ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

27 de abril de 2022 (*)

«Desenho ou modelo comunitário — Processo de declaração de nulidade — Desenho ou modelo comunitário registado que representa uma calha de escoamento de chuveiro — Desenho ou modelo anterior apresentado posteriormente à apresentação do pedido de declaração de nulidade — Artigo 28.o, n.o 1, alínea b), v, do Regulamento (CE) n.o 2245/2002 — Poder de apreciação da Câmara de Recurso — Âmbito de aplicação — Artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 6/2002 — Processo oral e medidas de instrução — Artigos 64.o e 65.o do Regulamento n.o 6/2002 — Motivo de declaração de nulidade — Caráter singular — Artigos 6.o e 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002 — Identificação do desenho ou modelo anterior — Anterioridade compacta — Determinação das características do desenho ou modelo controvertido — Comparação global»

No processo T‑327/20,

Group Nivelles NV, com sede em Gingelom (Bélgica), representada por J. Jonkhout, advogado,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por A. Folliard‑Monguiral e G. Predonzani, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

Easy Sanitary Solutions BV, com sede em Oldenzaal (Países Baixos), representada por F. Eijsvogels, advogado,

que tem por objeto um recurso da Decisão da Terceira Câmara de Recurso do EUIPO de 17 de março de 2020 (processo R 2664/2017‑3), relativa a um processo de declaração de nulidade entre a Group Nivelles e a Easy Sanitary Solutions,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),

composto por: M. J. Costeira, presidente, M. Kancheva (relatora) e T. Perišin, juízas,

secretário: A. Juhász‑Tóth, administradora,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de maio de 2020,

vista a resposta do EUIPO apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de setembro de 2020,

visto o articulado de resposta da interveniente apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de outubro de 2020,

visto ter sido designado outro juiz para completar a secção na sequência do impedimento de um dos seus membros,

após a audiência de 13 de outubro de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 28 de novembro de 2003, a interveniente, a Easy Sanitary Solutions BV, apresentou um pedido de registo de um desenho ou modelo comunitário ao Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários (JO 2002, L 3, p. 1).

2        O desenho ou modelo comunitário cujo registo foi pedido e que é contestado no presente processo tem as seguintes representações gráficas:

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3        Os produtos nos quais o desenho ou modelo contestado se destina a ser incorporado pertencem à classe 23‑02 na aceção do Acordo de Locarno, de 8 de outubro de 1968, que Estabelece uma Classificação Internacional para os Desenhos e Modelos Industriais, conforme alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Sifão de duche» (shower drains).

4        O desenho ou modelo contestado foi registado em 9 de março de 2004 como desenho ou modelo comunitário com o número 107834‑0025 e publicado na mesma data no Boletim de desenhos e modelos comunitários n.o 19/2004. O registo foi renovado por diversas vezes, nomeadamente em 16 de junho de 2018.

5        Em 3 de setembro de 2009, a I‑Drain BVBA, a antecessora jurídica da recorrente, Group Nivelles NV, apresentou, ao abrigo do artigo 52.o do Regulamento n.o 6/2002, um pedido de declaração de nulidade do desenho ou modelo contestado.

6        Os motivos invocados em apoio do pedido de declaração nulidade foram os referidos no artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002, conjugado com os artigos 4.o a 9.o do mesmo regulamento.

7        A I‑Drain juntou ao seu pedido de declaração de nulidade uma cópia do registo internacional DM/059828 (a seguir «registo DM/059828» ou «desenho ou modelo DM/059828»), depositado e registado pela interveniente em 2 de abril de 2002 e publicado em 30 de junho de 2002 da seguinte forma:

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8        Em 2 de abril de 2010, na sua resposta às observações da interveniente, depois de ter apresentado o seu pedido de declaração de nulidade, a I‑Drain apresentou novos documentos respeitantes a outros desenhos ou modelos, entres os quais, designadamente, excertos de dois catálogos de produtos da empresa Blücher datados de 1998 e de 2000 e que incluíam, ambos, na página 33, a seguinte ilustração, no centro da qual figura uma placa de cobertura (a seguir «placa de cobertura dos catálogos Blücher»):

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9        Em 30 de agosto de 2010, na sequência de uma fusão por incorporação, a recorrente sucedeu nos direitos e nas obrigações da I‑Drain, que deixou de existir como pessoa coletiva.

10      Por Decisão de 23 de setembro de 2010, a Divisão de Anulação julgou procedente o pedido de declaração de nulidade e declarou nulo o desenho ou modelo contestado ao abrigo do artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002, por não revestir a natureza de novidade, na aceção do artigo 5.o do mesmo regulamento, à luz da placa de cobertura dos catálogos Blücher.

11      Em 15 de outubro de 2010, a interveniente interpôs no EUIPO recurso da decisão da Divisão de Anulação, ao abrigo dos artigos 55.o a 60.o do Regulamento n.o 6/2002.

12      Por Decisão de 4 de outubro de 2012 (a seguir «primeira decisão»), a Terceira Câmara de Recurso do EUIPO julgou procedente o recurso e anulou a decisão da Divisão de Anulação pelo facto de esta se ter baseado no artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002, lido em conjunto com o artigo 4.o, n.o 1, e com o artigo 5.o do mesmo regulamento, ou seja, por ter considerado que não havia novidade no desenho ou modelo contestado. A Terceira Câmara de Recurso do EUIPO devolveu o processo à Divisão de Anulação para que esta reexaminasse o pedido de declaração de nulidade pelo facto de se ter baseado no artigo 25.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento, lido em conjunto com o artigo 4.o, n.o 1, e com o artigo 6.o do referido regulamento, ou seja, por o desenho ou modelo contestado não ter caráter singular.

13      Em 7 de janeiro de 2013, a recorrente interpôs no Tribunal Geral recurso da primeira decisão, ao abrigo do artigo 61.o do Regulamento n.o 6/2002.

14      Por Acórdão de 13 de maio de 2015, Group Nivelles/IHMI — Easy Sanitary Solutions (Calha de escoamento de chuveiro) (T‑15/13, a seguir «primeiro acórdão do Tribunal Geral», EU:T:2015:281), o Tribunal Geral anulou a primeira decisão e negou provimento ao recurso quanto ao restante. Conforme o EUIPO também fez até esse momento, o Tribunal Geral teve em conta, a título de (parte de) um desenho ou modelo anterior, a placa de cobertura dos catálogos Blücher, mas não o desenho ou modelo DM/059828.

15      Em 11 e 24 de julho de 2015, a interveniente e o EUIPO interpuseram cada no Tribunal de Justiça um recurso do primeiro acórdão do Tribunal Geral.

16      Por Acórdão de 21 de setembro de 2017, Easy Sanitary Solutions e EUIPO/Group Nivelles (C‑361/15 P e C‑405/15 P, a seguir «acórdão proferido no recurso interposto no Tribunal de Justiça», EU:C:2017:720), o Tribunal de Justiça negou provimento aos recursos, depois de ter, contudo, constatado, nos n.os 72 e 134 daquele acórdão, que o Tribunal Geral havia cometido dois erros de direito. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça considerou que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 77 a 79 e 84 do primeiro acórdão do Tribunal Geral, quando exigiu ao EUIPO que procedesse, para efeitos da apreciação da novidade do desenho ou modelo contestado, à combinação dos diferentes elementos de um ou de vários desenhos ou modelos anteriores constantes dos catálogos Blücher juntos ao pedido de declaração de nulidade, embora o requerente da nulidade não tivesse reproduzido na sua totalidade o desenho ou modelo cuja anterioridade invocou. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça declarou que o Tribunal Geral tinha cometido um erro de direito, no n.o 132 do primeiro acórdão do Tribunal Geral, quando exigiu, no âmbito da singularidade do desenho ou modelo contestado, que o utilizador informado desse desenho ou modelo devia conhecer o produto em que o desenho ou modelo anterior estava incorporado ou no qual era aplicado. Todavia, tendo sido negado provimento aos recursos interpostos no Tribunal de Justiça, a anulação da primeira decisão pelo primeiro acórdão do Tribunal Geral transitou em julgado e o processo foi remetido ao EUIPO.

17      Em 19 de dezembro de 2017, as partes no processo no EUIPO foram informadas de que o recurso interposto da decisão da Divisão de Anulação tinha sido distribuído à Terceira Câmara de Recurso, com nova formação, sob o número R 2664/2017‑3.

