ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

21 de janeiro de 2021 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acesso aos documentos das instituições da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Artigo 10.o — Recusa de acesso — Recurso no Tribunal Geral da União Europeia de uma decisão do Parlamento Europeu que recusa o acesso a um documento — Divulgação do documento anotado por um terceiro posteriormente à interposição do recurso — Não conhecimento do mérito, pronunciado pelo Tribunal Geral em razão da perda do interesse em agir — Erro de direito»

No processo C‑761/18 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 3 de dezembro de 2018,

Päivi LeinoSandberg, residente em Helsínquia (Finlândia), representada por O. W. Brouwer e B. A. Verheijen, advocaten, e por S. Schubert, Rechtsanwalt,

recorrente,

apoiada por:

República da Finlândia, representada por M. Pere, na qualidade de agente,

Reino da Suécia, representado inicialmente por A. Falk, C. Meyer‑Seitz, H. Shev, J. Lundberg e H. Eklinder e, em seguida, por C. Meyer‑Seitz, H. Shev e H. Eklinder, na qualidade de agentes,

intervenientes no presente recurso,

sendo a outra parte no processo:

Parlamento Europeu, representado por C. Burgos, I. Anagnostopoulou e L. Vétillard, na qualidade de agentes,

recorrido em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, M. Ilešič, E. Juhász, C. Lycourgos e I. Jarukaitis (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de julho de 2020,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso de decisão do Tribunal Geral, Päivi Leino‑Sandberg pede a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 20 de setembro de 2018, Leino‑Sandberg/Parlamento (T‑421/17, não publicado, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2018:628), pelo qual este declarou que não havia que decidir do seu recurso destinado a obter a anulação da Decisão do Parlamento Europeu A(2016) 15112, de 3 de abril de 2017 (a seguir «decisão controvertida»), que recusou conceder‑lhe acesso à Decisão A(2015) 4931 do Parlamento, de 8 de julho de 2015, dirigida a Emilio De Capitani.

 Antecedentes do litígio

2        A recorrente, professora de direito internacional e de direito europeu na University of Eastern Finland (Universidade da Finlândia Oriental), apresentou ao Parlamento, no âmbito de dois projetos de investigação relativos à transparência nos trílogos, um pedido de acesso a documentos desta instituição. Neste contexto, pediu especificamente para ter acesso à Decisão A(2015) 4931 do Parlamento Europeu, de 8 de julho de 2015, que recusou conceder a E. De Capitani acesso integral aos documentos LIBE‑2013‑0091‑02 e LIBE‑2013‑0091‑03 [a seguir «Decisão A(2015) 4931» ou «documento pedido»]. Através desta decisão, o Parlamento recusou, em substância, a E. De Capitani o acesso à quarta coluna de duas tabelas elaboradas no âmbito de trílogos então em curso.

3        A referida decisão foi objeto de um recurso de anulação interposto por E. De Capitani, registado na secretaria do Tribunal Geral em 18 de setembro de 2015 sob o número de processo T‑540/15. Entretanto, E. De Capitani tornou este documento público ao colocá‑lo em linha num blogue (a seguir «documento controvertido»).

4        Através da decisão controvertida o Parlamento recusou à recorrente acesso ao documento pedido, com o fundamento de que, uma vez que este é contestado pelo seu destinatário no Tribunal Geral e que o processo está em curso, a sua divulgação poderia prejudicar a proteção dos processos judiciais consagrada no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).

5        Por Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento (T‑540/15, EU:T:2018:167), o Tribunal Geral anulou a Decisão A(2015) 4931.

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e despacho recorrido

6        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de julho de 2017, a recorrente interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida. A República da Finlândia e o Reino da Suécia pediram para intervir no processo em apoio dos pedidos da recorrente.

7        Em 14 de novembro de 2017, o Tribunal Geral, através de uma medida de organização do processo adotada ao abrigo do artigo 89.o do seu Regulamento de Processo, perguntou à recorrente, nomeadamente, se considerava ter tido satisfação, uma vez que lhe era permitido consultar o documento controvertido na Internet. Em 27 de março de 2018, por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral ao abrigo do artigo 130.o, n.o 2, desse Regulamento de Processo, o Parlamento apresentou um pedido de não conhecimento do mérito.

8        Em 20 de abril de 2018, a recorrente apresentou na Secretaria do Tribunal Geral as suas observações sobre o pedido de não conhecimento do mérito, solicitando ao Tribunal Geral que indeferisse esse pedido.

