ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

12 de março de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Transporte aéreo — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Artigos 5.o e 7.o — Direito a indemnização em caso de atraso ou de cancelamento dos voos — Direito a indemnização cumulativa em caso de atraso ou de cancelamento que afete não apenas a reserva de origem mas também a reserva seguinte, feita no âmbito de um reencaminhamento — Alcance — Exoneração da obrigação de indemnizar — Conceito de “circunstâncias extraordinárias” — Peça denominada “on condition” — Falhas técnicas inerentes à manutenção de um avião»

No processo C‑832/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Helsingin hovioikeus (Tribunal de Recurso de Helsínquia, Finlândia), por Decisão de 20 de dezembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de dezembro de 2018, no processo

A e o.

contra

Finnair Oyj,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: L. S. Rossi, presidente de secção, J. Malenovský (relator) e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Finnair Oyj, por T. Väätäinen, asianajaja,

–        em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo alemão, por J. Möller, M. Hellmann e A. Berg, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Natale, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo austríaco, inicialmente por J. Schmoll e G. Hesse e, em seguida, por J. Schmoll, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por N. Yerrell e I. Koskinen, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 5.o e 7.o do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe oito passageiros aéreos à companhia aérea Finnair Oyj a respeito de um pedido de indemnização subsequente ao atraso de um voo de reencaminhamento proposto por esta última.

 Quadro jurídico

3        Nos termos dos considerandos 1 e 2 e 12 a 15 do Regulamento n.o 261/2004:

«1)      A ação da Comunidade no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros. Além disso, devem ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.

2)      As recusas de embarque e o cancelamento ou atraso considerável dos voos causam sérios transtornos e inconvenientes aos passageiros.

[…]

12)      Os transtornos e inconvenientes causados aos passageiros pelo cancelamento dos voos deverão igualmente ser reduzidos. Para esse efeito, as transportadoras aéreas deverão ser persuadidas a informar os passageiros sobre os cancelamentos antes da hora programada de partida e, além disso, a oferecer‑lhes um reencaminhamento razoável, por forma a permitir‑lhes tomar outras disposições. Caso assim não procedam, as transportadoras aéreas deverão indemnizar os passageiros, a menos que o cancelamento se tenha ficado a dever a circunstâncias excecionais que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.

13)      Os passageiros cujos voos sejam cancelados deverão poder ser reembolsados do pagamento dos seus bilhetes ou ser reencaminhados em condições satisfatórias e deverão receber assistência adequada enquanto aguardam um voo posterior.

14)      Tal como ao abrigo da Convenção de Montreal, as obrigações a que estão sujeitas as transportadoras aéreas operadoras deverão ser limitadas ou eliminadas nos casos em que a ocorrência tenha sido causada por circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis. Essas circunstâncias podem sobrevir, em especial, em caso de instabilidade política, condições meteorológicas incompatíveis com a realização do voo em causa, riscos de segurança, falhas inesperadas para a segurança do voo e greves que afetem o funcionamento da transportadora aérea.

15)      Considerar‑se‑á que existem circunstâncias extraordinárias sempre que o impacto de uma decisão de gestão do tráfego aéreo, relativa a uma determinada aeronave num determinado dia provoque um atraso considerável, um atraso de uma noite ou o cancelamento de um ou mais voos dessa aeronave, não obstante a transportadora aérea em questão ter efetuado todos os esforços razoáveis para evitar atrasos ou cancelamentos.»

4        O artigo 2.o, alínea l), deste regulamento dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

l)      “cancelamento”, a não realização de um voo que anteriormente estava programado e em que, pelo menos, um lugar foi reservado.»

5        Nos termos do artigo 3.o, n.os 1 e 2, do referido regulamento:

«1.      O presente regulamento aplica‑se:

a)      Aos passageiros que partem de um aeroporto localizado no território de um Estado‑Membro a que o Tratado se aplica;

b)      Aos passageiros que partem de um aeroporto localizado num país terceiro com destino a um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro a que o Tratado se aplica, a menos que tenham recebido benefícios ou uma indemnização e que lhes tenha sido prestada assistência nesse país terceiro, se a transportadora aérea operadora do voo em questão for uma transportadora comunitária.

