ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

30 de março de 2022 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado do frete aéreo — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.o TFUE, ao artigo 53.o do Acordo EEE e ao artigo 8.o do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Suíça relativo aos transportes aéreos — Coordenação de elementos do preço dos serviços de frete aéreo (sobretaxa de combustível, sobretaxa de segurança, pagamento de uma comissão sobre as sobretaxas) — Troca de informações — Competência territorial da Comissão — Artigo 266.o TFUE — Prescrição — Direitos de defesa — Não discriminação — Infração única e continuada — Montante da coima — Valor das vendas — Gravidade da infração — Montante adicional — Circunstâncias atenuantes — Encorajamento do comportamento anticoncorrencial pelas autoridades públicas — Participação substancialmente reduzida — Proporcionalidade — Competência de plena jurisdição»

No processo T‑340/17,

Japan Airlines Co. Ltd, com sede em Tóquio (Japão), representada por J.‑F. Bellis e K. Van Hove, advogados, e R. Burton, solicitor,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por A. Dawes, G. Koleva e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes, assistidos por J. Holmes, QC,

recorrida,

que tem por objeto um pedido, com base no artigo 263.o TFUE, de anulação da Decisão C(2017) 1742 final da Comissão, de 17 de março de 2017, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE], do artigo 53.o do Acordo EEE e do artigo 8.o do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo aos transportes aéreos (processo AT/39258 — Frete aéreo), na parte respeitante à recorrente, e, a título subsidiário, de redução do montante da coima que lhe foi aplicada.

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada),

composto por: H. Kanninen (relator), presidente, J. Schwarcz, C. Iliopoulos, D. Spielmann e I. Reine, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 3 de julho de 2019,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Japan Airlines Co. Ltd, anteriormente Japan Airlines International Co. Ltd, é uma companhia de transporte aéreo. À data dos factos, a recorrente era uma filial da Japan Airlines Corp. que absorveu e cuja sucessão jurídica assegura. Tem atividade no mercado dos serviços de frete aéreo (a seguir «frete») através de uma das suas divisões, denominada JAL Cargo.

2        No setor do frete, as companhias aéreas asseguram o transporte de carga por via aérea (a seguir «transportadoras»). Regra geral, as transportadoras prestam serviços de frete a transitários, que organizam o encaminhamento dessas cargas em nome dos expedidores. Em contrapartida, esses transitários pagam a essas transportadoras um preço que consiste, por um lado, em tarifas calculadas por quilograma e negociadas ou por um longo período (geralmente uma temporada, ou seja, seis meses) ou numa base pontual, e, por outro, em várias sobretaxas, que se destinam a cobrir certos custos.

3        Distinguem‑se quatro tipos de transportadoras: primeiro, as que operam exclusivamente aviões só de carga; segundo, as que, nos seus voos de passageiros, reservam parte do porão do avião para o transporte de mercadorias; terceiro, as que tanto têm aviões de carga como espaço reservado para frete no porão dos aviões de passageiros (companhias aéreas mistas) e, quarto, os integradores que têm aviões de carga que prestam tanto serviços integrados de entrega expresso como serviços gerais de frete.

4        Uma vez que nenhuma transportadora é capaz de servir todos os principais destinos de frete a nível mundial com frequências suficientes, desenvolveram‑se acordos entre elas para aumentar a sua cobertura de rede ou melhorar os seus horários, incluindo no contexto de alianças comerciais mais amplas entre transportadoras. Entre essas alianças, constava, à data dos factos, nomeadamente, a aliança WOW, que reunia a Deutsche Lufthansa AG (a seguir «Lufthansa»), a SAS Cargo Group A/S (a seguir «SAS Cargo»), a Singapore Airlines Cargo Pte Ltd (a seguir «SAC») e a recorrente.

A.      Procedimento administrativo

5        Em 7 de dezembro de 2005, a Comissão das Comunidades Europeias recebeu um pedido de imunidade ao abrigo da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2002, C 45, p. 3,) apresentado pela Lufthansa e pelas suas filiais Lufthansa Cargo AG e Swiss International Air Lines AG (a seguir «Swiss»). De acordo com esse pedido, existiam contactos anticoncorrenciais intensivos entre várias transportadoras, relativos, nomeadamente:

—        à sobretaxa de combustível (a seguir «STC»), introduzida para dar resposta ao custo crescente do combustível;

—        à sobretaxa de segurança (a seguir «STS»), introduzida para dar resposta ao custo de certas medidas de segurança impostas após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

6        Em 14 e 15 de fevereiro de 2006, a Comissão realizou inspeções sem aviso prévio nas instalações de várias transportadoras, em conformidade com o artigo 20.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o TFUE] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1).

7        Após essas inspeções, várias transportadoras, incluindo a recorrente, apresentaram um pedido ao abrigo da Comunicação de 2002 acima referida no n.o 5.

8        Em 19 de dezembro de 2007, após ter enviado vários pedidos de informação, a Comissão enviou uma comunicação de acusações a 27 transportadoras, incluindo a recorrente (a seguir «comunicação de acusações»). Aí se indicava que essas transportadoras haviam infringido o artigo 101.o TFUE, o artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) e o artigo 8.o do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo aos transportes aéreos (a seguir «Acordo CE/Suíça relativo aos transportes aéreos»), ao participarem num cartel relativo, nomeadamente, à STC, à STS e a uma recusa de pagamento de comissões sobre as sobretaxas (a seguir «recusa de pagamento de comissões»).

9        Em resposta à comunicação de acusações, os seus destinatários apresentaram observações escritas.

10      Entre 30 de junho e 4 de julho de 2008, realizou‑se uma audiência.

B.      Quanto à Decisão de 9 de novembro de 2010

11      Em 9 de novembro de 2010, a Comissão adotou a Decisão C(2010) 7694 final, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE], do artigo 53.o do Acordo EEE e do artigo 8.o do Acordo [CE‑]Suíça relativo aos transportes aéreos (processo COMP/39258 — Frete aéreo) (a seguir «Decisão de 9 de novembro de 2010»). Essa decisão era dirigida a 21 transportadoras (a seguir «transportadoras arguidas na Decisão de 9 de novembro de 2010»), a saber:

—        a Air Canada;

—        a Air France‑KLM (a seguir «AF‑KLM»);

—        a Société Air France (a seguir «AF»);

—        a Koninklijke Luchtvaart Maatschappij NV (a seguir «KLM»);

—        a British Airways plc;

—        a Cargolux Airlines International SA (a seguir «Cargolux»);

—        a Cathay Pacific Airways Ltd (a seguir «CPA»);

—        a Japan Airlines Corp.;

—        a recorrente;

—        a Lan Airlines SA (a seguir «Lan»);

—        a Lan Cargo SA;

—        a Lufthansa Cargo;

—        a Lufthansa;

—        a Swiss;

—        a Martinair Holland NV (a seguir «Martinair»);

—        a Qantas Airways Ltd (a seguir «Qantas»);

—        a SAS AB;

—        SAS Cargo;

—        a Scandinavian Airlines System Denmark‑Norway‑Sweden (a seguir «SAS Consortium»);

—        a SAC;

—        a Singapore Airlines Ltd (a seguir «SIA»).

12      As acusações deduzidas provisoriamente contra os outros destinatários da comunicação de acusações foram retiradas (a seguir «transportadoras não arguidas»).

13      A Decisão de 9 de novembro de 2010 descrevia, na sua fundamentação, uma infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE, ao artigo 53.o do Acordo EEE e ao artigo 8.o do Acordo CE/Suíça relativo aos transportes aéreos, que abrange o território do EEE e da Suíça, através do qual as transportadoras arguidas na Decisão de 9 de novembro de 2010 teriam concertado o seu comportamento em matéria de tarifação para a prestação de serviços de frete.

14      O dispositivo da Decisão de 9 de novembro de 2010, na parte respeitante à recorrente, tinha a seguinte redação:

«Artigo 2.o

As empresas seguintes infringiram o artigo 101.o TFUE ao participarem numa infração constituída simultaneamente por acordos e práticas concertadas, por meio dos quais coordenaram diversos elementos do preço dos serviços de [frete] nas ligações entre aeroportos situados na União Europeia e aeroportos fora do EEE, durante os períodos seguintes:

[…]

Japan Airlines [Corp.], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

[recorrente], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

[…]

Artigo 3. o

As empresas seguintes infringiram o artigo 53.o do Acordo EEE ao participarem numa infração constituída simultaneamente por acordos e práticas concertadas, por meio dos quais coordenaram diversos elementos do preço dos serviços de [frete] nas ligações entre aeroportos situados em países que são partes contratantes no Acordo EEE, mas que não são Estados‑Membros, e em países terceiros, durante os períodos seguintes:

[…]

h)      [Japan Airlines Corp.] de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

i)      [recorrente], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

[…]

Artigo 5. o

São aplicadas as seguintes coimas pelas infrações referidas nos artigos 1.o a 4.o [da Decisão de 9 de novembro de 2010]:

[…]

h)      [Japan Airlines Corp.] e [a recorrente] solidariamente: 35 700 000 euros;

[…]

Artigo 6.o

As empresas indicadas nos artigos 1.o a 4.o devem pôr imediatamente termo às infrações mencionadas nos referidos artigos, se ainda o não tiverem feito.

Devem abster‑se de repetir qualquer ato ou comportamento descrito nos artigos 1.o a 4.o ou que tenha um objeto ou efeito equivalente.»

C.      Quanto ao recurso da Decisão de 9 de novembro de 2010 no Tribunal Geral

15      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de janeiro de 2011, a recorrente interpôs recurso de anulação da Decisão de 9 de novembro de 2010, na parte que lhe dizia respeito, pedindo ainda, a título subsidiário, a redução da coima que lhe foi aplicada e à Japan Airlines Corp. As outras transportadoras arguidas na Decisão de 9 de novembro de 2010, com exceção da Qantas, também recorreram dessa decisão para o Tribunal Geral.

16      Por Acórdãos de 16 de dezembro de 2015, Air Canada/Comissão (T‑9/11, não publicado, EU:T:2015:994), Koninklijke Luchtvaart Maatschappij/Comissão (T‑28/11, não publicado, EU:T:2015:995), Japan Airlines/Comissão (T‑36/11, não publicado, EU:T:2015:992), Cathay Pacific Airways/Comissão (T‑38/11, não publicado, EU:T:2015:985), Cargolux Airlines/Comissão (T‑39/11, não publicado, EU:T:2015:991), Latam Airlines Group e Lan Cargo/Comissão (T‑40/11, não publicado, EU:T:2015:986), Singapore Airlines e Singapore Airlines Cargo Pte/Comissão (T‑43/11, não publicado, EU:T:2015:989), Deutsche Lufthansa e o./Comissão (T‑46/11, não publicado, EU:T:2015:987), British Airways/Comissão (T‑48/11, não publicado, EU:T:2015:988), SAS Cargo Group e o./Comissão (T‑56/11, não publicado, EU:T:2015:990), Air France‑KLM/Comissão (T‑62/11, não publicado, EU:T:2015:996), Air France/Comissão (T‑63/11, não publicado, EU:T:2015:993) e Martinair Holland/Comissão (T‑67/11, EU:T:2015:984), o Tribunal Geral anulou, integral ou parcialmente, a Decisão de 9 de novembro de 2010 no que toca, respetivamente, à Air Canada, à KLM, à recorrente e à Japan Airlines Corp., à CPA, à Cargolux, à Latam Airlines Group SA (anteriormente Lan Airlines) e à Lan Cargo, à SAC e à SIA, à Lufthansa, à Lufthansa Cargo e à Swiss, à British Airways, à SAS Cargo, à SAS Consortium e à SAS, à AF‑KLM, à AF e à Martinair. O Tribunal Geral considerou que essa decisão estava ferida de vício de fundamentação.

17      A esse respeito, o Tribunal Geral considerou, em primeiro lugar, que a Decisão de 9 de novembro de 2010 estava ferida de contradições entre a fundamentação e o dispositivo. Considerou que os fundamentos dessa decisão descreviam uma infração única e continuada, relativa a todas as rotas abrangidas pelo cartel, na qual tinham participado as transportadoras arguidas na Decisão de 9 de novembro de 2010. Em contrapartida, o dispositivo dessa decisão identificava ou quatro infrações únicas e continuadas distintas ou uma só infração única e continuada, cuja responsabilidade só seria imputada às transportadoras que, nas rotas referidas nos artigos 1.o a 4.o da mesma decisão, tivessem participado diretamente nos comportamentos ilícitos referidos em cada um desses artigos ou que tivessem tido conhecimento de colusão nessas rotas, cujo risco aceitavam. Ora, nenhuma destas duas leituras do dispositivo dessa decisão estava de acordo com a sua fundamentação.

18      O Tribunal Geral rejeitou igualmente, por incompatível com os fundamentos da Decisão de 9 de novembro de 2010, a leitura alternativa do seu dispositivo proposta pela Comissão, que consistia em considerar que a falta de menção a certas transportadoras arguidas na Decisão de 9 de novembro de 2010 nos artigos 1.o, 3.o e 4.o da referida decisão se podia explicar, sem que necessariamente se deva considerar que esses artigos davam por provadas infrações únicas e continuadas distintas, pelo facto de essas transportadoras não explorarem as rotas abrangidas por essas disposições.

19      Em segundo lugar, o Tribunal Geral considerou que os fundamentos da Decisão de 9 de novembro de 2010 continham contradições internas significativas.

20      Em terceiro lugar, tendo verificado que nenhuma das duas leituras possíveis do dispositivo da Decisão de 9 de novembro de 2010 estava de acordo com os seus fundamentos, o Tribunal Geral examinou se, no contexto de pelo menos uma dessas duas leituras, as contradições internas dessa decisão eram suscetíveis de lesar os direitos de defesa da recorrente e de impedir o Tribunal Geral de exercer a sua fiscalização. No que respeita à primeira leitura, que dá por provada a existência de quatro infrações únicas e continuadas distintas, considerou, primeiro, que a recorrente não tinha tido a possibilidade de compreender até que ponto as provas apresentadas na fundamentação, relativas à existência de uma infração única e continuada, eram capazes de demonstrar a existência das quatro infrações distintas dadas por provadas no dispositivo, não tendo, portanto, tido a possibilidade de impugnar a sua suficiência. Segundo, considerou que a recorrente tinha sido impossibilitada de compreender a lógica que tinha levado a Comissão a considerá‑la responsável por uma infração, incluindo em rotas não asseguradas no interior do perímetro definido para cada artigo da Decisão de 9 de novembro de 2010.

D.      Decisão recorrida

21      Em 20 de maio de 2016, na sequência da anulação decretada pelo Tribunal Geral, a Comissão enviou um ofício (a seguir «ofício de 20 de maio de 2016») às transportadoras arguidas na Decisão de 9 de novembro de 2010 que tinham interposto recurso dessa decisão no Tribunal Geral, informando‑as de que a sua Direção‑Geral (DG) da Concorrência pretendia propor‑lhe a adoção de uma nova decisão que concluísse que tinham participado numa infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE, ao artigo 53.o do Acordo EEE e ao artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos em todas as rotas mencionadas nessa decisão.

22      Os destinatários do ofício da Comissão acima referido no n.o 21 foram convidados a expressar a sua opinião sobre a proposta da DG da Concorrência da Comissão no prazo de um mês. Todos eles, incluindo a recorrente, fizeram uso dessa possibilidade.

23      Em 17 de março de 2017, a Comissão adotou a Decisão C(2017) 1742 final relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE], do artigo 53.o do Acordo EEE e do artigo 8.o do Acordo [CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos] (processo AT.39258 — Frete aéreo) (a seguir «decisão recorrida»). Essa decisão é dirigida a 19 transportadoras (a seguir «transportadoras arguidas», a saber:

—        a Air Canada;

—        a AF‑KLM;

—        a AF;

—        a KLM;

—        a British Airways;

—        a Cargolux;

—        a CPA;

—        a recorrente;

—        a Latam Airlines Group;

—        a Lan Cargo;

—        a Lufthansa Cargo;

—        a Lufthansa;

—        a Swiss;

—        a Martinair;

—        a SAS;

—        a SAS Cargo;

—        a SAS Consortium;

—        a SAC;

—        a SIA.

24      A decisão recorrida não deu por provadas acusações contra os outros destinatários da comunicação de acusações.

25      A decisão recorrida descreve, nos seus fundamentos, uma infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE, ao artigo 53.o do Acordo EEE e ao artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos, pela qual as transportadoras arguidas tinham coordenado o seu comportamento em matéria de tarifação para a prestação de serviços de frete em todo o mundo através da STC, da STS e do pagamento de uma comissão sobre as sobretaxas.

26      Em primeiro lugar, no ponto 4.1 da decisão recorrida, a Comissão descreveu os «[P]rincípios [B]ásicos e [a E]strutura do [C]artel». Nos considerandos 107 e 108 dessa decisão, indicou que a investigação revelou um cartel de amplitude mundial baseado numa rede de contactos bilaterais e multilaterais entre concorrentes durante um longo período de tempo, relativamente ao comportamento que tinham decidido, planeado ou previsto adotar em relação a vários elementos de preço dos serviços de frete, nomeadamente a STC, a STS e a recusa de pagamento de comissões. Salientou que o objetivo comum dessa rede de contactos era coordenar o comportamento dos concorrentes em matéria de tarifação ou reduzir a incerteza na sua política de preços (a seguir «cartel controvertido»).

27      De acordo com o considerando 109 da decisão recorrida, o objetivo da aplicação coordenada da STC era assegurar que as transportadoras em todo o mundo impunham uma sobretaxa fixa por quilo para todas as remessas em causa. Afirma que foi criada uma rede complexa de contactos, principalmente bilaterais, entre transportadoras com o objetivo de coordenar e controlar a aplicação da STC, sendo a data precisa de aplicação frequentemente, de acordo com a Comissão, decidida a nível local, com o principal transportador local a assumir geralmente a liderança e sendo seguido pelos outros. Afirma que essa abordagem coordenada tinha sido alargada à STS e à recusa de pagamento de comissões, de modo que estas se tinham tornado receitas líquidas para as transportadoras e constituído um incentivo adicional para os levar a seguir a coordenação nas sobretaxas.

28      Segundo o considerando 110 da decisão recorrida, a direção geral da sede de várias transportadoras estava diretamente envolvida nos contactos com os concorrentes ou era regularmente informada dos mesmos. No caso das sobretaxas, os colaboradores responsáveis da sede estavam em contacto uns com os outros quando estava iminente uma mudança no nível da sobretaxa. A recusa de pagamento de comissões foi também alegadamente confirmada várias vezes nos contactos a nível da administração central. Houve também contactos frequentes a nível local com o objetivo, por um lado, de melhor cumprir as instruções dadas pelas administrações centrais e de as adaptar às condições do mercado local e, por outro, de coordenar e levar a cabo as iniciativas locais. Neste último caso, as sedes das transportadoras autorizavam geralmente a ação proposta ou dela tinham sido informadas.

29      De acordo com o considerando 111 da decisão recorrida, as transportadoras entravam em contacto umas com as outras, quer bilateralmente quer em pequenos grupos ou, em alguns casos, em grandes fóruns multilaterais. As associações locais de representantes de transportadoras eram utilizadas, nomeadamente em Hong Kong e na Suíça, para discutir medidas de melhoria do rendimento e para coordenar as sobretaxas. Para esses fins, foram também exploradas reuniões de alianças, tais como a aliança WOW.

30      Em segundo lugar, nos pontos 4.3, 4.4 e 4.5 da decisão recorrida, a Comissão descreveu os contactos relativos, respetivamente, à STC, à STS e à recusa de pagamento de comissões (a seguir «contactos controvertidos»).

31      Assim, primeiro, nos considerandos 118 a 120 da decisão recorrida, a Comissão resumiu os contactos relativos à STC do seguinte modo:

«(118)      No final de 1999 — início de 2000, foi criada uma rede de contactos bilaterais que envolvia várias companhias aéreas e que permitia a partilha de informações sobre as ações das empresas pelos participantes entre todos os membros da rede. As transportadoras entravam regularmente em contacto umas com as outras a fim de discutir quaisquer questões relacionadas com a STC, incluindo mudanças no mecanismo, mudanças no nível da STC, a aplicação coerente do mecanismo e as situações em que certas companhias aéreas não acompanhavam o sistema.

(119)      Para a implementação das STC a nível local, foi frequentemente aplicado um sistema em que as companhias aéreas dominantes em certas rotas ou em certos países anunciavam primeiro a mudança e eram depois seguidas pelas outras […].

120)      A coordenação anticoncorrencial relativa à STC decorria principalmente em quatro contextos: em ligação com a introdução das STC no início de 2000, a reintrodução de um mecanismo de STC após o cancelamento do mecanismo pela [Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA)], a introdução de novos limiares de acionamento (aumentando o nível máximo da STC) e, em particular, o ponto em que os índices de combustível se aproximavam do limiar a partir do qual seria acionado um aumento ou diminuição da STC.»

32      Em segundo lugar, no considerando 579 da decisão recorrida, a Comissão resumiu os contactos relacionados com o STS da seguinte forma:

«Várias [transportadoras arguidas] discutiram, entre outras coisas, as suas intenções de introduzir uma STS […] Além disso, o montante da sobretaxa e o calendário para a sua introdução também foram discutidos. As [transportadoras arguidas] também partilharam ideias sobre a justificação a dar aos seus clientes. Durante todo o período compreendido entre 2002 e 2006, houve contactos pontuais relativamente à implementação da STS. A coordenação ilícita ocorreu tanto a nível das administrações centrais como a nível local.»

33      Em terceiro lugar, no considerando 676 da decisão recorrida, a Comissão indicou que as transportadoras arguidas tinham «continuado a recusar‑se a pagar uma comissão de sobretaxas e tinham confirmado mutuamente a sua intenção a esse respeito em numerosos contactos».

34      Em terceiro lugar, no ponto 4.6 da decisão recorrida, a Comissão avaliou os contactos controvertidos. A apreciação dos imputados à recorrente é apresentada nos considerandos 760 a 764 dessa decisão.

35      No considerando 765 da decisão recorrida, a Comissão acrescentou que a recorrente não impugnava os factos apresentados na comunicação de acusações.

36      Em quarto lugar, no n.o 5 da decisão recorrida, a Comissão aplicou aos factos do caso o artigo 101.o TFUE, não deixando de precisar, na nota de pé de página n.o 1289 dessa decisão, que as considerações feitas eram igualmente válidas para o artigo 53.o do Acordo EEE e para o artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos. Assim, em primeiro lugar, no considerando 846 dessa decisão, a Comissão considerou que as transportadoras arguidas tinham coordenado o seu comportamento ou influenciado a tarifação, «o que, em última análise, equival[ia] a uma fixação de preços em relação» à STC, à STS e ao pagamento de uma comissão sobre as sobretaxas. No considerando 861 da mesma decisão, qualificou o «sistema geral de coordenação do comportamento tarifário de serviços de frete» cuja existência o seu inquérito revelou de «infração complexa constituída por várias ações que [podiam] ser qualificadas quer de acordo quer de prática concertada em que os concorrentes substituíam conscientemente os riscos da concorrência pela cooperação prática entre si».

37      Em segundo lugar, no considerando 869 da decisão recorrida, a Comissão deu por provado que o «comportamento em causa constitu[ía] uma infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE». Considerou nessa decisão que os acordos em causa prosseguiam um objetivo anticoncorrencial único de entravar a concorrência no setor do frete no EEE, incluindo nos casos em que a coordenação ocorrera a nível local e tinha tido variações locais (considerandos 872 a 876), eram relativos a um «produto/serviço único», a saber, «a prestação de serviços de frete […] e a sua tarifação» (considerando 877), diziam respeito às mesmas empresas (considerando 878), tinham uma natureza única (considerando 879) e diziam respeito a três componentes, a saber, a STC, a STS e a recusa de pagamento de comissões, que foram «frequentemente discutidas em conjunto durante o mesmo contacto com os concorrentes» (considerando 880).

38      No considerando 881 da decisão recorrida, a Comissão acrescentou que «a maioria das partes», incluindo a recorrente, estavam envolvidas nas três componentes da infração única.

39      Em terceiro lugar, no considerando 884 da decisão recorrida, a Comissão concluiu pelo caráter continuado da infração.

40      Em quarto lugar, nos considerandos 885 a 890 da decisão recorrida, a Comissão examinou a relevância dos contactos em países terceiros e dos contactos relativos a rotas que as transportadoras nunca tinham servido ou não podiam ter servido legalmente. Considerou que, tendo em conta a natureza mundial do cartel, esses contactos eram relevantes para demonstrar a existência da infração única e continuada. Em particular, observou que as sobretaxas eram medidas de aplicação geral que não eram específicas de uma rota, mas que se destinavam a ser aplicadas a todas as rotas, a nível mundial, incluindo as rotas de e para o EEE e Suíça. Indicou que a recusa de pagamento de comissões era também de natureza geral. Por outro lado, considerou que não existiam barreiras intransponíveis que impedissem as transportadoras de prestar serviços de frete em rotas que nunca tinham servido ou que não podiam legalmente servir, em particular em resultado dos acordos que estavam em condições de celebrar entre si.

41      Em quinto lugar, no considerando 903 da decisão recorrida, a Comissão considerou que o comportamento controvertido tinha por objeto restringir a concorrência «pelo menos no interior da U[nião], do EEE e da Suíça». No considerando 917 dessa decisão, a Comissão acrescentou essencialmente que não era, portanto, necessário ter em conta os «efeitos reais» desse comportamento.

42      Em sexto lugar, nos considerandos 922 a 971 da decisão recorrida, a Comissão examinou a aliança WOW. No considerando 971 dessa decisão, concluiu o seguinte:

«Tendo em conta o conteúdo do acordo da aliança WOW e a sua implementação, a Comissão considera que a coordenação das sobretaxas entre os membros da [aliança] WOW ocorreu fora do quadro legítimo da aliança, que não a justifica». Os membros estavam de facto cientes da ilicitude de tal coordenação. Além disso, estavam conscientes de que a coordenação das sobretaxas envolvia [várias transportadoras] que não participavam na [aliança] WOW. Por conseguinte, a Comissão considera que os elementos probatórios relativos aos contactos entre os membros da [aliança] WOW […] constituem a prova da sua participação na infração ao artigo 101.o TFUE, conforme descrita na presente decisão.»

43      Em sétimo lugar, nos considerandos 972 a 1021 da decisão recorrida, a Comissão examinou a legislação de sete países terceiros que várias transportadoras arguidas alegavam impor‑lhes que se concertassem quanto às sobretaxas, assim obstando à aplicação das normas da concorrência aplicáveis. A Comissão considerou que essas transportadoras não tinham conseguido provar que tinham agido sob coação dos referidos países terceiros.

44      Em oitavo lugar, nos considerandos 1024 a 1035 da decisão recorrida, a Comissão considerou que a infração única e continuada era suscetível de afetar sensivelmente as trocas entre Estados‑Membros, entre as partes contratantes do Acordo EEE e entre as partes contratantes do Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos.

