ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

11 de Setembro de 2001 (1)

«Incumprimento de Estado - Directiva 92/43/CEE - Preservação dos habitats naturais - Conservação da fauna e da flora selvagens - Artigo 4.°, n.° 1 - Lista de sítios - Informações relativas aos sítios»

No processo C-220/99,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. Stancanelli e O. Couvert-Castéra, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Francesa, representada por K. Rispal-Bellanger e D. Colas, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao não transmitir à Comissão a lista completa dos sítios mencionada no primeiro parágrafo do n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7), e as informações relativas a esses sítios, em conformidade com o segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 4.° da mesma directiva, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida directiva,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: C. Gulmann (relator), presidente de secção, V. Skouris, R. Schintgen, F. Macken e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: P. Léger,


secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 18 de Janeiro de 2001,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 3 de Maio de 2001,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de Junho de 1999, a Comissão das Comunidades Europeias propôs, nos termos do artigo 226.° CE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao não transmitir à Comissão a lista completa dos sítios mencionada no primeiro parágrafo do n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7, a seguir «directiva»), e as informações relativas a esses sítios, em conformidade com o segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 4.° da mesma directiva, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida directiva.

O direito comunitário

2.
    A directiva, segundo o seu artigo 2.°, tem por objectivo contribuir para assegurar a biodiversidade através da preservação dos habitats naturais bem como da fauna e daflora selvagens no território europeu dos Estados-Membros em que o Tratado CE é aplicável.

3.
    O artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Directiva dispõe:

«1. É criada uma rede ecológica europeia coerente de zonas especiais de preservação denominada 'Natura 2000‘. Esta rede, formada por sítios que alojam tipos de habitats naturais constantes do anexo I e habitats das espécies constantes do anexo II, deve assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa num estado de conservação favorável na sua área de repartição natural.

A rede Natura 2000 compreende também as zonas de protecção especial designadas pelos Estados-Membros nos termos da Directiva 79/409/CEE.

2. Cada Estado-Membro contribuirá para a constituição da rede Natura 2000 em função da representação no seu território dos tipos de habitats naturais e dos habitats das espécies a que se refere o n.° 1. Cada Estado-Membro designará para o efeito, nos termos do disposto no artigo 4.°, sítios como zonas especiais de conservação, tendo em conta os objectivos constantes do n.° 1.»

4.
    Nos termos do artigo 1.°, alínea j), da directiva, entende-se por «sítio» uma zona geograficamente definida, cuja superfície se encontra claramente delimitada. Segundo o artigo 1.°, alínea k), da directiva, entende-se por «sítio de importância comunitária» um sítio que, na ou nas regiões biogeográficas a que pertence, contribua de forma significativa para manter ou restabelecer um tipo de habitat natural do anexo I ou uma espécie do anexo II, num estado de conservação favorável, e possa também contribuir de forma significativa para a coerência da rede Natura 2000, e/ou contribua de forma significativa para manter a diversidade biológica na região ou regiões biogeográficas envolvidas. Para as espécies animais que ocupem zonas extensas, os sítios de importância comunitária correspondem a locais, dentro da área de repartição natural dessas espécies, que apresentem características físicas ou biológicas essenciais para a sua vida e reprodução.

5.
    O procedimento de designação das zonas especiais de conservação (a seguir «ZEC»), fixado no artigo 4.° da directiva, desenrola-se em quatro fases. Em primeiro lugar, cada Estado-Membro proporá uma lista de sítios, indicando os tipos de habitats naturais do anexo I e as espécies indígenas do anexo II da directiva que tais sítios alojam (artigo 4.°, n.° 1). Em segundo lugar, a Comissão elaborará, em concertação com cada Estado-Membro e a partir das listas dos Estados-Membros, um projecto de lista dos sítios de importância comunitária (artigo 4.°, n.° 2, primeiro e segundo parágrafos). Em terceiro lugar, a lista dos sítios seleccionados como de importância comunitária será elaborada pela Comissão segundo o procedimento a que se refere o artigo 21.° da directiva (artigo 4.°, n.os 2, terceiro parágrafo, e 3). Em quarto lugar,os Estados-Membros designarão os sítios de importância comunitária como ZEC (artigo 4.°, n.° 4).