2.      O disposto no n.o 1 aplica‑se aos passageiros que:

a)      Tenham uma reserva confirmada para o voo em questão e, salvo no caso de cancelamento a que se refere o artigo 5.o, se apresentarem para o registo:

–        tal como estabelecido e com a antecedência que tenha sido indicada e escrita (incluindo por meios eletrónicos) pela transportadora aérea, pelo operador turístico ou pelo agente de viagens autorizado,

ou, não sendo indicada qualquer hora,

–        até 45 minutos antes da hora de partida publicada; ou

b)      Tenham sido transferidos por uma transportadora aérea ou um operador turístico do voo para o qual tinham reserva para outro voo, independentemente do motivo.»

6        O artigo 5.o do Regulamento n.o 261/2004, sob a epígrafe «Cancelamento», prevê:

«1.      Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

a)      Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos do artigo 8.o; e

b)      Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos da alínea a) do n.o 1 e do n.o 2 do artigo 9.o, bem como, em caso de reencaminhamento quando a hora de partida razoavelmente prevista do novo voo for, pelo menos, o dia após a partida que estava programada para o voo cancelado, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.o 1 do artigo 9.o; e

c)      Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.o, salvo se:

i)      tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou

ii)      tiverem sido informados do cancelamento entre duas semanas e sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até duas horas antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até quatro horas depois da hora programada de chegada, ou

iii)      tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.

2.      Ao informar os passageiros do cancelamento, devem ser prestados esclarecimentos sobre eventuais transportes alternativos.

3.      A transportadora aérea operadora não é obrigada a pagar uma indemnização nos termos do artigo 7.o, se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.

4.      O ónus da prova relativamente à questão de saber se e quando foi o passageiro informado do cancelamento recai sobre a transportadora aérea operadora.»

7        Nos termos do artigo 7.o deste regulamento, sob a epígrafe «Direito a indemnização»:

«1.      Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

a)      250 euros para todos os voos até 1 500 quilómetros;

b)      400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1 500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1 500 e 3 500 quilómetros;

c)      600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).

Na determinação da distância a considerar, deve tomar‑se como base o último destino a que o passageiro chegará com atraso em relação à hora programada devido à recusa de embarque ou ao cancelamento.

2.      Quando for oferecido aos passageiros reencaminhamento para o seu destino final num voo alternativo nos termos do artigo 8.o, cuja hora de chegada não exceda a hora programada de chegada do voo originalmente reservado:

a)      Em duas horas, no caso de quaisquer voos até 1 500 quilómetros; ou

b)      Em três horas, no caso de quaisquer voos intracomunitários com mais de 1 500 quilómetros e no de quaisquer outros voos entre 1 500 e 3 500 quilómetros; ou

c)      Em quatro horas, no caso de quaisquer voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b),

a transportadora aérea operadora pode reduzir a indemnização fixada no n.o 1 em 50 %.

3.      A indemnização referida no n.o 1 deve ser paga em numerário, através de transferência bancária eletrónica, de ordens de pagamento bancário, de cheques bancários ou, com o acordo escrito do passageiro, através de vales de viagem e/ou outros serviços.

4.      As distâncias referidas nos n.os 1 e 2 devem ser medidas pelo método da rota ortodrómica.»

8        O artigo 8.o, n.o 1, do referido regulamento prevê:

«Em caso de remissão para o presente artigo, deve ser oferecida aos passageiros a escolha entre:

a)      –      O reembolso no prazo de sete dias, de acordo com as modalidades previstas no n.o 3 do artigo 7.o, do preço total de compra do bilhete, para a parte ou partes da viagem não efetuadas, e para a parte ou partes da viagem já efetuadas se o voo já não se justificar em relação ao plano inicial de viagem, cumulativamente, nos casos em que se justifique,

–        um voo de regresso para o primeiro ponto de partida;

b)      O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final, na primeira oportunidade; ou

c)      O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final numa data posterior, da conveniência do passageiro, sujeito à disponibilidade de lugares.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        Os recorrentes no processo principal efetuaram uma reserva na Finnair para um voo direto com partida de Helsínquia (Finlândia) e destino a Singapura.