45      Em nono lugar, a Comissão examinou os limites da sua competência territorial e temporal para dar por provada e punir uma infração às normas da concorrência no caso. Por um lado, nos considerandos 822 a 832 da decisão recorrida, sob o título «Competência da Comissão», a Comissão considerou, em substância, que não aplicaria, primeiro, o artigo 101.o TFUE aos acordos e práticas anteriores a 1 de maio de 2004 relativos às rotas entre aeroportos na União Europeia e aeroportos fora do EEE (a seguir «rotas União‑países terceiros»), seguidamente, o artigo 53.o do Acordo EEE aos acordos e práticas anteriores a 19 de maio de 2005 relativos às rotas União‑países terceiros e entre aeroportos situados em países que fossem partes contratantes no Acordo EEE e que não fossem membros da União e aeroportos de países terceiros (a seguir «rotas EEE, exceto União‑países terceiros», e, conjuntamente com as rotas União‑países terceiros, «rotas EEE‑países terceiros») e, por último, o artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos aos acordos e práticas anteriores a 1 de junho de 2002 relativos às rotas entre aeroportos no interior da União e aeroportos suíços (a seguir «rotas UE‑Suíça»). Precisou também que a decisão recorrida não tinha «nenhuma pretensão de revelar qualquer infração ao artigo 8.o do Acordo [CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos] relativamente aos serviços de frete [entre a Suíça e países terceiros]».

46      Em segundo lugar, nos considerandos 1036 a 1046 da decisão recorrida, sob o título «Aplicabilidade do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE às rotas de entrada», a Comissão rejeitou os argumentos de várias transportadoras arguidas no sentido de que excedia os limites da sua competência territorial à luz das regras do direito internacional público, ao dar por provada e punir uma infração a essas duas disposições nas rotas com origem em países terceiros e destino no EEE (a seguir «rotas de entrada» e, no respeitante aos serviços de frete oferecidos nessas rotas, os «serviços de frete de entrada»). Em particular, no considerando 1042 dessa decisão, a Comissão lembrou desta forma os critérios que considerava aplicáveis:

«No que respeita à aplicação extraterritorial do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE, estas disposições são aplicáveis aos acordos que são executados na U[nião] (teoria da execução) ou que tenham efeitos imediatos, substanciais e previsíveis na U[nião] (teoria dos efeitos).»

47      Nos considerandos 1043 a 1046 da decisão recorrida, a Comissão aplicou os critérios em questão aos factos do caso:

«(1043) No caso dos serviços de frete [de entrada], o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE são aplicáveis, pois o próprio serviço objeto da infração em matéria de fixação de preços deve ser prestado e é, com efeito, prestado em parte no território do EEE. Além disso, foram efetuados numerosos contactos através dos quais os destinatários coordenaram as sobretaxas e a [recusa de] pagar comissões no interior do EEE ou envolveram participantes que se encontravam no EEE.

(1044) O exemplo dado na Comunicação [consolidada da Comissão em matéria de competência ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2008, C 95, p. 1, e retificação no JO 2009, C 43, p. 10)] não é relevante para o caso. A [referida] comunicação refere‑se à repartição geográfica do volume de negócios entre as empresas para determinar se são atingidos os limiares do volume de negócios do artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas [(JO 2004, L 24, p. 1)].

(1045) Além disso, as práticas anticoncorrenciais nos países terceiros no que respeita ao frete […] para a União e para o EEE são suscetíveis de ter efeitos imediatos, substanciais e previsíveis na União e no EEE, dado que o aumento dos custos do transporte aéreo para o EEE e, por conseguinte, os preços mais altos das mercadorias importadas são, pela sua natureza, suscetíveis de ter efeitos nos consumidores no EEE. No caso, as práticas anticoncorrenciais que eliminam a concorrência entre transportadoras que oferecem serviços de frete [de entrada] eram suscetíveis de ter tais efeitos também na prestação de serviços [de frete] por outras transportadoras no EEE, entre as plataformas de correspondência (“hubs”) no EEE utilizadas pelas transportadoras de países terceiros e os aeroportos de destino de tais carregamentos no EEE que não são servidos pelo transportador do país terceiro.

(1046) Por último, há que assinalar que a Comissão descobriu um cartel a nível mundial. O cartel foi aplicado a nível mundial e os acordos do cartel relativos às rotas de entrada faziam parte integrante da infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE. Os acordos do cartel eram, em muitos casos, organizados centralmente e o pessoal local mais não fazia do que aplicá‑los. A aplicação uniforme das sobretaxas à escala mundial era um elemento‑chave do cartel.»

48      Em quinto lugar, no considerando 1146 da decisão recorrida, a Comissão deu por provado que o cartel teve início em 7 de dezembro de 1999 e durou até 14 de fevereiro de 2006. No mesmo considerando, precisou que o cartel tinha infringido:

—        o artigo 101.o TFUE, de 7 de dezembro de 1999 a 14 de fevereiro de 2006, no que respeitava aos transportes aéreos entre aeroportos da União;

—        o artigo 101.o do TFUE, de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006, no que dizia respeito aos transportes aéreos nas rotas União/países terceiros;

—        o artigo 53.o do Acordo EEE, de 7 de dezembro de 1999 a 14 de fevereiro de 2006, no que respeitava aos transportes aéreos entre aeroportos no EEE (a seguir «rotas intra‑EEE»);

—        o artigo 53.o do Acordo EEE, de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006, no que respeitava aos transportes aéreos nas rotas EEE, exceto União‑países terceiros;

—        o artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos, de 1 de junho de 2002 a 14 de fevereiro de 2006, no que respeitava aos transportes aéreos nas rotas União‑Suíça.

49      Quanto à recorrente, a Comissão considerou que a duração da infração foi de 7 de dezembro de 1999 a 14 de fevereiro de 2006.

50      Em sexto lugar, no ponto 8 da decisão recorrida, a Comissão analisou as medidas corretivas a tomar e as coimas a aplicar.

51      Em particular, no que respeita à determinação do montante das coimas, a Comissão indicou ter tido em conta a gravidade e a duração da infração única e continuada, bem como as eventuais circunstâncias agravantes ou atenuantes. A esse respeito, baseou‑se nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «Orientações de 2006»).

52      Nos considerandos 1184 e 1185 da decisão recorrida, a Comissão indicou que o montante de base da coima era composto por uma proporção que podia ir até 30 % do valor das vendas da empresa, determinada em função da gravidade da infração, multiplicada pelo número de anos de participação da empresa na infração, a que acrescia um montante adicional compreendido entre 15 % e 25 % do valor das vendas (a seguir «montante adicional»).

53      No considerando 1197 da decisão recorrida, a Comissão determinou o valor das vendas somando, com base no ano de 2005, que foi o último ano completo antes do fim da infração única e continuada, o volume de negócios relativo aos voos nos dois sentidos nas rotas intra‑EEE, nas rotas União‑países terceiros, nas rotas União‑Suíça e nas rotas EEE, exceto União‑países terceiros. Teve igualmente em conta a adesão de novos Estados‑Membros à União em 2004.

54      Nos considerandos 1198 a 1212 da decisão recorrida, tendo em conta a natureza da infração (acordos horizontais de fixação de preços), a quota de mercado acumulada das transportadoras arguidas (34 % a nível mundial e pelo menos outro tanto nas rotas intra‑EEE e EEE‑países terceiros), o âmbito geográfico do cartel controvertido (mundial) e a sua aplicação efetiva, a Comissão fixou o coeficiente de gravidade em 16 %.

55      Nos considerandos 1214 a 1217 da decisão recorrida, a Comissão determinou da seguinte forma a duração da participação da recorrente na infração única e continuada, em função dos itinerários em causa:

—        no respeitante às rotas intra‑EEE: de 7 de dezembro de 1999 a 14 de fevereiro de 2006, avaliada, em termos de número de anos e meses, em seis anos e dois meses, e um fator de multiplicação de 6 e 2/12;

—        no respeitante às rotas União‑países terceiros: de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006, avaliada, em número de anos e meses, em um ano e nove meses e um fator de multiplicação de 1 e 9/12;

—        no respeitante às rotas União‑Suíça: de 1 de junho de 2002 a 14 de fevereiro de 2006, avaliada, em número de anos e meses, em três anos e oito meses, e um fator de multiplicação de 3 e 8/12;

—        no respeitante às rotas EEE, exceto União‑países terceiros: de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006, avaliada, em termos de número de meses, em oito meses e um fator de multiplicação de 8/12.

56      No considerando 1219 da decisão recorrida, a Comissão considerou que, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso e os critérios acima expostos no n.o 54, o montante adicional devia corresponder a 16 % do valor das vendas.

57      Consequentemente, nos considerandos 1240 a 1242 da decisão recorrida, o montante de base avaliado para a recorrente em 113 000 000 euros foi fixado em 56 000 000 euros, após a aplicação de uma redução de 50 % com base no ponto 37 das Orientações de 2006 (a seguir «redução geral de 50 %») e associada ao facto de parte dos serviços relacionados com as rotas de entrada e com as rotas com partida no EEE e com destino em países terceiros (a seguir «rotas de saída») ter sido prestada fora do território abrangido pelo Acordo EEE e de, por conseguinte, ser provável que parte dos danos tenha ocorrido fora desse território.

58      Nos considerandos 1264 e 1265 da decisão recorrida, nos termos do n.o 29 das Orientações de 2006, a Comissão concedeu às transportadoras arguidas uma redução adicional do montante de base da coima de 15 % (a seguir «redução geral de 15 %»), pelo facto de certos regimes regulamentares terem encorajado o cartel controvertido.

59      Por conseguinte, no considerando 1293 da decisão recorrida, a Comissão fixou o montante de base da coima da recorrente, após ajustamento, em 47 600 000 euros.

60      Nos considerandos 1314 a 1322 da decisão recorrida, a Comissão teve em conta a contribuição da recorrente no âmbito do seu pedido de clemência, aplicando uma redução de 25 % ao montante da coima, de modo que, como referido no considerando 1404 da decisão recorrida, o montante da coima aplicada à recorrente foi fixado em 35 700 000 euros.

61      O dispositivo da decisão recorrida, na parte em que respeita à recorrente, tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

Ao coordenarem o seu comportamento em matéria de tarifação para a prestação de serviços de frete em todo o mundo no que respeita à [STC], à [STS] e ao pagamento de uma comissão sobre as sobretaxas, as empresas seguintes cometeram a seguinte infração única e continuada ao artigo 101.o [TFUE], ao artigo 53.o [do Acordo EEE] e ao artigo 8.o do [Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos] no que diz respeito às ligações seguintes e durante os períodos seguintes.

1)      As seguintes empresas infringiram o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE no que respeita às rotas [intra‑EEE] durante os períodos seguintes:

[…]

h)      [a recorrente], de 7 de dezembro de 1999 a 14 de fevereiro de 2006;

[…]

2)      As seguintes empresas infringiram o artigo 101.o do TFUE no que respeita às rotas [União‑países terceiros], durante os períodos seguintes:

[…]

h)      [a recorrente], de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006;

[…]

3)      As seguintes empresas infringiram o artigo 53.o do Acordo EEE no que respeita às rotas [EEE exceto União‑países terceiros], durante os períodos seguintes:

[…]

h)      [a recorrente], de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006;

[…]

4)      As seguintes empresas infringiram o artigo 8.o do Acordo [CE‑Suíça] relativo aos transportes aéreos no que respeita às rotas [União‑Suíça], durante os períodos seguintes:

[…]

h)      [a recorrente], de 1 de junho de 2002 a 14 de fevereiro de 2006;

[…]

Artigo 2.o

A Decisão […], de 9 de novembro de 2010, é alterada do seguinte modo:

No artigo 5.o, as alíneas j), k) e l) são revogadas.

Artigo 3.o

São aplicadas as seguintes coimas pela infração única e continuada referida no artigo 1.o da presente decisão e, no que respeita à British Airways, igualmente nos aspetos dos artigos 1.o a 4.o da Decisão de 9 de novembro de 2010 que se tornaram definitivos:

[…]

h)      [a recorrente]: 35 700 000 euros;

[…]

Artigo 4.o

As empresas referidas no artigo 1.o devem pôr imediatamente termo à infração única e continuada referida nesse artigo, na medida em que ainda não o tenham feito.

Devem igualmente abster‑se de qualquer ato ou conduta que tenha o mesmo objeto ou um efeito idêntico ou semelhante.

Artigo 5.o

São destinatárias da presente decisão as seguintes entidades:

[…]

[a recorrente]

[…]»

II.    Tramitação do processo e pedidos das partes

62      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de maio de 2017, a recorrente interpôs o presente recurso.

63      A Comissão apresentou contestação na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de setembro de 2017.

64      A recorrente apresentou réplica na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de janeiro de 2018.

65      A Comissão apresentou tréplica na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de março de 2018.

66      Em 24 de abril de 2019, mediante proposta da Quarta Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o presente processo a uma formação de julgamento alargada.

67      Em 17 de junho de 2019, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral colocou questões escritas às partes. Estas responderam no prazo fixado.

68      Na audiência de 3 de julho de 2019, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

69      Por Despacho de 19 de junho de 2020, o Tribunal Geral (Quarta Secção alargada), considerando que não estava suficientemente esclarecido e que, além disso, havia que convidar as partes a apresentarem as suas observações sobre um argumento que não tinham debatido, ordenou a reabertura da fase oral do processo em aplicação do artigo 113.o do Regulamento de Processo.

70      No prazo previsto, as partes principais responderam a uma série de perguntas colocadas pelo Tribunal Geral em 22 de junho de 2020, tendo em seguida apresentado observações sobre as respetivas respostas.

71      Por Decisão de 4 de agosto de 2020, o Tribunal Geral encerrou novamente a fase oral do processo.

72      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão recorrida na parte que lhe diz respeito;

—        a título subsidiário, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada na decisão recorrida;

—        condenar a Comissão nas despesas.

73      A Comissão conclui pedindo, em substância, que o Tribunal Geral:

—        negue provimento ao recurso;

—        altere o montante da coima aplicada à recorrente, retirando o benefício da redução geral de 50 % e da redução geral de 15 % no caso de o Tribunal Geral considerar que o volume de negócios da venda de serviços de frete de entrada não podia ser incluído no valor das vendas;

—        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

74      No recurso, a recorrente formula um pedido de anulação parcial da decisão recorrida e um pedido de redução do montante da coima que lhe foi aplicada. A Comissão, por seu turno, pede, em substância, que o montante da coima aplicada à recorrente seja alterado, caso o Tribunal Geral entenda que o volume de negócios da venda dos serviços de frete de entrada não podia ser incluído no valor das vendas.

A.      Quanto ao pedido de anulação

75      A recorrente invoca dez fundamentos em apoio do seu pedido de anulação. Esses fundamentos são relativos:

—        o primeiro, a violação do princípio ne bis in idem, do artigo 266.o TFUE e do prazo de prescrição;

—        o segundo, a violação do princípio da não discriminação;

—        o terceiro, a violação do artigo 101.o TFUE, do artigo 53.o do Acordo EEE e do dever de fundamentação relativamente, por um lado, a ser‑lhe imputada a responsabilidade pela infração única e continuada nas rotas intra‑EEE e União‑Suíça no período anterior a 1 de maio de 2004 em por outro, à determinação da data de início da sua participação nessa infração;

—        o quarto, a violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE relativamente a ser‑lhe imputada a responsabilidade pela infração única e continuada nas rotas em que ela não era uma concorrente real ou potencial;

—        o quinto, a incompetência da Comissão para aplicar o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE aos serviços de frete de entrada;

—        o sexto, a violação dos direitos de defesa, do princípio da não discriminação e do princípio da proporcionalidade através da aplicação de diferentes exigências probatórias a diferentes transportadoras;

—        o sétimo, a violação das Orientações de 2006 e do princípio da proporcionalidade em relação, por um lado, à determinação do valor das vendas e, por outro, à determinação do coeficiente de gravidade e do montante adicional;

—        o oitavo, a violação das Orientações de 2006 e do princípio da proteção da confiança legítima em relação à inclusão no valor das vendas do volume de negócios resultante da venda de serviços de frete de entrada a clientes estabelecidos fora do EEE;

—        o nono, a violação do princípio da proporcionalidade devido à insuficiência da redução geral de 15 %; e

—        o décimo, a violação o princípio da não discriminação, do princípio da proporcionalidade e, em substância, do dever de fundamentação, pela recusa da Comissão de lhe conceder uma redução de 10 % do montante da coima pela sua participação limitada na infração única e continuada.

76      O Tribunal Geral considera oportuno examinar, em primeiro lugar, o quinto fundamento, em segundo lugar, oficiosamente, o fundamento relativo à incompetência da Comissão face ao Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos para dar por provada e punir uma infração nas rotas EEE, exceto União‑Suíça, e, por último, sucessivamente, o primeiro a quarto e sexto a décimo fundamentos.

1.      Quanto ao quinto fundamento, relativo à incompetência da Comissão para aplicar o artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE nas rotas de entrada

77      A recorrente alega que a Comissão não tinha competência para aplicar o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE aos serviços de frete de entrada, o que esta contesta.

78      Há que lembrar que, no que respeita a um comportamento adotado fora do território da União ou do EEE, a competência da Comissão à luz do direito internacional público para dar por provada e punir uma violação do artigo 101.o TFUE ou do artigo 53.o do Acordo EEE pode ser determinada à luz do critério da execução ou com base no critério dos efeitos qualificados (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 40 a 47, e de 12 de julho de 2018, Brugg Kabel e Kabelwerke Brugg/Comissão, T‑441/14, EU:T:2018:453, n.os 95 a 97).

79      Estes critérios são alternativos e não cumulativos (Acórdão de 12 de julho de 2018, Brugg Kabel e Kabelwerke Brugg/Comissão, T‑441/14, EU:T:2018:453, n.o 98; v., ainda, neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 62 a 64).

80      Nos considerandos 1043 a 1046 da decisão recorrida, a Comissão baseou‑se, como reconhece a recorrente, tanto no critério da execução como no critério dos efeitos qualificados para basear, à luz do direito internacional público, a sua competência para dar por provada e punir uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE nas rotas de entrada.

81      Uma vez que a recorrente alega um erro na aplicação de cada um destes dois critérios, o Tribunal Geral considera adequado examinar primeiro se a Comissão tinha razão para se basear no critério dos efeitos qualificados. De acordo com a jurisprudência acima referida no n.o 79, só se tal não for o caso será necessário verificar se a Comissão pode confiar no critério de execução.

82      A recorrente afirma que os alegados efeitos do comportamento controvertido não podem justificar a aplicação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE aos serviços de frete de entrada. Entende que a Comissão, que tem o ónus da prova, não demonstrou que esse comportamento tivesse tido um efeito imediato, substancial e previsível no território do EEE.

83      A recorrente, baseando‑se Orientações sobre o conceito de afetação do comércio entre os Estados‑Membros previsto nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004, C 101, p. 81), alega que os efeitos invocados pela Comissão no considerando 1045 da decisão recorrida são, no mínimo, especulativos e, em qualquer caso, demasiado distantes para sustentar o fundamento de que o comportamento controvertido restringiu a concorrência no EEE.

84      Em particular, entende que a Comissão não forneceu qualquer prova da sua alegação de que o preço das mercadorias vendidas no EEE era afetado pelos preços dos serviços de frete de entrada. De resto, tal efeito não poderia ser substancial, uma vez que as sobretaxas representam apenas uma fração do custo total dos serviços de frete e o custo destes representam apenas uma fração do custo das mercadorias importadas no EEE. Tal efeito também não pode, por definição, ser imediato, uma vez que os clientes têm a opção de repercutir ou não um possível aumento dos preços dos serviços de frete de entrada no preço das mercadorias importadas e, sendo caso disso, de decidir as proporções em que o repercutem. Por último, esse efeito não era previsível, uma vez que a recorrente não tinha atividade nos mercados a jusante em causa e as sobretaxas representavam apenas uma parte minúscula do custo do transporte de mercadorias.

85      Além disso, o efeito do aumento do preço das mercadorias importadas no EEE diz respeito a um mercado diferente do que está aqui em causa, nomeadamente o dos serviços de frete, pelo que não pode justificar o fundamento de que o comportamento controvertido restringiu a concorrência no EEE.

86      Além disso, para demonstrar a competência da Comissão para dar por provada e punir uma infração às normas da concorrência, não basta classificar um comportamento de infração única e continuada sem analisar os seus efeitos anticoncorrenciais.

87      A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

88      Na decisão recorrida, a Comissão baseou‑se essencialmente em três fundamentos autónomos para considerar preenchido o critério dos efeitos qualificados no caso presente.

89      Os dois primeiros fundamentos são expostos no considerando 1045 da decisão recorrida. Tal como confirmou a Comissão em resposta às perguntas escritas e orais do Tribunal Geral, estes fundamentos estão relacionados com os efeitos da coordenação nos serviços de frete de entrada tomada isoladamente. O primeiro fundamento é que os «custos acrescidos do transporte aéreo para o EEE e, consequentemente, os preços mais altos das mercadorias importadas são, pela sua natureza, suscetíveis de ter efeitos sobre os consumidores no EEE». O segundo fundamento diz respeito aos efeitos da coordenação nos serviços de frete de entrada «também na prestação de serviços [de frete] por outras transportadoras no EEE, entre plataformas de correspondência (“hubs”) no EEE utilizadas pelas transportadoras de países terceiros e os aeroportos de destino de tais remessas no EEE que não são servidos pelo transportador do país terceiro».

90      O terceiro fundamento consta do considerando 1046 da decisão recorrida e diz respeito, como resulta das respostas da Comissão às perguntas escritas e orais do Tribunal Geral, aos efeitos da infração única e continuada no seu conjunto.

91      O Tribunal Geral considera oportuno examinar tanto os efeitos da coordenação nos serviços de frete de entrada isoladamente como os da infração única e continuada no seu conjunto, começando pelos primeiros.

a)      Quanto aos efeitos da coordenação nos serviços de frete de entrada isoladamente

92      Há que conhecer primeiro do mérito do primeiro fundamento em que se baseia a conclusão da Comissão de que o critério dos efeitos qualificados está preenchido no caso presente (a seguir «efeito em causa»).

93      A este respeito, há que lembrar que, como resulta do considerando 1042 da decisão recorrida, o critério dos efeitos qualificados permite justificar a aplicação das normas de concorrência da União e do EEE à luz do direito internacional público quando seja previsível que o comportamento controvertido produza um efeito imediato e substancial no mercado interno ou no EEE (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 49; v., ainda, neste sentido, Acórdão de 25 de março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, EU:T:1999:65, n.o 90).

94      No caso, a recorrente contesta tanto a relevância do efeito em causa (v., infra, n.os 95 a 114), como o seu caráter previsível (v. adiante n.os 116 a 131), o seu caráter substancial (v., infra, n.os 132 a 142) e o seu caráter imediato (v., infra, n.os 143 a 153).

1)      Quanto à relevância do efeito em causa

95      Resulta da jurisprudência que o facto de uma empresa participante num acordo ou numa prática concertada se situar num Estado terceiro não obsta à aplicação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE, quando esse acordo ou prática produza os seus efeitos, respetivamente, no mercado interno ou no EEE (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 1971, Béguelin Import, 22/71, EU:C:1971:113, n.o 11).

96      O objetivo da aplicação do critério dos efeitos qualificados é precisamente identificar um comportamento que, sendo certo embora que não foi adotado no mercado interno ou no território do EEE, é suscetível de ter efeitos anticoncorrenciais no mercado interno ou no interior do EEE (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 45).

97      Ao contrário do que alega a recorrente, esse critério não exige que se demonstre que o comportamento controvertido «teve efetivamente efeitos anticoncorrenciais» no mercado interno ou no EEE. Pelo contrário, de acordo com a jurisprudência, basta ter em conta o efeito provável desse comportamento na concorrência nesse território (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 51).

98      Com efeito, incumbe à Comissão assegurar a proteção da concorrência no mercado interno ou no EEE contra as ameaças ao seu funcionamento efetivo.

99      Perante um comportamento que a Comissão considerou, como no caso, revelar um tal grau de nocividade para a concorrência no mercado interno ou no EEE que podia ser qualificado de restrição da concorrência por «objetivo» na aceção do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE, a aplicação do critério dos efeitos qualificados também não pode exigir a demonstração dos efeitos concretos que pressupõe a qualificação de um comportamento de restrição da concorrência pelo «efeito», na aceção dessas disposições.

100    A este respeito, há que lembrar, como faz a recorrente, que o critério dos efeitos qualificados está assente na redação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE, que se destinam a identificar os acordos e práticas que limitem a concorrência, respetivamente, no mercado interno e no EEE. Com efeito, essas disposições proíbem acordos e práticas das empresas que tenham como objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência, respetivamente, «no mercado interno» e «no território abrangido pelo [Acordo EEE]» (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 42).

101    Ora, é jurisprudência constante que o objetivo e o efeito anticoncorrencial não são pressupostos cumulativos, mas sim alternativos, para apreciar se um comportamento é abrangido pelas proibições enunciadas no artigo 101.o TFUE e no artigo 53.o do Acordo EEE (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, EU:C:2009:343, n.o 28 e jurisprudência referida).

102    Daí resulta que, como refere a Comissão no considerando 917 da decisão recorrida, é supérfluo ter em conta os efeitos concretos do comportamento controvertido, uma vez demonstrado o seu objetivo anticoncorrencial (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, EU:C:1966:41, p. 496, e de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, EU:C:2009:610, n.o 55).

103    Nestas condições, interpretar o critério dos efeitos qualificados como parece preconizar a recorrente, no sentido de que exige a prova dos efeitos do comportamento controvertido mesmo perante uma restrição da concorrência «pelo objetivo», equivaleria a sujeitar a competência da Comissão para declarar e punir uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE a um pressuposto que não tem fundamento no texto dessas disposições.

104    A recorrente não pode, portanto, acusar validamente a Comissão de ter cometido um erro ao considerar preenchido o critério dos efeitos qualificados, apesar de esta ter declarado, nos considerandos 917, 1190 e 1277 da decisão recorrida, não ter que proceder a qualquer avaliação dos efeitos anticoncorrenciais do comportamento controvertido, tendo em conta o seu «objetivo anticoncorrencial». Também não se pode inferir desses considerandos que a Comissão não tenha efetuado qualquer análise dos efeitos produzidos por tal comportamento no mercado interno ou no EEE para efeitos de aplicação desse critério.

105    No considerando 1045 da decisão recorrida, a Comissão considerou, em substância, que a infração única e continuada, na medida em que dizia respeito às rotas de entrada, era suscetível de aumentar o montante das sobretaxas e, consequentemente, o preço total dos serviços de frete de entrada e que os transitários tinham repercutido essa sobretaxa nos expedidores estabelecidos no EEE, que tinham tido de pagar pelas mercadorias que tinham comprado um preço superior ao que o que lhes teria sido faturado sem essa infração.