18      Em 24 de julho de 2018, o relator da Câmara de recurso enviou às partes no processo no EUIPO uma comunicação na qual as informou de que o desenho ou modelo anterior submetido à Câmara de Recurso era o desenho ou modelo DM/059828, o único que fora mencionado no pedido de declaração de nulidade, ao contrário do que sucedia com a placa de cobertura dos catálogos Blücher. Com efeito, o relator, quando reapreciou o processo na sequência da remessa operada pelo Tribunal de Justiça, chegara à conclusão de que o desenho ou modelo anterior examinado pelas instâncias que anteriormente se haviam pronunciado não figurava no pedido de declaração de nulidade e que nenhum outro desenho ou modelo fora mencionado no referido pedido. Foi concedido às partes um prazo de dois meses para apresentação das suas observações.

19      Em 21 de setembro de 2018, a recorrente apresentou as suas observações.

20      Por Decisão de 17 de março de 2020 (a seguir «decisão impugnada»), a Terceira Câmara de Recurso do EUIPO julgou procedente o recurso interposto pela interveniente, anulou a decisão da Divisão de Anulação e julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade. A título preliminar, constatou que, no pedido de declaração de nulidade, a recorrente só tinha designado como desenho ou modelo anterior o desenho ou modelo DM/059828 e que os outros desenhos ou modelos, como os dos catálogos Blücher, tinham sido invocados posteriormente, em observações complementares. Assim, a Divisão de Anulação chamou atenção para o facto de que o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 não autoriza o recorrente a ampliar o objeto do processo, baseando o seu pedido em novos desenhos ou modelos anteriores.

21      No que respeita ao desenho ou modelo contestado e às suas características visíveis, a Câmara de Recurso considerou que tinha sido registado para calhas de escoamento de chuveiros compostos por um sifão, uma cuba e uma placa de cobertura e, em especial, que o produto representado no desenho ou modelo contestado possuía ranhuras laterais dos dois lados e bordos exteriores finos, ao passo que a placa de cobertura estava ornamentada com um padrão de pontos em toda a sua superfície. A Câmara de Recurso recordou que, segundo o primeiro acórdão do Tribunal Geral, no n.o 49, depois de se proceder à instalação da «[calha de escoamento] de chuveiro (“shower drain”)» abrangido pelo desenho ou modelo contestado, ou seja, depois de ser integrado no chão do chuveiro, não era só a parte superior da placa que era visível, sendo‑o também as duas ranhuras laterais, bem como a parte superior do rebordo da cuba.

22      No que respeita ao desenho ou modelo anterior, a Câmara de Recurso considerou que devia proceder a um exame completo dos elementos de prova apresentados para determinar com precisão em que consistia, pois, na sequência do acórdão proferido no recurso interposto no Tribunal de Justiça e do primeiro acórdão do Tribunal Geral, não se podia tratar da placa de cobertura que se encontra no centro da imagem da página 33 dos catálogos Blücher, que não representava um dispositivo de evacuação de líquidos completo. A Câmara de Recurso, depois de ter recordado que o pedido de declaração de nulidade definia o objeto do processo, que resultava, por um lado, do desenho ou modelo contestado e, por outro, dos desenhos ou modelos anteriores invocados, entendeu que, no caso concreto, a recorrente tinha baseado o seu pedido de declaração de nulidade no desenho ou modelo DM/059828 (reproduzido no n.o 7, supra).

23      No que respeita à função técnica do desenho ou modelo contestado, a Câmara de Recurso considerou que nenhuma das suas características era ditada exclusivamente pela sua função técnica e que, por conseguinte, não devia ser excluída da proteção, nem lhe devia ser atribuído um papel substancialmente reduzido no que toca ao seu impacto na comparação global. A Câmara de Recurso também referiu que, neste domínio, a atividade de conceção implicava uma forte componente estética.

24      No que respeita ao caráter singular do desenho ou modelo contestado, a Câmara de Recurso considerou, primeiro, que o utilizador avisado era uma pessoa que conhecia as características e as configurações de base das calhas de escoamento disponíveis na vida comercial normal e fazia simultaneamente parte da clientela profissional (composta, por exemplo, pelos retalhistas que vendem calhas de escoamento a terceiros, pelos canalizadores que as instalam ou pelos arquitetos de interiores que pesquisam e escolhem calhas para os seus clientes em função da sua aparência estética) e da clientela não profissional, que incluía assim os utilizadores finais que as escolhiam e as compravam eles próprios para as instalar e as utilizar num qualquer setor ou ambiente. Segundo, a Câmara de Recurso considerou que a liberdade do criador era relativamente ampla, pois, ainda que o utilizador informado saiba, enquanto tal, que as calhas de escoamento, para desempenharem a sua função de descarga, têm de estar equipadas com uma cuba com paredes laterais e extremidade, com um sifão ligado à canalização, bem como com grelhas ou com uma grelha, ou com uma placa fechada com ranhuras ou aberturas através das quais a água se possa escoar, acontece, porém, que a aparência específica dessas características, nomeadamente no que respeita à forma, materiais, dimensão e proporções, pode variar, pois não existem parâmetros específicos para além daqueles que permitem garantir a eliminação da água. Terceiro, depois de ter definido as características do desenho ou modelo contestado e dos desenhos ou modelos anteriores divulgados, considerados individualmente, e de ter em seguida comparado as impressões globais que causam (v. n.os 117 a 127, infra), a Câmara de Recurso concluiu que o desenho ou modelo contestado possuía caráter singular e que, a fortiori, era desprovido de novidade, pelo que era válido.

 Pedidos das partes

25      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        pronunciar‑se de novo e, retificando os motivos, declarar nulo o desenho ou modelo contestado;

–        condenar o EUIPO nas despesas.

26      O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

27      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar improcedentes as acusações invocadas em apoio dos primeiro, segundo, quarto, quinto e sexto fundamentos;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

28      Em apoio do seu recurso, a recorrente apresenta seis fundamentos, relativos, no essencial, a erros de apreciação cometidos pela Câmara de Recurso, primeiro, no n.o 24 da decisão impugnada (e nos dois primeiros parágrafos da segunda página da comunicação do relator de 24 de julho de 2018, a que este número 24 se refere), segundo, no n.o 26 da mesma decisão, terceiro, nos n.os 38 e 39 desta decisão, conjugados com os n.os 58 e 62 a 65 da referida decisão, quarto, nos n.os 98 a 110 e 112 da decisão impugnada, quinto, no n.o 111 da mesma decisão, conjugado com os n.os 29 e 30 desta decisão, e, sexto, nos n.os 114 a 117 da referida decisão.

29      O Tribunal entende ser oportuno começar por examinar o terceiro e o primeiro fundamentos, que dizem respeito à identificação do desenho ou modelo anterior, em seguida, o segundo fundamento, que diz respeito às características do desenho ou modelo contestado, e, por último, os quarto, quinto e sexto fundamentos, que dizem respeito à comparação dos desenhos ou modelos em conflito e à apreciação do caráter singular do desenho ou modelo contestado.

 Quanto ao primeiro e ao terceiro fundamentos, relativos à identificação do desenho ou modelo anterior

 Quanto ao terceiro fundamento

30      Com o terceiro fundamento, a recorrente alega que a Câmara de Recurso, nos n.os 38 e 39 da decisão impugnada, conjugados com os n.os 58 e 62 a 65 da mesma decisão, cometeu um erro e violou o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 quando considerou que só os meios de prova apresentados no contexto do pedido de declaração de nulidade submetido à Divisão de Anulação, no presente caso o pedido do antecessor da recorrente de 3 de setembro de 2009, eram admitidos e podiam ser considerados para efeitos da apreciação da nulidade. A recorrente considera, do ponto de vista do direito, que semelhante poder só é reconhecido ao EUIPO no âmbito da apreciação dos factos e dos elementos de prova apresentados num processo de declaração de nulidade se e desde que o EUIPO tenha de tomar uma decisão nesse mesmo processo. Em contrapartida, em seu entender, esse poder não pode ser avocado em relação a factos e a elementos de prova apresentados num processo no qual o EUIPO já se tenha pronunciado e que já tenha sido objeto de uma decisão definitiva e anterior por parte deste último.

31      No presente caso, segundo a recorrente, decorreram processos que deram lugar a uma decisão definitiva e anterior, concretamente o processo que correu na Divisão de Anulação do EUIPO e que deu lugar à decisão da Divisão de Anulação de 23 de setembro de 2010 e o processo que correu na Câmara de Recurso do EUIPO e que deu lugar à primeira decisão, de 4 de outubro de 2012. Estes dois processos chegaram à conclusão de que todos os factos e todos os elementos de prova podiam ser tomados em consideração. Nos processos posteriores no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça, a questão da admissibilidade dos factos e dos elementos de prova apresentados pelas partes no âmbito dos anteriores processos que correram na Divisão de Anulação e na Câmara de Recurso não foi evocada nem questionada, oficiosamente nem de outro modo. Em especial, a conclusão que o relator, na sua Comunicação de 24 de julho de 2018, pensava poder extrair do acórdão proferido no recurso interposto no Tribunal de Justiça, segundo a qual era impossível apresentar a fotografia constante da página 33 dos catálogos Blücher, também é inexata. A interveniente e o EUIPO nunca contestaram estas conclusões da Divisão de Anulação e da Câmara de Recurso quanto a esse aspeto, no Tribunal Geral, nem no Tribunal de Justiça.