10      Este voo estava previsto para 11 de outubro de 2013, às 23 h 55. Todavia, foi anulado devido a um problema técnico no avião.

11      Após terem aceitado a oferta proposta pela Finnair, os recorrentes no processo principal foram reencaminhados para o voo com correspondência Helsínquia‑Singapura via Chongqing (China) com partida prevista para o dia seguinte, 12 de outubro de 2013, às 17 h 40, e chegada prevista a Singapura em 13 de outubro, às 17 h 25.

12      A Finnair era a transportadora aérea operadora do voo de reencaminhamento Helsínquia‑Chongqing‑Singapura.

13      Todavia, devido a uma falha num dos servocomandos do leme do aparelho em causa, o reencaminhamento dos recorrentes sofreu um atraso. Consequentemente, chegaram a Singapura em 14 de outubro de 2013, às 00 h 15.

14      Os recorrentes no processo principal intentaram uma ação contra a Finnair no Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia, Finlândia), pedindo a condenação da companhia aérea no pagamento, a cada um, do montante de 600 euros, acrescido de juros, pelo cancelamento do voo inicial Helsínquia‑Singapura. Pediram ainda a condenação da Finnair no pagamento, a cada um, do montante de 600 euros, acrescido de juros, pelo atraso de mais de três horas à chegada do voo de reencaminhamento Helsínquia‑Chongqing‑Singapura.

15      A Finnair concedeu a cada um dos recorrentes no processo principal uma indemnização de 600 euros pelo cancelamento do voo inicial Helsínquia‑Singapura. Em contrapartida, a companhia recusou satisfazer o seu segundo pedido de indemnização. A Finnair considerou que esse pedido não tinha fundamento jurídico, uma vez que o Regulamento n.o 261/2004 não impõe à transportadora aérea a obrigação de pagar ao passageiro cujo voo foi cancelado uma indemnização em caso de atraso do voo de reencaminhamento que lhe tiver sido proposto em seguida. Além disso, a Finnair invocou o facto de o voo de reencaminhamento aceite pelos recorrentes no processo principal ter sofrido um atrasado devido a circunstâncias extraordinárias, na aceção do artigo 5.o, n.o 3, deste regulamento.

16      Por Sentença de 21 de junho de 2017, o Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia) julgou improcedentes os pedidos de indemnização apresentados pelos recorrentes no processo principal pelo atraso do voo de reencaminhamento, tendo considerado que o Regulamento n.o 261/2004 não concedia o direito a uma indemnização a esse título. Por conseguinte, esse órgão jurisdicional não se pronunciou sobre a questão de saber se a falha técnica na origem do atraso do voo de reencaminhamento constituía uma circunstância extraordinária, na aceção do artigo 5.o, n.o 3, deste regulamento.

17      Os recorrentes no processo principal interpuseram recurso dessa sentença para o Helsingin hovioikeus (Tribunal de Recurso de Helsínquia, Finlândia) e pediram a condenação da Finnair a indemnizar cada um deles no montante de 600 euros, acrescido de juros, pelo atraso do voo de reencaminhamento Helsínquia‑Chongqing‑Singapura.

18      A Finnair pediu que fosse negado provimento ao recurso, com o fundamento de que, por um lado, os recorrentes no processo principal não têm direito a uma segunda indemnização ao abrigo do Regulamento n.o 261/2004 e, por outro, que o voo de reencaminhamento sofreu um atraso devido a «circunstâncias extraordinárias», na aceção deste regulamento. Alega que houve uma avaria num dos três servocomandos do leme que permite a pilotagem do avião que efetuava esse voo, especificando a este respeito que esse avião era um Airbus A330, cujo construtor tinha anunciado (Technical Followup) que vários aparelhos deste tipo tinham um defeito oculto de fabrico ou de planificação que afetava os servocomandos do leme. Além disso, o servocomando do leme é uma peça denominada «on condition», que apenas é substituída por uma nova em caso de falha da precedente.