9        No despacho recorrido, o Tribunal Geral declarou que já não havia que decidir do recurso da recorrente, uma vez que, na sequência da divulgação do documento controvertido na Internet, o referido recurso tinha deixado de ter objeto. O Tribunal Geral excluiu a aplicação da jurisprudência segundo a qual um recorrente pode conservar um interesse em pedir a anulação de um ato de uma instituição da União para evitar que a ilegalidade de que este pretensamente padece se reproduza no futuro. Segundo o Tribunal Geral, a recusa do Parlamento era específica ao processo e tinha natureza ad hoc.

 Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

10      Com o seu recurso, a recorrente pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o despacho recorrido;

–        decidir definitivamente o litígio;

–        condenar o Parlamento nas despesas, e

–        condenar os intervenientes a suportar as suas despesas.

11      A República da Finlândia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o despacho recorrido e

–        remeter o processo ao Tribunal Geral para reapreciação.

12      O Reino da Suécia conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o despacho recorrido e

–        decidir definitivamente o litígio.

13      O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao recurso e

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto ao recurso

14      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca dois fundamentos. Com o seu primeiro fundamento, censura o Tribunal Geral por ter concluído que o recurso tinha deixado de ter objeto e que já não havia que decidir do recurso. Com o seu segundo fundamento, a recorrente critica o Tribunal Geral por ter declarado que a publicação do documento controvertido por um terceiro tinha acarretado a perda do seu interesse em agir.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentação das partes

15      Com o seu primeiro fundamento, que contém duas alegações, a recorrente sustenta, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a publicação do documento controvertido na Internet pelo seu destinatário tinha deixado o recurso em primeira instância sem objeto.

16      A recorrente sustenta, por um lado, que o Tribunal Geral violou o princípio decorrente do Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660), segundo o qual um litígio conserva o seu objeto quando, apesar da publicação dos documentos pedidos, a instituição que tinha inicialmente recusado o acesso a esses documentos não revoga a sua decisão. Ora, no caso vertente, o Parlamento não revogou a decisão controvertida.

17      Por outro lado, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter aplicado um critério demasiado estrito e incorreto ao limitar‑se a averiguar se a recorrente podia «de maneira totalmente legal» utilizar o documento controvertido na sequência da sua publicação por E. De Capitani no seu blogue. Com efeito, e uma vez que o próprio E. De Capitani indicou que a versão publicada do documento pedido era «uma versão [em que tinha sublinhado passagens e inserido comentários]», a recorrente sublinha que a sua qualidade de investigadora vinculada ao respeito das normas universitárias de qualidade, objetividade e ética a obriga a utilizar apenas informações obtidas de fontes autênticas. Por outro lado, não resulta do objeto do Regulamento n.o 1049/2001 que este deva ser interpretado no sentido de que a publicação de um documento por um terceiro pode substituir o acesso público concedido pela instituição em causa ao abrigo deste regulamento.

18      Os Governos finlandês e sueco apoiam a argumentação da recorrente e consideram que o recurso não deixou de ter objeto.

19      Em particular, o Governo finlandês observa que, tanto quanto é do seu conhecimento, o Tribunal de Justiça nunca considerou que a divulgação de um documento por um terceiro seja relevante para efeitos de apreciar se o interesse de um recorrente perdura num processo relativo à aplicação do Regulamento n.o 1049/2001. Este governo alega, além disso, que as situações em causa nos processos que deram origem ao Despacho de 11 de dezembro de 2006, Weber/Comissão (T‑290/05, não publicado, EU:T:2006:381), e aos Acórdãos de 3 de outubro de 2012, Jurašinović/Conselho (T‑63/10, EU:T:2012:516), e de 15 de outubro de 2013, European Dynamics Belgium e o./EMA (T‑638/11, não publicado, EU:T:2013:530), aos quais o Tribunal Geral se referiu no n.o 27 do despacho recorrido, são distintas da situação em causa no caso vertente.

20      Por seu turno, o Parlamento pede que o primeiro fundamento do recurso seja julgado improcedente.

21      Por um lado, o Parlamento sublinha que os factos subjacentes ao presente processo e os que deram origem ao Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660), são diferentes e que o raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão não pode ser transposto para o presente processo. Segundo o Parlamento, o único ponto em comum entre o referido acórdão e o presente processo é o facto de a instituição em causa não ter revogado a decisão controvertida.

22      Por outro lado, o Parlamento alega que o argumento relativo às normas de qualidade e à impossibilidade de uma universitária se fiar em pesquisas na Internet não foi suscitado no Tribunal Geral. Segundo o Parlamento, trata‑se, portanto, de um fundamento novo que alarga o objeto do litígio e que, por conseguinte, deve ser julgado inadmissível.