106    Nenhum dos argumentos da recorrente permite considerar que o efeito em causa que daí podia ter resultado não se encontrava entre os efeitos produzidos pelo comportamento controvertido que a Comissão pode ter em conta para efeitos de aplicação do critério dos efeitos qualificados.

107    Em primeiro lugar, ao contrário do que alega a recorrente, nada na letra, na sistemática ou na finalidade do artigo 101.o do TFUE permite considerar que os efeitos tidos em conta na aplicação do critério dos efeitos qualificados devem ocorrer no mesmo mercado objeto da infração em causa e não num mercado a jusante como acontece no caso presente (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2015, Toshiba/Comissão, T‑104/13, EU:T:2015:610, n.os 159 e 161).

108    Em segundo lugar, não tem razão a recorrente quando afirma que o comportamento controvertido, na medida em que respeitava às rotas de entrada, não era suscetível de restringir a concorrência no EEE pelo facto de esta ser exercida só nos países terceiros onde estão estabelecidos os transitários que se aprovisionavam em serviços de frete de entrada junto das transportadoras arguidas.

109    Refira‑se, a esse respeito, que a aplicação do critério dos efeitos qualificados deve ser feita à luz do contexto económico e jurídico em que se inscreve o comportamento em causa (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 1971, Béguelin Import, 22/71, EU:C:1971:113, n.o 13).

110    No caso, resulta dos considerandos 14, 17 e 70 da decisão recorrida e das respostas das partes às medidas de organização do processo do Tribunal Geral que as transportadoras vendem exclusivamente ou quase os seus serviços de frete a transitários. Ora, no que respeita aos serviços de frete de entrada, quase todas essas vendas são feitas no ponto de origem das rotas em causa, fora do EEE, onde os transitários estão estabelecidos. Com efeito, resulta da petição que entre 1 de maio de 2004 e 14 de fevereiro de 2006, a recorrente apenas realizou uma proporção negligenciável das suas vendas de serviços de frete de entrada a clientes localizados no EEE.

111    Há que observar, porém, que, se os transitários compram esses serviços, é nomeadamente na qualidade de intermediários, a fim de os consolidar num pacote de serviços cujo objetivo é, por definição, organizar o transporte integrado de mercadorias para o território do EEE em nome dos expedidores. Como resulta do considerando 70 da decisão recorrida, estes podem, nomeadamente, ser os adquirentes ou os proprietários das mercadorias transportadas. É pelo menos provável, portanto, que estes estejam estabelecidos no EEE.

112    Daí resulta que, por pouco que os transitários repercutam no preço dos seus lotes de serviços os eventuais custos adicionais resultantes do cartel controvertido, é, nomeadamente, na concorrência entre os transitários para capturar para captar a clientela desses expedidores que os efeitos da infração única e continuada no respeitante às rotas de entrada é suscetível de ter impacto e, consequentemente, é no mercado interno ou no EEE que o efeito em causa se pode materializar.

113    Em terceiro lugar, quanto ao ponto 43 das orientações acima referidas no n.o 83, basta referir que diz respeito a uma situação diferente da que prevista no caso presente e, de qualquer forma, diz respeito ao conceito de afetação do comércio entre Estados‑Membros, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, e não à questão da competência territorial da Comissão com base no critério dos efeitos qualificados. Ora, trata‑se de questões distintas, sendo a primeira relativa à determinação do domínio do direito da concorrência da União face ao dos Estados‑Membros (Acórdão de 13 de julho de 2006, Manfredi e o., C 295/04 a C 298/04, EU:C:2006:461, n.o 41), enquanto a segunda diz respeito à justificação da competência da Comissão face ao direito internacional público (v. n.o 78, supra).

114    Daí resulta que os custos adicionais que expedidores podem ter tido que pagar e o inflacionamento do preço das mercadorias importadas no EEE que pode ter daí resultado estão entre os efeitos produzidos pelo comportamento controvertido que a Comissão podia invocar para efeitos de aplicação do critério dos efeitos qualificados.

115    Em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 93, a questão é, portanto, se esse efeito tem o necessário caráter previsível, substancial e imediato.

2)      Quanto à previsibilidade do efeito em causa

116    A exigência de previsibilidade destina‑se a garantir a segurança jurídica, garantindo que as empresas em causa não possam ser punidas por efeitos que, embora resultantes do seu comportamento, não podiam razoavelmente esperar (v., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Otis Gesellschaft e o., C‑435/18, EU:C:2019:651, n.o 83).

117    Preenchem, portanto, o pressuposto da previsibilidade os efeitos que as partes no cartel, dentro dos limites do que é geralmente conhecido, devam razoavelmente saber que virão a ocorrer, por oposição aos efeitos resultantes de um desenvolvimento das circunstâncias perfeitamente invulgar e, consequentemente, de uma cadeia atípica de causas (v., por analogia, Conclusões da Advogada Geral J. Kokott, no processo Kone e o., C‑557/12, EU:C:2014:45, n.o 42).

118    Ora, resulta dos considerandos 846, 909, 1199 e 1208 da decisão recorrida que, no caso, está em causa um comportamento colusório de fixação horizontal de preços, que a experiência mostra conduzir, nomeadamente, a subidas de preços, resultando numa má repartição dos recursos, particularmente em detrimento dos consumidores (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 51).

119    Também resulta dos considerandos 846, 909, 1199 e 1208 da decisão recorrida que esse comportamento dizia respeito à STC, à STS e à recusa de pagamento de comissões.

120    No caso, era previsível, portanto, para as transportadoras arguidas que a fixação horizontal da STC e da STS levaria a um aumento do seu nível. Como resulta dos considerandos 874, 879 e 899 da decisão recorrida, a recusa de pagamento de comissões era suscetível de reforçar esse aumento. Com efeito, era uma recusa concertada de conceder descontos nas sobretaxas aos transitários, assim tendendo a permitir às transportadoras arguidas «manter sob controlo a incerteza dos preços que a concorrência sobre o pagamento de comissões [no contexto das negociações com os transitários] poderia ter criado» (considerando 874 da referida decisão) e subtrair, assim, as sobretaxas ao jogo da concorrência (considerando 879 dessa decisão).

121    Ora, resulta do considerando 17 da decisão recorrida que o preço dos serviços de frete se compõe de tarifas e sobretaxas, incluindo a STC e a STS. A menos que se considere que um aumento da STC e da STS seria, através de um efeito de vasos comunicantes suficientemente provável, compensado por uma descida correspondente das tarifas e de outras sobretaxas, esse aumento era, em princípio, suscetível de levar a um aumento do preço total dos serviços de frete de entrada. Ora, a recorrente não logrou demonstrar que era provável um efeito de vasos comunicantes a ponto de tornar imprevisível o efeito em causa.

122    Nestas condições, as partes no cartel poderiam ter razoavelmente previsto que a infração única e continuada, na medida em que dizia respeito aos serviços de frete de entrada, teria o efeito de aumentar o preço dos serviços de frete de entrada.

123    A questão é, portanto, se era previsível para as transportadoras arguidas que os transitários iriam repercutir esses custos adicionais nos seus próprios clientes, ou seja, os expedidores.

124    A esse respeito, resulta dos considerandos 14 e 70 da decisão recorrida que o preço dos serviços de frete constitui um fator de produção para os transitários. Este é um custo variável, cujo aumento tem, em princípio, o efeito de aumentar o custo marginal em relação ao qual os transitários fixam os seus próprios preços.

125    A recorrente não apresenta qualquer elemento que prove que as circunstâncias do caso eram pouco propícias a uma repercussão a jusante, nos expedidores, dos custos adicionais resultantes da infração única e continuada nas rotas de entrada.

126    Nestas circunstâncias, era razoavelmente previsível para as transportadoras arguidas que os transitários repercutissem esses custos adicionais nos expedidores através de um aumento do preço dos serviços de trânsito.

127    No entanto, como resulta dos considerandos 70 e 1031 da decisão recorrida, o custo das mercadorias cujo transporte integrado em nome dos expedidores os transitários organizam geralmente inclui o preço dos serviços de trânsito, nomeadamente o dos serviços de frete que são um dos seus elementos constitutivos.

128    À luz do exposto, era, portanto, previsível para as transportadoras arguidas que a infração única e continuada, no que diz respeito às rotas de entrada, tivesse o efeito de aumentar o preço das mercadorias importadas.

129    Pelos fundamentos acima referidos no n.o 111, era igualmente previsível para as transportadoras arguidas que, como resulta do considerando 1045 da decisão recorrida, esse efeito ocorresse no EEE.

130    Uma vez que esse efeito se integrava no curso normal dos acontecimentos e da racionalidade económica, não era, contrariamente ao que alega a recorrente, necessária para esta operar no mercado da importação de mercadorias ou da sua revenda a jusante para poder prevê‑lo.

131    Conclui‑se, portanto, que a Comissão fez prova bastante de que o efeito em causa tinha a natureza previsível exigida.

3)      Quanto à natureza substancial do efeito em causa

132    A apreciação do caráter substancial dos efeitos produzidos pelo comportamento controvertido deve ser feita à luz de todas as circunstâncias relevantes do caso. Essas circunstâncias incluem, nomeadamente, a duração, a natureza e o alcance da infração. Outras circunstâncias, como a importância das empresas que participaram nesse comportamento, podem ser também relevantes (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de setembro de 2015, Toshiba/Comissão, T‑104/13, EU:T:2015:610, n.o 159, e de 12 de julho de 2018, Brugg Kabel e Kabelwerke Brugg/Comissão, T‑441/14, EU:T:2018:453, n.o 112).

133    Quando o efeito em causa for relativo a um aumento do preço de um bem ou serviço acabado derivado ou que contenha o serviço cartelizado, a proporção do preço do bem ou serviço acabado representada pelo serviço cartelizado também pode ser tida em conta.

134    No caso, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes, há que considerar que o efeito em causa, que consiste no aumento do preço dos bens importados no EEE, tem caráter substancial.

135    Em primeiro lugar, no que respeita à duração da infração, resulta do considerando 1146 do preâmbulo da decisão recorrida que a duração da infração única e continuada é de 21 meses no que respeitava às rotas União‑países terceiros e de oito meses no que respeitava às rotas EEE, exceto União‑países terceiros. Resulta dos considerandos 1215 e 1217 dessa decisão que essa foi também a duração do envolvimento de todas as transportadoras arguidas, com exceção da Lufthansa Cargo e da Swiss.

136    Em segundo lugar, quanto ao alcance da infração, resulta do considerando 889 da decisão recorrida que a STC e a STC eram «medidas de aplicação geral que não [eram] específicas de uma rota» e que «tinham por objetivo ser aplicadas a todas as rotas, a nível mundial, incluindo nas rotas com destino ao EEE».

137    Em terceiro lugar, no que respeita à natureza da infração, resulta do considerando 1030 da decisão recorrida que a infração única e continuada tinha por objeto a restrição da concorrência entre as transportadoras arguidas, em especial nas rotas EEE‑países terceiros. No considerando 1208 dessa decisão, a Comissão concluiu que «a fixação de vários elementos de preço, incluindo certas sobretaxas, constitu[ía] uma das mais graves restrições da concorrência» e, por conseguinte, considerou que a infração única e continuada merecia a aplicação de um coeficiente de gravidade «no limite superior da escala» previsto nas Orientações de 2006.

138    Por acréscimo, no respeitante à proporção do preço do serviço cartelizado no bem ou serviço dele derivado ou que o contém, há que observar que, contrariamente à alegação da recorrente, as sobretaxas representaram durante o período da infração uma proporção significativa do preço total dos serviços de frete.

139    Resulta, pois, de uma carta de 8 de julho de 2005 da Hong Kong Association of Freight Forwarding & Logistics (Associação de Transitários e Logística de Hong Kong) ao residente do Sub‑Comité Cargo (a seguir «SCC») do Board of Airline Representatives (Associação de Representantes das Companhias Aéreas, a seguir «BAR») em Hong Kong que as sobretaxas representam uma «parte muito substancial» do preço total das cartas de porte aéreo a ser pago pelos transitários. Do mesmo modo, no quadro reproduzido no ponto 135 da petição, indica‑se que as sobretaxas representavam 11,87 % do preço dos serviços de frete nas rotas EEE‑países terceiros da recorrente no exercício de 2004/2005.

140    Ora, como resulta do considerando 1031 da decisão recorrida, o preço dos serviços de frete era em si mesmo um «elemento significativo no custo das mercadorias transportadas, o que tem impacto na sua venda». É certo que a recorrente o impugna, mas limita‑se a proceder por afirmação.

141    Ainda por acréscimo, no que respeita à importância das empresas envolvidas no comportamento controvertido, resulta do considerando 1209 da decisão recorrida que a quota de mercado acumulado das transportadoras arguidas no «mercado mundial» ascendia a 34 % em 2005 e era «pelo menos tão grande para os serviços de frete […] prestados nas rotas [EEE‑países terceiros]» que incluem tanto as rotas de saída como as rotas de entrada. A própria recorrente teve, além disso, durante o período da infração, um significativo volume de negócios nas rotas de entrada, num montante de mais de 140 000 000 euros em 2005.

142    Por conseguinte, deve concluir‑se que a Comissão fez prova bastante de que o efeito em causa tinha o caráter substancial exigido.

4)      Quanto ao caráter imediato do efeito em causa

143    A exigência de imediatez dos efeitos produzidos pelo comportamento controvertido está relacionada com o nexo causal entre o comportamento em causa e o efeito analisado. Esta exigência tem por objetivo assegurar que a Comissão não possa, para justificar a sua competência para declarar e punir uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE, invocar todos os efeitos possíveis nem efeitos muito distantes que possam resultar desse comportamento a título de conditio sine qua non (v., por analogia, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Kone e o., C‑557/12, EU:C:2014:45, n.os 33 e 34).

144    Contudo, a causalidade imediata não pode ser confundida com uma causalidade única que exija que se declare de forma sistemática e absoluta a rutura do nexo de causalidade quando um terceiro contribuiu para a ocorrência dos efeitos em causa (v., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Kone e o., C‑557/12, EU:C:2014:45, n.os 36 e 37).

145    É certo que, no caso, a intervenção dos transitários, que previsivelmente iriam, em total autonomia, repercutir nos expedidores o custo adicional que tinham tido que pagar, é suscetível de ter contribuído para a ocorrência desse efeito nestes últimos. Contudo, essa intervenção por si só não era suscetível de quebrar a cadeia de causalidade entre o comportamento controvertido e esse efeito e de o privar, assim, da sua natureza imediata.

146    Pelo contrário, quando não é culposa, mas decorre objetivamente do cartel em causa, segundo o funcionamento normal do mercado, essa intervenção não rompe a cadeia de causalidade (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 14 de dezembro de 2005, CD Cartondruck/Conselho e Comissão, T‑320/00, não publicado, EU:T:2005:452, n.os 172 a 182), antes a prossegue (v., neste sentido e por analogia, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Kone e o., C‑557/12, EU:C:2014:45, n.o 37).

147    Ora, no caso, a recorrente não prova nem sequer alega que a repercussão previsível dos custos adicionais nos expedidores estabelecidos no EEE seria culposa ou alheia ao funcionamento normal do mercado.

148    Daí resulta que o efeito em causa tem o imediatismo exigido.

149    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento da recorrente de que, para afetar os «consumidores no EEE» a que a Comissão se refere no considerando 1045 da decisão recorrida, «um possível aumento de preço [deveria] ter sido repercutido do transitário para o expedidor, seguidamente, do expedidor para o importador, e depois, sendo caso disso, do importador para o grossista, do grossista para o retalhista e, finalmente, do retalhista para o consumidor». Este argumento resulta, com efeito, de duas premissas erradas.

150    A primeira das premissas em causa é que os «consumidores no EEE» referidos no considerando 1045 da decisão recorrida são consumidores finais, ou seja, pessoas singulares que atuam para fins alheios à sua atividade profissional ou comercial. O conceito de consumidor no direito da concorrência não integra apenas os consumidores finais, mas todos os utilizadores, diretos ou indiretos, dos produtos ou dos serviços objeto do comportamento controvertido (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:42, n.o 156).

151    Resulta do considerando 70 da decisão recorrida, cujo mérito a recorrente não impugnou utilmente, que «os expedidores podem ser os compradores ou vendedores de mercadorias objeto de trocas comerciais ou os proprietários de mercadorias que devam ser expedidas rapidamente em distâncias relativamente longas». Nos seus articulados, a Comissão especificou que as mercadorias podiam ser importadas para consumo direto ou como fatores de produção de outros produtos. Ora, no caso dos serviços de frete de entrada, esses expedidores podem, como acertadamente refere a Comissão, estar localizados no EEE. Há que interpretar, portanto, a referência aos «consumidores no EEE» no considerando 1045 da decisão recorrida no sentido de que inclui os expedidores.

152    A segunda das premissas em causa é que, mesmo que a referência aos «consumidores no EEE» no considerando 1045 da decisão recorrida abrangesse apenas os consumidores finais, estes só poderiam adquirir os bens importados a um retalhista, que por sua vez os poderia adquirir apenas a um grossista, o qual, por sua vez, só os poderia adquirir a um importador, e assim sucessivamente. Ora, é também possível que os consumidores finais adquiram esses bens diretamente ao expedidor.

153    Resulta do exposto que o efeito em causa tem o caráter previsível, substancial e imediato necessários e que o primeiro fundamento em que a Comissão se baseou para concluir pelo preenchimento do critério dos efeitos qualificados é fundado. Há que concluir, portanto, que a Comissão podia, sem cometer qualquer erro, considerar preenchido esse critério em relação à coordenação dos serviços de frete de entrada tomados isoladamente, sem necessidade de conhecer do mérito do segundo fundamento constante do considerando 1045 da decisão recorrida.

b)      Quanto aos efeitos da infração única e continuada como um todo

154    Há que lembrar, desde logo, que, ao contrário do que a recorrente sugere na réplica, nada impede que se verifique se a Comissão tem a competência necessária para aplicar, em cada caso, o direito da concorrência da União à luz do comportamento da empresa ou empresas em causa, considerado como um todo (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 50).

155    De acordo com a jurisprudência, o artigo 101.o do TFUE é suscetível de ser aplicado a práticas e acordos com o mesmo objetivo anticoncorrencial, quando seja previsível que, em conjunto, tenham efeitos imediatos e substanciais no mercado interno. Com efeito, não se pode permitir que as empresas se subtraiam à aplicação das normas da concorrência da União, combinando vários comportamentos que prossigam um objetivo idêntico, cada um dos quais, considerado isoladamente, não é suscetível de produzir um efeito imediato e substancial nesse mercado, mas que, considerados em conjunto, são suscetíveis de o produzir (Acórdão de 12 de julho de 2018, Brugg Kabel e Kabelwerke Brugg/Comissão, T‑441/14, EU:T:2018:453, n.o 106).

156    A Comissão pode assim basear a sua competência para aplicar o artigo 101.o do TFUE a uma infração única e continuada, como a declarada na decisão recorrida, nos seus efeitos previsíveis, imediatos e substanciais no mercado interno (Acórdão de 12 de julho de 2018, Brugg Kabel e Kabelwerke Brugg/Comissão, T‑441/14, EU:T:2018:453, n.o 105).

157    Estas considerações valem, mutatis mutandis, para o artigo 53.o do Acordo EEE.

158    Ora, no considerando 869 da decisão recorrida, a Comissão qualificou o comportamento controvertido como uma infração única e continuada, inclusive no respeitante aos serviços de frete de entrada. A recorrente não contesta essa qualificação em geral nem a constatação da existência de um objetivo anticoncorrencial único de entravar a concorrência no EEE em que se baseia. Quando muito, contesta, no âmbito do terceiro fundamento, que os seus próprios atos se integrem nessa infração.

159    No considerando 1046 da decisão recorrida, a Comissão, como resulta das suas respostas às questões escritas e orais do Tribunal, examinou os efeitos dessa infração no seu conjunto. Assim, considerou, nomeadamente, que o seu inquérito revelou um «cartel aplicado a nível mundial», cujos «acordos relativos às rotas de entrada faziam parte integrante da infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE». Acrescentou que «a aplicação uniforme das sobretaxas à escala mundial era um elemento‑chave do cartel [controvertido]». Ora, tal como indica a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal, a aplicação uniforme das sobretaxas fazia parte de uma estratégia global destinada a neutralizar o risco de os transitários poderem contornar os efeitos desse cartel optando por itinerários indiretos que não estivessem sujeitos a sobretaxas coordenadas para transportar mercadorias do ponto de origem para o ponto de destino. A razão para tal é que, como resulta do considerando 72 da decisão recorrida, «o fator tempo é menos importante para o [frete] do que para o transporte de passageiros», pelo que o frete «pode ser transportado com um maior número de escalas» e os itinerários indiretos podem, portanto, substituir os itinerários diretos.

160    Os argumentos pelos quais a recorrente impugna a existência dessa substituibilidade não colhem. Por um lado, o facto de o frete poder ser o meio de transporte privilegiado para transportar mercadorias sensíveis à passagem do tempo não significa que todas as mercadorias transportadas por via de frete o sejam, nem, de resto, significa que só mercadorias sensíveis à passagem do tempo sejam transportadas por via de frete. Por conseguinte, não se pode inferir unicamente dessa circunstância que em geral as rotas indiretas não são adequadas para o frete. Refira‑se, além disso, que a recorrente não apresentou a mínima prova em apoio da sua argumentação. Inversamente, a Comissão refere‑se a um acordo pelo qual os membros da aliança WOW organizaram o transporte de vinho do EEE para o Japão por meio de ligações através dos Estados Unidos e de países asiáticos diferentes do Japão.

161    Nestas condições, tem razão a Comissão quando afirma que impedi‑la de aplicar o critério dos efeitos qualificados ao comportamento controvertido no seu conjunto poderia levar a uma fragmentação artificial de um comportamento anticoncorrencial global, suscetível de afetar a estrutura do mercado no EEE, numa série de comportamentos distintos suscetíveis de se subtraírem, total ou parcialmente, à competência da União (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C 413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 57).

162    Há que considerar, portanto, que a Comissão podia, no considerando 1046 da decisão recorrida, examinar os efeitos da infração única e continuada tomada como um todo.

163    Ora, no caso de acordos e práticas que, primeiro, tinham como objetivo a restrição da concorrência pelo menos na União, no EEE e na Suíça (considerando 903 da decisão), segundo, que reuniam transportadoras com quotas de mercado significativas (considerando 1209 dessa decisão) e, terceiro, uma parte significativa dos quais tinha por objeto rotas intra‑EEE por um período superior a seis anos (considerando 1146 dessa decisão), não há grande dúvida de que era previsível que, no seu conjunto, a infração única e continuada produziria efeitos imediatos e substanciais no mercado interno ou no EEE.

164    Daí resulta que a Comissão tinha igualmente o direito de considerar, no considerando 1046 da decisão recorrida, que o critério dos efeitos qualificados estava preenchido no respeitante à infração única e continuada no seu conjunto.

165    Tendo a Comissão assim feito prova bastante de que era previsível que o comportamento controvertido teria um efeito substancial e imediato no EEE, há que julgar improcedente a presente alegação, devendo, consequentemente, ser o presente fundamento julgado integralmente improcedente, sem necessidade de conhecer da alegação de erros na aplicação do critério da execução.

2.      Quanto ao fundamento, suscitado oficiosamente, relativo à incompetência da Comissão face ao Acordo CESuíça relativo aos transportes aéreos para declarar e punir uma violação do artigo 53.o do Acordo EEE nas rotas EEE com exceção da UniãoSuíça

166    A título preliminar, há que lembrar que compete ao juiz da União conhecer oficiosamente do fundamento, que é de ordem pública, relativo à incompetência do autor do ato recorrido (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2000, Salzgitter/Comissão, C‑210/98 P, EU:C:2000:397, n.o 56).

167    É jurisprudência constante que, em princípio, o juiz da União não pode basear a sua decisão num fundamento de direito de que conheceu oficiosamente, ainda que de ordem pública, sem ter previamente convidado as partes a apresentarem as suas observações a esse respeito (v. Acórdão de 17 de dezembro de 2009, Reapreciação M/EMEA, C‑197/09 RX‑II, EU:C:2009:804, n.o 57 e jurisprudência referida).

168    No caso, o Tribunal considera que lhe compete analisar oficiosamente se a Comissão ultrapassou os limites da sua própria competência, face ao Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos, no respeitante às rotas EEE, exceto União‑Suíça, ao declarar, no artigo 1.o, n.o 3, do dispositivo da decisão recorrida, uma violação do artigo 53.o do Acordo EEE nas rotas do EEE, salvo a União‑países terceiros, e convidou as partes a apresentarem as suas observações a esse respeito no âmbito das medidas de organização do processo.

169    A recorrente alega que a referência aos «países terceiros» no artigo 1.o, n.o 3, da decisão recorrida, incluía a Confederação Suíça. Com efeito, afirma ser esta um país terceiro na aceção do Acordo EEE, cuja violação é declarada nesse artigo. Infere daí que, nesse artigo, a Comissão tinha considerado provada uma infração ao artigo 53.o do Acordo EEE nas ligações EEE, exceto a União‑Suíça. Acrescenta que, ao fazê‑lo, a Comissão tinha violado, por um lado, o artigo 11.o, n.o 2, do Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos e, por outro, o direito internacional convencional ao impor à Confederação Suíça uma obrigação sem ter previamente obtido o seu consentimento. Entende que estas ilegalidades justificavam uma redução do coeficiente de gravidade e, consequentemente, do montante da coima que lhe foi aplicada.

170    A Comissão responde que a referência, no artigo 1.o, n.o 3, da decisão recorrida, às «rotas entre aeroportos situados em países que são Partes Contratantes do Acordo EEE mas não são Estados‑Membros e aeroportos de países terceiros» não pode ser interpretada no sentido de incluir as rotas do EEE com exceção das rotas União‑Suíça. Na sua opinião, o conceito de «países terceiros», na aceção desse artigo, exclui a Confederação Suíça.

171    A Comissão acrescenta que, se fosse de entender que considerou a recorrente responsável por uma infração ao artigo 53.o do Acordo EEE nas rotas EEE, exceto União‑Suíça, no artigo 1.o, n.o 3, da decisão recorrida, teria ultrapassado os limites que o artigo 11.o, n.o 2, do Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos impõe à sua competência.

172    Há que determinar, portanto, se, como alega a recorrente, a Comissão deu por provada uma infração ao artigo 53.o do Acordo EEE nas rotas EEE, exceto União‑Suíça, no artigo 1.o, n.o 3, da decisão recorrida e se eventualmente excedeu assim os limites da competência que lhe é conferida pelo Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos.

