do direito de autor e dos direitos conexos realizadas a partir de fontes lícitas.
VI – Quanto à questão de saber se um Estado‑Membro pode decidir cobrar a taxa por cópia privada sobre as reproduções realizadas a partir de cópias ilícitas [segunda questão, alínea b)]
80. No quadro da sua segunda questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se é compatível com o direito da União a adoção por um Estado‑Membro de uma disposição nacional que impõe a cobrança de uma compensação equitativa por cópia privada, independentemente do facto de a realização das reproduções ser lícita.
81. Decorre da exposição precedente que essa possibilidade não pode ser admitida.
82. Por um lado, e independentemente da questão de saber se a Diretiva 2001/29 realizou uma harmonização exaustiva da exceção de cópia privada (74), essa possibilidade entraria fortemente em conflito com um dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2001/29, relativo à aplicação coerente das limitações e das exceções exaustivas ao direito exclusivo de reprodução que prevê (75). O Tribunal de Justiça já declarou, a este respeito, que é contrária a esse objetivo uma interpretação segundo a qual os Estados‑Membros são livres de precisar de forma incoerente e não harmonizada os parâmetros da compensação equitativa (76). Ora, essa medida equivaleria, como observa a Comissão, a criar uma remuneração sui generis para as reproduções realizadas a partir de fontes ilícitas.
83. Por outro lado, e sobretudo, reconhecer essa possibilidade contraria duplamente as exigências do artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29. Em primeiro lugar, alarga o âmbito de aplicação da exceção de cópia privada muito para além do caso especial definido por essa diretiva, violando a primeira condição prevista nessa disposição. Em segundo lugar, legitima indiretamente a situação de conflito com a exploração normal das obras e material protegido, em total desrespeito pela segunda condição prevista nessa disposição, destruindo assim o justo equilíbrio que esta última estabelece entre o direito exclusivo de reprodução reconhecido aos titulares de direitos e os beneficiários da exceção de cópia privada.
84. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão, alínea b), do órgão jurisdicional de reenvio declarando que, no contexto da exceção de cópia privada que os Estados‑Membros estão autorizados a prever em virtude do artigo 5.° da Diretiva 2001/29, um Estado‑Membro não pode cobrar a taxa que deve acompanhá‑la, a não ser sobre as reproduções de obras ou de material protegido a título do direito de autor e dos direitos conexos realizadas a partir de fontes lícitas.
VII – Quanto à questão de saber se a Diretiva 2004/48 é aplicável no processo principal (terceira questão)
85. Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça, em substância, sobre a questão de saber se a Diretiva 2004/48 e, em especial o seu artigo 14.° (77), são aplicáveis no processo principal.
86. Na sua decisão de reenvio, o referido órgão jurisdicional expõe que, no quadro do seu recurso subordinado, a Stichting de Thuiskopie pediu uma compensação pela totalidade das despesas com fundamento no artigo 1019.°‑H do Código de Processo Civil, que por sua vez se baseia nas disposições do artigo 14.° da Diretiva 2004/48Embora as reivindicações da Stichting de Thuiskopie não pareçam resultar de violações de direitos de propriedade intelectual na aceção do artigo 2.°, n.° 1, aquele continua a prosseguir prossegue uma forma de defesa dos referidos direitos, ao sustentar a ideia de que o artigo 5.° da Diretiva 2001/29 é aplicável às reproduções realizadas a partir de fontes ilícitas.
87. À exceção da Stichting de Thuiskopie, todas as partes apresentaram observações que concluem pela inaplicabilidade da Diretiva 2004/48 no processo principal.
88. A este respeito, recorde‑se que, embora, atento o seu objeto (78) e o seu âmbito de aplicação (79), o objetivo geral da Diretiva 2004/48 seja aproximar as legislações dos Estados‑Membros, a fim de assegurar um nível de proteção elevado, equivalente e homogéneo da propriedade intelectual (80), aquela não visa, contudo, reger todos os aspetos ligados aos direitos de propriedade intelectual, mas apenas os que são inerentes, por um lado, ao respeito desses direitos e, por outro, às infrações a estes últimos, impondo a existência de meios jurídicos eficazes destinados a impedir, a cessar ou a obviar a qualquer infração ao direito de propriedade intelectual existente (81).
89. Nesta ótica, o artigo 14.° da Diretiva 2004/48 visa reforçar o nível de proteção da propriedade intelectual, evitando que uma parte lesada seja dissuadida de intentar um processo judicial para salvaguardar os seus direitos (82), o que implica que o responsável pela violação dos direitos de propriedade intelectual deve, em geral, suportar integralmente as consequências financeiras da sua conduta (83).
90. No caso em apreço, embora o litígio no processo principal diga respeito, é certo, de uma maneira geral, à defesa dos interesses dos titulares de direitos de autor e de direitos conexos, na medida em que se refere à extensão do âmbito de aplicação da exceção de cópia privada prevista no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, a contestação que se encontra na sua origem é totalmente alheia ao âmbito de aplicação da Diretiva 2004/48. Com efeito, a ação que está na origem deste litígio não foi intentada pelos titulares de direitos (84), a fim de assegurar a defesa dos referidos direitos (85), mas sim por operadores económicos chamados a pagar a taxa estabelecida por um Estado‑Membro a título de compensação equitativa pela exceção de cópia privada que esse Estado‑Membro instituiu.
91. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à terceira questão prejudicial apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio declarando que o artigo 14.° da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável a um litígio que, como o do processo principal, não diz respeito à defesa dos referidos direitos, enquanto tal, pelos respetivos titulares.
VIII – Conclusão
92. À luz da exposição precedente, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais apresentadas pelo Hoge Raad der Nederlanden nos seguintes termos:
1) O artigo 5.° da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que a exceção de cópia privada que prevê só se aplica às reproduções de obras ou de material protegido a título do direito de autor e dos direitos conexos realizadas a partir de fontes lícitas.
2) O artigo 5.° da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que, no contexto da exceção de cópia privada que os Estados‑Membros estão autorizados a prever em virtude dessa disposição, um Estado‑Membro não pode cobrar a taxa que deve acompanhá‑la, a não ser sobre as reproduções de obras ou de material protegido a título do direito de autor e dos direitos conexos realizadas a partir de fontes lícitas.
3) O artigo 14.° da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável a um litígio que, como no processo principal, não diz respeito à defesa do direito de autor ou de direitos conexos, enquanto tal, pelos respetivos titulares.