6.
    No que respeita, mais particularmente, à primeira fase, o artigo 4.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da directiva dispõe que os Estados-Membros proporão a lista de sítios aí mencionada com base nos critérios estabelecidos no anexo III (fase 1) da directiva e nas informações científicas pertinentes.

7.
    O anexo III (fase 1), pontos A e B, da directiva enumera os seguintes critérios:

«A.    Critérios de avaliação do local para um determinado tipo de habitat natural do anexo I

    a)    Grau de representatividade do tipo de habitat natural para o local.

    b)    Superfície do local coberta pelo tipo de habitat natural relativamente à superfície total coberta por esse tipo de habitat natural no território nacional.

    c)    Grau de conservação da estrutura e das funções do tipo de habitat natural em questão e possibilidade de restauro.

    d)    Avaliação global do valor do local para a conservação do tipo de habitat natural em questão.

B.    Critérios de avaliação do local para uma espécie determinada do anexo II

    a)    Extensão e densidade da população da espécie presente no local relativamente às populações presentes no território nacional.

    b)    Grau de conservação dos elementos do habitat importantes para a espécie considerada e possibilidade de restauro.

    c)    Grau de isolamento da população presente no local relativamente à área de repartição natural da espécie.

    d)    Avaliação global do valor do local para a conservação da espécie considerada.»

8.
    Em conformidade com o anexo III (fase 1), ponto C, da directiva, os Estados-Membros procederão à classificação, segundo critérios que figuram no anexo III (fase 1), pontos A e B, dos sítios que eles propõem na lista nacional como sítios susceptíveis de ser identificados como locais de importância comunitária consoante o seu valor relativo para a conservação de cada tipo de habitat natural ou espécies constantes, respectivamente, dos anexos I ou II da directiva que lhes digam respeito.

9.
    Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, da directiva, a lista dos sítios propostos deve ser enviada à Comissão, nos três anos subsequentes à notificação da directiva, ao mesmo tempo que as informações relativas a cada sítio. Tais informações compreenderão um mapa do sítio, a sua denominação, localização e extensão, bem como os dados resultantes da aplicação dos critérios especificados no anexo III (fase 1), e serão fornecidas com base num formulário elaborado pela Comissão segundo o procedimento a que se refere o artigo 21.° da directiva (a seguir «formulário»).

10.
    Tendo a directiva sido notificada em 10 de Junho de 1992, os Estados-Membros deveriam ter enviado a lista dos sítios propostos e as informações relativas aos sítios à Comissão antes de 11 de Junho de 1995.

11.
    O formulário só foi aprovado pela Decisão 97/266/CE da Comissão, de 18 de Dezembro de 1996, relativa a um formulário para as informações sobre sítios para os sítios da rede Natura 2000 propostos (JO 1997, L 107, p. 1). Essa decisão foi notificada aos Estados-Membros em 19 de Dezembro de 1996 e foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 24 de Abril de 1997.

O procedimento pré-contencioso

12.
    Considerando que não tinha recebido das autoridades francesas nem a lista completa dos sítios que alojam os tipos de habitats naturais do anexo I e as espécies indígenas do anexo II da directiva nem as informações relativas a esses sítios, e na ausência de outros elementos de informação que lhe permitissem concluir que a República Francesa tinha tomado as disposições para dar cumprimento às obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.° da directiva, a Comissão, em 27 de Março de 1996, interpelou o Governo francês para apresentar as suas observações sobre esse assunto num prazo de dois meses.

13.
    Tendo em conta o facto de o formulário só ter estado disponível a partir de 19 de Dezembro de 1996, a Comissão dirigiu ao Governo francês, em 3 de Julho de 1997, uma carta de interpelação complementar pela qual o censurava de novo por não ter transmitido a lista completa dos sítios e as informações relativas a estes, e convidou-o a comunicar-lhe as suas observações a propósito desta infracção ao artigo 4.°, n.° 1, da directiva num prazo de um mês. A Comissão sublinhava, em particular, a necessidade de utilizar o formulário para a comunicação dos dados pertinentes.