32      A recorrente sustenta assim que a Câmara de Recurso, quando formulou esta conclusão nos pontos em causa da decisão impugnada, inverteu decisões definitivas anteriores. Tal é contrário aos princípios gerais de boa administração e de resolução dos litígios, conforme previstos no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como aos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e da diligência processual. A recorrente conclui que a Câmara de Recurso não podia exercer, com efeitos retroativos, o poder conferido pelo artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002.

33      O EUIPO contesta os argumentos da recorrente.

34      A interveniente remete para o douto entendimento do Tribunal no que respeita à questão jurídica suscitada pela recorrente neste fundamento.

35      Nos n.os 38 e 39 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou que, tendo o Tribunal de Justiça entendido no acórdão proferido no âmbito do recurso de que conheceu que a referida Câmara tinha tomado em consideração na primeira decisão um desenho ou modelo anterior inapropriado, havia que examinar outros desenhos ou modelos anteriores invocados pela recorrente. No pedido de declaração de nulidade, esta última designou como desenho ou modelo anterior o desenho ou modelo DM/059828, e nenhum outro. Os outros desenhos ou modelos foram invocados posteriormente pelo antecessor da recorrente, em observações complementares. A este propósito, a Câmara de Recurso acrescentou que havia que tomar em consideração o facto de o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 não autorizar o recorrente a ampliar o objeto do processo baseando o seu pedido em novos desenhos ou modelos anteriores, pois dessa abordagem resultaria uma prorrogação do processo e uma alteração do seu objeto. Ora, os novos desenhos ou modelos anteriores, apresentados pelo antecessor jurídico da recorrente nas suas observações posteriores, concretamente os constantes dos catálogos Blücher, não foram invocados como desenhos ou modelos anteriores no pedido de declaração de nulidade.

36      No n.o 58 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso recordou que, conforme decidiu em diversas decisões anteriores, o pedido de declaração de nulidade define o objeto do processo, que resultava, por um lado, do desenho ou modelo contestado e, por outro, dos desenhos ou modelos anteriores invocados, e que, por essa razão, depois de o pedido ser apresentado, já não era possível introduzir no processo outros desenhos ou modelos anteriores suscetíveis de obstar à novidade ou à singularidade do desenho ou modelo contestado.

37      No n.o 62 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso observou que a placa de cobertura que se encontra no centro da imagem apresentada na página 33 dos catálogos Blücher, indicada pelo antecessor jurídico da recorrente como o ou um dos desenhos ou modelos anteriores que supostamente demonstram que o desenho ou modelo contestado era desprovido de novidade e de singularidade, só foi apresentada em resposta às observações da interveniente. Especificou que o facto de as instâncias que se pronunciaram anteriormente terem considerado que a referida placa correspondia a um desenho ou modelo anterior admissível era contrário aos referidos princípios, segundo os quais o objeto do processo de declaração de nulidade era definido pelo pedido, não sendo possível apresentar outros desenhos ou modelos anteriores nesse processo após a apresentação do pedido de declaração de nulidade.

38      No n.o 63 da decisão impugnada, por uma questão de exaustividade, a Câmara de Recurso observou que a admissibilidade de factos, provas e documentos complementares relativos a desenhos ou modelos ou a direitos anteriores já mencionados no pedido de declaração de nulidade está sujeita ao poder discricionário que é reconhecido à Divisão de Anulação pelo artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002. Todavia, essa disposição não permite que o requerente do pedido de declaração de nulidade amplie o objeto do processo escorando o pedido em novos desenhos ou modelos anteriores, pois essa abordagem teria por efeito prolongar a duração do processo e alterar o seu objeto. Assim, uma vez que os desenhos ou modelos referidos, designadamente, nos anexos 3a e 3b, concretamente nos catálogos Blücher, não foram mencionados no pedido de declaração de nulidade, nem a Divisão de Anulação nem a Câmara de Recurso dispunham de um poder discricionário a este respeito. Por conseguinte, os desenhos ou modelos que surgem nestes documentos não podem ser considerados desenhos ou modelos anteriores admissíveis para efeitos do presente processo de declaração de nulidade. No n.o 64 da mesma decisão, a Câmara de Recurso declarou que, pelos mesmos motivos, os documentos e as fotografias mencionadas pela recorrente nas suas observações em resposta à comunicação do relator e que dizem respeito a desenhos ou modelos diferentes dos que foram incluídos no desenho ou modelo DM/059828 não constituíam desenhos ou modelos anteriores admissíveis.

39      No n.o 65 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso concluiu, por conseguinte, que, em conformidade com a comunicação do relator, o único desenho ou modelo anterior no presente caso era o desenho ou modelo DM/059828.

40      Com o terceiro fundamento, a recorrente considera, no essencial, que a Câmara de Recurso cometeu um erro e violou o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 por ter baseado a sua decisão apenas nos desenhos ou modelos anteriores representados no pedido de declaração de nulidade, sem atender aos elementos de prova, como os catálogos Blücher, apresentados depois de o pedido de declaração de nulidade ter dado entrada, nos quais a Câmara de Recurso baseou de forma exclusiva a sua primeira decisão, tornada definitiva.

41      A este respeito, há que constatar que a questão da identificação dos desenhos ou modelos anteriores que devem ser comparados com o desenho ou modelo contestado nunca ficou definitivamente decidida nos processos anteriores que correram os seus termos no EUIPO, no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

42      Com efeito, por um lado, a primeira decisão da Câmara de Recurso, que de resto não se pronunciou explicitamente sobre a admissibilidade dos documentos apresentados pela recorrente depois de apresentado o seu pedido de declaração de nulidade, foi anulada pelo primeiro acórdão do Tribunal Geral, cujo dispositivo transitou em julgado (v. n.os 14 e 16, supra). Ora, segundo jurisprudência constante, um acórdão de anulação opera ex tunc e tem assim por efeito eliminar retroativamente da ordem jurídica o ato anulado [v. Acórdãos de 27 de junho de 2013, Beifa Group/IHMI – Schwan‑Stabilo Schwanhäußer (Instrumentos de escrita), T‑608/11, não publicado, EU:T:2013:334, n.o 32 e jurisprudência referida, e de 23 de setembro de 2020, CEDC International/EUIPO – Underberg (Forma de uma canícula numa garrafa), T‑796/16, EU:T:2020:439, n.o 72 (não publicado) e jurisprudência referida]. Por conseguinte, a primeira decisão desapareceu do ordenamento jurídico da União Europeia e nunca se tornou definitiva.

43      Por outro lado, no primeiro acórdão do Tribunal Geral (v. n.o 14, supra), este também não se pronunciou sobre a admissibilidade dos referidos documentos, e ainda menos sobre o objeto dos desenhos ou modelos anteriores que deviam ser comparados com o desenho ou modelo contestado. Com efeito, este aspeto não foi suscitado pelas partes nem sequer oficiosamente pelo Tribunal Geral. Além disso, o acórdão proferido no âmbito do recurso interposto no Tribunal de Justiça (v. n.o 16, supra) estava limitado apenas às questões de direito suscitadas no âmbito dos recursos de decisões do Tribunal Geral interpostos no Tribunal de Justiça. Por conseguinte, a questão da identificação dos desenhos ou modelos anteriores em que o pedido de declaração de nulidade se baseou bem como a questão da pertinência dos documentos apresentados posteriormente para definir quais os desenhos ou modelos anteriores não foram nem suscitadas nem resolvidas no primeiro acórdão do Tribunal Geral nem no acórdão proferido no recurso interposto no Tribunal de Justiça.

44      Em seguida, há que constatar que o presente fundamento assenta na premissa de que o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 era aplicável em circunstâncias como as do presente processo. Há, pois, que examinar se esta disposição é aplicável no presente caso, pelo menos à questão da identificação do desenho ou modelo anterior, na perspetiva, em especial, do artigo 28.o, n.o 1, alínea b), v) e vi), do Regulamento (CE) n.o 2245/2002 da Comissão, de 21 de outubro de 2002, de execução do Regulamento (CE) n.o 6/2002 (JO 2002, L 341, p. 28).