173    A esse respeito, há que lembrar que o princípio da proteção jurisdicional efetiva é hoje um princípio geral do direito da União consagrado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Este princípio, que corresponde, no direito da União, ao n.o 1 do artigo 6.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, exige que a parte dispositiva de uma decisão pela qual a Comissão declara infrações às normas da concorrência seja particularmente clara e precisa e que as empresas consideradas responsáveis e punidas possam compreender e impugnar a imputação dessa responsabilidade e a aplicação dessas sanções, tais como constam dos termos dessa parte dispositiva (v. Acórdão de 16 de dezembro de 2015, Martinair Holland/Comissão, T‑67/11, EU:T:2015:984, n.o 31 e jurisprudência referida).

174    Com efeito, é pela parte dispositiva das suas decisões que a Comissão indica a natureza e a extensão das infrações que pune. Assim, precisamente em matéria de alcance e natureza das infrações punidas, é, em princípio, a parte dispositiva e não os fundamentos o que importa. Só em caso de falta de clareza dos termos utilizados na parte dispositiva deve esta ser interpretada recorrendo aos fundamentos da decisão (v. Acórdão de 16 de dezembro de 2015, Martinair Holland/Comissão, T‑67/11, EU:T:2015:984, n.o 32 e jurisprudência referida).

175    No artigo 1.o, n.o 3 da decisão recorrida, a Comissão considerou que a recorrente tinha «violado o artigo 53.o do Acordo EEE no que respeita às rotas entre aeroportos situados em países que são partes contratantes do Acordo EEE, mas não são Estados‑Membros, e aeroportos de países terceiros» de 19 de maio de 2005 a 14 de fevereiro de 2006. Também não incluiu nem excluiu expressamente nessas rotas as rotas EEE, exceto União‑Suíça.

176    Há que verificar, portanto, se a Confederação Suíça faz parte dos «países terceiros» referidos no artigo 1.o, n.o 3, da decisão recorrida.

177    A este respeito, há que observar que o artigo 1.o, n.o 3, da decisão recorrida distingue entre «países que são partes contratantes do Acordo EEE mas não são Estados‑Membros» e «países terceiros». É certo que, como acertadamente refere a recorrente, a Confederação Suíça não é parte no Acordo EEE e é um dos países terceiros a este.

178    Há que lembrar, porém, que, tendo em conta as exigências de unidade e coerência do ordenamento jurídico da União, deve‑se presumir que os mesmos termos empregados num mesmo ato têm o mesmo significado.

179    Ora, no artigo 1.o, n.o 2, da decisão recorrida, a Comissão deu por provada uma infração ao artigo 101.o TFUE nas «rotas entre aeroportos situados no interior da União Europeia e aeroportos fora do EEE». Esse conceito não inclui os aeroportos situados na Suíça, mesmo apesar de a Confederação Suíça não ser parte no Acordo EEE e de os seus aeroportos deverem, portanto, ser formalmente considerados «situados fora do EEE» ou, por outras palavras, em países terceiros a esse acordo. Esses aeroportos são objeto do artigo 1.o, n.o 4, da decisão recorrida, que dá por provada uma infração ao artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos nas «rotas entre aeroportos situados no interior da União Europeia e aeroportos situados na Suíça».

180    Segundo o princípio acima lembrado no n.o 177, deve‑se presumir que a expressão «aeroportos de países terceiros» utilizada no artigo 1.o, n.o 3, da decisão recorrida tem o mesmo significado da expressão «aeroportos fora do EEE» empregada no n.o 2 desse artigo e exclui, consequentemente, os aeroportos situados na Suíça.

181    Na falta de qualquer indicação no dispositivo da decisão recorrida de que a Comissão tivesse querido dar um significado diferente ao conceito de «países terceiros» a que se refere no artigo 1.o, n.o 3, da decisão recorrida, há que concluir que o conceito de «países terceiros» a que se refere no seu artigo 1.o, n.o 3, exclui a Confederação Suíça.

182    Não se pode, pois, considerar que a Comissão responsabilizou a recorrente por uma infração ao artigo 53.o do Acordo EEE sobre as rotas EEE, exceto União‑Suíça, no artigo 1.o, n.o 3, da decisão recorrida.

183    Dado o dispositivo da decisão recorrida não permitir dúvidas, é unicamente por acréscimo que o Tribunal Geral acrescenta que os seus fundamentos não contradizem esta conclusão.

184    No considerando 1146 da decisão recorrida, a Comissão indicou que os «acordos anticoncorrenciais» que tinha descrito violavam o artigo 101.o TFUE de 1 de maio de 2004 a 14 de fevereiro de 2006 «no que respeita aos transportes aéreos entre aeroportos na U[nião] e aeroportos fora do EEE». Na respetiva nota de rodapé (n.o 1514), a Comissão precisou o seguinte: «Para efeitos da presente decisão, os “aeroportos fora do EEE” designam os aeroportos em países diferentes da Confederação Suíça e das outras partes contratantes no [A]cordo EEE».

185    É certo que, quando descreve o alcance da infração ao artigo 53.o do Acordo EEE no considerando 1146 da decisão recorrida, a Comissão não fez referência ao conceito de «aeroportos fora do EEE», mas sim ao de «aeroportos dos países terceiros». Contudo, não se pode inferir daí que a Comissão tenha querido dar um significado diferente ao conceito de «aeroportos fora do EEE» para efeitos de aplicação do artigo 101.o TFUE e ao de «aeroportos de países terceiros» para efeitos de aplicação do artigo 53.o do Acordo EEE. Pelo contrário, a Comissão utilizou essas duas expressões de formas intermutável na decisão recorrida. Assim, no considerando 824 da decisão recorrida, a Comissão indicou que «não aplicar[ia] o artigo 101.o do TFUE aos acordos e práticas anticoncorrenciais relativos aos transportes aéreos entre os aeroportos da U[nião] e os aeroportos de países terceiros ocorridos antes de 1 de maio de 2004». Do mesmo modo, no considerando 1222 dessa decisão, a respeito da participação da SAS Consortium na infração única e continuada, a Comissão fez referência à sua competência ao abrigo dessas disposições «quanto às rotas entre a U[nião] e os países terceiros e às rotas entre a Islândia, a Noruega e o Liechtenstein e os países fora do EEE».

186    Os fundamentos da decisão recorrida confirmam, pois, que os conceitos de «aeroportos de países terceiros» e de «aeroportos fora do EEE» têm o mesmo significado. De acordo com a cláusula de definição que consta da nota de rodapé n.o 1514, há que considerar, portanto, que ambas excluem os aeroportos situados na Confederação Suíça.

187    Ao contrário do que alega a recorrente, os considerandos 1194 e 1241 da decisão recorrida não apontam para outra solução. É certo que, no considerando 1194 dessa decisão a Comissão se referiu às «rotas entre o EEE e países terceiros, com exceção das rotas entre a U[nião] e a [Confederação] Suíça». Do mesmo modo, no considerando 1241 da mesma decisão, no contexto da «determinação do valor das vendas nas rotas com países terceiros», reduziu em 50 % o montante de base pelas «rotas EEE‑países terceiros, com exceção das rotas entre a U[nião] e a Suíça, relativamente às quais atua ao abrigo do Acordo [CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos]». Ora, poder‑se‑ia considerar que, como, em substância, refere a recorrente, se a Comissão teve o cuidado de inserir nesses considerandos a menção «com exceção das rotas entre a União e a [Confederação] Suíça», foi porque considerava ser a Suíça um país terceiro no respeitante às rotas entre países do EEE e países terceiros.

188    De resto, a Comissão admitiu que era possível que tivesse «inadvertidamente» incluído no valor das vendas o volume de negócios que alguns das transportadoras arguidas tinham realizado nas rotas EEE, exceto União‑Suíça, durante o período em causa. Entende que a razão para isso é que, num pedido de informação de 26 de janeiro de 2009, a respeito de certos volumes de negócios, não avisou as transportadoras em causa de que se devia excluir o volume de negócios realizado nas rotas EEE, exceto União‑Suíça, do valor das vendas realizados nas rotas EEE, exceto União‑países terceiros.

189    Não obstante, há que considerar que, como faz a Comissão, que esses elementos dizem exclusivamente respeito às receitas a ter em conta para efeitos do cálculo do montante de base da coima e não à definição do perímetro geográfico da infração única e continuada, que é o que está aqui em causa.

190    Improcede, portanto, o presente fundamento.

3.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do princípio ne bis in idem e do artigo 266.o TFUE e à violação do prazo de prescrição

191    A recorrente apresenta este fundamento em duas partes, alegando, por um lado, uma violação do princípio ne bis in idem e do artigo 266.o TFUE e, por outro, uma violação do prazo de prescrição e falta de interesse legítimo na declaração formal de uma infração.

192    O Tribunal considera apropriado tratar primeiro da segunda parte, relativa à violação do prazo de prescrição.

a)      Quanto à segunda parte, violação do prazo de prescrição e falta de interesse legítimo na declaração formal de infração

193    A recorrente alega uma violação do prazo de prescrição e falta de interesse legítimo numa declaração formal de infração.

194    No que respeita ao prazo de prescrição, a recorrente alega que, na medida em que o seu recurso da Decisão de 9 de novembro de 2010 não visava a anulação das declarações de infração relativas às rotas intra‑EEE e União‑Suíça, o artigo 25.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003, que prevê a suspensão desse prazo em caso de recurso pendente, não era aplicável. Por conseguinte, ao aplicar uma coima à recorrente relativamente a essas rotas na decisão recorrida, a Comissão violou esse prazo.

195    No que respeita ao interesse legítimo na declaração da infração nas ligações intra‑EEE e União‑Suíça, a recorrente alega que cabe à Comissão demonstrar que tem esse interesse. Ora, essa decisão não fornece qualquer prova de que a recorrente não cumpriu a obrigação de cessação imediata da infração prevista na Decisão de 9 de novembro de 2010. Além disso, nada permite à Comissão presumir, como faz no considerando 1171 da decisão recorrida, que a recorrente talvez não tivesse posto termo à infração à data da adoção da decisão recorrida. Acresce ainda que tanto a decisão recorrida como a Decisão de 9 de novembro de 2010 declaram que não existem provas de que os acordos colusivos tivessem continuado após o primeiro dia das inspeções, 14 de fevereiro de 2006. A recorrente considera igualmente que, segundo a jurisprudência, o facto de a Comissão não ter demonstrado um interesse legítimo é suficiente para justificar a anulação integral da decisão recorrida no que a ela diz respeito.

196    Por último, se o Tribunal Geral vier a acolher a presente parte, mas considerar que a decisão recorrida não era passível de anulação integral, a violação do prazo de prescrição deve ser tida em conta no cálculo do montante da coima. De acordo com a recorrente, o coeficiente de gravidade e o montante adicional que lhe são aplicáveis devem, portanto, ser fixados numa percentagem inferior a 16 %. Sustenta que, se assim não for, isso criará uma discriminação injustificável entre ela e as transportadoras consideradas responsáveis pela infração única e continuada em todas as rotas e esvaziaria de sentido o prazo de prescrição de dez anos fixado no artigo 25.o do Regulamento n.o 1/2003.

197    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

198    De acordo com a Comissão, o prazo de prescrição de 10 anos suspendeu‑se entre 24 de janeiro de 2011, data em que a recorrente interpôs recurso da Decisão de 9 de novembro de 2010, e 16 de dezembro de 2015, data em que o Tribunal Geral proferiu o Acórdão Japan Airlines/Comissão (T‑36/11, não publicado, EU:T:2015:992). Tendo em conta essa suspensão, o período entre 14 de fevereiro de 2006, data em que a infração cessou, e 17 de março de 2017, data da decisão recorrida, é apenas de 6 anos, 2 meses e 26 dias.

199    A Comissão salienta que a Decisão de 9 de novembro de 2010 descreveu uma infração única e continuada que abrange todas as rotas em causa e que a recorrente, no seu recurso dessa decisão, pediu a sua anulação, o que justifica a suspensão do prazo de prescrição.

200    A Comissão acrescenta que o coeficiente de gravidade e o montante adicional não precisam de ser ajustados. O coeficiente de gravidade permaneceu o mesmo para todos os destinatários da decisão recorrida e o âmbito geográfico do comportamento de cada destinatário foi tido em conta nos valores do volume de negócios utilizados para calcular o montante da coima.

201    A esse respeito, há que lembrar que, nos termos do artigo 25.o, n.o 1, alínea b), e n.os 2, 3 e 5, do Regulamento n.o 1/2003, dá‑se a prescrição do poder de aplicar uma coima quando:

—        a Comissão não aplicou uma coima no prazo de cinco anos a contar do dia em que a infração cessou (alínea b) do n.o 1) sem ter, entretanto, ocorrido qualquer ato interruptivo (n.o 3);

—        ou até dez anos a contar do dia em que a infração tenha terminado, caso tenham sido praticados atos interruptivos (n.o 5).

202    Além disso, o artigo 25.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003 prevê que a prescrição está suspensa enquanto a decisão da Comissão for objeto de um processo pendente no Tribunal de Justiça. Nos termos do n.o 5 do mesmo artigo, o prazo de prescrição de dez anos é prorrogado pelo período durante o qual o prazo de prescrição estiver suspenso, de acordo com o n.o 6 do mesmo artigo.

203    De acordo com o artigo 25.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, a prescrição interrompe‑se por qualquer ato da Comissão destinado à instrução ou à repressão da infração, notificado a, pelo menos, uma empresa que tenha participado na infração. Segundo o artigo 25.o, n.o 4, do mesmo regulamento, a interrupção da prescrição vale para todas as empresas que tenham participado na infração em causa.

204    Daí resulta que o facto de uma empresa não ter sido identificada como participante na infração em um ou mais atos adotados para efeitos de investigação ou punição da infração no procedimento administrativo não impede que a interrupção do prazo de prescrição lhe seja igualmente aplicável, desde que seja posteriormente identificada como participante na infração (Acórdão de 31 de março de 2009, ArcelorMittal Luxembourg e o./Comissão, T‑405/06 EU:T:2009:90, n.os 143 e 144).

205    Em contrapartida, o Tribunal de Justiça já declarou que, ao contrário do efeito erga omnes dos atos interruptivos da prescrição previstos no artigo 25.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 1/2003, o efeito suspensivo da prescrição que o artigo 25.o, n.o 6, desse mesmo regulamento atribui aos processos judiciais só tem efeitos inter partes (Acórdão de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., C‑201/09 P e C‑216/09 P, EU:C:2011:190, n.o 148).

206    Assim, no que respeita às empresas que não tenham interposto recurso de uma decisão final da Comissão, um recurso interposto por outra empresa da mesma decisão final não pode ter qualquer efeito suspensivo (Acórdão de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., C‑201/09 P e C‑216/09 P, EU:C:2011:190, n.o 145).

207    Por último, o facto de a Comissão deixar de ter o poder de aplicar coimas aos autores de uma infração em consequência do decurso do prazo de prescrição não obsta, por si só, à adoção de uma decisão que declare que essa infração foi cometida, desde que a Comissão demonstre, nesse caso, um interesse legítimo em tomar uma decisão que declare essa infração (v., por analogia, Acórdão de 6 de outubro de 2005, Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, T‑22/02 e T‑23/02, EU:T:2005:349, n.os 131 e 132).

208    No caso, é pacífico que o ponto de partida do prazo de prescrição é a data de cessação da infração única e continuada, a saber, 14 de fevereiro de 2006, de acordo com o artigo 25.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003.

209    Além disso, a recorrente limita‑se a alegar a violação do prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 25.o, n.o 5, desse regulamento, sem alegar que o prazo de prescrição de cinco anos também foi violado. Ora, está assente que, à data da adoção da decisão recorrida, tinham decorrido mais de dez anos desde a cessação da infração única e continuada.

210    A Comissão afirma, porém, ao contrário da recorrente, que o prazo de prescrição esteve suspenso, de acordo com o artigo 25.o, n.o 6, desse regulamento, enquanto esteve pendente o processo que deu origem ao Acórdão de 16 de dezembro de 2015, Japan Airlines/Comissão (T 36/11, não publicado, EU:T:2015:992), pelo que a prescrição não se tinha constituído à data da adoção da decisão recorrida.

211    Há que determinar, portanto, se o recurso interposto pela recorrente da Decisão de 9 de novembro de 2010 teve como efeito a prorrogação do prazo de prescrição por dez anos no que respeita ao seu comportamento ilícito declarado no artigo 1.o, n.os 1 e 4, da decisão recorrida, respetivamente nas rotas intra‑EEE e nas rotas União‑Suíça.

212    A este respeito, refira‑se que, para concluir pela natureza inter partes do efeito suspensivo da prescrição de um recurso de uma decisão sancionatória da Comissão (n.o 205, supra), o Tribunal de Justiça se baseou, nomeadamente, nos contornos do objeto do litígio a ser decidido pelo juiz da União que conhece do recurso de anulação, lembrando que o julgador só é chamado a conhecer dos elementos da decisão que dizem respeito ao autor do recurso de anulação (v., neste sentido, Acórdão de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., C‑201/09 P e C‑216/09 P, EU:C:2011:190, n.o 142). Daí resulta uma necessária coerência entre o alcance do recurso de anulação e o alcance do efeito na prescrição que lhe está associado por força do artigo 25.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003.

213    Há que determinar, portanto, o alcance do recurso interposto pela recorrente da Decisão de 9 de novembro de 2010, e em particular se, no litígio que lhe foi submetido pela recorrente, o Tribunal Geral foi chamado a conhecer dos comportamentos relativos às rotas intra‑EEE e União‑Suíça.

214    A esse respeito, é jurisprudência constante que as apreciações formuladas nos fundamentos de uma decisão não podem, enquanto tais, ser objeto de recurso de anulação e só podem ser submetidas à fiscalização da legalidade do juiz da União na medida em que, enquanto fundamentos de um ato lesivo, constituam o suporte necessário do dispositivo desse ato (v. Acórdão de 11 de junho de 2015, Laboratoires CTRS/Comissão, T‑452/14, não publicado, EU:T:2015:373, n.o 51 e jurisprudência referida).

215    Além disso, o Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que uma decisão adotada em matéria de concorrência relativamente a várias empresas, mesmo que redigida e publicada sob a forma de uma única decisão, deve ser considerada um conjunto de decisões individuais que declaram, relativamente a cada uma das empresas destinatárias, a infração ou infrações que lhe são imputadas e, se for caso disso, lhe aplicam uma coima (Acórdão de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.o 100). Considerou igualmente que, se um destinatário de uma decisão decidir interpor recurso de anulação, o juiz da União apenas será chamado a pronunciar‑se sobre os elementos da decisão que lhe digam respeito, ao passo que os relativos a outros destinatários não fazem parte do objeto do litígio que o juiz da União é chamado a decidir, sem prejuízo de circunstâncias especiais (Acórdão de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.o 66).

216    Assim, o objeto do recurso interposto pela recorrente da Decisão de 9 de novembro de 2010 deve limitar‑se à parte dispositiva dessa decisão, na parte em que lhe diga respeito, e aos fundamentos que lhe deem o suporte necessário. Ora, o dispositivo, na medida em que dava por provada a participação das empresas destinatárias dessa decisão nos comportamentos ilícitos nela mencionados, só a dava por provada no respeitante à recorrente nas rotas União‑países terceiros (artigo 2.o) e às rotas EEE fora da União‑países terceiros (artigo 3.o). Em contrapartida, o dispositivo da Decisão de 9 de novembro de 2010, na medida em que não mencionava a recorrente nos seus artigos 1.o e 4.o, não a declarava responsável por condutas relacionadas com rotas intra‑EEE e rotas União‑Suíça e, portanto, não constituía um elemento da decisão que lhes dissesse respeito suscetível de censura do Tribunal Geral.

217    Isto não é posto em causa pelo facto, alegado pela Comissão, de a recorrente referir no seu pedido a anulação integral da Decisão de 9 de novembro de 2010.

218    Com efeito, uma vez que essa decisão deve ser considerada um conjunto de decisões individuais que declaram, relativamente a cada uma das transportadoras arguidas, a infração ou infrações que lhe são imputadas, a recorrente, ao pedir a anulação integral dessa decisão, pediu a anulação da decisão individual que lhe era dirigida e que não lhe imputava os comportamentos cometidos nas rotas intra‑EEE e União‑Suíça. Isto é confirmado pela parte dispositiva do Acórdão de 16 de dezembro de 2015 Japan Airlines/Comissão (T‑36/11 não publicado, EU:T:2015:992), que precisa que a Decisão de 9 de novembro de 2010 é anulada no que diz respeito à recorrente.

219    Em face do exposto, há que considerar que o recurso interposto pela recorrente da Decisão de 9 de novembro de 2010 não era suscetível de conduzir a uma prorrogação do prazo de prescrição previsto no artigo 25.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1/2003, no que respeita aos comportamentos ilícitos ligados às rotas intra‑EEE e União‑Suíça.

220    Assim, na ausência de uma prorrogação do prazo de prescrição, o exercício pela Comissão do seu poder punitivo relativamente às condutas em causa prescreveu em 14 de fevereiro de 2016, ou seja, em data anterior à data de adoção da decisão recorrida.

221    Daí resulta que, ao punir a recorrente na decisão recorrida pela infração única e continuada no que respeita às rotas intra‑EEE e União‑Suíça, a Comissão violou as regras sobre prescrição previstas no artigo 25.o do Regulamento n.o 1/2003.

222    Por outro lado, mesmo admitindo, como parece sugerir a Comissão em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal Geral no âmbito de medidas de organização do processo, que a coima aplicada à recorrente pelos comportamentos ilícitos relativos às rotas intra‑EEE e União‑Suíça, refira‑se que a Comissão nem na decisão recorrida nem em juízo alega ter um interesse legítimo em declarar a existência desses comportamentos dada a prescrição do poder de aplicação de uma coima a esse título (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 2005, Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, T‑22/02 e T‑23/02, EU:T:2005:349, n.o 136, e de 16 de novembro de 2011, Stempher e Koninklijke Verpakkingsindustrie Stempher/Comissão, T‑68/06, não publicado, EU:T:2011:670, n.o 44).

223    Consequentemente, há que julgar procedente a segunda parte do primeiro fundamento e anular o artigo 1.o, n.o 1, alínea h), e n.o 4, alínea h), da decisão recorrida.

224    Em contrapartida, não resulta daí que a decisão recorrida deva ser integralmente anulada, contrariamente ao alegado pela recorrente (v. n.o 195, supra). Por um lado, ao contrário do processo que deu origem ao Acórdão de 6 de outubro de 2005, Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão (T‑22/02 e T‑23/02, EU:T:2005:349), e que a recorrente tenta invocar, a prescrição só opera, no caso, em relação a uma parte das declarações de infração contidas na decisão recorrida, a saber, as relativas às rotas intra‑EEE e União‑Suíça. Por outro lado, ao contrário do que alegou a recorrente na audiência e como adiante demonstra a análise dos fundamentos que permanecem em apoio do presente recurso, a procedência da presente parte não tem o efeito de impedir que se discuta utilmente nem que o Tribunal Geral examine a legalidade do resto da decisão recorrida.

225    Quanto à primeira parte do artigo 4.o da decisão recorrida, não há anulá‑la, pois limita‑se a intimar as transportadoras arguidas a porem termo à infração única e continuada «na medida em que ainda não o tenham feito».

226    Por outro lado, na medida em que a recorrente alega que a anulação do artigo 1.o, n.o 1, alínea h), e n.o 4, alínea h), da decisão recorrida deveria ser tida em conta na fase do cálculo da coima, a sua argumentação será analisada no âmbito do exame do pedido de alteração do montante da coima.

b)      Quanto à primeira parte, violação do princípio ne bis in idem e do artigo 266.o TFUE

227    A recorrente alega primeiro que a Comissão violou o princípio ne bis in idem, consagrado no artigo 50.o da Carta, e o artigo 266.o TFUE, ao imputar‑lhe a responsabilidade pela infração única e continuada nas rotas intra‑EEE entre 7 de dezembro de 1999 e 14 de fevereiro de 2006 e nas rotas União‑Suíça entre 1 de junho de 2002 e 14 de fevereiro de 2006, apesar de, na Decisão de 9 de novembro de 2010, ter sido ilibada de qualquer responsabilidade nessas rotas e só ter sido considerada responsável pela infração única nas rotas União‑países terceiros entre 1 de maio de 2004 e 14 de fevereiro de 2006 e nas rotas EEE, exceto União‑países terceiros, entre 19 de maio de 2005 e 14 de fevereiro de 2006.

228    Além disso, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento ao não dirigir a decisão recorrida à Qantas por não ter contestado a Decisão de 9 de novembro de 2010, ao passo que a recorrente, que não contestou essa decisão na medida em que a isentou para as rotas intra‑EEE e União‑Suíça, é agora considerada responsável por essas rotas.

229    Na réplica, a recorrente acrescenta que, ao não realizar uma nova audição e ao não emitir uma nova comunicação de acusações antes de alterar substancialmente a parte dispositiva da Decisão de 9 de novembro de 2010, declarando a sua responsabilidade pelas rotas intra‑EEE entre 7 de dezembro de 1999 e 14 de fevereiro de 2006 e pelas rotas União‑Suíça entre 1 de junho de 2002 e 14 de fevereiro de 2006, a Comissão cometeu uma ilegalidade que, por si só, justifica a anulação da decisão recorrida.

230    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

231    Com as várias alegações apresentadas na presente parte, a recorrente acusa, em substância, a Comissão de a ter ilegalmente considerado responsável pela infração única e continuada no respeitante às rotas intra‑EEE e União‑Suíça. Ora, ao julgar procedente a segunda parte do primeiro fundamento e, consequentemente, ao anular o artigo 1.o, n.o 1, alínea h), e n.o 4, alínea h), da decisão recorrida, o Tribunal Geral tornou inútil o exame da presente parte.

4.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da não discriminação, e ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 101.o TFUE, do artigo 53.o do Acordo EEE e do dever de fundamentação relativo, por um lado, à imputação à recorrente da responsabilidade pela infração única e continuada nas rotas intraEEE e UniãoSuíça durante o período anterior a 1 de maio de 2004 e, por outro, à determinação da data de início da sua participação nessa infração

232    No âmbito do segundo fundamento, a recorrente alega que a Comissão violou o princípio da não discriminação ao considerá‑la responsável por uma infração de âmbito mais vasto e de duração mais longa do que as infrações pelas quais a Qantas é considerada responsável na Decisão de 9 de novembro de 2010.

233    A recorrente alega que se encontra na mesma situação que a Qantas, na medida em que também não servia as rotas intra‑EEE e União‑Suíça. Além disso, alega que, tal como a Qantas, nunca contestou as partes da Decisão de 9 de novembro de 2010 que diziam respeito às rotas intra‑EEE e às rotas União‑Suíça pelas quais é agora considerada responsável nos termos da decisão recorrida.