14.
    Por carta de 21 de Outubro de 1997, as autoridades francesas comunicaram uma primeira lista de 74 sítios. Informações parciais relativas a esses sítios eram fornecidas apenas para 25 deles. Os outros 49 sítios eram mencionados unicamente pelo seu nome, sem menção da sua superfície nem dos tipos de habitats naturais ou das espécies indígenas que eles alojavam.

15.
    Considerando que a sua correspondência com as autoridades francesas não lhe permitia concluir que a República Francesa tivesse transmitido uma lista completa dos sítios que alojam os tipos de habitats naturais do anexo I e as espécies indígenas do anexo II da directiva, bem como as informações relativas a esses sítios, a Comissão, em 6 de Novembro de 1997, dirigiu a esse Estado-Membro um parecer fundamentado, convidando-o a conformar-se com esse parecer num prazo de dois meses a contar da sua notificação.

16.
    Por cartas de 9 de Dezembro de 1997, 22 e 26 de Janeiro, 12 de Fevereiro e 17 de Novembro de 1998, 21 e 28 de Janeiro e 18 de Fevereiro de 1999, as autoridades francesas transmitiram à Comissão listas de sítios que contêm 672 sítios que alojam tipos de habitats naturais que constam do anexo I e habitats das espécies que constam do anexo II da directiva e que representam uma superfície terrestre de 1 453 000 ha, bem como 381 formulários relativos a alguns desses sítios.

17.
    Considerando que essas comunicações não lhe permitiam concluir que a República Francesa tivesse posto fim à violação em causa, a Comissão decidiu chamar o Tribunal de Justiça para conhecer da presente acção.

Quanto à admissibilidade

18.
    O Governo francês sustenta que a parte da acção relativa, por um lado, ao número insuficiente de sítios propostos a respeito do número de sítios que merecem figurar na lista nacional e, por outro, com exclusão de sítios por razões não previstas pela directiva deve ser declarada inadmissível, em virtude de a Comissão não ter suscitado essas críticas no parecer fundamentado.

19.
    A este propósito, deve recordar-se que o objecto da acção intentada nos termos do artigo 226.° CE está circunscrito pelo procedimento pré-contencioso previsto por essa disposição e que, em consequência, o parecer fundamentado da Comissão e a acção devem basear-se em críticas idênticas (v., nomeadamente, acórdão de 16 de Setembro de 1997, Comissão/Itália, Colect., p. I-4743, n.° 24).

20.
    Porém, essa regra não constitui obstáculo a que a Comissão precise na sua petição as suas críticas iniciais, na condição, todavia, de que a Comissão não altere o objecto do litígio (v., neste sentido, acórdão de 6 de Abril de 2000, Comissão/França, C-256/98, Colect., p. I-2487, n.os 30 e 31).

21.
    Há que salientar que, no seu parecer fundamentado, a Comissão censurou a República Francesa por não ter transmitido nem a lista completa dos sítios susceptíveis de ser designados como ZEC nem as informações a eles atinentes, como previstas no artigo 4.°, n.° 1, primeiro e segundo parágrafos, da directiva. A esse propósito, a Comissão observou que a lista parcial transmitida pelas autoridades francesas em 21 de Outubro de 1997 não podia ser considerada como uma lista completa nem do ponto de vista geográfico nem no que diz respeito aos tipos de habitats naturais e aos habitats deespécies que deviam ser cobertos, e que as informações relativas aos sítios comunicadas não diziam respeito a todos os sítios em questão.