45      A este respeito, recorde‑se que, nos termos do artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002, o EUIPO pode não tomar em consideração factos que as partes não tenham alegado ou provas que não tenham sido apresentadas em tempo útil. Esta disposição atribui assim um poder discricionário tanto à Divisão de Anulação como à Câmara de Recurso do EUIPO.

46      Segundo jurisprudência constante, decorre da redação do artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 que, regra geral e salvo disposição em contrário, a apresentação de factos e de provas pelas partes continua a ser possível depois de expirados os prazos a que está subordinada essa apresentação, em aplicação das disposições do Regulamento n.o 6/2002, e que o EUIPO não está de modo nenhum proibido de tomar em consideração factos e provas invocados ou apresentados tardiamente. Ao precisar que este último «pode», num caso semelhante, decidir não tomar essas provas em consideração, a referida disposição atribui ao EUIPO um amplo poder de apreciação para efeitos de decidir se deve ou não tomá‑las em consideração, devendo, no entanto, fundamentar a sua decisão quanto a este aspeto [v. Acórdão de 5 de julho de 2017, Gamet/EUIPO – «Metal‑Bud II» Robert Gubała (Maçaneta), T‑306/16, não publicado, EU:T:2017:466, n.os 15 e 16 e jurisprudência referida].

47      No que respeita ao exercício do poder de apreciação do EUIPO para efeitos da eventual tomada em consideração de provas apresentadas tardiamente, semelhante tomada em consideração pelo EUIPO, quando este seja chamado a pronunciar‑se no âmbito de um processo de declaração de nulidade, pode justificar‑se, em especial, quando este considere, por um lado, que os elementos apresentados tardiamente são à primeira vista suscetíveis de ser realmente pertinentes para efeitos do desfecho do pedido de declaração de nulidade que lhe foi submetido e, por outro, a fase processual em que ocorre essa produção tardia e as circunstâncias envolventes não se opõem a essa tomada em consideração. Daqui resulta que é ao Tribunal Geral que cabe apreciar se a Câmara de Recurso exerceu efetivamente o amplo poder de apreciação de que dispõe para decidir, fundamentadamente e tendo em devida conta todas as circunstâncias pertinentes, se havia, ou não, que tomar em consideração os elementos de prova que lhe foram apresentados pela primeira vez, por forma a proferir a decisão que foi chamada a tomar. Cabe‑lhe, além disso, verificar se a Câmara de Recurso fez um uso adequado do poder de apreciação que lhe é conferido pelo artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 (v. Acórdão de 5 de julho de 2017, Maçaneta, T‑306/16, não publicado, EU:T:2017:466, n.os 17 e 18 e jurisprudência referida).

48      Decorre igualmente da jurisprudência que continua a ser possível apresentar provas depois de expirado o referido prazo quando estas se venham juntar a provas, elas próprias, apresentadas num prazo que para o efeito o EUIPO concedeu, não estando o EUIPO proibido de tomar em consideração provas suplementares assim tardiamente apresentadas [v. Acórdão de 14 de março de 2018, Crocs/EUIPO – Gifi Diffusion (Calçado), T‑651/16, não publicado, EU:T:2018:137, n.o 33 e jurisprudência referida; v. igualmente, neste sentido e por analogia, Acórdão de 26 de setembro de 2013, Centrotherm Systemtechnik/IHMI e centrotherm Clean Solutions, C‑610/11 P, EU:C:2013:593, n.o 88].

49      No entanto, importa igualmente recordar que o artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 dispõe que o pedido de declaração de nulidade deve ser apresentado por escrito e deve ser fundamentado. O artigo 28.o, n.o 1, alínea b), i) e vi), do Regulamento n.o 2245/2002 esclarece que o pedido de declaração de nulidade deve incluir uma exposição dos fundamentos em que se baseia o pedido de declaração de nulidade, bem como uma indicação dos factos, comprovativos e argumentos apresentados em apoio desse pedido. O artigo 28.o, n.o 1, alínea b), v), deste último regulamento prevê, além disso, que, quando o fundamento para o pedido de declaração de nulidade assentar no facto de o desenho ou modelo comunitário não reunir os requisitos da novidade ou do caráter singular, deve incluir a indicação e a reprodução dos desenhos ou modelos anteriores que poderiam constituir um obstáculo à novidade ou à singularidade do desenho ou modelo comunitário registado, bem como os documentos comprovativos da existência desses desenhos ou modelos anteriores.

50      Segundo a jurisprudência, cabe à parte que requereu a declaração de nulidade fornecer ao EUIPO as indicações necessárias e, em especial, a identificação e a reprodução precisas e completas do desenho ou modelo cuja anterioridade é alegada, a fim de demonstrar que o desenho ou modelo contestado não pode ser validamente registado. Assim, não cabe ao EUIPO, mas ao requerente da declaração de nulidade, fornecer os elementos suscetíveis de demonstrar a existência desse fundamento [Acórdão proferido em sede de recurso interposto no Tribunal de Justiça, n.os 59 e 65; v., igualmente, Acórdão de 17 de setembro de 2019, Aroma Essence/EUIPO — Refan Bulgaria (Esponjas de banho), T‑532/18, não publicado, EU:T:2019:609, n.o 25 e jurisprudência referida].

51      Há que esclarecer que deve ser feita prova da existência e da identificação do ou dos desenhos ou modelos anteriores em relação a cada um dos motivos da declaração de nulidade apresentados pelo requerente dessa declaração de nulidade. A este respeito, o Tribunal Geral declarou que nem o EUIPO nem o requerente da declaração de nulidade podiam, para sustentar a falta de singularidade (artigo 6.o do Regulamento n.o 6/2002), basear‑se nalguns dos desenhos e modelos anteriores invocados se do pedido de declaração de nulidade resultar que esses desenhos ou modelos foram invocados apenas em apoio de outro motivo de nulidade, como a ausência de novidade (artigo 5.o do mesmo regulamento) [v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2018, Gifi Diffusion/EUIPO — Crocs (Calçado), T‑424/16, não publicado, EU:T:2018:136, n.os 46 a 48].

52      Por outro lado, em conformidade com o disposto no artigo 63.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, no âmbito de uma ação de declaração de nulidade, o exame do EUIPO está limitado aos fundamentos e aos pedidos apresentados pelas partes. Cabe à recorrente assegurar‑se de que todos os desenhos ou modelos anteriores invocados estão claramente identificados e foram reproduzidos, porque o processo de declaração de nulidade faz parte dos processos inter partes. Por conseguinte, quando do exame do pedido de declaração de nulidade, o EUIPO deve tomar apenas em consideração os desenhos ou modelos expressamente invocados pela recorrente no pedido de declaração de nulidade, e não num documento ulterior (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2019, Esponjas de banho, T‑532/18, não publicado, EU:T:2019:609, n.os 30 e 36).

53      Assim, o artigo 28.o, n.o 1, alínea b), v), do Regulamento n.o 2245/2002 (v. n.o 49, supra) pressupõe que a identificação do ou dos desenhos ou modelos anteriores seja efetuada logo com a apresentação do pedido de declaração de nulidade, pois define o objeto do litígio e para que o titular do desenho ou modelo contestado esteja em condições de se pronunciar sobre a procedência do pedido. Com efeito, o bom desenrolar do processo e a proteção do interesse legítimo do titular do desenho ou modelo contestado para não ficar exposto a um litígio cujo objeto ficaria em perpétua mutação opõem‑se à possibilidade de um recorrente invocar, à sua vontade, outros desenhos ou modelos anteriores em função da evolução do processo de declaração de nulidade. Por esta razão, a observância desta disposição constitui um requisito de admissibilidade do pedido de declaração de nulidade, por força do artigo 30.o, n.o 1, do mesmo regulamento.

54      Por conseguinte, à semelhança do EUIPO, há que considerar que a lógica subjacente ao artigo 28.o, n.o 1, alínea b), v), do Regulamento n.o 2245/2002 consiste em impor um prazo «prefixado» ou de caducidade, ou seja, um prazo cujo incumprimento constitui fundamento de inadmissibilidade, para a apresentação das provas respeitantes aos elementos essenciais do pedido de declaração de nulidade que fixam e que delimitam o enquadramento jurídico do pedido. Salvo se o EUIPO exigir uma regularização do pedido nos termos do artigo 30.o, n.o 1, do mesmo regulamento, já não podem ser apresentados novos elementos de prova respeitantes à indicação e à reprodução dos desenhos ou modelos anteriores, porquanto isso alargaria o enquadramento jurídico do pedido de declaração de nulidade.