234    Com o seu terceiro fundamento, a recorrente acusa a Comissão de violar o dever de fundamentação, o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE ao considerá‑la responsável pela infração única e continuada nas rotas intra‑EEE e União‑Suíça pelo período anterior a 1 de maio de 2004. Recorda que, antes de 1 de maio de 2004, a Comissão só podia aplicar o artigo 101.o TFUE aos voos entre aeroportos no interior da União e não se aplicava, portanto, às rotas União‑países terceiros. Em seu entender, antes de 19 de maio de 2005, o mesmo acontecia com o artigo 53.o do Acordo EEE, que a Comissão não podia aplicar aos transportes aéreos nas rotas EEE, exceto União‑países terceiros. Daí infere que a sua participação em contactos relativos às rotas União‑Japão com outras transportadoras antes de 1 de maio de 2004 era legal. Entende que, na medida em que esses contactos não eram da competência da Comissão e eram, portanto, legais, não podiam, por definição, fazer parte da «ação ilícita conjunta» a que a Comissão se refere no considerando 865 da decisão recorrida. A recorrente considera, portanto, que não se pode considerar que, ao participar nesses contactos, tenha contribuído para a infração única e continuada.

235    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

236    Há que observar, que, em substância, com o seu segundo fundamento, a recorrente acusa a Comissão de violação do princípio da não discriminação ao considerá‑la responsável pela infração única e continuada no respeitante às rotas intra‑EEE e União‑Suíça, ao passo que a Qantas não foi acusada de qualquer infração nessas rotas. Do mesmo modo, com o terceiro fundamento, a recorrente acusa, em substância, a Comissão de violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE ao considerá‑la responsável pela infração única e continuada no respeitante a essas mesmas rotas.

237    Ora, o Tribunal Geral já julgou procedente a segunda parte do primeiro fundamento e, consequentemente, anulou o artigo 1.o, n.o 1, alínea h), e n.o 4, alínea h), da decisão recorrida, em que a Comissão tinha considerado a recorrente responsável pela infração única e continuada no respeitante às rotas intra‑EEE e União‑Suíça. A análise do segundo e terceiro fundamentos torna‑se, portanto, inútil.

5.      Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE na imputação à recorrente da responsabilidade pela infração única e continuada nas rotas em que não era concorrente real ou potencial

238    A recorrente alega que a Comissão violou o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE ao considerá‑la responsável pela infração única e continuada em rotas que não servia e que não podia legalmente ter servido por força dos acordos de serviços aéreos internacionais aplicáveis («ASA»). A recorrente apresenta três argumentos em apoio desta tese.

239    Em primeiro lugar, a recorrente alega que a aplicação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE pressupõe a existência de concorrência real ou, pelo menos, potencial entre as empresas em causa. Ora, afirma que não podia juridicamente prestar serviços de frete nas rotas referidas no artigo 1.o do dispositivo da decisão recorrida diferentes das rotas EEE‑Japão.

240    A recorrente acrescenta que, mesmo que lhe fosse possível celebrar acordos como os referidos no considerando 890 da decisão recorrida com transportadoras para servir indiretamente as rotas referidas no artigo 1.o dessa decisão, para além das rotas EEE‑Japão, não teria podido exercer uma concorrência efetiva nestas últimas rotas.

241    As afirmações feitas pela Comissão no considerando 890 da decisão recorrida são, além disso, inteiramente novas e não constavam da comunicação de acusações. A recorrente infere daí que a Comissão não lhe concedeu o direito de audiência no respeitante a essas afirmações, violando assim os seus direitos de defesa.

242    Em segundo lugar, a recorrente alega que a Comissão não pode invocar o Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:717) para a considerar responsável pela infração única e continuada em mercados em que não era uma concorrente real ou potencial.

243    Afirma que, com efeito, por um lado, a Comissão não invocou o Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P EU:C:2015:717) na decisão recorrida e invocá‑lo no Tribunal Geral equivaleria a alterar de forma ilícita o fundamento pelo qual foi considerada responsável pela infração única e continuada.

244    A recorrente acrescenta que a decisão recorrida está ferida de fundamentação contraditória que a impossibilita de compreender os fundamentos pelos quais é considerada responsável pela infração única e continuada no respeitante às rotas diferentes das rotas EEE‑Japão. Com efeito, a Comissão imputou‑lhe a responsabilidade pela infração única e continuada nessas rotas por dois fundamentos que se excluem mutuamente: um pressupõe a presença, pelo menos potencial, da recorrente no mercado afetado, enquanto a outra pressupõe a sua ausência nesse mesmo mercado.

245    Entende, por outro lado, que o alcance do Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:717), se limita aos casos em que a empresa em causa contribuiu ativamente para uma restrição da concorrência e desempenhou um papel essencial na infração. Ora, a recorrente não contribuiu ativamente para a infração única e continuada nem desempenhou um papel essencial na mesma.

246    Em terceiro lugar, a recorrente alega que não podia contribuir para a implementação de uma coordenação anticoncorrencial nas rotas diferentes das rotas EEE‑Japão e que os seus contactos com as transportadoras arguidas com atividade nessas outras rotas não podiam, por conseguinte, ter por objetivo restringir a concorrência no EEE. Acrescenta que a Comissão adotou uma abordagem coerente nos mercados locais e fixou o nível das sobretaxas a nível local, em função das rotas, de modo que a Comissão não podia concluir no considerando 889 da decisão recorrida que as sobretaxas não eram específicas de nenhuma rota.

247    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

248    A título preliminar, há que observar que, com o presente fundamento, a recorrente critica a Comissão, em substância, por esta a ter considerado responsável pela infração única e continuada nas rotas intra‑EEE, União‑Suíça e EEE‑países terceiros, exceto EEE‑Japão (a seguir «rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão»). Por razões semelhantes às acima expostas nos n.os 231 e 237, o exame deste fundamento tornou‑se inútil na medida em que diz respeito às rotas intra‑EEE e União‑Suíça. Por conseguinte, o Tribunal Geral só examinará esse fundamento na medida em que diga respeito às rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão.

249    Esclarecido isto, para responder ao primeiro fundamento, num primeiro momento, há que lembrar os princípios aplicáveis (v. n.os 250 a 264, infra), num segundo momento, identificar os fundamentos pelos quais a Comissão imputou à recorrente a responsabilidade pela infração única e continuada no respeitante às rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão (v. n.os 265 a 277, infra), e, num terceiro momento, analisar o seu mérito (v. n.os 278 a 284, infra).

a)      Quanto aos princípios aplicáveis

250    Há que lembrar que, como acima resulta do n.o 100, o artigo 101.o, n.o 1, TFUE proíbe todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

251    Assim, para ser abrangido pela proibição de princípio prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, o comportamento das empresas deve não só revelar a existência de uma colusão entre elas, ou seja, um acordo entre empresas, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada, mas essa colusão deve também afetar desfavoravelmente e de modo sensível a concorrência no mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2012, Expedia, C‑226/11, EU:C:2012:795, n.os 16 e 17).

252    No caso de acordos ou práticas concertadas entre empresas que operam ao mesmo nível da cadeia de produção ou distribuição, é, portanto, necessário, como refere a recorrente, que tal colusão ocorra entre empresas que se encontram numa situação de concorrência, se não real, pelo menos potencial.

253    Há que lembrar, porém, que, como já decidiu o Tribunal no n.o 34 do Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:717), o artigo 101.o, n.o 1, TFUE não diz respeito apenas às empresas com atividade no mercado afetado pelas restrições da concorrência. O seu alcance também não se limita às empresas com atividade em mercados a montante, a jusante ou vizinhos desse mercado, ou às empresas que limitam a sua autonomia de comportamento num determinado mercado em virtude de um acordo ou prática concertada.

254    Com efeito, o texto do artigo 101.o, n.o 1, TFUE refere‑se, de modo geral, a todos os acordos e práticas concertadas que, em relações horizontais ou verticais, falseiem a concorrência no mercado interno, independentemente do mercado em que as partes exercem a sua atividade e do facto de apenas o comportamento comercial de uma delas ser afetado pelos termos dos acordos em causa (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 35).

255    Daí resulta que uma empresa pode cometer uma violação da proibição de princípio prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE quando o seu comportamento, coordenado com o de outras empresas, tenha por objetivo restringir a concorrência num mercado em que não seja um concorrente real nem um concorrente potencial.

256    Estas considerações aplicam‑se, mutatis mutandis, ao artigo 53.o do Acordo EEE.

257    Ao contrário do que alega a recorrente, não se pode inferir do n.o 37 do Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:717), que o alcance desse acórdão se limita aos casos em que essa empresa desempenhou um «papel essencial» no cartel. Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça absteve‑se de fazer do caráter essencial do papel da empresa em causa um pressuposto da sua responsabilidade. Nos n.os 37 a 39 desse acórdão, a recorrente limitou‑se a fazer sua a constatação factual que o Tribunal Geral tinha feito em primeira instância em resposta ao argumento de que as intervenções da recorrente no processo que deu origem ao mesmo acórdão constituíam serviços meramente periféricos, não relacionados com as obrigações assumidas pelos produtores e com as restrições de concorrência daí resultantes.

258    O raciocínio do Tribunal de Justiça baseava‑se nomeadamente na jurisprudência relativa ao conceito de infração única e continuada (Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.30). Segundo esta jurisprudência, uma violação da proibição de princípio prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE e no artigo 53.o, n.o 1, do Acordo EEE pode resultar não só de um ato isolado mas também de uma série de atos ou mesmo de um comportamento continuado, mesmo quando um ou mais elementos dessa série de atos ou desse comportamento continuado também possam constituir, por si sós e considerados isoladamente, uma infração a essas disposições. Assim, quando as diferentes ações se inserem num «plano de conjunto», em razão do seu objetivo idêntico de falsear o jogo da concorrência no interior do mercado interno ou do território do EEE, a Comissão pode imputar a responsabilidade dessas ações em função da participação na infração considerada no seu conjunto (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 41 e jurisprudência referida).

259    Uma empresa que tenha participado numa tal infração única e complexa através de comportamentos próprios, que integravam os conceitos de acordo ou de prática concertada com um objetivo anticoncorrencial, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE ou do artigo 53.o, n.o 1, do Acordo EEE e que visavam contribuir para a realização da infração no seu conjunto, também pode ser responsável pelos comportamentos adotados por outras empresas no âmbito da mesma infração, durante todo o período em que nela participou. É esse o caso quando se demonstra que essa empresa tencionava contribuir com o seu próprio comportamento para os objetivos comuns prosseguidos por todos os participantes e tinha tido conhecimento dos comportamentos ilícitos projetados ou adotados por outras empresas na prossecução dos mesmos objetivos, ou podia razoavelmente prevê‑los e estava disposta a aceitar o risco (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 42 e jurisprudência referida).

260    Assim, uma empresa pode ter participado diretamente em todos os comportamentos anticoncorrenciais que compõem a infração única e continuada, caso em que a Comissão tem o direito de lhe imputar a responsabilidade de todos esses comportamentos e, portanto, da referida infração no seu todo. Uma empresa pode também apenas ter participado diretamente numa parte dos comportamentos anticoncorrenciais que compõem a infração única e continuada, mas ter tido conhecimento do conjunto dos outros comportamentos ilícitos projetados ou adotados pelos outros participantes no cartel na prossecução dos mesmos objetivos, ou ter podido razoavelmente prevê‑los e ter estado pronta a aceitar o seu risco. Nesse caso, a Comissão pode igualmente imputar a essa empresa a responsabilidade pelo conjunto dos comportamentos anticoncorrenciais que constituem essa infração e, por conseguinte, pela própria infração no seu todo (Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778 n.o 43).

261    Daí resulta que têm que estar preenchidos três pressupostos para se demonstrar a participação numa infração única e continuada, a saber, a existência de um plano global que prossiga um objetivo comum, o contributo intencional da empresa em causa para esse plano e o facto de ela ter conhecimento (provado ou presumido) das condutas ilícitas dos outros participantes em que ela não tenha participado diretamente (Acórdão de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão, T‑211/08, EU:T:2011:289, n.o 35; v., ainda, Acórdão de 13 de julho de 2018, Stührk Delikatessen Import/Comissão, T‑58/14, não publicado, EU:T:2018:474, n.o 118 e jurisprudência referida).

262    Mesmo a contribuição subordinada, acessória ou passiva de uma empresa para a execução de um cartel basta para lhe imputar a responsabilidade por comportamentos anticoncorrenciais executados por outras empresas na prossecução do mesmo objetivo anticoncorrencial e de que teve conhecimento real ou presumido (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 2008, AC‑Treuhand/Comissão, T‑99/04, EU:T:2008:256, n.os 133 e 134, e de 8 de setembro de 2010, Deltafina/Comissão, T‑29/05, EU:T:2010:355, n.os 55 e 56).

263    Em contrapartida, a existência de uma relação de concorrência entre as empresas em causa não é um pressuposto da qualificação da conduta anticoncorrencial como infração única e continuada nem de imputação dessa responsabilidade. Uma interpretação contrária privaria o conceito de «infração única e continuada» de parte do seu sentido, uma vez que ilibaria essas empresas de qualquer responsabilidade indireta pela conduta das empresas não concorrentes que, no entanto, contribuiriam com a sua conduta para a realização do plano global específico da infração única e continuada (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Duravit e o./Comissão, C‑609/13 P, EU:C:2017:46, n.os 124, 137 e 138).

264    Daí resulta que, no caso, a Comissão podia responsabilizar uma empresa por elementos da infração única e continuada constituídos por acordos e práticas cujo objetivo consista em restringir a concorrência em rotas que não possa servir, desde que se demonstre que pretendia contribuir com a sua própria conduta para os objetivos comuns prosseguidos por todos as transportadoras arguidas e que tinha conhecimento das condutas ilícitas por eles planeadas ou levadas a cabo na prossecução dos mesmos objetivos e nos quais não participou diretamente, ou que poderia razoavelmente ter previsto tê‑las previsto e estava disposta a aceitar o seu risco.

b)      Quanto aos fundamentos pelos quais a Comissão imputou à recorrente a responsabilidade pela infração única e continuada no respeitante às rotas EEEpaíses terceiros, exceto Japão

265    Nos considerandos 862 a 868 da decisão recorrida, a Comissão expôs a jurisprudência relativa ao conceito de infração única e continuada. Em particular, nos considerandos 865 a 868 dessa decisão, recordou que uma empresa podia, sob certas condições, ser responsabilizada por uma infração única e continuada no seu conjunto, mesmo não tendo participado diretamente em «todos os seus elementos constitutivos». No considerando 895 da referida decisão, a Comissão reiterou esse princípio em resposta a um argumento da British Airways e da Air Canada, que afirmavam não estar ao corrente da existência de uma «conspiração mais ampla».

266    Nos considerandos 869 a 902 e no artigo 1.o da decisão recorrida, a Comissão concluiu pela existência de uma infração única e continuada que englobava todos os contactos controvertidos, ocorridos ou não no interior do EEE, e todas as rotas em causa, fossem de entrada, de saída ou internas do EEE. Deu por provado, nomeadamente, no considerando 879 dessa decisão, que os contactos controvertidos visavam «a realização do objetivo único prosseguido pelos responsáveis, no âmbito de um plano global».

267    No considerando 878 da decisão recorrida, a Comissão observou que todas as transportadoras arguidas tinham «estado envolvidos em comunicações e na concertação a respeito da STC e [que] várias delas [o tinham estado] no respeitante à STS e à recusa de pagamento de comissões». No considerando 881 da referida decisão, acrescentou que «a maioria das partes», incluindo a recorrente, estava envolvida nas três componentes da infração única e continuada (v., ainda, considerando 761). Resulta dos considerandos 882 e 883 da referida decisão que a Comissão quis, assim, declarar que a recorrente tinha participado diretamente em cada um desses componentes e não que só tinha participado diretamente em alguns deles, tendo conhecimento de todas as outras condutas ilícitas previstas ou executadas pelas outras transportadoras arguidas na prossecução do objetivo anticoncorrencial único ou podendo razoavelmente tê‑los previsto e estando disposta a aceitar o seu risco.

268    Resulta, porém, das suas respostas aos argumentos da Air Canada e da British Airways nos considerandos 894 a 897 da decisão recorrida que não foi por isso que a Comissão considerou que a recorrente tinha participado diretamente em todas as atividades anticoncorrenciais abrangidas por esses componentes.

269    Foi, portanto, pelo facto de a recorrente pretender, independentemente do seu estatuto de potencial concorrente nas rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão, contribuir para o plano global de prossecução do objetivo anticoncorrencial comum descrito nos considerandos 872 a 876 da decisão recorrida e ter conhecimento (provado ou presumido) das condutas ilícitas dos outras transportadoras arguidas em que não participou diretamente que a Comissão lhe imputou a responsabilidade pela infração única e continuada, incluindo no respeitante às rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão.

1)      Quanto às alegadas contradições na fundamentação

270    Contrariamente ao alegado pela recorrente, não se pode inferir da decisão recorrida que a Comissão tivesse querido ao mesmo tempo imputar‑lhe a responsabilidade pela infração única e continuada no respeitante às rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão, com base na sua qualidade de potencial concorrente nessas rotas, contradizendo‑se assim a si própria.

271    Em primeiro lugar, não se pode deduzir do considerando 890 da decisão recorrida que a Comissão se baseou na qualidade de potencial concorrente da recorrente nas rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão, para declarar a sua responsabilidade em relação a estas. Esse considerando é o único em que, em substância, a Comissão se referiu à existência de concorrência potencial entre as transportadoras arguidas nas rotas que não serviam nem podiam servir diretamente. No entanto, contrariamente ao que alega a recorrente, resulta tanto da sua redação como do seu objetivo e do contexto em que se insere que esse considerando não diz respeito à responsabilidade das várias transportadoras arguidas pela infração única e continuada, mas à existência dessa infração, que a recorrente não contesta no contexto do presente fundamento. Com efeito, esse considerando refere‑se expressamente à «existência da infração única e continuada». Quanto aos considerandos 112 e 885 a 887 da decisão recorrida, indicam que a questão era a de a Comissão demonstrar que os contactos ocorridos nos países terceiros ou contactos relacionados com as rotas que as transportadoras arguidas não serviam nem podiam servir diretamente eram relevantes para demonstrar a existência da infração única e continuada ou do «cartel mundial».

272    Em segundo lugar, contrariamente ao que alega a recorrente, as referências na decisão recorrida a uma «restrição da concorrência» (considerandos 1028 e 1277), a «trocas de informações entre concorrentes» (considerando 908), a «acordos entre concorrentes que tentam coordenar o seu comportamento a fim de eliminar a incerteza no mercado em matéria de preços» (considerando 909) e a «contactos entre concorrentes» (considerando 920) também não pressupõem que a Comissão se tivesse baseado na qualidade da recorrente de potencial concorrente nas rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão, para lhe imputar a responsabilidade pela infração única e continuada no respeitante a essas rotas. Com efeito, estas referências limitam‑se a remeter para a existência de acordos ou práticas concertadas entre empresas concorrentes num ou mais mercados, sem o que a Comissão não poderia ter concluído pela existência de uma restrição da concorrência (v. n.o 252, supra).

273    A recorrente não pode, portanto, alegar contradições nos fundamentos pelos quais a Comissão a considerou responsável pela infração única e continuada no respeitante às rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão.

2)      Quanto à alegada novidade do fundamento invocado para imputar à recorrente a responsabilidade pela infração única e continuada no respeitante às rotas EEEpaíses terceiros, exceto Japão

274    A recorrente também não pode criticar a Comissão por tentar regularizar na fase do processo jurisdicional a alegada deficiência na fundamentação da decisão recorrida remetendo na contestação para uma decisão que não citou nem, a fortiori, invocou na decisão recorrida, a saber, o Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:717). Com efeito, contrariamente ao que alega a recorrente, a referência a esse acórdão em nada altera o «fundamento da responsabilidade invocada na decisão [recorrida]». Como se pode acima ver nos n.os 253 a 263, esse acórdão não reconhece nem cria um novo fundamento em que a Comissão se possa basear para imputar a uma empresa a responsabilidade por uma infração às normas da concorrência. Limita‑se a elucidar e precisar o significado e o alcance do artigo 101.o TFUE (e, por analogia, do artigo 53.o do Acordo EEE) como devem ou deveriam ter sido entendidos desde a sua entrada em vigor e a aplicá‑lo a um caso concreto, que por acaso é o de um facilitador.

275    Ora, como acima resulta dos n.os 250 a 269, os fundamentos jurídicos em que a Comissão se baseou na decisão recorrida para considerar a recorrente responsável pela infração única e continuada nas rotas EEE‑países terceiros com exceção do Japão são o artigo 101.o TFUE, o artigo 53.o do Acordo EEE e o conceito de infração única e continuada que daí decorre.

276    Ao contrário do que alega a recorrente, são também esses fundamentos que são invocados na comunicação de acusações. Com efeito, tanto nessa comunicação como na decisão recorrida, a Comissão baseou‑se precisamente nesses fundamentos. Assim, desde logo, no n.o 3 dessa comunicação, declarou que as empresas em causa tinham «participado numa infração única e continuada […] ao artigo [101.o, n.o 1, TFUE], ao artigo 53.o, n.o 1, EEE] e ao artigo 8.o do Acordo [CE‑Suíça relativo aos] transportes aéreos pela qual coordenaram o seu comportamento tarifário para a prestação de serviços [de frete] a nível mundial no que diz respeito a várias sobretaxas, tarifas de frete e pagamento de uma comissão sobre as sobretaxas». Seguidamente, no n.o 129 da mesma comunicação, precisou que a infração única e continuada «cobria os serviços de frete na [União]/EEE e na Suíça e nas rotas entre os aeroportos da [União]/EEE e os países terceiros em todo o mundo, nos dois sentidos». Por último, nos n.os 1412 a 1432 dessa comunicação, expôs a jurisprudência relativa ao conceito de infração única e continuada e explicou como pretendia aplicá‑la aos factos do caso.

277    Nessas circunstâncias, em conformidade com o que acima se indica no n.o 263, dado não ter sido impugnada a existência de um plano de conjunto, há que determinar se a Comissão teve razão ao considerar que a recorrente, independentemente da sua qualidade de concorrente real ou potencial nas rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão, podia ser responsabilizada pela infração única e continuada nas rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão, na medida em que pretendia contribuir com a sua própria conduta para os objetivos comuns prosseguidos por todas as transportadoras arguidas e que tinha conhecimento das condutas ilícitas por elas planeadas ou levadas a cabo nessas rotas na prossecução dos mesmos objetivos e em que não participou diretamente ou que poderia razoavelmente tê‑las previsto e estava preparada para aceitar o seu risco.

c)      Quanto ao mérito dos fundamentos pelos quais a Comissão imputou à recorrente a responsabilidade pela infração única e continuada no respeitante às rotas EEEpaíses terceiros, exceto Japão

278    Nos considerandos 762 a 764 da decisão recorrida, a Comissão descreveu os «numerosos contactos» que a recorrente manteve com concorrentes ao longo do período em que participou na infração única e continuada para efeitos de «coordenação dos preços no setor do frete». Ora, resulta desses considerandos que a recorrente participou na concertação nas rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão. Refira‑se, com efeito, que vários contactos em que a recorrente participou diziam respeito, pelo menos em parte, a essas rotas.

279    Assim, no que diz respeito à STC, há que mencionar, entre os elementos referidos na decisão recorrida, a «reunião amigável» realizada a 22 de janeiro de 2001 nas instalações da Lufthansa na Alemanha (considerando 174), várias trocas de mensagens de correio eletrónico no âmbito do Air Cargo Council Switzerland (Conselho do Transporte Aéreo de Carga da Suíça, a seguir «ACCS») (considerandos 203, 204, 286, 364, 426, 502, 535, 561 e 574), discussões no âmbito da aliança WOW (considerando 517) ou ainda reuniões do SCC do BAR em Hong Kong (considerandos 394 e 503) e em Singapura (considerando 295). No que diz respeito à STS, há que remeter nesta decisão, nomeadamente, para a «reunião WOW para a Europa» e para a reunião do SCC do BAR em Hong Kong em 15 de março de 2004, onde foi «acordado que as transportadoras deve[riam] aplicar a STS à partida de Hong Kong» (considerando 665). Quanto à recusa de pagamento de comissões, foi feita referência na mesma decisão nomeadamente a uma reunião multilateral realizada em 12 de maio de 2005 em Itália na qual transportadoras que representavam «mais de 50 % do mercado», entre as quais a recorrente, «confirmaram todos a sua vontade de não aceitar qualquer remuneração STC/STS» (considerando 695) ou ainda numa mensagem de correio eletrónico de 13 de junho de 2005 em que o presidente da ACCS enviou aos seus membros um «projeto de resposta comum [a uma carta à associação de transitários] redigida em nome da ACCS, rejeitando as reivindicações dos [transitários]» (considerando 693).

280    Quanto às atividades anticoncorrenciais relacionadas com as rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão, em que a recorrente não participou diretamente, basta observar que esta não nega que tinha o conhecimento necessário sobre as mesmas.

281    A recorrente nega, porém, poder ter contribuído conscientemente para a execução de uma coordenação anticoncorrencial nas rotas diferentes das rotas EEE‑Japão.

282    No caso, há que observar que, como resulta dos considerandos 872 a 876 da decisão recorrida, a infração única e continuada prosseguia o objetivo anticoncorrencial único de restringir a concorrência entre as transportadoras arguidas em matéria de sobretaxas, pelo menos no interior da União, do EEE e na Suíça.

283    Ora, resulta da decisão recorrida que a recorrente quis contribuir para a realização desse objetivo através da sua própria conduta. Com efeito, a recorrente não só encorajou a continuação da infração única e continuada e prejudicou a sua descoberta, abstendo‑se de se distanciar publicamente do conteúdo dos contactos relativos às rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão, em que participou ou de os denunciar aos organismos administrativos competentes, mas também, ao coordenar as sobretaxas e a recusa de pagamento de comissões nas rotas EEE‑Japão, contribuiu para assegurar que os transitários não pudessem contornar o pagamento de sobretaxas nas rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão, utilizando rotas alternativas, nomeadamente através do Japão, e, por conseguinte, para a realização do objetivo anticoncorrencial comum identificado nos considerandos 872 a 876 da decisão recorrida (v. n.o 159, supra).

284    Daí resulta que não cometeu qualquer erro a Comissão ao considerar a recorrente responsável pela infração única e continuada no respeitante às rotas EEE‑países terceiros, exceto Japão, independentemente da sua eventual qualidade de potencial concorrente nessas rotas. Improcede, portanto, o presente fundamento.

6.      Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa, do princípio da não discriminação e do princípio da proporcionalidade em razão da aplicação de diferentes exigências probatórias a diferentes transportadoras

285    A recorrente alega que a Comissão violou o dever de fundamentação e os princípios da não discriminação e da proporcionalidade ao aplicar exigências probatórias diferentes a diferentes transportadoras. Alega, primeiro, que a Comissão não fundamentou adequadamente a opção de declarar a sua responsabilidade e não a de outras transportadoras não arguidas sobre os quais a Comissão dispunha de provas semelhantes às que foram utilizadas em relação a ela.