22.
    Na sua petição, a Comissão formulou as mesmas conclusões que no parecer fundamentado. Indicou, em primeiro lugar, que a República Francesa não tinha proposto qualquer sítio que se encontrasse em terrenos militares, mas precisou que, os terrenos, susceptíveis de figurar na rede Natura 2000 seriam posteriormente objecto de envio. Em segundo lugar, indicou que nenhum sítio tinha sido proposto para vários tipos de habitats naturais do anexo I e várias espécies indígenas do anexo II da directiva, todavia, presentes no território francês. Em terceiro lugar, salientou que a comparação das listas transmitidas com os dados científicos disponíveis respeitantes aos tipos de habitats naturais e às espécies indígenas presentes em França deixava transparecer que vários deles não figuravam nessas listas. A Comissão observou nomeadamente que, nas 1 695 zonas naturais de interesse ecológico recenseadas e classificadas segundo o seu valor no inventário científico nacional elaborado pelo Museu Nacional de História Natural sob a égide do Governo francês, este último decidiu excluir deles 319. Da mesma forma, alega que as autoridades francesas tiveram em conta critérios não mencionados na directiva para efectuar a selecção dos sítios e a exclusão de alguns deles.

23.
    Resulta do que precede que a Comissão, na sua petição, não alterou o objecto do litígio, mas limitou-se a ilustrar a crítica formulada no seu parecer fundamentado, relativa à não transmissão de uma lista de todos os sítios susceptíveis de ser designados como ZEC, fornecendo exemplos precisos das carências que apresentavam as listas já comunicadas pela República Francesa.

24.
    Por conseguinte, a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela República Francesa deve ser rejeitada.

Quanto ao mérito

Quanto ao primeiro argumento

25.
    No tocante à obrigação de transmitir a lista de sítios mencionada no artigo 4.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da directiva, a Comissão recorda que cada Estado-Membro contribuirá para a constituição de uma rede ecológica europeia coerente em função da existência, no seu território, dos tipos de habitats naturais e dos habitats das espécies que figuram, respectivamente, nos anexos I e II da directiva. As disposições conjugadas do artigo 4.°, n.° 1, e do anexo III da directiva mostram que os Estados-Membros dispõem de uma certa margem de apreciação para seleccionar os sítios a incluir na lista. No entanto, a Comissão sublinha que a margem de apreciação dos Estados-Membros é submetida ao respeito das seguintes três condições:

-    só critérios de carácter científico devem presidir à selecção dos sítios a propor;

-    os sítios propostos devem assegurar uma cobertura geográfica homogénea e representativa da totalidade do território de cada Estado-Membro, a fim de garantir a coerência e o equilíbrio da rede que daí resulta. A lista que propõe o Estado-Membro deve, portanto, reflectir a diversidade ecológica (e, no caso das espécies, genética) dos habitats naturais e das espécies presentes no seu território;

-    a lista deve ser completa, isto é, cada Estado-Membro deve propor um número de sítios que permita incluir de forma suficientemente representativa todos os tipos de habitats naturais do anexo I, bem como todos os habitats das espécies do anexo II da directiva existentes no seu território.

26.
    No que respeita à lista nacional francesa, a Comissão salienta que, à data da expiração do prazo fixado no parecer fundamentado, ou seja, em 6 de Janeiro de 1998, a República Francesa tinha-lhe transmitido uma lista de 535 sítios; que, na data da introdução da acção perante o Tribunal de Justiça, em 9 de Junho de 1999, essa lista tinha passado para 672 sítios, e que, na data da audiência, em 18 de Janeiro de 2001, a República Francesa tinha transmitido no total uma lista de 1 030 sítios.

27.
    A Comissão expõe que instaurou o presente processo com a finalidade de fazer declarar a insuficiência manifesta da lista nacional francesa, que excedia largamente a margem de apreciação deixada aos Estados-Membros. Com efeito, tal insuficiência seria evidente à luz da situação que existia no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado pois que, posteriormente, a República francesa quase duplicou o número de sítios propostos. Além disso, essa insuficiência existia ainda actualmente, apesar de incontestáveis progressos. A lista nacional francesa não era conforme com os critérios mencionados no artigo 4.°, n.° 1, lido em conjugação com o anexo III da directiva.

28.
    O Governo francês reconhece que, à data da expiração do prazo fixado no parecer fundamentado, não tinha comunicado a totalidade dos sítios que deviam figurar na lista de sítios mencionada no artigo 4.°, n. 1, primeiro parágrafo, da directiva.