55      Resulta assim do artigo 28.o, n.o 1, alínea b), v), do Regulamento n.o 2245/2002 que o pedido de declaração de nulidade define o objeto do litígio, objeto esse que resulta, por um lado, do desenho ou modelo contestado e, por outro, dos desenhos ou modelos anteriores invocados. Por conseguinte, depois de apresentado o pedido de declaração de nulidade, deixa de ser possível levar ao processo outros desenhos ou modelos anteriores suscetíveis de pôr em causa a novidade ou o caráter singular do desenho ou modelo contestado.

56      Há assim que concluir, atento o artigo 28.o, n.o 1, alínea b), v), do Regulamento n.o 2245/2002, que, num processo de declaração de nulidade de um desenho ou modelo comunitário, o EUIPO só deve examinar os desenhos ou modelos anteriores identificados no pedido de declaração de nulidade, e não outros desenhos ou modelos invocados posteriormente a título de desenhos ou modelos anteriores.

57      Além disso, importa definir o âmbito de aplicação do artigo 28.o, n.o 1, alínea b), vi), do Regulamento n.o 2245/2002, que dispõe que o pedido de declaração de nulidade deve indicar os «factos, comprovativos e argumentos apresentados em apoio desses fundamentos», e, por conseguinte, o âmbito de aplicação do poder de apreciação que o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 confere ao EUIPO.

58      A este respeito, importa sublinhar, à semelhança do EUIPO, que o artigo 28.o, n.o 1, alínea b), v) e vi), do Regulamento n.o 2245/2002 estabelece uma distinção essencial entre as provas relativas «[à] indicação e [à] reprodução dos desenhos ou modelos anteriores», exigidas pelo artigo 28.o, n.o 1, alínea b), v), do referido regulamento, e os outros «factos [e] comprovativos», a que se refere o artigo 28.o, n.o 1, alínea b), vi), deste mesmo regulamento, por exemplo os factos e comprovativos relativos à divulgação de um desenho ou modelo anterior (artigo 7.o do Regulamento n.o 6/2002) ou provas relativas à funcionalidade do desenho ou modelo contestado (artigo 8.o do Regulamento n.o 6/2002).

59      Daqui resulta que o poder de apreciação que o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 confere ao EUIPO para «tomar em consideração os factos que as partes não tenham alegado ou as provas que não tenham sido produzidas em tempo útil» só pode ser utilizado em relação aos «factos [e] comprovativos» a que se refere o artigo 28.o, n.o 1, alínea b), vi), do Regulamento n.o 2245/2002, e não «[à] indicação e [à] reprodução dos desenhos ou modelos anteriores» exigidas pelo artigo 28.o, n.o 1, alínea b), v), do mesmo regulamento. Em especial, o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 não é aplicável à questão da identificação do desenho ou modelo anterior.

60      Assim, o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002, embora permita que se tomem provas suplementares em consideração (v. n.o 48, supra) como, por exemplo, uma representação mais precisa ou uma prova da publicação de um desenho ou modelo já invocado no pedido de declaração de nulidade, não permite, em contrapartida, alargar o quadro jurídico deste pedido através da apresentação de provas totalmente novas, autorizando que o requerente baseie o referido pedido noutros desenhos ou modelos anteriores, pois isso alteraria o objeto do litígio, para além de que prolongaria a duração do processo.

61      Foi assim corretamente que, no n.o 39 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso afirmou, nomeadamente, que o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 não autorizava o autor do pedido de declaração de nulidade a alargar o objeto do processo, baseando o seu pedido em novos desenhos ou modelos anteriores.

62      No presente caso, é facto assente que, conforme a Câmara de Recurso, no essencial, reconheceu no n.o 61 da decisão impugnada, depois de ter convidado as partes a apresentarem as respetivas observações, o desenho ou modelo reproduzido nos catálogos Blücher não foi invocado, nem representado, no âmbito do pedido de declaração de nulidade de 3 de setembro de 2009, mas apenas na resposta às observações da interveniente, datada de 2 de abril de 2010 (v. n.os 7 e 8, supra).

63      Ora, este desenho ou modelo não é idêntico ao desenho ou modelo inicialmente invocado no pedido de declaração de nulidade, uma vez que a placa de cobertura que aí figura se distingue dos desenhos ou modelos anteriores objeto do registo DM/059828. Não estão assim em causa, de modo nenhum, «representações de um mesmo desenho ou modelo anterior», na aceção da jurisprudência do Tribunal Geral [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2010, Shenzhen Taiden/IHMI – Bosch Security Systems (Equipamento de comunicação), T‑153/08, EU:T:2010:248, n.o 25]. De resto, não era necessária nenhuma regularização ao abrigo do artigo 30.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2245/2002, uma vez que o antecessor jurídico da recorrente identificou corretamente os desenhos ou modelos anteriores invocados em apoio do seu pedido de declaração de nulidade, ou seja, os que figuravam no registo DM/059828.

64      Nestas condições, há que reconhecer, à semelhança do EUIPO, que uma eventual tomada em consideração das provas apresentadas depois de ter o pedido de declaração de nulidade ter dado entrada, ao abrigo do artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002, só podia ser autorizada para ilustrar as formas de utilização dos produtos concretos em que os desenhos ou modelos comparados estão incorporados, ou para sustentar qualquer outro facto ou alegação já invocados no pedido de declaração de nulidade. Neste sentido, é certo que a Câmara de Recurso não excluiu estritamente a admissibilidade das referidas provas, na parte em que se destinavam a completar uma argumentação já apresentada e relativa ao desenho ou modelo anterior identificado no pedido de declaração de nulidade.

65      Todavia, atento o disposto no artigo 28.o, n.o 1, alínea b), v), do Regulamento n.o 2245/2002, a admissibilidade formal dessas provas não autoriza a junção de um novo desenho ou modelo anterior àqueles que foram inicialmente invocados no pedido de declaração de nulidade. Com efeito, nesta perspetiva, a apresentação dos catálogos Blücher após a apresentação do pedido de declaração de nulidade equivale à apresentação de uma prova inteiramente «nova», por oposição a uma prova «suplementar», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral relativa ao artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 (v. n.o 48, supra).

66      Foi assim corretamente que a Câmara de Recurso, no n.o 63 da decisão impugnada, considerou, no essencial, que, embora seja certo que a tomada em consideração de provas suplementares pode conduzir a um alargamento do contexto factual do pedido de declaração de nulidade que se soma a outras provas relativas aos desenhos ou modelos anteriores já invocados, aquela tomada em consideração não alargou o quadro jurídico deste pedido a desenhos ou modelos anteriores invocados de novo, pois o âmbito do referido pedido de declaração de nulidade foi definitivamente fixado pelo antecessor jurídico da recorrente na data da sua apresentação quando identificou os desenhos ou modelos anteriores invocados em apoio do pedido em questão.

67      Foi igualmente com razão que a Câmara de Recurso, nos n.os 65 e 66 da decisão impugnada, concluiu que o único desenho ou modelo anterior invocado regularmente no presente caso foi o desenho ou modelo DM/059828, que tinha sido divulgado ao público, na aceção do artigo 7.o do Regulamento n.o 6/2002, antes da data de apresentação do desenho ou modelo contestado. De resto, a existência e a anterioridade dessa divulgação não são contestadas.

68      Por conseguinte, há que concluir, contrariamente ao que a recorrente alega, desde logo, que a Câmara de Recurso nunca inverteu decisões definitivas anteriores e não violou nenhum dos princípios gerais acima referidos no n.o 32 e, em seguida, que a Câmara de Recurso não violou o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002, tendo antes aplicado corretamente o artigo 28.o, n.o 1, alínea b), v), do Regulamento n.o 2245/2002.

69      O terceiro fundamento deve assim ser julgado improcedente.

 Quanto ao primeiro fundamento

70      Com o primeiro fundamento, que se articula em três partes, a recorrente alega que a Câmara de Recurso cometeu diversos erros de apreciação no n.o 24 da decisão impugnada, lido em conjunto com a comunicação do relator de 24 de julho de 2018.

71      Com a primeira parte, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de ter erradamente considerado que o relator entendera, na sua comunicação, que o desenho ou modelo anterior a tomar em consideração era apenas o desenho ou modelo DM/059828, pois foi o único a ser mencionado no pedido de declaração de nulidade. Ora, o motivo que figurou no referido ponto, ou seja, que só este desenho ou modelo foi junto ao pedido de declaração de nulidade, não se infere da comunicação do relator nem é explicado na decisão impugnada.