23      Além disso, o Parlamento observa que o Tribunal Geral não declarou que, nem sequer examinou se, a publicação do documento controvertido por E. De Capitani era validamente suscetível de substituir o acesso público, tendo unicamente apreciado se a recorrente o podia utilizar de maneira totalmente legal para efeitos do seu trabalho universitário.

24      Ademais, no que se refere à afirmação do Governo finlandês segundo a qual a recorrente não podia ter certeza absoluta quanto à legitimidade da publicação e da utilização do documento controvertido, o Parlamento alega que esta nunca manifestou dúvidas quanto ao facto de E. De Capitani, destinatário do documento pedido, ser efetivamente a pessoa que publicou o documento controvertido. O Parlamento considera que não há nenhuma dúvida quanto a este ponto.

25      Por último, o Parlamento sublinha que, contrariamente ao que sugere o Governo finlandês, resulta da jurisprudência citada no despacho recorrido que o Tribunal Geral definiu um critério geral ao declarar que um recurso de anulação de uma decisão de recusa de acesso a documentos deixa de ter objeto no caso de esses documentos terem sido tornados acessíveis por um terceiro, podendo o requerente aceder efetivamente aos referidos documentos e utilizá‑los de maneira tão legal como se os tivesse obtido no seguimento de um pedido de acesso apresentado ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

26      Com o seu primeiro fundamento, a recorrente, apoiada pelos Governos finlandês e sueco, alega, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que o recurso tinha ficado sem objeto. Por um lado, numa primeira alegação, sustenta que, não tendo o Parlamento revogado a decisão controvertida, o recurso conservava o seu objeto. Por outro, numa segunda acusação, sustenta que o Tribunal Geral aplicou um critério demasiado estrito e incorreto ao limitar‑se a averiguar se a recorrente podia legalmente utilizar o documento controvertido na sequência da sua divulgação por um terceiro na Internet, numa versão anotada e sublinhada, apesar de a sua qualidade de investigadora universitária lhe impor que só utilize informações obtidas de fontes autênticas.

27      No que respeita à exceção de inadmissibilidade, exposta no n.o 22 do presente acórdão, relativa ao facto de a segunda acusação não ter sido suscitada no Tribunal Geral, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, permitir a uma parte suscitar no Tribunal de Justiça, pela primeira vez, um fundamento que não suscitou no Tribunal Geral equivaleria a permitir‑lhe submeter ao Tribunal de Justiça um litígio mais amplo do que aquele que foi submetido ao Tribunal Geral. No âmbito de um recurso, a competência do Tribunal de Justiça está, em princípio, limitada ao exame da apreciação, pelo Tribunal Geral, dos fundamentos que foram perante ele debatidos. Todavia, um argumento não invocado em primeira instância não constitui um fundamento novo que seja inadmissível na fase do recurso se constituir apenas a ampliação de uma argumentação já desenvolvida no âmbito de um fundamento apresentado na petição inicial no Tribunal Geral (Acórdão de 10 de abril de 2014, Areva e o./Comissão, C‑247/11 P e C‑253/11 P, EU:C:2014:257, n.os 113 e 114 e jurisprudência referida).

28      No caso vertente, há que salientar que a recorrente alegou, em substância, no n.o 3 das suas observações sobre o pedido de não conhecimento do mérito apresentado no Tribunal Geral, que não se pode considerar que um documento foi objeto de «publicação» enquanto tal quando foi divulgado na Internet por um particular, uma vez que essa divulgação não é comparável ao acesso concedido a esse documento pela instituição ou à sua publicação por essa instituição.

29      Portanto, e apesar de a recorrente não ter expressamente referido, em primeira instância, que a sua qualidade de investigadora vinculada ao respeito das normas universitárias de qualidade e de objetividade lhe impõe que só utilize informações obtidas de fontes autênticas, a segunda acusação, relativa à circunstância de o Tribunal Geral ter aplicado um critério demasiado estrito e incorreto ao basear‑se no facto de a recorrente poder legalmente utilizar o documento controvertido na sequência da sua publicação por um terceiro, é a ampliação da argumentação que desenvolveu no Tribunal Geral.