286    Segundo, a recorrente considera que a Comissão violou o princípio da não discriminação ao concluir que a conduta de uma empresa constituía uma infração, apesar de decidir que a conduta muito semelhante de outra empresa não constituía uma infração, aplicando assim níveis de prova diferentes às duas empresas em causa.

287    Terceiro, a recorrente afirma que a Comissão violou o princípio da proporcionalidade ao aplicar‑lhe uma coima por uma infração grave, apesar de decidir não punir a conduta semelhante de outras transportadoras. Alega que o coeficiente de gravidade de 16 % aplicado é desproporcionado, uma vez que a Comissão não considerou essa infração suficientemente grave para justificar medidas contra certas transportadoras não arguidas.

288    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

289    Refira‑se, desde logo, que mesmo admitindo que a Comissão tivesse cometido uma ilegalidade ao não ter em conta a responsabilidade de transportadoras não arguidas, essa ilegalidade, de que o Tribunal não é chamado a conhecer na presente lide, em nenhum caso pode levá‑lo a dar declarar uma discriminação e, portanto, uma ilegalidade quanto à recorrente, uma vez que resulta da jurisprudência que o princípio da igualdade de tratamento deve ser conciliado com o respeito da legalidade, segundo o qual ninguém pode invocar a seu favor uma ilegalidade uma ilegalidade a favor de outrem (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Total Marketing Services/Comissão, C‑634/13 P, EU:C:2015:614, n.o 55).

290    Além disso, há que lembrar que o princípio da igualdade de tratamento, que constitui um princípio geral de direito da União, consagrado no artigo 20.o da Carta, exige que as situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente e que as situações diferentes não sejam tratadas de forma igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (v. Acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, EU:C:2014:2363, n.o 51 e jurisprudência referida).

291    A violação do princípio da igualdade de tratamento por causa de um tratamento diferenciado pressupõe assim que as situações em causa sejam comparáveis em face dos elementos que as caracterizam. Os elementos que caracterizam diferentes situações e assim o seu caráter comparável devem, nomeadamente, ser determinados e apreciados à luz do objeto e do objetivo do ato da União que institui a distinção em causa (v. Acórdão de 20 de maio de 2015, Timab Industries e CFPR/Comissão, T‑456/10, EU:T:2015:296, n.o 202 e jurisprudência referida).

292    No caso, a recorrente alega, em substância, que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento ao puni‑la, abstendo‑se, porém, de declarar a responsabilidade de transportadoras não arguidas e de as punir em conformidade.

293    Ora, a recorrente em nada demonstra que essas transportadoras estivessem numa situação semelhante à sua. Embora indique que o seu comportamento era semelhante, não demonstra que o conjunto de indícios de que a Comissão dispunha contra essas transportadoras fosse semelhante àquele de que dispunha relativamente a ela.

294    Improcede, pois, a alegação de violação do princípio da igualdade de tratamento.

295    Quanto à alegada violação do dever de fundamentação e dos direitos da defesa, há que lembrar que a Comissão não tem qualquer obrigação de expor, numa decisão que declara uma infração ao artigo 101.o TFUE, as razões pelas quais outras empresas não foram processadas ou punidas. Com efeito, o dever de fundamentação de um ato não pode englobar uma obrigação de a instituição sua autora fundamentar o facto de não ter adotado outros atos semelhantes dirigidos a terceiros (Acórdão de 8 de julho de 2004, JFE Engineering/Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, EU:T:2004:221, n.o 414).

296    Improcede, pois, a alegação de falta de fundamentação e de violação dos direitos de defesa.

297    Quanto à alegação de violação do princípio da proporcionalidade, basta observar que esta se baseia na premissa errada de que a Comissão tinha um conjunto de indícios semelhantes contra a recorrente e contra as transportadoras não arguidas.

298    Em face do exposto, improcede a terceira alegação da recorrente e, com ela, todo o fundamento.

7.      Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação das Orientações de 2006 e do princípio da proporcionalidade

299    O sétimo fundamento, em que a recorrente alega que a Comissão violou as Orientações de 2006 e o princípio da proporcionalidade na fixação do montante da coima, articula‑se, em substância, em duas partes. São relativas, a primeira, à determinação do valor das vendas e, a segunda, à determinação do coeficiente de gravidade e do montante adicional.

a)      Quanto à primeira parte, relativa à determinação do valor das vendas

300    A recorrente alega que a Comissão determinou o valor das vendas por referência ao volume de negócios gerado pela venda de serviços de frete em geral em vez de o fazer por referência às receitas específicas auferidas com a STC e a STS, às quais estava associada a infração única e continuada. Faz duas alegações em apoio da sua argumentação, relativas, a primeira, à violação do ponto 13 das Orientações de 2006 e, a segunda, à violação do princípio da proporcionalidade.

1)      Quanto à primeira alegação, relativa à violação do ponto 13 das Orientações de 2006

301    A recorrente alega que a Comissão violou o ponto 13 das Orientações de 2006 ao considerar que a infração única e continuada estava relacionada com as tarifas e, consequentemente, ao incluir as receitas das tarifas no valor das vendas. Afirma que essa infração só se refere à STC, à STS e à recusa de pagamento de comissões e não às tarifas, que teriam sido excluídas do seu perímetro «por insuficiência de provas».

302    Entende que os Acórdãos de 6 de maio de 2009, KME Germany e o./Comissão (T‑127/04, EU:T:2009:142), e de 19 de maio de 2010, KME Germany e o./Comissão (T‑25/05, não publicado, EU:T:2010:206), não dão qualquer apoio à Comissão. Com efeito, esses acórdãos não dizem respeito ao cálculo das coimas segundo as Orientações de 2006, mas sim segundo as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2 do artigo 15.o do Regulamento n.o 17 e do n.o 5 do artigo 65.o do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3), que previam um método de cálculo muito diferente. Além disso, existem manifestas diferenças entre os factos do caso presente e os factos que deram origem a esses acórdãos. Afirma que, com efeito, estes tiveram em conta os custos de produção para efeitos de fixação do montante da coima. Ora, as tarifas não são equiparadas a custos de produção, antes constituem um elemento do preço distinto em relação ao qual a Comissão não deu por provada qualquer infração. Na réplica, a recorrente acrescenta que a exclusão das tarifas do valor das vendas não causaria os «litígios insolúveis» em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão (C‑272/09 P, EU:C:2011:810).

303    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

304    Há que lembrar que o conceito de valor das vendas, na aceção do ponto 13 das Orientações de 2006, reflete o preço antes de impostos faturado ao cliente pelo bem ou serviço que foi objeto da infração em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de maio de 2009, KME Germany e o./Comissão, T‑127/04, EU:T:2009:142, n.o 91, e de 18 de junho de 2013, ICF/Comissão, T‑406/08, EU:T:2013:322, n.o 176 e jurisprudência referida). Tendo em conta o objetivo prosseguido por esse ponto, reproduzido no ponto 6 das mesmas orientações, que consiste em tomar como ponto de partida para o cálculo do montante da coima aplicada a uma empresa um montante que reflita a importância económica da infração e o peso relativo dessa empresa na mesma, o conceito de valor das vendas deve, assim, ser entendido no sentido de que se refere às vendas realizadas no mercado a que diz respeito a infração (v. Acórdão de 1 de fevereiro de 2018, Kühne + Nagel International e o./Comissão, C‑261/16 P, não publicado, EU:C:2018:56, n.o 65 e jurisprudência referida).

305    A Comissão pode, portanto, utilizar na determinação do valor das vendas o preço total que a empresa faturou aos seus clientes no mercado dos bens ou serviços em causa, sem que seja necessário distinguir ou reduzir os diferentes elementos desse preço em função de terem ou não sido objeto de coordenação (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 2018, Kühne + Nagel International e o./Comissão, C‑261/16 P, não publicado, EU:C:2018:56, n.os 66 e 67). Ao contrário do que alega a recorrente, é esse o caso mesmo que o alcance da infração objeto da comunicação de acusações fosse mais extenso do que o apurado na decisão final, o que é irrelevante para efeitos de aplicação do ponto 13 das Orientações de 2006.

306    Ora, como, em substância, refere a Comissão, a STC e a STS não são bens ou serviços distintos que possam ser objeto de uma infração aos artigos 101.o ou 102.o TFUE. Pelo contrário, como resulta dos considerandos 17, 108 e 1187 da decisão recorrida, o STC e o STS são apenas dois elementos do preço dos serviços em causa.

307    Daí resulta que, ao contrário do que alega a recorrente, o ponto 13 das Orientações de 2006 não se opunha a que a Comissão tivesse em conta todo o montante das vendas ligadas aos serviços em causa, sem o dividir nos seus elementos constitutivos.

308    Quanto ao resto, há que observar que o critério defendido pela recorrente se traduz em considerar que os elementos do preço que não foram especificamente objeto de coordenação entre as transportadoras arguidas devem ser excluídos do valor das vendas.

309    A esse respeito, há que lembrar que não existe nenhuma razão válida para excluir do valor das vendas os fatores de produção cujo custo escapa ao controlo das partes na infração alegada (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2009, KME Germany e o./Comissão, T‑127/04, EU:T:2009:142, n.o 91). Ao contrário do que alega a recorrente, o mesmo acontece com os elementos dos preços que, como as tarifas, não foram especificamente objeto de coordenação, mas são parte integrante do preço de venda do produto ou serviço em causa (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, EU:T:2000:77, n.o 5030).

310    Outro entendimento teria por consequência impor à Comissão que não tomasse em conta o volume de negócios bruto em certos casos e tomá‑lo em consideração noutros, em função de um limiar que seria difícil de aplicar e abriria a porta a litígios sem fim e insolúveis, incluindo a alegações de discriminação (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑272/09 P, EU:C:2011:810, n.o 53).

311    É certo que a recorrente o contesta, mas limita‑se a defender que não haveria dificuldades de aplicação nas circunstâncias do caso presente, sem explicar de que modo a recusa de pagamento de comissões seria tido em conta nem contestar o risco de surgirem alegações de discriminação.

312    Por conseguinte, não violou o ponto 13 das Orientações de 2006 a Comissão ao concluir, no considerando 1190 da decisão recorrida, que se devia ter em conta o montante total das vendas relativas aos serviços de frete, sem que seja necessário dividi‑lo nos seus elementos constitutivos.

313    Improcede, pois, esta alegação.

2)      Quanto à segunda alegação, relativa à violação do princípio da proporcionalidade

314    A recorrente alega que o critério da Comissão é contrário ao princípio da proporcionalidade. Entende que esse critério não reflete a importância económica da infração em causa. Com efeito, entende que, no exercício de 2004‑2005, as receitas da recorrente relativas à STC e à STS representaram apenas uma «pequena» percentagem das suas receitas totais provenientes da venda de serviços de frete nas rotas EEE‑países terceiros desse exercício (da ordem dos 12 %).

315    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

316    Há que lembrar que o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições da União não devem exceder os limites do apropriado e necessário para atingir o objetivo legítimo prosseguido (Acórdãos de 13 de novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, EU:C:1990:391, n.o 13, e de 12 de setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, T‑30/05, não publicado, EU:T:2007:267, n.o 223).

317    No âmbito dos procedimentos abertos pela Comissão para punir as infrações às normas da concorrência, a aplicação do princípio da proporcionalidade exige que as coimas não sejam desmesuradas face aos objetivos prosseguidos, isto é, relativamente ao cumprimento dessas normas, e que o montante da coima aplicada a uma empresa por uma infração à concorrência seja proporcional a esta, apreciada como um todo, tendo em conta, nomeadamente, a sua gravidade e duração [v. Acórdão de 29 de fevereiro de 2016, Panalpina World Transport (Holding) e o./Comissão, T‑270/12, não publicado, EU:T:2016:109, n.o 103 e jurisprudência referida].

318    Na apreciação da gravidade de uma infração às normas da concorrência, a Comissão deve ter em conta um grande número de elementos cujo caráter e importância variam segundo o tipo de infração e as suas circunstâncias específicas Entre esses elementos podem, dependendo do caso, constar o volume e o valor das mercadorias objeto da infração e a dimensão e o poder económico da empresa e, portanto, a influência que pôde exercer no mercado (Acórdão de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, EU:C:2009:505, n.o 96).

319    De acordo com a jurisprudência, a parte do volume de negócios global resultante da venda dos produtos ou serviços objeto da infração é a mais capaz de refletir a importância económica dessa infração [Acórdão de 29 de fevereiro de 2016, Panalpina World Transport (Holding) e o./Comissão, T‑270/12, não publicado, EU:T:2016:109, n.o 106].

320    O valor das vendas tem também a vantagem de ser um critério objetivo e fácil de aplicar. Desse modo, torna a ação da Comissão mais previsível para as empresas e permite‑lhes, com vista a uma dissuasão geral, avaliar o montante de uma coima a que se expõem quando decidem participar num cartel ilícito [v., neste sentido, Acórdão de 29 de fevereiro de 2016, Panalpina World Transport (Holding) e o./Comissão, T‑270/12, não publicado, EU:T:2016:109, n.o 159].

321    O ponto 6 das Orientações de 2006 reproduz estes princípios da seguinte forma:

«[…] a combinação do valor das vendas relacionadas com a infração e da sua duração é considerada um valor de substituição adequado para refletir a importância económica da infração, bem como o peso relativo de cada empresa que participa na infração. A referência a estes indicadores dá uma boa indicação da ordem de grandeza da coima e não deverá ser entendida como a base de um método de cálculo automático e aritmético.»

322    Ora, no considerando 1190 da decisão recorrida, a Comissão concluiu precisamente que se devia ter em conta o volume de negócios global resultante da venda de serviços de frete e não unicamente os elementos do seu preço que foram especificamente objeto de coordenação entre as transportadoras arguidas, a saber, as sobretaxas.

323    Ao contrário do que alega a recorrente, o simples facto de as sobretaxas representarem apenas uma «pequena» percentagem das suas receitas totais provenientes da venda de serviços de frete nas rotas EEE‑países terceiros no exercício financeiro 2004/2005 não é suscetível de demonstrar que esse critério era desproporcionado face à importância económica da infração única e continuada.

324    Com efeito, o próprio facto de uma empresa efetuar vendas a preços em que apenas um ou mais elementos foram fixados ou foram objeto de trocas ilícitas de informações implica uma distorção da concorrência que afeta todo o mercado relevante (v., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2015, LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, C‑227/14 P, EU:C:2015:258, n.o 62).

325    Quanto ao impacto da infração única e contínua no mercado do EEE, há que lembrar que a determinação do valor das vendas não tem em conta critérios como o impacto real da infração no mercado ou os danos causados (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de fevereiro de 2016, UTi Worldwide e o./Comissão, T‑264/12, não publicado, EU:T:2016:112, n.o 259, e de 12 de julho de 2018, Viscas/Comissão, T‑422/14, não publicado, EU:T:2018:446, n.o 193).

326    É só na fase distinta e posterior da determinação do coeficiente de gravidade, que é o objeto da segunda parte do presente fundamento, que a Comissão pode eventualmente ter em consideração um critério dessa natureza [v., neste sentido, Acórdão de 29 de fevereiro de 2016, Panalpina World Transport (Holding) e o./Comissão, T‑270/12, não publicado, EU:T:2016:109, n.o 94].

327    Daí resulta que o critério seguido no considerando 1190 da decisão recorrida, que consiste em ter em conta o volume de negócios global resultante da venda de serviços de frete, é apto a contribuir para a realização do primeiro objetivo referido no ponto 6 das Orientações de 2006, que consiste em refletir adequadamente a importância económica da infração única e continuada. Além disso, a recorrente não demonstra que esse critério era inapto para contribuir para o segundo objetivo referido nesse ponto, nomeadamente, refletir adequadamente o peso relativo de cada transportadora arguida.

328    A recorrente também não pode alegar que a Comissão a puniu como se o cartel também tivesse incidido sobre tarifas. Com efeito, segundo o método geral previsto nas Orientações de 2006, a natureza da infração é tida em conta numa fase posterior do cálculo da coima, no momento da apreciação do coeficiente de gravidade, que, de acordo com o ponto 20 dessas orientações, é apreciado caso a caso relativamente a cada tipo de infração, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes do caso (Acórdão de 29 de fevereiro de 2016, Schenker/Comissão, T‑265/12, EU:T:2016:111, n.os 296 e 297).

329    Não violou, pois, o princípio da proporcionalidade a Comissão ao concluir, no considerando 1190 da decisão recorrida, que se devia ter em conta o montante integral das vendas ligadas aos serviços de frete, sem ser necessário dividi‑lo nos seus elementos constitutivos.

330    Improcede, portanto, a presente alegação e, com ela, toda esta parte.

b)      Quanto à segunda parte, relativa à fixação do coeficiente de gravidade e do montante adicional

331    A recorrente alega que a Comissão violou o princípio da proporcionalidade ao fixar o coeficiente de gravidade em 16 % e ao aplicar‑lhe um montante adicional de 16 %, mesmo apesar de o alcance da infração única e continuada ser inferior ao que lhe era imputado na comunicação de acusações. Acrescenta que a decisão recorrida não contém qualquer indicação quanto à incidência dessa restrição significativa do alcance da infração no cálculo do montante da coima, em comparação com o que tinha sido tido em conta nessa comunicação.

332    Na audiência, a recorrente precisou que a presente parte devia ser interpretada no sentido de ser relativa não só a uma violação do princípio da proporcionalidade, mas também a uma falta de fundamentação.

333    A Comissão contesta a argumentação das recorrentes.

334    Nos termos do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, na determinação do montante da coima, deve ser tida em conta, nomeadamente, a gravidade da infração.

335    Os pontos 19 a 23 das Orientações de 2006 preveem o seguinte:

«19.      O montante de base da coima estará ligado a uma proporção do valor das vendas, determinado em função do grau de gravidade da infração, multiplicado pelo número de anos de infração.

20.      A apreciação da gravidade será feita numa base casuística para cada tipo de infração, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes do caso.

21.      Regra geral, a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30 %.

22.      A fim de decidir se a proporção do valor das vendas a tomar em consideração num determinado caso se deverá situar num nível inferior ou superior desta escala, a Comissão terá em conta certos fatores, como a natureza da infração, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não posta em prática.

23.      Os acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, que são geralmente secretos, são pela sua natureza considerados as restrições de concorrência mais graves. No âmbito da política da concorrência serão sancionados severamente. Por conseguinte, a proporção das vendas tida em conta para tais infrações situar‑se‑á geralmente num nível superior da escala.»

336    Segundo a jurisprudência, um acordo horizontal em que as empresas em causa não combinam o preço total mas sim um dos seus elementos constitui um acordo horizontal de fixação de preços, na aceção do ponto 23 das Orientações de 2006 e faz parte, portanto, das restrições da concorrência mais graves (v., neste sentido, Acórdão de 29 de fevereiro de 2016, UTi Worldwide e o./Comissão, T‑264/12, não publicado, EU:T:2016:112, n.os 277 e 278).

337    Daí resulta que, como lembra a Comissão no considerando 1208 da decisão recorrida, esse acordo merece geralmente um coeficiente de gravidade no topo da escala de 0 % a 30 % referida no ponto 21 das Orientações de 2006.

338    Segundo a jurisprudência, um coeficiente de gravidade significativamente inferior ao limite superior dessa escala, é muito favorável a uma empresa que seja parte num tal acordo (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.o 125), e pode mesmo ser justificado unicamente com base na natureza da infração (v. Acórdão de 26 de setembro de 2018, Philips e Philips France/Comissão, C‑98/17 P, não publicado, EU:C:2018:774, n.o 103 e jurisprudência referida).

339    No entanto, no considerando 1199 da decisão recorrida, a Comissão considerou especificamente que os «acordos e/ou práticas concertadas a que se refere a decisão [recorrida] dizem respeito à fixação de vários elementos dos preços».

340    Por conseguinte, teve razão a Comissão ao qualificar, nos considerandos 1199, 1200 e 1208 da decisão recorrida, a conduta controvertida como um acordo ou prática horizontal em matéria de preços, mesmo embora «não tivesse coberto a totalidade do preço dos serviços em questão».

341    A Comissão tinha assim razão ao concluir, no considerando 1208 da decisão recorrida, que os acordos e práticas em causa faziam parte das restrições de concorrência mais graves e mereciam, portanto, um coeficiente de gravidade «num nível superior da escala».

342    O coeficiente de gravidade de 16 % fixado pela Comissão no considerando 1212 da decisão recorrida, que é significativamente inferior ao limite superior da escala referida no ponto 21 das Orientações de 2006, podia, por conseguinte, justificar‑se unicamente com base na natureza da infração única e continuada.

343    Note‑se, contudo, que, como resulta dos considerandos 1209 a 1212 da decisão recorrida, a Comissão não se baseou apenas na natureza da infração única e continuada para fixar o coeficiente de gravidade em 16 %. Com efeito, nessa decisão, a Comissão baseou‑se nas quotas de mercado acumuladas das transportadoras arguidas a nível mundial e nas rotas intra‑EEE e EEE‑países terceiros (considerando 1209), no âmbito geográfico do cartel controvertido (considerando 1210) e na aplicação dos acordos e práticas em causa (considerando 1211).

344    Contudo, a recorrente não contesta o mérito desses fatores para efeitos de fixação do coeficiente de gravidade.

345    Nestas condições, a recorrente não pode alegar que um coeficiente de gravidade de 16 % era ilegal.

346    No que respeita ao montante adicional, há que lembrar que, de acordo com o ponto 25 das Orientações de 2006, independentemente da duração da participação de uma empresa na infração, a Comissão incluirá no montante de base uma soma compreendida entre 15 % e 25 % do valor das vendas a fim de dissuadir as empresas de participarem mesmo em acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção. Esse ponto precisa que, ao decidir qual a proporção do valor das vendas a ter em conta num determinado caso, a Comissão deverá ter em conta uma série de fatores, em particular os identificados no ponto 22 das mesmas orientações. Esses fatores são aqueles que a Comissão tem em conta para efeitos de fixação do coeficiente de gravidade e incluem a natureza da infração, a quota de mercado acumulada de todas as partes envolvidas, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não executada.

347    O juiz da União inferiu daí que, mesmo que a Comissão não apresentasse qualquer fundamentação específica quanto à proporção do valor das vendas utilizada como montante adicional, a simples remissão para a análise dos fatores utilizados para avaliar a gravidade era suficiente a esse respeito (Acórdão de 15 de julho de 2015, SLM e Ori Martin/Comissão, T‑389/10 e T‑419/10, EU:T:2015:513, n.o 264).

348    No considerando 1219 da decisão recorrida, a Comissão entendeu que a «percentagem a aplicar no montante adicional deve ser de 16 %», à luz das «circunstâncias específicas do caso» e dos critérios seguidos para determinar o coeficiente de gravidade.

349    Ora, os argumentos apresentados pelo recorrente em relação ao montante adicional confundem‑se com os que apresentou em relação ao coeficiente de gravidade e que o Tribunal Geral já rejeitou. Não colhem, portanto, estes argumentos.

350    Quanto ao argumento relativo a uma discrepância insuficientemente fundamentada entre a decisão recorrida e a comunicação de acusações no que respeita à determinação do coeficiente de gravidade e do montante adicional, é infundado, tanto juridicamente como quanto aos factos.

351    Juridicamente, basta observar que a Comissão não tem de explicar as eventuais diferenças entre as apreciações definitivas contidas na decisão final e as apreciações provisórias que teve em consideração na comunicação de acusações (v. Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, InnoLux/Comissão, T‑91/11, EU:T:2014:92, n.o 96 e jurisprudência referida).

352    Na realidade, há que observar que, nos pontos 1567 a 1581 da comunicação de acusações, a Comissão indicou que estava a considerar a aplicação de uma coima às transportadoras em causa e definiu os principais elementos de facto e de direito que tencionava ter em conta para esse efeito. Em contrapartida, na medida em que, de acordo com jurisprudência constante, não há outros elementos exigidos (v. Acórdão de 19 de maio de 2010, Wieland‑Werke e o./Comissão, T‑11/05, não publicado, EU:T:2010:201, n.o 129 e jurisprudência referida), a Comissão não indicou aí qual a proporção do valor das vendas em que pretendia fixar o coeficiente de gravidade e o montante adicional.

353    Daí resulta que a comunicação de acusações e a decisão recorrida não mostram qualquer discrepância no que respeita à percentagem em que foram fixados o coeficiente de gravidade e o montante adicional.

354    Improcede, portanto, a presente parte e, com ela, todo o sétimo fundamento.

8.      Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação das Orientações de 2006 e do princípio da proteção da confiança legítima ao incluir no valor das vendas o volume de negócios resultante das vendas de serviços de frete de entrada a clientes estabelecidos fora do EEE

355    A recorrente acusa a Comissão de ter violado as Orientações de 2006 e o princípio da proteção da confiança legítima ao incluir no valor das vendas as receitas resultantes dos serviços de frete de entrada vendidos a clientes estabelecidos fora do EEE.

356    Segundo a recorrente, só as vendas realizadas dentro do território do EEE podem ser incluídas no valor das vendas. Entende que, para efeitos termos do ponto 18 das Orientações de 2006, as vendas realizadas fora do EEE só podem ser tidas em conta no caso excecional de «as vendas em causa da empresa no EEE poderem não refletir adequadamente o peso de cada empresa na infração». Contudo, essas circunstâncias excecionais não se verificam no caso presente nem, de qualquer forma, a Comissão o alega.

357    A recorrente acrescenta que o critério da Comissão diverge da regra geral inscrita no Regulamento n.o 139/2004, segundo a qual o volume de negócios deve ser afetado ao local onde se encontra o cliente. No que respeita à aplicação desse princípio ao transporte de mercadorias, alega que a comunicação consolidada sobre a competência precisa que «[o]s casos relativos ao transporte de bens são diferentes, uma vez que o cliente ao qual são prestados os serviços não viaja, sendo o serviço de transporte prestado ao cliente no local respetivo», pelo que «o local onde o cliente se encontra constitui o critério relevante para a afetação do volume de negócios».

358    A recorrente invoca igualmente a decisão da Comissão de 28 de janeiro de 2009 no processo COMP/39.406 — Mangueiras marinhas, da qual resulta que o método seguido para proceder à afetação geográfica do volume de negócios em aplicação das Orientações de 2006 está em conformidade com a abordagem definida na Comunicação consolidada sobre a competência.

359    A recorrente salienta igualmente que a concorrência nos serviços de frete de entrada é exercida no país terceiro a fim de atrair clientes que se encontrem nesse país e aí adquirem serviços. Afirma que os eventuais efeitos da infração única e continuada na concorrência em matéria de serviços de frete de entrada se fazem sentir nos países terceiros.

360    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

361    A este respeito, há que lembrar que o ponto 13 das Orientações de 2006 sujeita a inclusão do volume de negócios proveniente dos bens ou serviços da empresa em causa no valor das vendas à condição de as vendas em causa terem sido «realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente com a infração, na área geográfica em causa no território do [EEE]».