19      Nestas circunstâncias, o Helsingin hovioikeus (Tribunal de Recurso de Helsínquia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o Regulamento n.o 261/2004 ser interpretado no sentido de que um passageiro tem direito a uma nova indemnização ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, quando já recebeu uma indemnização por um voo cancelado e a transportadora aérea operadora do voo de reencaminhamento é a mesma que a do voo cancelado, e o voo de reencaminhamento subsequente ao voo cancelado sofre, em relação à hora programada de chegada, um atraso em medida que dê direito a indemnização?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, pode a transportadora aérea operadora invocar circunstâncias extraordinárias na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, quando, na sequência de um acompanhamento técnico das aeronaves em uso efetuado pelo respetivo fabricante, a peça tratada no documento em causa é, de facto, considerada uma peça «on condition», isto é, uma peça que é utilizada até a falha ocorrer, e a transportadora aérea operadora se preparou para a substituição da peça em questão, mantendo sempre disponível uma peça sobresselente?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

20      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 261/2004, nomeadamente o seu artigo 7.o, n.o 1, deve ser interpretado no sentido de que um passageiro aéreo que beneficiou de uma indemnização pelo cancelamento de um voo e aceitou o voo de reencaminhamento que lhe foi proposto tem direito a que lhe seja concedida uma indemnização pelo atraso do voo de reencaminhamento, quando esse atraso atinge um número de horas que dá direito a indemnização e a transportadora aérea do voo de reencaminhamento é a mesma que a do voo cancelado.

21      A este respeito, importa recordar que, por força do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004, conjugado com o seu artigo 8.o, n.o 1, em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a que a transportadora aérea operadora lhes proponha três formas de assistência diferentes, a saber, o reembolso do bilhete, acompanhado, se for caso disso, de um voo regresso para o primeiro ponto de partida, ou o reencaminhamento para o seu destino final na primeira oportunidade, ou tal reencaminhamento numa data posterior, da conveniência do passageiro, sujeito à disponibilidade de lugares.

22      No processo principal, na sequência do cancelamento do voo reservado pelos passageiros em causa, a Finnair pagou‑lhes uma indemnização nos termos do artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004 e fez‑lhes uma proposta de reencaminhamento, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento, que aceitaram. Todavia, devido ao facto de o aparelho que efetuava o voo de reencaminhamento ter sofrido uma avaria técnica, os recorrentes chegaram ao seu destino final com um atraso de mais de seis horas em relação à hora programada de chegada prevista na proposta aceite.

23      O Tribunal de Justiça declarou que os passageiros de voos que sofreram atrasos devem ser considerados titulares do direito a indemnização previsto no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004, conjugado com o artigo 7.o, n.o 1, deste regulamento, quando cheguem ao seu destino final com um atraso igual ou superior a três horas em relação à hora de chegada inicialmente programada pela transportadora aérea (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o., C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.o 61; e de 23 de outubro de 2012, Nelson e o., C‑581/10 e C‑629/10, EU:C:2012:657, n.o 38).

24      Num processo como o que está em causa no processo principal, coloca‑se assim a questão de saber se o direito a indemnização de que são titulares os passageiros dos voos atrasados, evocado no número anterior, também pode ser invocado pelos passageiros que, na sequência do cancelamento do seu voo, pelo qual foram indemnizados, aceitaram um voo de reencaminhamento proposto pela transportadora aérea, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004, e chegaram ao seu destino final com um atraso igual ou superior a três horas em relação à hora de chegada programada pela transportadora aérea para esse voo de reencaminhamento.

25      A este respeito, deve salientar‑se que o artigo 3.o do Regulamento n.o 261/2004, que determina o seu âmbito de aplicação, estabelece, no n.o 2, que o referido regulamento se aplica aos passageiros que tenham uma reserva confirmada para o voo em questão ou tenham sido transferidos por uma transportadora aérea ou um operador turístico do voo para o qual tinham reserva para outro voo, independentemente do motivo.

26      Decorre desta disposição que o Regulamento n.o 261/2004 é nomeadamente aplicável a uma situação em que um passageiro tenha sido transferido pela transportadora aérea, na sequência do cancelamento do seu voo reservado, para um voo de reencaminhamento para o seu destino final.

27      Ora, deve concluir‑se que o Regulamento n.o 261/2004 não contém nenhuma disposição destinada a limitar os direitos dos passageiros que se encontrem em situação de reencaminhamento, como a que está em causa no processo principal, incluindo uma eventual limitação do seu direito a indemnização.