72      Com a segunda parte, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de ter erradamente considerado que a fotografia da página 33 dos catálogos Blücher não pode ser tomada em consideração porque o acórdão proferido no recurso interposto no Tribunal de Justiça obsta a que aquela fotografia seja apresentada enquanto desenho ou modelo anterior no processo de declaração de nulidade. Em sua opinião, a Câmara de Recurso retirou desse acórdão uma conclusão que não tinha fundamento. Além disso, o EUIPO não adotou diligências de instrução, contrariamente ao disposto no n.o 71 do acórdão proferido no recurso interposto no Tribunal de Justiça.

73      Com a terceira parte, a recorrente alega que a Câmara de Recurso considerou erradamente que só o desenho ou modelo DM/059828, conforme apresentado pela recorrente no pedido de declaração de nulidade, podia ser examinado a título de desenho ou modelo anterior, uma vez que o relator tinha concluído que o «desenho ou modelo anterior examinado pelas instâncias que se pronunciaram anteriormente» não figurava no pedido de declaração de nulidade do antecessor jurídico da recorrente de 3 de setembro de 2009. Esta conclusão é mais abrangente do que a da comunicação do relator, que não refere de modo nenhum que o desenho ou modelo anterior examinado pelas instâncias que se pronunciaram anteriormente não foi mencionado no pedido de declaração de nulidade.

74      O EUIPO e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

75      No n.o 24 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso recordou que, em 24 de julho de 2018, o relator enviou uma comunicação às partes em que as informou de que o desenho ou modelo anterior que lhe tinha sido apresentado era o desenho ou modelo DM/059828, único que foi mencionado no pedido de declaração de nulidade. Expôs que o relator, quando reapreciou o processo na sequência do reenvio efetuado pelo Tribunal de Justiça, tinha chegado à conclusão de que o desenho ou modelo anterior examinado pelas instâncias que antes se haviam pronunciado não figurava no pedido de declaração de nulidade e que nenhum outro desenho ou modelo foi mencionado no referido pedido.

76      Com a primeira parte, no essencial, a recorrente acusa o relator e a Câmara de Recurso de, respetivamente, na Comunicação de 24 de julho de 2018 e no n.o 24 da decisão impugnada, não terem explicado a razão pela qual só os desenhos ou modelos objeto do registo DM/059828 (v. n.o 7, supra) deviam ser tomados em consideração, com exclusão da representação acima reproduzida no n.o 8.

77      A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 62.o, primeiro período, do Regulamento n.o 6/2002, as decisões do EUIPO devem ser fundamentadas. Este dever de fundamentação tem o mesmo alcance que aquele que decorre do artigo 296.o TFUE, segundo o qual o raciocínio do autor do ato deve transparecer de forma clara e inequívoca. Este dever tem o duplo objetivo de permitir, por um lado, aos interessados conhecer as razões da medida adotada, a fim de poderem defender os seus direitos, e, por outro, ao juiz da União Europeia exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão. A questão de saber se a fundamentação de uma decisão preenche estas exigências deve ser apreciada não apenas à luz da sua redação, mas também do seu contexto e do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa [v. Acórdão de 13 de junho de 2019, Visi/one/EUIPO — EasyFix (Suporte de cartazes para veículos), T‑74/18, EU:T:2019:417, n.o 57 e jurisprudência referida].

78      No presente caso, antes de mais, há que salientar que o dever de fundamentação só diz respeito à decisão impugnada e não à comunicação do relator do processo, que não é um ato suscetível de recurso. Com efeito, resulta da jurisprudência que as decisões da Câmara de Recurso são suscetíveis de recurso a interpor no juiz da União se produzirem «efeitos jurídicos vinculativos» em relação à parte no processo no EUIPO [v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 17 de março de 2009, Laytoncrest/IHMI — Erico (TRENTON), T‑171/06, EU:T:2009:70, n.o 21]. Não é o que sucede com a comunicação do relator na Câmara de Recurso.

79      Em seguida, resulta da análise do terceiro fundamento (v. n.os 30 a 69, supra) que, nos n.os 38 e 39 e 53 a 67 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso explicou claramente as razões pelas quais só um desenho ou modelo anterior de que, em seu apoio, fora junta ao pedido de declaração de nulidade uma representação que podia ser tomada em conta para efeitos do exame dos requisitos previstos nos artigos 5.o e 6.o do Regulamento n.o 6/2002. Em especial, a Câmara de Recurso baseou‑se numa interpretação do artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 à luz do artigo 28.o, n.o 1, alínea b), i), v) e vi), do Regulamento n.o 2245/2002, de resto desprovida de erro, conforme se concluiu quando da apreciação do terceiro fundamento. Esta argumentação elaborada respeita plenamente o dever de fundamentação enunciado no artigo 62.o, primeiro período, do Regulamento n.o 6/2002.

80      A primeira parte do presente fundamento deve assim ser julgada improcedente.

81      Com a segunda parte, no essencial, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de não ter tomado em consideração as representações constantes dos catálogos Blücher, em especial a que foi acima reproduzida no n.o 8, embora a admissibilidade e a pertinência desta última representação estivessem abrangidas pela força de caso julgado, na sequência do acórdão proferido no recurso interposto no Tribunal de Justiça.

82      A este respeito, cabe recordar que, nos termos do artigo 61.o, n.o 6, do Regulamento n.o 6/2002, o EUIPO deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia.

83      Segundo jurisprudência constante, para dar cumprimento ao acórdão de anulação e executá‑lo plenamente, a instituição de que emana o ato anulado é obrigada a respeitar não apenas o seu dispositivo, mas igualmente a fundamentação que conduziu a este último e que constitui o seu fundamento necessário, por serem indispensáveis para determinar o sentido exato do que foi decretado no dispositivo. Com efeito, são estes fundamentos que, por um lado, identificam exatamente a disposição considerada ilegal e, por outro, revelam as razões exatas da ilegalidade declarada no dispositivo e que têm de ser tomadas em consideração pela instituição em causa quando substitui o ato anulado (v. Acórdão de 27 de junho de 2013, Instrumentos de escrita, T‑608/11, não publicado, EU:T:2013:334, n.o 33 e jurisprudência referida).

84      No presente caso, há que salientar que o Tribunal de Justiça, nos n.os 69 a 71 do acórdão que proferiu no recurso que perante si foi interposto, declarou o seguinte:

«69      Ora, não pode ser exigido ao EUIPO que proceda, nomeadamente no âmbito da apreciação da novidade do desenho ou modelo contestado, à combinação dos diferentes elementos do desenho ou modelo anterior [isto é, a cuba de escoamento e a placa de cobertura acima reproduzida no n.o 8], pois é ao requerente da nulidade que cabe apresentar uma representação completa desse desenho ou modelo anterior. Além do mais, como salientou o advogado geral no n.o 152 das suas conclusões, qualquer eventual combinação estaria sujeita a imperfeições, porque implicaria necessariamente aproximações.

70      Nestas condições, como sustenta com razão o EUIPO e contrariamente ao que declarou o Tribunal Geral no n.o 78 do acórdão recorrido, o facto de o desenho ou modelo contestado consistir numa combinação de desenhos ou modelos já divulgados ao público e a respeito dos quais já foi indicado que se destinavam a ser utilizados conjuntamente, e na falta de indicação e de reprodução completas do desenho ou modelo cuja anterioridade é alegada, não é relevante para o efeito da análise da novidade, na aceção do artigo 5.o do Regulamento n.o 6/2002.

71      Acrescente‑se que o facto, salientado pelo Tribunal Geral no n.o 68 do acórdão recorrido, de a ESS, interveniente no Tribunal Geral, ter apresentado excertos de um catálogo da empresa Blücher, que são diferentes dos apresentados pela Group Nivelles com o seu pedido de declaração de nulidade, que incluíam uma imagem de uma placa de cobertura como a que figura no centro da ilustração reproduzida no n.o 23 do presente acórdão, colocada sobre uma cuba que inclui, por baixo, um sifão de escoamento, não permite suprir a falta de indicação e de reprodução precisas do desenho ou modelo anterior invocado pela Group Nivelles. Embora esse facto pudesse ser tido em conta pelo EUIPO para decretar medidas de instrução com base no artigo 65.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, já não lhe caberia combinar elementos de um ou vários desenhos ou modelos divulgados ao público de forma separada em diferentes excertos de catálogos juntos ao pedido de declaração de nulidade para obter a aparência completa do desenho ou modelo anterior invocado. Com efeito, e sem que seja necessário examinar o argumento do EUIPO, segundo o qual os n.os 68 e 76 do acórdão recorrido estão viciados de desvirtuamento dos factos, basta constatar que Tribunal Geral, nesse acórdão, não afirma que a imagem apresentada pela ESS constitui uma imagem completa do desenho ou modelo anterior exato cuja anterioridade foi alegada pela Group Nivelles.»