362    O ponto 13 das Orientações de 2006 não se refere, portanto, a «vendas negociadas» nem a «vendas faturadas» no EEE, mas apenas a «vendas realizadas […] EEE». Daí resulta que, ao contrário do que alega a recorrente, esse ponto, tal como não impõe que se tenham em conta as vendas negociadas ou faturadas no EEE, não se opõe a que a Comissão tenha em conta as vendas realizadas a clientes estabelecidos fora do EEE. Se assim não fosse, bastaria a uma empresa participante numa infração negociar as suas vendas com as filiais dos seus clientes fora do EEE ou faturá‑las a elas para essas vendas não serem tidas em conta no cálculo do montante de uma eventual coima, que seria, portanto, muito menos significativa [v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2017, Samsung SDI e Samsung SDI (Malaysia)/Comissão, C‑615/15 P, não publicado, EU:C:2017:190, n.o 55].

363    Ao contrário do que alega ainda a recorrente, a Comissão também não tem, para efeitos de aplicação do ponto 13 das Orientações de 2006, que optar pelos critérios que foram considerados pertinentes em matéria de controlo de concentrações, nomeadamente os identificados na comunicação acima referida no n.o 357. Com efeito, o objetivo desta é fornecer orientações sobre as questões de competência que surjam no contexto do controlo de operações de concentração. Por conseguinte, não vincula a Comissão quanto ao método a seguir no cálculo do montante das coimas nos processos de cartel, que se baseia nos seus próprios objetivos (Acórdão de 29 de fevereiro de 2016, Kühne + Nagel International e o./Comissão, T‑254/12, não publicado, EU:T:2016:113, n.o 252; v., ainda, neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2015, Samsung SDI e o./Comissão, T‑84/13, não publicado, EU:T:2015:611, n.o 206).

364    Quanto à interpretação do conceito de «vendas realizadas […] no território do [EEE]» que a recorrente pretende extrair nomeadamente da decisão da Comissão no processo COMP/39.406 — Mangueiras marinhas, basta lembrar que a prática decisória anterior da Comissão não serve, em si mesma, de quadro jurídico das coimas em matéria de concorrência, uma vez que este é exclusivamente definido no Regulamento n.o 1/2003 e nas Orientações de 2006 (v. Acórdão de 9 de setembro de 2011, Alliance One International/Comissão, T‑25/06, EU:T:2011:442, n.o 242 e jurisprudência referida), e que, de qualquer forma, não está demonstrado que as circunstâncias desse processo, tais como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, fossem comparáveis aos do caso presente (v., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, T‑360/09, EU:T:2012:332, n.o 262 e jurisprudência referida).

365    Esse conceito deve ser interpretado à luz do objetivo do ponto 13 das Orientações de 2006. Esse objetivo é, como acima resulta dos n.os 304 e 319 a 321, fixar como ponto de partida para o cálculo das coimas um montante que reflita, nomeadamente, a importância económica da infração no mercado em causa, constituindo o volume de negócios realizado com os produtos ou serviços objeto da infração um elemento objetivo que dá uma justa medida da sua nocividade para a concorrência normal (v. Acórdão de 28 de junho de 2016, Portugal Telecom/Comissão, T‑208/13, EU:T:2016:368, n.o 236 e jurisprudência referida).

366    Cabe, portanto, à Comissão, para determinar se as vendas foram «realizadas […] no território do [EEE]», na aceção do ponto 13 das Orientações de 2006, optar por um critério que reflita a realidade do mercado, isto é, que seja o mais capaz de delimitar as consequências do cartel na concorrência no EEE.

367    Nos considerandos 1186 e 1197 da decisão recorrida, a Comissão indicou ter tido em conta, no cálculo do valor das vendas, o volume de negócios proveniente da venda de serviços de frete em rotas intra‑EEE, em rotas União‑países terceiros, em rotas União‑Suíça e em rotas EEE, exceto União‑países terceiros. Conforme resulta do considerando 1194 dessa decisão, as vendas associadas às rotas União‑países terceiros e EEE, exceto União‑países terceiros, incluíam tanto as vendas de serviços de frete nas rotas de saída como nas de entrada.

368    No mesmo considerando, para justificar a inclusão do volume de negócios proveniente da venda desses serviços no valor das vendas, a Comissão remeteu para a necessidade de ter em conta as suas «especificidades». Observou, assim, nomeadamente, que a infração única e continuada relacionada com esses serviços e que os «acordos anticoncorrenciais [eram] suscetíveis de ter um impacto negativo no mercado interno no respeitante a esses serviços».

369    Ora, como acima resulta dos n.os 77 a 165, e ao contrário do que afirma a recorrente, era previsível que a infração única e continuada, inclusive no respeitante às rotas de entrada, tivesse efeitos substanciais e imediatos no mercado interno ou no EEE e suscetíveis de afetar o jogo normal da concorrência no território do EEE. Nos considerandos 1194 e 1241 da decisão recorrida, a Comissão reconheceu, porém, que parte dos «danos» relacionados com o comportamento controvertido nas rotas EEE‑países terceiros era suscetível de se materializar fora do EEE. Salientou igualmente que uma parte desses serviços era prestada no exterior do EEE. Consequentemente, baseou‑se no ponto 37 das Orientações de 2006 e, no respeitante às rotas EEE‑países terceiros, concedeu às transportadoras em questão uma redução de 50 % do montante de base da coima, cujo fundamento a recorrente não contesta.

370    Nestas condições, considerar, como faz a recorrente, que a Comissão não podia incluir no valor das vendas 50 % do volume de negócios realizado nessas rotas equivaleria a proibi‑la de ter em conta, para efeitos de cálculo do montante da coima, as vendas abrangidas pelo âmbito da infração única e continuada e suscetíveis de prejudicar a concorrência no EEE.

371    Daí resulta que a Comissão podia utilizar 50 % do volume de negócios realizado nas rotas EEE‑países terceiros como um elemento objetivo que dava uma justa medida da nocividade da participação da recorrente no cartel controvertido no jogo normal da concorrência, desde que fosse o resultado de vendas com uma ligação ao EEE (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, InnoLux/Comissão, T‑91/11, EU:T:2014:92, n.o 47).

372    Ora, essa ligação existe no caso presente no respeitante às rotas de entrada, uma vez que, como resulta dos considerandos 1194 e 1241 da decisão recorrida e como alega a Comissão nos seus articulados, parte dos serviços de frete de entrada são prestados no EEE. Com efeito, conforme acima referido no n.o 111, esses serviços destinam‑se precisamente a permitir o transporte de mercadorias de países terceiros para o EEE. Como acertadamente refere a Comissão, uma parte da sua prestação «física» é, por definição, efetuada no EEE, onde ocorre parte do transporte dessas mercadorias e onde aterra o avião de carga.

373    Nestas condições, a Comissão podia considerar que as vendas dos serviços de frete de entrada tinham sido realizadas no território do EEE, na aceção do ponto 13 das Orientações de 2006. Por conseguinte, o ponto 18 dessas orientações, que não foi aplicado na decisão recorrida e que a recorrente reconhece não ser aplicável no caso presente, é irrelevante.

374    Há que julgar improcedente, portanto, o presente fundamento e concluir que foi acertadamente e sem violar o princípio da proteção da confiança legítima que a Comissão incluiu as vendas de serviços de frete de entrada no valor das vendas.

9.      Quanto ao nono fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade no respeitante à redução geral de 15 %

375    A recorrente alega que a Comissão violou o princípio da proporcionalidade ao fixar a redução geral de 15 % num nível excessivamente baixo.

376    Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Comissão não teve suficientemente em conta o regime regulamentar japonês. Afirma que todos os ASA, que regulam as ligações entre o Japão, por um lado, e a França, a Alemanha, a Itália e os Países Baixos, por outro, contêm disposições que exigem que as transportadoras designadas celebrem entre si acordos sobre as tarifas. Além disso, a lei japonesa exige, sob pena de sanções, que as companhias locais e estrangeiras requeiram a aprovação do Gabinete de Aviação Civil Japonês (BJAC) a fim de estabelecerem as tarifas ou as taxas que aplicam relativamente aos serviços de frete em voos de ou para o Japão. Esses acordos aprovados gozam, em princípio, de imunidade ao abrigo do direito japonês da concorrência. A recorrente alega que esse regime regulamentar a encorajou fortemente a concertar‑se com outras transportadoras e que, por isso, a Comissão deveria ter‑lhe concedido uma redução do montante da coima superior a 15 %.

377    Em segundo lugar, a recorrente invoca duas decisões em que a Comissão concedeu às empresas em causa reduções de 30 % ou de 40 % do montante da coima que lhes tinha sido aplicada, pelo facto de o regime regulamentar aplicável as ter incentivado a adotar acordos anticoncorrenciais.

378    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

379    A esse respeito, há que lembrar que o ponto 27 das Orientações de 2006 prevê que, ao determinar o montante da coima, a Comissão pode ter em conta circunstâncias que conduzam a um aumento ou redução do montante de base, com base numa avaliação global que tenha em conta todas as circunstâncias relevantes.

380    O ponto 29 das Orientações de 2006 dispõe que o montante de base da coima pode ser reduzido quando a Comissão verificar que existem circunstâncias atenuantes. Esse ponto enuncia, a título indicativo não taxativo, cinco tipos de circunstâncias atenuantes que podem ser tidas em conta, incluindo a autorização ou incentivo do comportamento anticoncorrencial em causa por parte das autoridades públicas ou da regulamentação.

381    No considerando 1263 da decisão recorrida, a Comissão observou que não existia um regime regulamentar que obrigasse as transportadoras arguidas a consultarem‑se mutuamente sobre as suas tarifas. Contudo, nos considerandos 1264 e 1265 da referida decisão, considerou que certos regimes regulamentares, incluindo o do Japão, podem ter induzido as transportadoras arguidas a adotar um comportamento anticoncorrencial e, por conseguinte, concedeu‑lhes a redução geral de 15 %, em conformidade com o ponto 29 das Orientações de 2006.

382    Ora, nos seus articulados, a recorrente limita‑se a sustentar que os ASA e as disposições legislativas aplicáveis no Japão podem tê‑la incitado a concertar‑se com outras transportadoras. Em contrapartida, não invoca qualquer elemento jurídico ou factual que a Comissão não tivesse tomado em conta na decisão recorrida e que permita sustentar a alegação de que a redução geral de 15 % é insuficiente. Há que considerar, portanto, que a recorrente não demonstrou a insuficiência dessa redução nem, consequentemente, a violação do princípio da proporcionalidade.

383    Além disso, admitindo que, com as suas alegações de que os ASA celebrados pelo Japão «exigem» uma concertação sobre os preços entre as transportadoras designadas, a recorrente pretende pôr em causa a análise da Comissão contida no considerando 1263 da decisão recorrida segundo a qual os referidos ASA unicamente incentivavam ou facilitavam a adoção de comportamentos anticoncorrenciais, a sua argumentação deve também ser rejeitada. Em primeiro lugar, há que observar que ou os ASA encorajaram o comportamento controvertido nas rotas EEE‑Japão, caso em que se pode justificar uma redução do montante da coima ao abrigo do ponto 29 das Orientações de 2006 ou o exigiram, caso em que não podia ter sido declarada nenhuma infração às normas da concorrência nem aplicada nenhuma sanção por esse comportamento (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 1997, Comissão e França/Ladbroke Racing, C‑359/95 P e C‑379/95 P, EU:C:1997:531, n.o 33 e jurisprudência referida).

384    Ora, na medida em que a recorrente alega, em substância, no âmbito da presente parte, que os ASA celebrados pelo Japão exigiam uma coordenação, a sua argumentação tem de ser julgada inoperante na medida em que, admitindo‑a fundada, viciaria de erro a declaração da infração e não a aplicação do ponto 29 das Orientações de 2006, em causa na presente parte.

385    Em resposta às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência, a recorrente também não esclareceu se invocava uma coerção ou um mero encorajamento. Indicou, assim, que a regulamentação aplicável «exig[ia] uma coordenação», que «[havia] encorajamentos» e, finalmente, que havia um «sistema destinado a encorajar as pessoas a cumprirem uma determinada disposição».

386    Em segundo lugar e de qualquer forma, há que referir que a argumentação da recorrente procede de uma análise errada dos ASA em causa. A cláusula pertinente desses ASA prevê que deve ser obtido um acordo ao nível da IATA «na medida do possível», o que não demonstra a existência de uma obrigação. A mesma cláusula prevê que, caso não seja possível um acordo, as tarifas a aplicar «em cada rota» devem ser fixadas por mútuo acordo «entre as companhias designadas em causa». Em contrapartida, essa cláusula não pode ser interpretada no sentido de que exige discussões multilaterais sobre tarifas aplicáveis às diferentes rotas.

387    Quanto às referências às decisões anteriores da Comissão, basta lembrar que o simples facto de a Comissão ter concedido, na sua prática decisória anterior, uma certa taxa de redução por um comportamento determinado não implica que tenha que conceder a mesma redução na apreciação de um comportamento semelhante num procedimento administrativo posterior (v. Acórdão de 6 de maio de 2009, KME Germany e o./Comissão, T‑127/04, EU:T:2009:142, n.o 140 e jurisprudência referida). A recorrente não pode, consequentemente, invocar a redução do montante de coimas concedidas nesses outros processos.

388    Na medida em que a recorrente pede ao Tribunal Geral que conheça da adequação da redução geral de 15 %, basta assinalar que essa fiscalização faz parte do exercício da competência de plena jurisdição e será, portanto, efetuada nesse contexto (v., infra, n.o 448).

389    Resulta do exposto que o nono fundamento é improcedente.

10.    Quanto ao décimo fundamento, relativo à violação do princípio da não discriminação, do princípio da proporcionalidade e, em substância, do dever de fundamentação, devido à recusa da Comissão de reduzir o montante da coima com base na participação limitada da recorrente na infração única e continuada

390    A recorrente alega que a Comissão errou ao não lhe conceder a redução de 10 % do montante de base da coima que concedeu à Air Canada, à Latam, à SAS e à Qantas, devido à participação limitada dessas transportadoras na infração única e continuada. Considera que se encontra na mesma situação que essas transportadoras, sendo discriminatória a recusa da Comissão de lhe conceder uma redução.

391    A recorrente alega, com efeito, que operava na periferia da infração descrita na decisão recorrida e que mantinha contactos num número limitado de rotas de forma passiva. Afirma que o papel da SAS e da Qantas no cartel controvertido tinha sido muito semelhante ao seu.

392    Além disso, a recorrente alega que o seu envolvimento na recusa de pagamento de comissões não era certamente mais próximo do que o da SAS ou da Qantas, como demonstra, segundo afirma, uma cadeia de mensagens de correio eletrónico da Qantas relacionadas com o pagamento de uma comissão nas sobretaxas.

393    Segundo a recorrente, a distinção feita pela Comissão entre ela e essas duas transportadoras não é objetivamente justificada e, em qualquer caso, não está suficientemente fundamentada. Além disso, não examina especificamente a sua situação à luz do ponto 29 das Orientações de 2006.

394    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

395    A esse respeito, há que lembrar que o ponto 29 das Orientações de 2006 enuncia, entre os tipos de circunstâncias atenuantes que podem ser tidas em conta para reduzir o montante de base da coima, a natureza substancialmente reduzida da participação da empresa em causa na infração.

396    Desde logo, quanto à crítica da recorrente relativa ao facto de não lhe ter sido aplicado o critério da participação substancialmente reduzida mencionado no ponto 29 das Orientações de 2006, há que lembrar que o critério da participação substancialmente reduzida é mais exigente do que o do papel seguidista ou exclusivamente passivo da empresa condenada: reflete a opção da Comissão, ao substituir as Orientações de 1998 acima referidas no n.o 302 pelas Orientações de 2006, de deixar de «encorajar» a conduta passiva dos participantes numa infração às normas da concorrência (Acórdão de 12 de julho de 2018, Sumitomo Electric Industries e J‑Power Systems/Comissão, T‑450/14, não publicado, EU:T:2018:455, n.o 114).

397    A aplicação do critério da participação substancialmente reduzida pressupõe que esteja reunido um conjunto de condições, partilhando algumas com o critério do papel exclusivamente passivo os mesmos fatores de apreciação: esse é nomeadamente o caso da frequência da participação nas reuniões em relação aos outros membros do cartel ou a perceção, pelos outros participantes no cartel, do papel nele desempenhado pela empresa em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de dezembro de 2014, Eni/Comissão, T‑558/08, EU:T:2014:1080, n.os 190 e 191, e de 12 de julho de 2018, Sumitomo Electric Industries e J‑Power Systems/Comissão, T‑450/14, não publicado, EU:T:2018:455, n.os 117 a 119).

398    Ora, no considerando 1257 da decisão recorrida, a Comissão considerou que a recorrente não tinha desempenhado um papel passivo ou menor na infração única e continuada nem que a sua participação na infração tinha sido substancialmente reduzida. Nessa decisão, baseou‑se, a esse respeito, por um lado, na frequência e natureza dos contactos mantidos pela recorrente com as outras transportadoras ao longo do período da infração (considerando 1253) e, por outro, na falta de qualquer prova apresentada pela recorrente que contribuísse para demonstrar a sua falta de dolo anticoncorrencial (considerando 1254). Por conseguinte, excluiu a concessão à recorrente de uma redução do montante de base da coima a esse título.

399    Não se demonstrou, portanto, que a Comissão tenha cometido qualquer erro ao não reconhecer à recorrente o benefício de uma circunstância atenuante de participação substancialmente reduzida na infração única e continuada.

400    Admitindo que a recorrente também se refira aos outros exemplos de circunstâncias atenuantes mencionados no ponto 29 das Orientações de 2006, não refere especificamente nenhuma nem, a fortiori, alega quaisquer circunstâncias capazes de justificar que lhe seja concedida uma redução da coima a esse título. Na falta de elementos concretos em apoio destas alegações, deve o Tribunal Geral julgá‑las improcedentes.

401    Seguidamente, quanto ao alegado tratamento discriminatório de que a recorrente entende ter sido objeto face às transportadoras que beneficiaram da redução de 10 % do montante de base da coima, há que lembrar que, nos considerandos 1258 e 1259 da decisão recorrida, a Comissão considerou que a Latam, a Air Canada e a SAS tinham tido uma participação limitada na infração única e continuada, na medida em que operavam na periferia do cartel, mantinham um número limitado de contactos com outras transportadoras e não participavam em todas as componentes da infração. Por conseguinte, concedeu‑lhes uma redução de 10 % do montante de base da coima. Na Decisão de 9 de novembro de 2010, tinha também concedido tal redução à Qantas, ao mesmo título e pelas mesmas razões. Em contrapartida, não considerou que se devesse concluir pela participação limitada da recorrente na infração única e continuada e, consequentemente, não lhe concedeu qualquer redução do montante de base da coima a esse título.

402    O Tribunal Geral já acima decidiu, no n.o 399, que não se demonstrou que a recorrente tivesse desempenhado um papel passivo na infração única e continuada ou participado de forma substancialmente reduzida na mesma. Nestas condições, admitindo que a recorrente viesse a provar que se encontrava numa situação comparável à das transportadoras que beneficiaram da redução de 10 % do montante de base da coima, isso equivaleria, em substância, a ela invocar ilegalidades cometidas na determinação do montante da coima aplicada a essas outras transportadoras, o que não pode fazer (v. n.o 289, supra).

403    De qualquer forma, no âmbito do presente fundamento, há que considerar que a situação da recorrente não era comparável à das outras transportadoras acima referidas no n.o 401 para efeitos de aplicação da circunstância atenuante de participação limitada na infração.

404    Refira‑se, com efeito, que, ao contrário dessas transportadoras, a recorrente participou diretamente nas três componentes da infração única e continuada (considerandos 881 a 883 da decisão recorrida), o que não impugna. Ora, do ponto de vista do seu contributo para a gravidade do cartel, o facto de uma empresa ser considerada responsável, relativamente a certos elementos de uma infração única e continuada, pelo seu envolvimento direto no comportamento controvertido constitui uma circunstância relevante capaz de distinguir a sua situação da situação das empresas consideradas responsáveis unicamente com base no seu alegado ou efetivo conhecimento dessa conduta.

405    Além disso, ao contrário do que a recorrente alega especificamente em relação à SAS e à Qantas, as provas nos autos demonstram um nível de envolvimento da primeira na recusa de pagamento de comissões que não é comparável ao das segundas. Com efeito, como resulta da decisão recorrida, a recorrente participou em várias discussões multilaterais relativas a essa componente da infração única e continuada no contexto do ACCS na Suíça (considerandos 692 e 693) e em Itália, no contexto do Italian Board Airline Representatives (gabinete italiano dos representantes das companhias aéreas, a seguir «IBAR») (considerando 694), nas instalações da Lufthansa em Itália (considerando 695) e em Milão (considerando 696). Esta situação contrasta antes de mais com a da Qantas, em relação à qual apenas uma troca bilateral com a British Airways eventualmente apoiaria que se desse por provado o seu envolvimento nessa componente da infração (considerando 685). Seguidamente, essa situação contrasta com a da SAS. A esse respeito, ao contrário do que sugere a recorrente, é indiferente que a SAS seja membro do ACCS, uma vez que a sua participação nas trocas declaradas ilícitas referidas nos considerandos 692 e 693 dessa decisão não é alegada. A recorrente refere também dois contactos multilaterais, referidos respetivamente nos considerandos 503 e 686 dessa decisão, nos quais tanto a SAS como a recorrente participaram. Ora, por um lado, a recorrente afirma erradamente que a Comissão se baseou no primeiro para demonstrar a sua participação na recusa de pagamento de comissões, pois essa prova foi utilizada apenas em relação à parte relativa à STC. Por outro lado, embora seja verdade que a SAS esteve envolvida na troca referida no considerando 686 da mesma decisão, esse contacto deve ser enquadrado nos outros contactos que envolvem a recorrente e que acabaram de ser lembrados. Com efeito, esses contactos continuam a ser mais numerosos e variados do que os que envolvem a SAS, incluindo depois de se ter em conta os contactos invocados pela recorrente que constam dos autos, mas que não são referidos na decisão em questão e no contexto dos quais a SAS abordou, com várias transportadoras concorrentes, o pedido de um transitário relativo à obtenção de uma comissão nas sobretaxas.

406    De resto, foi também à luz dos contactos limitados com outras transportadoras que a Comissão considerou que a SAS tinha participado de forma mais limitada na infração, como acima resulta do n.o 401. Ora, a recorrente não apresenta qualquer prova capaz de desmentir o facto apurado de estar envolvida num maior número de contactos com um maior número de transportadoras.

407    Daí resulta que, na medida em que a sua situação difere da das transportadoras às quais foi concedida uma redução pela sua participação limitada na infração única e continuada, a recorrente não tem fundamento para se queixar de tratamento discriminatório. Consequentemente, improcede também a alegação da recorrente de insuficiência de fundamentação do caráter objetivamente justificado da distinção feita, na medida em que assenta na premissa errada de que a sua situação era comparável à das outras transportadoras em causa.

408    Por último, com a sua alegação de violação do princípio da proporcionalidade, a recorrente pretende arguir, no essencial, o caráter desproporcionado do montante da coima face à sua participação alegadamente limitada.

409    Ora, no caso, primeiro, como resulta antes de mais da decisão recorrida, a recorrente esteve diretamente envolvida nas três componentes da infração única e continuada (v. n.os 404 e 405, supra). Isto não é desmentido pela sua alegação de que a sua participação na componente dessa infração relacionada com a recusa de pagamento de comissões se destinava unicamente a reagir aos esforços concertados dos transitários e não tinha por objetivo uma coordenação tarifária. Com efeito, há que observar que essa alegação assenta em duas premissas erradas, uma jurídica e uma de facto.

410    Na realidade, é certo que, dos considerandos 675 a 702 da decisão recorrida, incluindo os invocados especificamente contra a recorrente, resulta que a questão do pagamento de comissões era objeto de interpretações jurídicas divergentes entre as transportadoras e os transitários. Contudo, as transportadoras arguidas não se limitaram a definir uma posição comum a esse respeito para a defenderem de forma coordenada nos tribunais competentes ou para a promoverem coletivamente junto das autoridades públicas e de outras associações profissionais. Pelo contrário, as transportadoras arguidas concertaram‑se, acordando — a nível multilateral — recusar negociar o pagamento de comissões com os transitários e conceder‑lhes abatimentos nas sobretaxas. Assim, no considerando 695 da decisão recorrida, a Comissão referiu‑se a uma mensagem de correio eletrónico de 19 de maio de 2005, em que um gestor regional da Swiss em Itália indica que «todos [os participantes numa reunião realizada em 12 de maio de 2005 tinham] confirmado [a sua] vontade de não aceitar qualquer remuneração STC/STS». No considerando 696 da decisão recorrida, menciona‑se uma mensagem interna de correio eletrónico de 14 de julho de 2005 em que a CPA indica que, «[q]ualquer que seja a atitude que cada transportador venha a adotar para rejeitar as faturas que recebemos dos agentes […] todos [os participantes numa reunião realizada na véspera, entre os quais a recorrente] reconfirmam a sua firme intenção de não aceitar qualquer negociação relativa ao pagamento de comissões». Do mesmo modo, no considerando 700 da mesma decisão, a Comissão invocou uma mensagem interna de correio eletrónico em que uma empregada da Cargolux informava a sua administração central da realização de uma reunião «com todas as [transportadoras] que operavam no aeroporto de [Barcelona]» e indicava que, «a opinião geral era que não deveríamos pagar comissões sobre as sobretaxas».

411    Resulta igualmente da decisão recorrida que várias transportadoras trocaram informações — a nível bilateral — para se assegurarem mutuamente da sua adesão contínua à recusa de pagamento de comissões que tinham previamente acordado. Para ilustração, o considerando 688 dessa decisão descreve uma conversação telefónica de 9 de fevereiro de 2006 em que a Lufthansa perguntou à AF se a sua posição a respeito da recusa de pagamento de comissões permanecia a mesma.

412    Juridicamente, na medida em que a recorrente alega que a recusa de pagamento de comissões constituía uma resposta legítima ao comportamento alegadamente ilícito dos transitários, há que lembrar que uma empresa não pode invocar o comportamento de outras empresas, mesmo que ilícito ou desleal, para justificar uma infração às normas da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 2004, Dalmine/Comissão, T‑50/00, EU:T:2004:220, n.o 333, e de 12 de julho de 2018, LS Cable & System/Comissão, T_439/14, não publicado, EU:T:2018:451, n.o 53).

413    Com efeito, cabe às autoridades públicas e não às empresas ou associações de empresas privadas assegurar o cumprimento do disposto na lei (Acórdão de 7 de fevereiro de 2013, Slovenská sporiteľňa, C‑68/12, EU:C:2013:71, n.o 20). As empresas não podem fazer justiça a si próprias substituindo‑se às autoridades para punirem eventuais violações do direito da concorrência da União Europeia e entravando, através de medidas tomadas por sua própria iniciativa, a concorrência no mercado interno. Isto é ainda mais o caso quando existem meios legais que lhes permitem fazer valer os seus direitos junto dessas autoridades (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T‑30/89, EU:T:1991:70, n.os 117 e 118).