29.
    No entanto, recorda que, à data da audiência, a lista nacional francesa continha no total 1 030 sítios que cobrem cerca de 5% do território francês. A Comissão não aduzira elementos de prova susceptíveis de demonstrar que essa lista de 1 030 sítios não satisfaz a obrigação prevista no artigo 4.°, n.° 1, da directiva. Com efeito, durante a primeira fase do procedimento de designação das ZEC, não se tratava de fazer o inventário exaustivo dos sítios presentes no território de cada um dos Estados-Membros que alojam os tipos de habitats naturais do anexo I e as espécies indígenas do anexo II da directiva. A pertinência da lista nacional devia ser julgada não em função do número de sítios propostos, mas em função da representatividade dos habitats naturais e dos habitats de espécies que constam da referida lista, apreciada à luz do grau de raridade e da sua repartição no território nacional.

            

30.
    Deve salientar-se que, se resulta das regras relativas ao procedimento de identificação dos sítios susceptíveis de ser designados como ZEC, previstas no artigo 4.°, n.° 1, dadirectiva, que os Estados-Membros gozam de uma certa margem de apreciação para efectuar as suas propostas de sítios, não é menos certo que devem, tal como a Comissão salientou, efectuar essa operação no respeito dos critérios fixados pela directiva.

31.
    A este propósito, deve recordar-se que, para elaborar um projecto de lista dos sítios de importância comunitária, susceptível de conduzir à constituição de uma rede ecológica europeia coerente de ZEC, a Comissão deve dispor de um inventário exaustivo dos sítios que revestem, a nível nacional, um interesse ecológico pertinente, tendo em conta o objectivo de preservação dos habitats naturais, bem como da fauna e da flora selvagens visado pela directiva. Para este efeito, o referido inventário é elaborado com base nos critérios fixados no anexo III (fase 1) da directiva (acórdão de 7 de Novembro de 2000, First Corporate Shipping, C-371/98, Colect., p. I-9235, n.° 22).

32.
    De resto, é apenas deste modo que é possível realizar o objectivo, a que se refere o artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da directiva, da manutenção ou do restabelecimento, num estado de conservação favorável, dos tipos de habitats naturais e dos habitats de espécies consideradas na sua área de repartição natural, que se pode situar de ambos os lados de uma ou várias fronteiras internas da Comunidade. Com efeito, resulta do artigo 1.°, alíneas e) e i), da directiva, lido em conjugação com o artigo 2.°, n.° 1, da mesma directiva, que o estado de conservação favorável de um habitat natural ou de uma espécie deve ser apreciado relativamente ao conjunto do território europeu dos Estados-Membros em que o Tratado é aplicável (acórdão First Corporate Shipping, já referido, n.° 23).

33.
    Por outro lado, cabe recordar que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado-Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado. As alterações posteriormente ocorridas não poderão, pois, ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdão de 8 de Março de 2001, Comissão/França, C-266/99, Colect., p. I-0000, n.° 38).

34.
    Ora, há que reconhecer que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, ou seja, em 19 de Fevereiro de 1998, o conteúdo da lista nacional francesa transmitida à Comissão era manifestamente insuficiente, excedendo largamente a margem de apreciação de que dispõem os Estados-Membros para efeitos de elaborar a lista de sítios mencionada no artigo 4.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da directiva. Em conformidade com a jurisprudência citada no número precedente do presente acórdão, as listas de sítios comunicadas à Comissão após a expiração desse prazo não são pertinentes no quadro da presente acção.

35.
    Deve, portanto, concluir-se que, ao não transmitir à Comissão, no prazo prescrito, a lista de sítios mencionada no artigo 4.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da directiva, aRepública Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessa directiva.