85      A este respeito, cabe recordar, antes de mais, que já foi declarado, no âmbito da apreciação do terceiro fundamento, que a questão da identificação dos desenhos ou modelos anteriores que devem ser comparados com o desenho ou modelo contestado nunca ficou definitivamente decidida nos processos que correram os seus termos no EUIPO, no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça (v. n.os 41 a 43, supra). A obrigação de respeitar a força de caso julgado não se aplica assim a esta questão específica.

86      Em seguida, importa observar que o excerto do acórdão proferido no recurso interposto no Tribunal de Justiça referido pela recorrente só diz respeito à obrigação de apresentar «reproduções completas» de um desenho ou modelo anterior. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a possibilidade de apresentar semelhante «representação completa» depois de ter sido apresentado o pedido de declaração de nulidade. A obrigação de respeitar a força de caso julgado não se aplica assim a esta questão específica.

87      Além disso, uma vez que a recorrente critica a Câmara de Recurso por não ter ordenado medidas de instrução ao abrigo do artigo 65.o do Regulamento n.o 6/2002, esta crítica não procede. A recorrente solicitou efetivamente, nas suas observações de 21 de setembro de 2018, que fossem ouvidas testemunhas, mas não explica em que medida a não adoção dessas diligências de instrução constitui um erro de apreciação. É certo que essas testemunhas podiam ter sustentado a alegação de que desenhos ou modelos parecidos com o desenho ou modelo contestado já eram conhecidos na data em que este último foi apresentado. Todavia, essa contribuição teria sido ineficaz, uma vez que a questão fundamental decidida pela Câmara de Recurso, ou seja, a identificação dos desenhos ou modelos anteriores que deviam ter sido tomados em consideração para apreciar a novidade e a singularidade do desenho ou modelo contestado, foi decidida de um ponto de vista jurídico, com base numa interpretação do artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 à luz do artigo 28.o, n.o 1, alínea b), i), v) e vi), do Regulamento n.o 2245/2002. O testemunho factual dos peritos teria deste modo, sido, seja como for, irrelevante neste contexto.

88      Por último, há que sublinhar que nem o Tribunal Geral nem o Tribunal de Justiça tomaram posição sobre a necessidade dessas medidas de instrução solicitadas e que, além disso, nem o Tribunal Geral nem o Tribunal de Justiça têm competência para dirigir injunções ao EUIPO, nomeadamente para efeitos da adoção dessas medidas de instrução [v., neste sentido, Acórdão de 9 de fevereiro de 2017, Mast‑Jägermeister/EUIPO (Copos), T‑16/16, EU:T:2017:68, n.o 27].

89      A segunda parte do presente fundamento deve assim ser julgada improcedente.

90      Com a terceira parte, a recorrente tece diversas críticas à comunicação do relator de 24 de julho de 2018.

91      A este respeito, basta observar que esta terceira parte é inadmissível, na medida em que os fundamentos de anulação suscitados numa petição só podem dizer respeito à decisão impugnada, e não a um ato processual anterior que não produz em si mesmo nenhum efeito jurídico e que constitui um ato que não é suscetível de recurso (v. n.o 77, supra), como sucede com a comunicação do relator.

92      Além disso, pelas razões já acima expostas nos n.os 41 a 43 e 84 a 89, esta terceira parte é também improcedente uma vez que diz respeito à força de caso julgado dos acórdãos do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância.

93      A terceira parte do presente fundamento deve assim ser afastada por ser inadmissível e, também, improcedente.

94      O primeiro fundamento deve assim ser rejeitado.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à determinação das características do desenho ou modelo contestado

95      Com o segundo fundamento, a recorrente alega que, no n.o 26 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso cometeu um erro quando procedeu à determinação das características do desenho ou modelo contestado. Baseando‑se novamente no n.o 69 do acórdão proferido no recurso interposto no Tribunal de Justiça (v. n.o 84, supra), a recorrente alega que não se podia exigir ao EUIPO que procedesse, no âmbito da apreciação do caráter da novidade do desenho ou modelo contestado, à combinação de diferentes elementos (no presente caso, uma cuba de escoamento e uma placa de cobertura) para obter a aparência completa desse desenho ou modelo. Em sua opinião, a questão pertinente é a da «característica distintiva» do desenho ou modelo contestado. Ora, das Observações da interveniente de 8 de dezembro de 2009 resulta que esta, de facto, não pretendeu registar a aparência de uma calha de escoamento de chuveiro, mas apenas a aparência de uma placa de cobertura destinada a ser utilizada em calhas de escoamento retangulares e oblongas. Resulta igualmente de duas decisões proferidas por órgão jurisdicionais neerlandeses que a única «característica distintiva» do desenho ou modelo contestado é «a placa de cobertura fechada» ou «a grelha [dita] “zero”», concretamente «uma grelha não perfurada, através da qual a água escoa através de ranhuras presentes em ambos os lados da referida grelha». Do mesmo modo, a Divisão de Anulação do EUIPO considerou que a única característica visível do desenho ou modelo contestado numa utilização normal é a parte superior da placa.

96      Segundo a recorrente, é totalmente coerente que a Divisão de Anulação, tendo chegado a essa conclusão, tenha fundamentado o seu entendimento numa comparação entre a aparência apenas da placa de cobertura «zero» do desenho ou modelo contestado e a aparência de todas as outras placas de cobertura anteriores, designadamente a que consta da página 33 dos catálogos Blücher. A circunstância de essas placas de cobertura se destinarem, sendo caso disso, a uma utilização combinada com uma cuba retangular e oblonga, formando assim uma calha de escoamento de chuveiro, tinha pouca importância a este respeito, pois, segundo a interveniente, as suas características não deviam ser consideradas distintivas, novas ou singulares e porque a cuba retangular e oblonga, bem como as características que lhe são próprias, não era visível quando de uma utilização normal da calha de escoamento.

97      O EUIPO e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

98      No n.o 26 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso recordou que, em 21 de setembro de 2018, a recorrente pediu que fosse realizada a uma audição e apresentou as suas observações baseadas, no essencial, em diversos argumentos, que a Câmara elencou. Em especial, a recorrente remeteu para as declarações apresentadas no decurso do processo anterior, que, em sua opinião, demonstram que os meios especializados tinham conhecimento da existência de desenhos ou modelos de calhas de escoamento de chuveiro cuja aparência consistia num recipiente ou numa cuba retangular de forma oblonga dotada da mesma placa de cobertura fechada. A recorrente remeteu, nomeadamente, para os documentos 5 a 7 que anexara e solicitou à Câmara que ouvisse essas testemunhas.

99      Com o segundo fundamento, a recorrente alega, no essencial, que a Câmara de Recurso cometeu um erro quando procedeu à determinação das características do desenho ou modelo contestado. A Câmara de Recurso cometeu o erro de atender a certas características do desenho ou modelo contestado, como as ranhuras laterais, embora a interveniente só tenha reivindicado direitos exclusivos sobre «a aparência de uma placa de cobertura de uma calha de escoamento, destinada a ser utilizada com calhas de escoamento (de chuveiro) retangulares e oblongas». Por outras palavras, a forma da calha de escoamento, retangular e oblonga, e as ranhuras laterais não se incluem no objeto da proteção do desenho ou modelo contestado. Só a forma da placa de cobertura da calha de chuveiro podia distinguir este desenho ou modelo dos desenhos ou modelos anteriores.

100    Há que começar por observar que o n.o 26 da decisão impugnada não faz parte dos «fundamentos da [referida] decisão» (n.os 27 a 116), mas integra o «resumo dos factos» (n.os 1 a 26), uma vez que se trata de um resumo dos argumentos da recorrente, e não de uma apreciação da Câmara de Recurso.

101    Ora, segundo a jurisprudência, devem ser considerados inoperantes fundamentos que não se destinam a pôr em causa as razões pelas quais a Câmara de Recurso negou provimento ao recurso que perante si foi interposto [v. Despacho de 16 de outubro de 2020, L. Oliva Torras/EUIPO — Mecánica del Frío (Uniões para veículos), T‑629/19, não publicado, EU:T:2020:506, n.o 26 e jurisprudência referida]. É o que no presente processo se verifica.

102    Além disso, há que recordar, à semelhança do EUIPO, que o objeto de um desenho ou modelo contestado e as suas características devem ser determinados apenas por referência às representações apresentadas em apoio do pedido de registo.

103    Com efeito, quando da apreciação da novidade ou da singularidade do desenho ou modelo contestado, este deve ser comparado com os desenhos ou modelos anteriores na forma em que foi registado [v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 8 de dezembro de 2005, Castellblanch/IHMI — Champagne Roederer (CRISTAL CASTELLBLANCH), T‑29/04, EU:T:2005:438, n.o 57, e de 21 de abril de 2021, Chanel/EUIPO — Huawei Technologies (Representação de um círculo com duas curvas entrelaçadas), T‑44/20, não publicado, EU:T:2021:207, n.o 25].