28      Daqui resulta que, por força da jurisprudência referida no n.o 23 do presente acórdão, o passageiro que, após ter aceitado o voo de reencaminhamento proposto pela transportadora aérea na sequência do cancelamento do seu voo, chegou ao seu destino final com um atraso igual ou superior a três horas em relação à hora de chegada inicialmente programada por essa transportadora aérea para o voo de reencaminhamento beneficia do direito a indemnização.

29      Esta interpretação é corroborada, em especial, por duas outras considerações.

30      Por um lado, resulta do considerando 2 do Regulamento n.o 261/2004 que este visa obviar aos sérios transtornos e inconvenientes que resultam das recusas de embarque, do cancelamento ou do atraso considerável dos voos.

31      Ora, passageiros expostos a cancelamentos ou a atrasos consideráveis, como os que estão em causa no processo principal, sofreram tais transtornos, tanto em relação ao cancelamento do voo inicialmente reservado como posteriormente, em razão do atraso considerável do seu voo de reencaminhamento. Por conseguinte, afigura‑se conforme com o objetivo de solucionar esses sérios transtornos conceder a esses passageiros um direito a indemnização por cada um dos inconvenientes sucessivos.

32      Por outro lado, se, nessa situação, a transportadora aérea não estivesse sujeita à obrigação de indemnizar os passageiros em causa nas condições previstas, a violação do seu dever de assistência imposto pelo artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 não teria consequências. Na medida em que a obrigação de indemnização tem indiscutivelmente um efeito de incentivo sobre a referida transportadora quanto à concretização efetiva dessa assistência, a falta de tais consequências comprometeria o respeito pelo direito ao reencaminhamento dos passageiros, o que seria contrário ao objetivo de proteção elevada enunciado no considerando 1 deste regulamento.

33      Tendo em conta as considerações precedentes, deve responder‑se à primeira questão que o Regulamento n.o 261/2004, nomeadamente, o seu artigo 7.o, n.o 1, deve ser interpretado no sentido de que um passageiro aéreo que beneficiou de uma indemnização pelo cancelamento de um voo e aceitou o voo de reencaminhamento que lhe foi proposto tem direito a que lhe seja concedida uma indemnização pelo atraso do voo de reencaminhamento, quando esse atraso atinge um número de horas que dá direito a indemnização e a transportadora aérea do voo de reencaminhamento é a mesma que a do voo cancelado.

 Quanto à segunda questão

34      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que, para se exonerar da sua obrigação de indemnizar, uma transportadora aérea pode invocar «circunstâncias extraordinárias», na aceção desta disposição, relativas à falha de uma peça denominada «on condition», a saber, uma peça que só é substituída em caso de falha da peça precedente, quando a transportadora aérea tenha sempre uma peça de substituição em armazém.

35      A título preliminar, importa salientar que, como foi recordado no n.o 11 das Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2018, C 257, p. 1), ainda que, para proferir a sua decisão, o Tribunal de Justiça tome necessariamente em consideração o quadro jurídico e factual do litígio no processo principal, tal como foi definido pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial, o próprio Tribunal de Justiça não aplica o direito da União a esse litígio. Quando se pronuncia sobre a interpretação ou sobre a validade do direito da União, o Tribunal de Justiça procura dar uma resposta útil para a solução do litígio no processo principal, mas é ao órgão jurisdicional de reenvio que cabe retirar as respetivas consequências concretas.

36      É à luz destas recomendações que o Tribunal de Justiça se esforçará por fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio os elementos úteis para a resolução do litígio que lhe foi submetido.

37      A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, lido à luz dos seus considerandos 14 e 15, em derrogação das disposições do n.o 1 do mesmo artigo, a transportadora aérea não é obrigada a indemnizar os passageiros nos termos do artigo 7.o deste regulamento se puder provar que o cancelamento ou o atraso do voo igual ou superior a três horas à chegada se ficou a dever a «circunstâncias extraordinárias» que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis ou, no caso de ocorrência dessa circunstância, que adotou as medidas adaptadas à situação, mobilizando todos os recursos humanos, materiais e financeiros de que dispunha, a fim de evitar que esta conduzisse ao cancelamento ou ao atraso considerável do voo em causa (Acórdão de 26 de junho de 2019, Moens, C‑159/18, EU:C:2019:535, n.o 15 e jurisprudência referida).