Quanto ao segundo fundamento

36.
    No tocante à obrigação de transmitir informações relativas aos sítios susceptíveis de ser designados como ZEC, o Governo francês reconhece não ter enviado essas informações no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, mas alega que estava na impossibilidade absoluta de satisfazer essa obrigação no prazo previsto. Entende, com efeito, que o atraso tido pela Comissão no estabelecimento do formulário se repercutiu no conjunto do processo nacional. Quando a Comissão notificou a Decisão 97/266 que adopta o formulário, as autoridades francesas foram obrigadas a transferir e a alterar a totalidade dos dados já contidos numa lista nacional.

37.
    A Comissão sustenta que a obrigação de transmissão das informações relativas aos sítios devia ser executada antes de 11 de Junho de 1995. A supor que alguns Estados-Membros que dispõem da lista dos sítios propostos bem como das informações pertinentes antes de 11 de Junho de 1995 tenham querido aguardar a adopção do formulário, poderiam, após a notificação do formulário de 19 de Dezembro de 1996, rapidamente ter feito constar essas informações nele e notificá-las à Comissão.

38.
    A Comissão acrescenta que, para ter em conta a adopção tardia do formulário, alargou o procedimento pré-contencioso dirigindo uma carta de interpelação complementar à República Francesa, em 3 de Julho de 1997, ou seja, bem depois da data da notificação do formulário. Por conseguinte, as autoridades francesas tinham estado em plenas condições de cumprir a sua obrigação de transmissão das informações relativas a cada sítio. Ora, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, ou seja, em 6 de Janeiro de 1998, a República Francesa não tinha enviado à Comissão as informações atinentes aos sítios que deviam ser propostos.

39.
    Deve, em primeiro lugar, precisar-se que, embora a Comissão tenha inicialmente enviado ao Governo francês uma carta de interpelação, em 27 de Março de 1996, isto é, antes da notificação do formulário, ela dirigiu após a notificação deste, nova carta de interpelação dando-lhe um novo prazo para dar cumprimento ao artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, da directiva.

40.
    Em seguida, cabe salientar que, desde a notificação da directiva, em 10 de Junho de 1992, os Estados-Membros sabiam que tipos de informações lhes era necessário reunir com vista a uma transmissão no prazo de três anos a contar da referida notificação, ou seja, antes de 11 de Junho de 1995. Sabiam, além disso, que essas informações deveriam ser fornecidas com base no formulário, uma vez este elaborado pela Comissão. Com efeito, o artigo 4.°, n.° 1, segundo parágrafo, da directiva precisa expressamente que as informações a transmitir, com base num formulário elaborado pela Comissão, compreendem um mapa do sítio, a sua denominação, localização e extensão, bem como os dados resultantes da aplicação dos critérios especificados no anexo III (fase 1).

41.
    Por conseguinte, o prazo concedido ao Governo francês pela Comissão para cumprir a obrigação de transpor para o formulário as informações relativas aos sítios, que devia deter ainda antes de 11 de Junho de 1995, deve ser considerado como razoável. Com efeito, esse governo beneficiou, de 19 de Dezembro de 1996, data da notificação do formulário, a 6 de Janeiro de 1998, data da expiração do prazo fixado no parecer fundamentado, de mais de um ano para executar essa obrigação específica.

42.
    Reconhecendo o Governo francês que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não tinha transmitido à Comissão, com base no formulário, as informações relativas aos sítios que devem ser propostos, há que declarar que, ao não transmitir à Comissão, no prazo prescrito, as informações relativas aos sítios que constam da lista mencionada no artigo 4.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da directiva, em conformidade com o segundo parágrafo da mesma disposição, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessa directiva.

Quanto às despesas

43.
    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão concluído pela condenação da República Francesa e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

decide:

1)    Ao não transmitir à Comissão, no prazo prescrito, a lista dos sítios mencionada no primeiro parágrafo do n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, e as informações relativas a esses sítios em conformidade com o segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 4.° da mesma directiva, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida directiva.

2)    A República Francesa é condenada nas despesas.

Gulmann
Skouris
Schintgen

Macken

Cunha Rodrigues

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Setembro de 2001.

O secretário

O presidente da Sexta Secção

R. Grass

C. Gulmann


1: Língua do processo: francês.