414    Ora, no caso, a recorrente não demonstra nem mesmo alega que essas vias legais não teriam existido.

415    Segundo, como acertadamente refere a Comissão, nem o número de contactos anticoncorrenciais dados por provados na decisão recorrida em que a recorrente participou, que são quase 75, nem o número de outras transportadoras envolvidas nesses contactos, isto é, nove transportadoras arguidas no total, podem ser qualificados de limitados em número e intensidade.

416    Terceiro, ao contrário do que alega a recorrente, a sua participação no cartel controvertido não consistia essencialmente em receber passivamente os anúncios comunicados pelas outras transportadoras. Com efeito, basta referir que a decisão recorrida se refere a numerosas reuniões e discussões bilaterais e multilaterais que vão além da mera receção de anúncios tarifários por correio eletrónico (considerandos 762 a 764).

417    Daí resulta que improcede o presente fundamento.

418    À luz de todas estas considerações, há que julgar procedente a segunda parte do primeiro fundamento. Por conseguinte, há que anular o artigo 1.o, n.o 1, alínea h), e n.o 4, alínea h), da decisão recorrida.

419    Em contrapartida, não se pode considerar que essa ilegalidade pode levar à anulação integral da decisão recorrida. Com efeito, embora a Comissão tenha violado as regras da prescrição ao punir a recorrente pela infração única e continuada no respeitante às rotas intra‑EEE e União‑Suíça, há que considerar que a recorrente não demonstrou no presente recurso que a Comissão tenha cometido um erro ao dar por provado que ela tinha participado nessa infração.

420    O pedido de anulação deve ser julgado improcedente no restante.

B.      Quanto ao pedido de redução do montante da coima aplicada à recorrente

421    Em apoio do seu pedido de redução do montante da coima que lhe foi aplicada, a recorrente invoca um fundamento único. Esse fundamento é relativo ao caráter inadequado do montante dessa coima e subdivide‑se em onze argumentos.

422    Os primeiros quatro argumentos invocados pela recorrente em apoio desse pedido referem‑se, em substância, ao cálculo do valor das vendas:

—        com o seu primeiro argumento, a recorrente alega que a prescrição obsta à sua punição por comportamentos relativos às rotas intra‑EEE e União‑Suíça;

—        com o seu segundo argumento, a recorrente alega que, no caso de o Tribunal Geral julgar procedente o quinto ou o oitavo fundamentos e anular a decisão recorrida na parte relativa aos serviços de frete de entrada, há que excluir as receitas que auferiu com esses serviços, para efeitos de cálculo do montante da coima ou reduzir o montante da coima em conformidade da forma que o Tribunal Geral considerar adequada;

—        com o seu terceiro argumento, a recorrente acusa a Comissão de ter violado as Orientações de 2006 e o princípio da proteção da confiança legítima ao incluir no valor das vendas as receitas dos serviços de frete de entrada;

—        com o seu quarto argumento, a recorrente alega que, uma vez que a Comissão excluiu as tarifas do âmbito da infração única e continuada, há que excluir as receitas que delas auferiu do valor das vendas ou reduzir o montante da coima para o nível que o Tribunal Geral considerar adequado.

423    O quinto e sexto argumentos invocados pela recorrente em apoio deste pedido referem‑se, em substância, ao coeficiente de gravidade e ao montante adicional:

—        com o seu quinto argumento, em resposta às medidas de organização do processo do Tribunal Geral, a recorrente alega que a exclusão do perímetro geográfico da infração única e continuada das rotas EEE, exceto União‑Suíça, é suscetível de justificar uma redução do coeficiente de gravidade;

—        com o seu sexto argumento, a recorrente alega que, uma vez que a infração única e continuada não teve efeitos sensíveis na concorrência, deve ser‑lhe concedida uma redução substancial do montante da coima.

424    O sétimo a décimo primeiro argumentos invocados pela recorrente em apoio deste pedido referem‑se, em substância, aos ajustamentos a fazer ao montante de base:

—        com o seu sétimo argumento, a recorrente alega que a Comissão não teve suficientemente em conta o regime regulamentar japonês ao fixar o montante da coima e que, por conseguinte, a redução geral de 15 % deveria ser significativamente aumentada em conformidade e fixada no nível superior que o Tribunal Geral considere adequado;

—        com o seu oitavo argumento, a recorrente alega que, no caso de o Tribunal Geral anular a decisão recorrida na parte na parte relativa à recusa de pagamento de comissões, que é apenas uma resposta à concertação dos transitários, há que reduzir o montante da coima em conformidade e fixá‑lo no nível que o Tribunal Geral considerar adequado;

—        com o seu nono argumento, a recorrente acusa a Comissão de ter violado os seus direitos da defesa e os princípios da não discriminação e da proporcionalidade ao aplicar, em seu detrimento, diferentes níveis de prova a diferentes transportadoras;

—        com o seu décimo argumento, a recorrente alega que a Comissão violou os princípios da não discriminação e da proporcionalidade ao tratá‑la de forma diferente da Air Canada, da Latam, da SAS e da Qantas na fixação do montante da coima, apesar de a sua participação na infração única e continuada ser objetivamente semelhante à da SAS e da Qantas em particular;

—        com o seu décimo primeiro argumento, a recorrente alega que, na sua prática anterior, tendo a Comissão aceite que as infrações relativas apenas a uma parte dos preços eram menos graves, a infração única e continuada, que é relativa apenas às sobretaxas e não ao preço total dos serviços de frete, justifica uma redução sensível da coima com base em circunstâncias atenuantes.

425    A Comissão conclui pela improcedência do pedido da recorrente e pede que o benefício da redução geral de 50 % e da redução de 15 % lhe seja retirado caso o Tribunal considere que o volume de negócios da venda de serviços de frete de entrada não podia ser incluído no valor das vendas.

426    No direito da concorrência da União, a fiscalização da legalidade é completada pela competência de plena jurisdição que é reconhecida ao juiz da União pelo artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, em conformidade com o artigo 261.o TFUE. Essa competência habilita o julgador, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir pela sua a apreciação da Comissão e, desse modo, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (v. Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 63 e jurisprudência referida).

427    Este exercício pressupõe, nos termos do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, que se tome em consideração, relativamente a cada empresa punida, a gravidade da infração em causa e a sua duração, no respeito dos princípios, nomeadamente, da fundamentação, da proporcionalidade, da individualização das sanções e da igualdade de tratamento, sem que o Tribunal da União esteja vinculado às regras indicativas definidas pela Comissão nas suas orientações (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 90). Há que realçar, porém, que o exercício da competência de plena jurisdição prevista no artigo 261.o TFUE e no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003 não equivale a um conhecimento oficioso e que o processo nos órgãos jurisdicionais da União é contraditório. Com exceção dos fundamentos de ordem pública de que o julgador deve conhecer oficiosamente, é, pois, ao recorrente que cabe suscitar fundamentos contra a decisão controvertida e apresentar prova em apoio desses fundamentos (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 64).

428    Cabe, portanto, à recorrente identificar os elementos contestados da decisão recorrida, apresentar alegações a esse respeito e fornecer provas, que podem consistir em indícios sérios, destinados a demonstrar que as suas alegações são fundadas (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, C‑386/10 P Chalkor/Comissão EU:C:2011:815, n.o 65).

429    Para cumprir as exigências de uma fiscalização de plena jurisdição, na aceção do artigo 47.o da Carta, no que respeita à coima, o juiz da União deve, por sua vez, no exercício das competências previstas nos artigos 261.o e 263.o TFUE, analisar todas as alegações, de direito ou de facto, destinadas a demonstrar que o montante da coima não é adequado à gravidade e à duração da infração (v. Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Comissão/Parker Hannifin Manufacturing e Parker‑Hannifin, C‑434/13 P, EU:C:2014:2456, n.o 75 e jurisprudência referida; Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Villeroy & Boch Austria/Comissão, C‑626/13 P, EU:C:2017:54, n.o 82).

430    Por último, na determinação do montante das coimas, cabe ao juiz da União apreciar por si próprio as circunstâncias do caso e o tipo de infração em causa (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 89) e tomar em consideração todas as circunstâncias de facto (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, EU:C:2009:505, n.o 86), incluindo eventualmente elementos de informação complementares não mencionados na decisão da Comissão que aplica a coima (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, C‑286/98 P, EU:C:2000:630, n.o 57, e de 12 de julho de 2011, Fuji Electric/Comissão, T‑132/07, EU:T:2011:344, n.o 209).

431    No caso, cabe ao Tribunal Geral, no exercício da sua competência de plena jurisdição, determinar, à luz dos argumentos apresentados pelas partes em apoio desse pedido, o montante da coima que considerar mais adequado, tendo em conta, nomeadamente, as considerações feitas no âmbito do exame dos fundamentos invocados em apoio do pedido de anulação e do fundamento suscitado oficiosamente, e tendo em conta todas as circunstâncias de facto relevantes.

432    O Tribunal Geral considera que, na determinação do montante da coima, não é adequado, para esse efeito, afastar‑se do método de cálculo seguido pela Comissão na decisão recorrida e que não determinou previamente estar ferido de ilegalidade, conforme acima resulta do exame do sétimo a décimo fundamentos. Com efeito, embora caiba ao julgador, no âmbito da sua competência de plena jurisdição, apreciar por si próprio as circunstâncias do caso e o tipo de infração em causa para determinar o montante da coima, o exercício de uma competência de plena jurisdição não pode levar, na determinação do montante das coimas aplicadas, a uma discriminação entre as empresas que participaram num acordo ou numa prática concertada contrário ao artigo 101.o TFUE, ao artigo 53.o do Acordo EEE e ao artigo 8.o do Acordo CE‑Suíça relativo aos transportes aéreos. Por conseguinte, as diretrizes que podem ser retiradas das orientações são, regra geral, suscetíveis de orientar os órgãos jurisdicionais da União, quando exercem a referida competência, uma vez que essas orientações foram aplicadas pela Comissão, para efeitos do cálculo das coimas aplicadas às outras empresas punidas pela decisão que os referidos órgãos jurisdicionais devem apreciar (v., neste sentido, Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 80 e jurisprudência referida).

433    Nestas condições, há que observar que o valor total das vendas realizadas pelas recorrentes em 2005 era de 259 640 939 euros. Esse valor não inclui nenhuma receita realizada nas rotas EEE, exceto União‑Suíça, sobre as quais o Tribunal acima considerou, nos n.os 166 a 190, não pertencerem ao perímetro da infração única e continuada. Com efeito, resulta das respostas da recorrente às medidas de organização do processo do Tribunal Geral que ela não realizou qualquer volume de negócios nessas rotas ao longo de 2005.

434    No que diz respeito ao primeiro argumento em apoio deste pedido, relativo à prescrição, há que observar que remete para a segunda parte do primeiro fundamento. O Tribunal Geral já acima julgou procedente esse fundamento nos n.os 193 a 224 e, em conformidade, anulou o artigo 1.o, n.o 1, alínea h), e n.o 4, alínea h), da decisão recorrida. Esses números referem‑se, respetivamente, às rotas intra‑EEE e União‑Suíça. Ora, a recorrente não realizou qualquer volume de negócios nessas rotas no período em causa. Improcede, portanto, o presente argumento.

435    Quanto ao segundo e terceiro argumentos, relativos à inclusão do volume de negócios das vendas de serviços de frete de entrada no valor das vendas, há que observar que remetem para o quinto e oitavo fundamentos invocados em apoio do pedido de anulação. Ora, o Tribunal Geral já acima examinou e rejeitou esses fundamentos, respetivamente nos n.os 77 a 165 e nos n.os 355 a 374 e nada nos argumentos invocados em seu apoio permite considerar que incluir no valor das vendas o volume de negócios resultante da venda de serviços de frete de entrada podia levar a um valor de vendas inadequado. Pelo contrário, excluir do valor das vendas o volume de negócios da venda de serviços de frete de entrada teria impedido que fosse aplicada à recorrente uma coima numa medida justa da nocividade da sua participação no cartel controvertido no jogo normal da concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2016, Portugal Telecom/Comissão, T‑208/13, EU:T:2016:368, n.o 236).

436    Quanto ao quarto argumento invocado em apoio deste pedido, que se refere essencialmente à inclusão do preço integral dos serviços de frete no valor das vendas, refira‑se que remete para a primeira parte do sétimo fundamento invocado em apoio do pedido de anulação. Ora, o Tribunal Geral já acima examinou e rejeitou essa parte nos n.os 300 a 330 e nada na argumentação invocada pela recorrente em seu apoio permite considerar que essa inclusão era suscetível de levar a um valor das vendas inadequado. Pelo contrário, excluir do valor das vendas os elementos de preço dos serviços de frete diferentes das sobretaxas seria minimizar artificialmente a importância económica da infração única e continuada.

437    Refira‑se, seguidamente, que, pelas razões que constam dos considerandos 1198 a 1212 da decisão recorrida, a infração única e continuada merece um coeficiente de gravidade de 16 %.

438    O quinto e sexto argumentos não demonstram o contrário. Com efeito, o quinto argumento pressupunha que o Tribunal Geral julgasse oficiosamente procedente o fundamento. Tendo este sido julgado improcedente, improcede o quinto argumento.

439    Quanto à inexistência de efeitos sensíveis da infração única e continuada no jogo da concorrência, a que se refere o sexto argumento, basta lembrar que o montante de uma coima não pode ser inapropriado unicamente por não refletir o prejuízo económico que esteve ou possa ter sido causado pela infração alegada (Acórdão de 29 de fevereiro de 2016, Schenker/Comissão, T‑265/12, EU:T:2016:111, n.o 287). Este argumento não justifica, portanto, uma redução do coeficiente de gravidade.

440    Quanto ao argumento invocado no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, segundo o qual a anulação do artigo 1.o, n.o 1, alínea h), e n.o 4, alínea h), da decisão recorrida justificaria uma redução do coeficiente de gravidade, há que observar que não diz respeito à infração única e continuada enquanto tal, mas sim ao grau de participação da recorrente nessa infração. De acordo com a jurisprudência, essa anulação pode, portanto, ser tida em conta a título de circunstâncias atenuantes e não na fase da fixação do coeficiente de gravidade (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Roca/Comissão, C‑638/13 P, EU:C:2017:53, n.o 67 e jurisprudência referida).

441    Quanto ao montante adicional, pelas mesmas razões que constam dos considerandos 1198 a 1212 da decisão recorrida e face às considerações acima feitas nos n.os 346 a 349, o Tribunal Geral entende adequado que um montante adicional de 16 %.

442    Além disso, há que observar que, uma vez que a participação da recorrente na infração única e continuada não pôde ser legalmente demonstrada relativamente às rotas intra‑EEE e União‑Suíça, os fatores de multiplicação aplicados nos considerandos 1214 e 1216 da decisão recorrida não podem ser tidos em conta para efeitos de cálculo do montante da coima.

443    Contudo, deve ter‑se em conta que, sem volume de negócios realizado pela recorrente nas rotas intra‑EEE e União‑Suíça e tendo em conta o método utilizado pela Comissão na decisão recorrida, que consiste em atribuir a cada categoria de rotas em causa um valor de vendas específico calculado a partir do volume de negócios realizado nessa categoria de rotas (v. n.o 53, supra), o valor das vendas tido em conta, respetivamente, para as rotas intra‑EEE e para as rotas União‑Suíça é, no que respeita à recorrente, igual a zero. Assim, o fator de multiplicação ligado à duração da participação da recorrente na infração única e continuada acaba por ser imputado, no respeitante às rotas intra‑EEE e União‑Suíça, a uma base de zero. Assim, o facto de o Tribunal Geral, mantendo‑se no método descrito, não ter em conta os fatores de multiplicação fixados nos considerandos 1214 e 1216 da decisão recorrida não é suscetível de reduzir o montante da coima aplicada à recorrente. Dito de outra forma, com o método que a Comissão utilizou para calcular o montante da coima aplicada à recorrente, esta já escapou no essencial à aplicação de uma coima pela sua responsabilidade na infração única e continuada no respeitante às rotas intra‑EEE e União‑Suíça.

444    Quanto aos fatores de multiplicação ligados às rotas União‑países terceiros e EEE, exceto União‑países terceiros, que não são contestados, devem permanecer fixados em 1 e 9/12 e 8/12, respetivamente.

445    O montante de base da coima deve, portanto, ser fixado em 111 331 780 euros.

446    Quanto à redução geral de 50 %, não se pode julgar procedente o pedido da Comissão de retirar o seu benefício à recorrente. Como resulta da contestação, esse pedido pressupõe expressamente que o Tribunal Geral decidisse que o volume de negócios resultante da venda de serviços de frete de entrada não podia ser incluído no valor das vendas. Ora, o Tribunal Geral recusou‑se a fazê‑lo no n.o 436, supra.

447    Assim, o montante de base da coima após aplicação da redução geral de 50 %, que só se aplica ao montante de base no respeitante às rotas EEE, exceto União‑países terceiros, e União‑países terceiros (v. considerando 1241 da decisão recorrida), que a recorrente não contestou no âmbito do pedido de anulação e que não é inadequada, deve ser fixado, após arredondamento, em 55 000 000 euros. A esse respeito, o Tribunal Geral entende adequado arredondar por defeito o montante de base aos dois primeiros algarismos, com exceção dos casos em que essa redução represente mais de 2 % do montante antes do arredondamento, caso em que esse montante é arredondado aos três primeiros algarismos. Este método é objetivo, permite a todas as transportadoras arguidas que interpuseram recurso da decisão recorrida beneficiarem de uma redução e evita uma desigualdade de tratamento (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, InnoLux/Comissão, T‑91/11, EU:T:2014:92, n.o 166).

448    Por último, no que respeita aos ajustamentos do montante de base da coima, há que lembrar que a recorrente beneficiou da redução geral de 15 %, cujo caráter suficiente contesta no âmbito do nono fundamento apresentado em apoio do pedido de anulação e no sétimo argumento apresentado em apoio do presente pedido. Ora, por razões análogas às que são acima expostas nos n.os 382 a 386, não se pode considerar que a Comissão não teve suficientemente em conta o regime regulamentar japonês. Inversamente, não se pode julgar procedente o pedido da Comissão de retirada do benefício dessa redução, por razões análogas às que são acima expostas no n.o 446.

449    Por outro lado, no considerando 1257 da decisão recorrida, a Comissão deu por provado que a recorrente não desempenhara um papel passivo ou menor na infração única e continuada e que a sua participação nessa infração não tinha sido substancialmente reduzida, tendo, por conseguinte, recusado conceder‑lhe uma redução da coima a esse título. Há que lembrar, porém, que a Comissão imputou erradamente à recorrente a responsabilidade pela infração única e continuada na parte respeitante às rotas intra‑EEE e União‑Suíça (n.os 221 a 223, supra). Daí resulta que, ao contrário de todas as outras transportadoras arguidas, a recorrente só podia ser considerada responsável por essa infração na parte respeitante às rotas União‑países terceiros e às rotas EEE, exceto União‑países terceiros.

450    Assim, a participação da recorrente na infração única e continuada foi significativamente menor do que a da maioria das outras transportadoras arguidas. O Tribunal entende que o caráter limitado dessa participação pode justificar uma redução do montante da coima superior àquela de que beneficiaram a Air Canada, a Lan Cargo e a SAS no considerando 1258 da decisão recorrida por «operar[em] na periferia do cartel [controvertido], [terem tido] contactos limitados com outras transportadoras e não [terem participado] em todos os elementos da infração [única e continuada]».

451    Nestas condições, o Tribunal Geral considera que deve ser concedida à recorrente uma redução de 15 % da coima em virtude da sua participação limitada na infração única e continuada, nível esse de redução que tem em conta as especificidades do caso acima lembradas no n.o 443.

452    Em contrapartida, o Tribunal Geral não considera que o oitavo argumento apresentado em apoio deste pedido justifique a concessão à recorrente de uma redução adicional do montante da coima. Este argumento pressupõe que o Tribunal Geral tivesse julgado procedente o décimo fundamento no respeitante à participação da recorrente na componente da infração única e continuada relativa à recusa de pagamento de comissões. Ora, como acima resulta dos n.os 331 a 354, o Tribunal Geral julgou este fundamento integralmente improcedente.

453    Do mesmo modo, há que observar que o nono e décimo argumentos pressupõem a existência de uma desigualdade de tratamento entre a recorrente e outras transportadoras arguidas. Ora, tal como referido na análise do pedido de anulação, a existência dessa discriminação não está demonstrada.

454    Quanto ao décimo primeiro argumento em apoio deste pedido, relativo a uma divergência com a prática decisória da Comissão, basta referir que o Tribunal de Justiça já rejeitou um argumento análogo no Acórdão de 23 de abril de 2015, LG Display e LG Display Taiwan/Comissão (C‑227/14 P, EU:C:2015:258, n.o 67), com o fundamento de que a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico aplicável às coimas em matéria de direito da concorrência.

455    Além disso, há que lembrar que a recorrente beneficiou de uma redução de 25 % a título de clemência, cuja adequação não contesta.

456    Em face de todas estas considerações, há que calcular da seguinte forma o montante da coima a aplicar à recorrente: antes de mais, o montante de base é determinado aplicando, tendo em conta a gravidade da infração única e continuada, uma percentagem de 16 % ao valor das vendas da recorrente em 2005 nas rotas União‑países terceiros e EEE, exceto União‑países terceiros, depois, relativamente à duração da infração, fatores de multiplicação de 1 e 9/12 e 8/12, respetivamente, e, por último, um montante adicional de 16 %, resultando num montante intermédio de 111 331 780. Após aplicação da redução geral de 50 %, esse montante dever ser arredondado para 55 000 000 euros. Seguidamente, após aplicação da redução geral de 15 % e de uma nova redução de 15 % pela participação limitada da recorrente na infração única e continuada, esse montante deve ser fixado em 38 500 000 euros. Por último, este último montante deve ser reduzido em 25 % a título da clemência, resultando numa coima no montante final de 28 875 000 euros.

IV.    Quanto às despesas

457    Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

458    No caso, a recorrente obteve ganho de causa numa parte substancial dos seus pedidos. Nestas condições, será feita uma justa apreciação das circunstâncias do caso decidindo que a recorrente suportará um terço das suas próprias despesas e que a Comissão suportará as suas próprias despesas e dois terços das despesas da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

decide:

1)      É anulado o artigo 1.o, n.o 1, alínea h), e n.o 4, alínea h), da Decisão C(2017) 1742 final da Comissão, de 17 de março de 2017, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE], do artigo 53.o do Acordo EEE e do artigo 8.o do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo aos transportes aéreos (processo AT/39258 — Frete aéreo).

2)      Fixase em 28 875 000 euros o montante da coima aplicada à Japan Airlines Co. Ltd. no artigo 3.o, alínea h), dessa decisão.

3)      Negase provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      A Japan Airlines suportará um terço das suas próprias despesas.

5)      A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas e dois terços das despesas da Japan Airlines.

Kanninen

Schwarcz

Iliopoulos

Spielmann

 

      Reine

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de março de 2022.

Assinaturas


Índice


I. Antecedentes do litígio

A. Procedimento administrativo

B. Quanto à Decisão de 9 de novembro de 2010

C. Quanto ao recurso da Decisão de 9 de novembro de 2010 no Tribunal Geral

D. Decisão recorrida

II. Tramitação do processo e pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto ao pedido de anulação

1. Quanto ao quinto fundamento, relativo à incompetência da Comissão para aplicar o artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE nas rotas de entrada

a) Quanto aos efeitos da coordenação nos serviços de frete de entrada isoladamente

1) Quanto à relevância do efeito em causa

2) Quanto à previsibilidade do efeito em causa

3) Quanto à natureza substancial do efeito em causa

4) Quanto ao caráter imediato do efeito em causa

b) Quanto aos efeitos da infração única e continuada como um todo

2. Quanto ao fundamento, suscitado oficiosamente, relativo à incompetência da Comissão face ao Acordo CESuíça relativo aos transportes aéreos para declarar e punir uma violação do artigo 53.o do Acordo EEE nas rotas EEE com exceção da UniãoSuíça

3. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do princípio ne bis in idem e do artigo 266.o TFUE e à violação do prazo de prescrição

a) Quanto à segunda parte, violação do prazo de prescrição e falta de interesse legítimo na declaração formal de infração

b) Quanto à primeira parte, violação do princípio ne bis in idem e do artigo 266.o TFUE

4. Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da não discriminação, e ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 101.o TFUE, do artigo 53.o do Acordo EEE e do dever de fundamentação relativo, por um lado, à imputação à recorrente da responsabilidade pela infração única e continuada nas rotas intraEEE e UniãoSuíça durante o período anterior a 1 de maio de 2004 e, por outro, à determinação da data de início da sua participação nessa infração

5. Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE na imputação à recorrente da responsabilidade pela infração única e continuada nas rotas em que não era concorrente real ou potencial

a) Quanto aos princípios aplicáveis

b) Quanto aos fundamentos pelos quais a Comissão imputou à recorrente a responsabilidade pela infração única e continuada no respeitante às rotas EEEpaíses terceiros, exceto Japão

1) Quanto às alegadas contradições na fundamentação

2) Quanto à alegada novidade do fundamento invocado para imputar à recorrente a responsabilidade pela infração única e continuada no respeitante às rotas EEEpaíses terceiros, exceto Japão

c) Quanto ao mérito dos fundamentos pelos quais a Comissão imputou à recorrente a responsabilidade pela infração única e continuada no respeitante às rotas EEEpaíses terceiros, exceto Japão

6. Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa, do princípio da não discriminação e do princípio da proporcionalidade em razão da aplicação de diferentes exigências probatórias a diferentes transportadoras

7. Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação das Orientações de 2006 e do princípio da proporcionalidade

a) Quanto à primeira parte, relativa à determinação do valor das vendas

1) Quanto à primeira alegação, relativa à violação do ponto 13 das Orientações de 2006

2) Quanto à segunda alegação, relativa à violação do princípio da proporcionalidade

b) Quanto à segunda parte, relativa à fixação do coeficiente de gravidade e do montante adicional

8. Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação das Orientações de 2006 e do princípio da proteção da confiança legítima ao incluir no valor das vendas o volume de negócios resultante das vendas de serviços de frete de entrada a clientes estabelecidos fora do EEE

9. Quanto ao nono fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade no respeitante à redução geral de 15 %

10. Quanto ao décimo fundamento, relativo à violação do princípio da não discriminação, do princípio da proporcionalidade e, em substância, do dever de fundamentação, devido à recusa da Comissão de reduzir o montante da coima com base na participação limitada da recorrente na infração única e continuada

B. Quanto ao pedido de redução do montante da coima aplicada à recorrente

IV. Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.