30      Nestas condições, a segunda acusação do primeiro fundamento é admissível.

31      No que respeita ao mérito do primeiro fundamento, importa recordar que, no n.o 27 do despacho recorrido, o Tribunal Geral recordou a sua jurisprudência segundo a qual «um recurso de anulação de uma decisão de recusa de acesso a documentos deixa de ter objeto quando os documentos em questão foram tornados acessíveis por um terceiro, podendo o requerente aceder a esses documentos e utilizá‑los de maneira tão legal como se os tivesse obtido no seguimento do seu pedido de acesso apresentado ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001». Além disso, no n.o 28 desse despacho, o Tribunal Geral constatou que esta jurisprudência se aplicava a fortiori no presente processo, «uma vez que o próprio destinatário do documento [tinha tornado] acessível uma versão integral do documento [controvertido], pelo que não [havia] dúvida de que a recorrente [podia] utilizá‑lo de maneira totalmente legal para efeitos do seu trabalho universitário».

32      Importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o interesse em agir de um recorrente deve existir, tendo em conta o objeto do recurso, no momento da sua interposição, sob pena de este ser julgado inadmissível. Este objeto do litígio deve perdurar, tal como o interesse em agir, até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de o Tribunal Geral não conhecer do mérito da causa, o que pressupõe que o recurso possa, pelo seu resultado, proporcionar um benefício à parte que o interpôs (Acórdãos de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão, C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 61; de 23 de novembro de 2017, Bionorica e Diapharm/Comissão, C‑596/15 P e C‑597/15 P, EU:C:2017:886, n.os 84 e 85; de 6 de setembro de 2018, Bank Mellat/Conselho, C‑430/16 P, EU:C:2018:668, n.o 50; e de 17 de outubro de 2019, Alcogroup e Alcodis/Comissão, C‑403/18 P, EU:C:2019:870, n.o 24).

33      No caso vertente, importa constatar que, mesmo que o documento controvertido tenha sido divulgado por um terceiro, a decisão controvertida não foi formalmente revogada pelo Parlamento, pelo que, contrariamente ao que declarou o Tribunal Geral, nomeadamente nos n.os 27 e 28 do despacho recorrido, o litígio manteve o seu objeto (v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 45 e jurisprudência referida).

34      Por conseguinte, para verificar se o Tribunal Geral devia ter decidido quanto ao mérito do recurso, há que examinar, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 32 do presente acórdão, se a recorrente ainda podia invocar, apesar dessa divulgação, um interesse em agir, o que implica determinar se a recorrente obteve, através da referida divulgação, plena satisfação face aos objetivos que prosseguia com o seu pedido de acesso ao documento em causa (v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 47).

35      A título preliminar, há que salientar que, embora seja verdade que o interesse em agir, que deve perdurar até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de não conhecimento do mérito da causa, constitui um requisito processual independente do direito material aplicável ao mérito de um litígio, este não se pode, contudo, dissociar desse direito, sendo a existência do interesse em agir apreciada à luz do pedido material formulado na petição inicial.

36      A este respeito, há que recordar que, em conformidade com o seu considerando 1, o Regulamento n.o 1049/2001 se inscreve na vontade do legislador da União, expressa no artigo 1.o, segundo parágrafo, TUE, de assinalar uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões serão tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos (Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 73 e jurisprudência referida).

37      Este objetivo fundamental da União está igualmente repercutido, por um lado, no artigo 15.o, n.o 1, TFUE, que prevê, nomeadamente, que as instituições, os órgãos e os organismos da União se pautam, na sua atuação, pelo maior respeito possível do princípio da abertura, princípio igualmente reafirmado no artigo 10.o, n.o 3, TUE e no artigo 298.o, n.o 1, TFUE, e, por outro, na consagração do direito de acesso aos documentos no artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 74 e jurisprudência referida).

38      Nesta perspetiva, o Regulamento n.o 1049/2001 visa, como indicam o seu considerando 4 e o seu artigo 1.o, conferir ao público um direito de acesso aos documentos das instituições que seja o mais amplo possível (Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 33).

39      Para este efeito, o artigo 2.o do Regulamento n.o 1049/2001 prevê, no seu n.o 1, que «[t]odos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos no presente regulamento» e acrescenta, no seu n.o 4, que, «[s]em prejuízo do estabelecido nos artigos 4.o e 9.o [desse regulamento], os documentos serão acessíveis ao público, quer mediante pedido por escrito, quer diretamente por via eletrónica ou através de um registo».

40      Assim, este regulamento estabelece, por um lado, o direito, em princípio, de qualquer pessoa a aceder aos documentos de uma instituição e, por outro, a obrigação, por princípio, de uma instituição conceder acesso aos seus documentos.

41      O artigo 4.o do referido regulamento enumera taxativamente as exceções ao direito de acesso aos documentos das instituições com base nas quais estas últimas podem recusar o acesso a um documento, a fim de evitar que a sua divulgação possa prejudicar um dos interesses protegidos por este artigo 4.o (v., neste sentido, Acórdão de 28 de novembro de 2013, Jurašinović/Conselho, C‑576/12 P, EU:C:2013:777, n.o 44 e jurisprudência referida).