104    Além disso, as conclusões respeitantes ao objeto e às características de um desenho ou modelo contestado não podem ser deixadas à apreciação das partes e, em definitivo, ao seu livre arbítrio [v., neste sentido, a respeito da qualificação jurídica do ato de divulgação, Acórdão de 23 de outubro de 2018, Mamas and Papas/EUIPO — Wall‑Budden (Proteções almofadadas de berço), T‑672/17, não publicado, EU:T:2018:707, n.o 60].

105    O segundo fundamento deve assim ser rejeitado por ser inoperante e improcedente.

 Quanto aos quarto, quinto e sexto fundamentos, relativos à comparação dos desenhos ou modelos em conflito e à apreciação da singularidade do desenho ou modelo contestado

 Evocação da legislação e da jurisprudência

106    Por força do artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002, um desenho ou modelo comunitário pode ser declarado nulo se não preencher os requisitos previstos nos artigos 4.o a 9.o deste regulamento, entre os quais, designadamente, o da novidade e o da singularidade.

107    Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002, um desenho ou modelo comunitário registado possui caráter singular se a impressão global que suscita no utilizador informado diferir da impressão global suscitada nesse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado ao público antes da data de depósito do pedido de registo ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data de prioridade. O artigo 6.o, n.o 2, do mesmo regulamento precisa além disso que, para apreciar este caráter singular, será tido em consideração o grau de liberdade de que o criador dispôs na realização do desenho ou modelo.

108    A apreciação do caráter singular de um desenho ou modelo comunitário procede, em substância, de um exame em quatro fases. Este exame consiste em determinar, primeiro, o setor dos produtos nos quais o desenho ou modelo se destina a ser aplicado ou incorporado; segundo, o utilizador avisado dos referidos produtos consoante a sua finalidade e, por referência a esse utilizador avisado, o grau de conhecimento técnico anterior e o nível de atenção às similitudes e às diferenças na comparação dos desenhos ou modelos; terceiro, o grau de liberdade do criador na elaboração do desenho ou modelo, cuja influência no caráter singular seja proporcionalmente inverso; e, quarto, tendo este último em atenção, o resultado da comparação, direta se possível, das impressões globais suscitadas no utilizador avisado pelo desenho ou modelo controvertido e por qualquer desenho ou modelo anterior divulgado ao público, considerado individualmente (v. Acórdão de 13 de junho de 2019, Suporte de cartazes para veículos, T‑74/18, EU:T:2019:417, n.o 66 e jurisprudência referida).

109    Relativamente ao ou aos desenhos ou modelos anteriores, a apreciação do caráter singular de um desenho ou modelo deve ser efetuada por referência a um ou a vários desenhos ou modelos anteriores, individualizados de entre o conjunto dos desenhos ou modelos anteriormente divulgados ao público, e não por referência a uma combinação de elementos isolados, retirados de vários desenhos ou modelos anteriores (Acórdãos de 19 de junho de 2014, Karen Millen Fashions, C‑345/13, EU:C:2014:2013, n.os 25 e 35, e de 13 de junho de 2019, Suporte de cartazes para veículos, T‑74/18, EU:T:2019:417, n.o 84; v. igualmente, neste sentido, acórdão proferido no recurso interposto no Tribunal de Justiça, n.o 61). Assim, um desenho ou modelo anterior deve gozar de uma anterioridade «compacta» ou «em todos os seus elementos» e não pode ser o resultado de uma combinação.

110    É essencial que as instâncias do EUIPO disponham de uma imagem do desenho ou modelo anterior que permita apreender a aparência do produto no qual o desenho ou modelo está incorporado e identificar de maneira precisa e exata o desenho ou modelo anterior a fim de proceder, em conformidade com os artigos 5.o a 7.o do Regulamento n.o 6/2002, à apreciação da novidade e da singularidade do desenho ou modelo contestado e à comparação que esta implica entre os desenhos ou modelos em causa. Com efeito, examinar se o desenho ou modelo contestado é efetivamente desprovido de novidade ou de singularidade exige que se disponha de um desenho ou modelo anterior preciso e determinado. Além disso, cabe à parte que requereu a declaração de nulidade fornecer ao EUIPO as indicações necessárias e, em especial, a identificação e a reprodução precisas e completas do desenho ou modelo cuja anterioridade é alegada, para demonstrar que o desenho ou modelo contestado não pode ser validamente registado. Em contrapartida, não pode ser exigido ao EUIPO, nomeadamente no âmbito da apreciação da novidade do desenho ou modelo contestado, que proceda à combinação dos diferentes elementos do desenho ou modelo anterior, pois é ao requerente da declaração de nulidade que cabe apresentar uma representação completa desse desenho ou modelo anterior (v., neste sentido, acórdão proferido no recurso interposto no Tribunal de Justiça, n.os 64, 65 e 69).

111    Por outro lado, importa sublinhar que, para efeitos da invocação do desenho ou modelo anterior num processo de declaração de nulidade, bem como, também, no que respeita ao âmbito da proteção do desenho ou modelo num processo de contrafação, e atento o artigo 36.o, n.o 6, do Regulamento n.o 6/2002, é indiferente conhecer o setor dos produtos a que se refere o pedido de registo. Assim, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não se exige que o utilizador informado do desenho ou modelo contestado conheça o produto em que o desenho ou modelo anterior está incorporado ou em que se aplica (v., neste sentido, acórdão proferido no recurso interposto no Tribunal de Justiça, n.o 134). Dito de outro modo, um desenho ou modelo anterior incorporado num produto diferente daquele a que diz respeito o desenho ou modelo contestado constitui, em princípio, um desenho ou modelo anterior pertinente para efeitos da apreciação do caráter singular, na aceção do artigo 6.o do Regulamento n.o 6/2002, do desenho ou modelo contestado.

112    No que toca ao desenho ou modelo contestado, as características não visíveis do produto, que não dizem respeito à sua aparência, não podem ser tomadas em consideração para se determinar se o desenho ou modelo contestado podia ser objeto de proteção [v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2014, Biscuits Poult/IHMI — Banketbakkerij Merba (Bolacha), T‑494/12, EU:T:2014:757, n.o 29].

113    No que respeita à comparação dos desenhos ou modelos em conflito, segundo jurisprudência constante, o caráter singular de um desenho ou modelo resulta de uma impressão global de diferença, ou de inexistência de «déjà vu», do ponto de vista do utilizador avisado, em relação a qualquer anterioridade no património dos desenhos ou modelos existente, sem que se tomem em consideração diferenças que continuem a ser insuficientemente marcadas para afetar a referida impressão global, embora sejam mais do que pormenores insignificantes, antes atendendo a diferenças suficientemente marcadas para criar impressões globais dissemelhantes (v. Acórdão de 13 de junho de 2019, Suporte de cartazes para veículos, T‑74/18, EU:T:2019:417, n.o 83 e jurisprudência referida).

114    A comparação das impressões globais produzidas pelos desenhos ou modelos em conflito deve ser sintética e não se pode limitar à comparação analítica de uma enumeração de semelhanças e de diferenças. Esta comparação deve ter por base as características divulgadas no desenho ou modelo controvertido e deve incidir unicamente sobre as características protegidas, sem ter em conta as características, nomeadamente técnicas, excluídas da proteção. A referida comparação deve incidir sobre os desenhos ou modelos, em princípio, conforme registados, sem que possa ser exigido ao requerente da declaração de nulidade uma representação gráfica do desenho ou modelo invocado, comparável à representação que figura no pedido de registo do desenho ou modelo controvertido (v. Acórdão de 13 de junho de 2019, Suporte de cartazes para veículos, T‑74/18, EU:T:2019:417, n.o 84 e jurisprudência referida).

115    É à luz desta jurisprudência que há que examinar o quarto, o quinto e o sexto fundamentos da recorrente, depois de se terem reproduzido individualmente os desenhos ou modelos em conflito e recordado as apreciações efetuadas pela Câmara de Recurso nos n.os 98 a 112 da decisão impugnada.

 Reprodução individual dos desenhos ou modelos em conflito e evocação da decisão impugnada

116    Os desenhos ou modelos em conflito encontram‑se representados da seguinte forma, sendo que os seis que foram objeto do registo DM/059828 devem ser considerados individualmente, porquanto cada um deles constitui, sem prejuízo da análise do quarto fundamento (v. n.os 128 a 147, infra), uma anterioridade compacta (v. n.o 109, supra):

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