38      Segundo jurisprudência constante, podem ser qualificados de «circunstâncias extraordinárias», na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, os eventos que, devido à sua natureza ou à sua origem, não são inerentes ao exercício normal da atividade da transportadora aérea em causa e escapam ao controlo efetivo desta, sendo cumulativos estes dois requisitos (Acórdãos de 4 de abril de 2019, Germanwings, C‑501/17, EU:C:2019:288, n.o 20; e de 26 de junho de 2019, Moens, C‑159/18, EU:C:2019:535, n.o 16).

39      Dito isto, as falhas técnicas inerentes à manutenção das aeronaves não podem, em princípio, constituir, enquanto tais, «circunstâncias extraordinárias» na aceção do artigo 5.o, n.o 3, deste regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Wallentin‑Hermann, C‑549/07, EU:C:2008:771, n.o 25).

40      Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que as transportadoras aéreas são regularmente confrontadas com essas falhas, tendo em conta as condições específicas em que é efetuado o transporte aéreo e o grau de sofisticação tecnológica das aeronaves (Acórdão de 4 de abril de 2019, Germanwings, C‑501/17, EU:C:2019:288, n.o 22 e jurisprudência referida).

41      Mais concretamente, não constitui uma circunstância extraordinária a falha prematura, mesmo que inesperada, de certas peças de uma aeronave, uma vez que se trata, em princípio, de um acontecimento intrinsecamente ligado ao sistema de funcionamento do aparelho (v., neste sentido, Acórdão de 4 de abril de 2019, Germanwings, C‑501/17, EU:C:2019:288, n.o 21 e jurisprudência referida).

42      Ora, afigura‑se que a falha numa peça denominada «on condition», como a que está em causa no processo principal, que a transportadora aérea se preparou para mudar tendo sempre uma peça de substituição em armazém, constitui, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 38 do presente acórdão, um evento que, devido à sua natureza ou à sua origem, é inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea em causa e não escapa ao controlo efetivo desta, a menos que essa falha não esteja intrinsecamente ligada ao sistema de funcionamento do aparelho, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

43      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que, para se exonerar da sua obrigação de indemnizar, uma transportadora aérea não pode invocar «circunstâncias extraordinárias», na aceção desta disposição, relativas à falha de uma peça denominada «on condition», a saber, uma peça que só é substituída em caso de falha da peça precedente, mesmo que tenha sempre uma peça de substituição em armazém, exceto no caso de, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, essa falha constituir um evento que, devido à sua natureza ou à sua origem, não é inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea em causa e escapa ao controlo efetivo desta, considerando‑se, todavia, que, na medida em que essa falha está, em princípio, intrinsecamente ligada ao sistema de funcionamento do aparelho, não deve ser entendida como constitutiva desse evento.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

1)      O Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91, nomeadamente o seu artigo 7.o, n.o 1, deve ser interpretado no sentido de que um passageiro aéreo que beneficiou de uma indemnização pelo cancelamento de um voo e aceitou o voo de reencaminhamento que lhe foi proposto tem direito a que lhe seja concedida uma indemnização pelo atraso do voo de reencaminhamento, quando esse atraso atinge um número de horas que dá direito a indemnização e a transportadora aérea do voo de reencaminhamento é a mesma que a do voo cancelado.

2)      O artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que, para se exonerar da sua obrigação de indemnizar, uma transportadora aérea não pode invocar «circunstâncias extraordinárias», na aceção desta disposição, relativas à falha de uma peça denominada «on condition», a saber, uma peça que só é substituída em caso de falha da peça precedente, mesmo que tenha sempre uma peça de substituição em armazém, exceto no caso de, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, essa falha constituir um evento que, devido à sua natureza ou à sua origem, não é inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea em causa e escapa ao controlo efetivo desta, considerandose, todavia, que, na medida em que essa falha está, em princípio, intrinsecamente ligada ao sistema de funcionamento do aparelho, não deve ser entendida como constitutiva desse evento.

Assinaturas


*      Língua do processo: finlandês.