42      Quanto ao artigo 10.o desse mesmo regulamento, que tem por objeto as modalidades de acesso aos documentos na sequência de um pedido, este prevê, no seu n.o 1, que esse acesso «pode ser exercido, quer mediante consulta in loco, quer mediante emissão de uma cópia, incluindo, quando exista, uma cópia eletrónica, segundo a preferência do requerente».

43      Além disso, importa observar que o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001 prevê que «[a instituição] poderá cumprir a sua obrigação de possibilitar o acesso aos documentos informando o requerente sobre a forma de obter o documento solicitado», mas apenas «[s]e um documento já tiver sido divulgado pela instituição em causa, e for facilmente acessível pelo requerente».

44      Assim, ao informar o requerente sobre os meios para obter um documento solicitado, que já foi divulgado pela instituição em causa, esta cumpre a sua obrigação de possibilitar o acesso a esse documento como se ela própria o tivesse comunicado diretamente ao requerente. Tal informação constitui, de facto, um pré‑requisito essencial para confirmar o caráter exaustivo, a integridade e a utilização legal do documento pedido.

45      Em contrapartida, não se pode considerar que a instituição em causa cumpriu a sua obrigação de possibilitar acesso a um documento pelo simples facto de esse documento ter sido divulgado por um terceiro e de o requerente dele ter tomado conhecimento.

46      Com efeito, contrariamente à situação em que a própria instituição em causa divulgou um documento, permitindo assim ao requerente tomar conhecimento desse documento e utilizá‑lo de forma lícita e estar seguro quanto ao caráter exaustivo e à integridade desse documento, não se pode considerar que um documento divulgado por um terceiro constitui um documento oficial ou que exprima a posição oficial de uma instituição caso inexista uma aprovação unívoca dessa instituição segundo a qual o que foi expresso provém efetivamente dessa instituição e exprime a sua posição oficial.

47      Se a posição defendida pelo Parlamento e adotada pelo Tribunal Geral fosse acolhida, uma instituição ficaria exonerada da sua obrigação de conceder acesso ao documento pedido, mesmo que nenhum dos requisitos que lhe permitem escapar a essa obrigação, previstos no Regulamento n.o 1049/2001, estivesse preenchido.

48      Como tal, numa situação como a do caso vertente, em que a recorrente obteve unicamente acesso ao documento controvertido divulgado por um terceiro e em que o Parlamento lhe continua a recusar o acesso ao documento pedido, não se pode considerar que a recorrente obteve acesso a este documento, na aceção do Regulamento n.o 1049/2001, nem, portanto, que perdeu o interesse em pedir a anulação da decisão controvertida apenas devido a essa divulgação. Pelo contrário, nessa situação, a recorrente conserva um interesse real em obter o acesso a uma versão autenticada do documento pedido, na aceção do artigo 10.o, n.os 1 e 2, deste regulamento, que garanta que essa instituição é o seu autor e que esse documento expressa a posição oficial desta.

49      Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 27 e 28 do despacho recorrido, ao ter equiparado a divulgação de um documento por um terceiro à divulgação pela instituição em causa do documento pedido, na aceção do Regulamento n.o 1049/2001, e ao ter deduzido, no n.o 37 desse despacho, que já não havia que conhecer do mérito do recurso da recorrente pelo facto de, tendo o documento sido divulgado por um terceiro, a recorrente poder aceder a este e utilizá‑lo de forma tão legal como se o tivesse obtido na sequência da resposta a um pedido apresentado ao abrigo desse regulamento.

50      Resulta do exposto que há que julgar procedente o primeiro fundamento do recurso e anular o despacho recorrido, sem que seja necessário examinar os outros argumentos deste fundamento nem o segundo fundamento do recurso.

 Quanto ao recurso no Tribunal Geral

51      Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral para julgamento.

52      No caso vertente, uma vez que o Tribunal Geral deu provimento ao pedido de não conhecimento do mérito apresentado pelo Parlamento sem ter examinado o recurso da recorrente quanto ao mérito, o Tribunal de Justiça considera que o litígio não está em condições de ser julgado. Por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal Geral.

 Quanto às despesas

53      Sendo o processo remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

1)      O Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 20 de setembro de 2018, LeinoSandberg/Parlamento (T421/17, não publicado, EU:T:2018:628) é anulado.

2)      O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

3)      Reservase para final a decisão quanto às despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.