ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

2 de outubro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial – Cidadania da União – Diretiva 2004/38/CE – Direito de residência de um nacional de um Estado terceiro ascendente direto de cidadãos da União menores de idade – Artigo 7.o, n.o 1, alínea b) – Condição de recursos suficientes – Recursos constituídos de rendimentos provenientes de um emprego exercido sem título de residência nem autorização de trabalho»

No processo C‑93/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Court of Appeal in Northern Ireland (Tribunal de Recurso da Irlanda do Norte, Reino Unido), por Decisão de 15 de dezembro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de fevereiro de 2018, no processo

Ermira Bajratari

contra

Secretary of State for the Home Department,

sendo interveniente:

Aire Centre,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, A. Rosas, L. Bay Larsen e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de janeiro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de E. Bajratari, por R. Gillen, solicitor, H. Wilson, BL, e R. Lavery, QC,

–        em representação do Aire Centre, por C. Moynagh, solicitor, R. Toal, BL, G. Mellon, BL, A. Danes, QC, e A. O’Neill, QC,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por F. Shibli e R. Fadoju, na qualidade de agentes, assistidos por D. Blundell, barrister,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e A. Brabcová, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo dinamarquês, por J. Nymann‑Lindegren, M. Wolff e P. Ngo, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e C. S. Schillemans, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo austríaco, inicialmente por G. Hesse e, em seguida, por J. Schmoll, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por E. Montaguti e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de junho de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77; retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre Ermira Bajratari e o Secretary of State for the Home Department (Ministro do Interior, Reino Unido) relativo ao seu direito de residência no Reino Unido.

 Quadro jurídico

3        Nos termos do considerando 10 da Diretiva 2004/38:

«As pessoas que exercerem o seu direito de residência não deverão […] tornar‑se uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período inicial de residência. Em consequência, o direito de residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias por períodos superiores a três meses deverá estar sujeito a condições.»

4        Sob a epígrafe «Definições», o artigo 2.o da Diretiva 2004/38 enuncia:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      “Cidadão da União”: qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro;

2)      “Membro da família”:

[…]

d)      Os ascendentes diretos que estejam a cargo, assim como os do cônjuge ou do parceiro na aceção da alínea b);

3)      “Estado‑Membro de acolhimento”: o Estado‑Membro para onde se desloca o cidadão da União a fim de aí exercer o seu direito de livre circulação e residência.»

5        O artigo 3.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Titulares», dispõe, no seu n.o 1:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2) do artigo 2.o, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.»

6        O artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de residência por mais de três meses», tem a seguinte redação:

«Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)      Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)       Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou

c)      –      esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional, e

–      disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência; ou

d)      Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).»

7        O artigo 14.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Conservação do direito de residência», prevê, no seu n.o 2:

«Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se referem os artigos 7.o, 12.o e 13.o enquanto preencherem as condições neles estabelecidas.

[…]»

8        Constante do capítulo VI da Diretiva 2004/38, intitulado «Restrições ao direito de entrada e ao direito de residência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública», o artigo 27.o, n.os 1 e 2, desta diretiva dispõe:

«1.      Sob reserva do disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros podem restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. Tais razões não podem ser invocadas para fins económicos.

2.      As medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade e devem basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão. A existência de condenações penais anteriores não pode, por si só, servir de fundamento para tais medidas.

O comportamento da pessoa em questão deve constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade. Não podem ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral.»

 Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        A recorrente no processo principal, E. Bajratari, de nacionalidade albanesa, reside na Irlanda do Norte desde 2012.

10      O marido da recorrente no processo principal, D. Bajratari, também ele nacional albanês residente na Irlanda do Norte, era titular de um cartão de residência que o autorizava a residir no Reino Unido no período entre 13 de maio de 2009 e 13 de maio de 2014. Este cartão de residência foi‑lhe concedido com fundamento na sua relação anterior com a Sra. Toal, uma nacional do Reino Unido, relação que terminou no início de 2011. Embora tenha deixado o Reino Unido em 2011 para se casar com E. Bajratari na Albânia, regressou à Irlanda do Norte em 2012. Em momento algum o seu cartão de residência foi revogado.

11      O casal tem três filhos nascidos na Irlanda do Norte. Os dois primeiros filhos obtiveram um certificado de nacionalidade irlandesa.

12      Decorre da decisão de reenvio que D. Bajratari exerceu diferentes atividades profissionais desde 2009 e que, pelo menos desde 12 de maio de 2014, data do termo do seu cartão de residência, trabalha ilegalmente, na medida em que não dispõe de um título de residência nem de uma autorização de trabalho. Além disso, é de observar que nunca nenhum membro da família se deslocou para outro Estado‑Membro da União ou residiu noutro Estado‑Membro da União e que os únicos recursos de que a família dispõe são os rendimentos de D. Bajratari.

13      Após o nascimento do seu primeiro filho, E. Bajratari apresentou, em 9 de setembro de 2013, um pedido ao Home Office (Ministério do Interior, Reino Unido) com vista ao reconhecimento de um direito de residência derivado ao abrigo da Diretiva 2004/38, invocando o seu estatuto de pessoa que tem a guarda efetiva do seu filho, cidadão da União, e sustentando que uma recusa de um cartão de residência privaria o seu filho do gozo dos seus direitos de cidadão da União.

14      Este pedido foi indeferido por Decisão de 28 de janeiro de 2014 do Secretary of State for the Home Department (Ministro do Interior) com base em dois fundamentos, a saber, em primeiro lugar, o de que E. Bajratari não tinha a condição de «membro da família» na aceção da Diretiva 2004/38 e, em segundo lugar, o de que o seu filho não preenchia a condição de autonomia financeira prevista no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), dessa diretiva. Todavia, a condição relativa a uma «cobertura extensa de seguro de doença» não foi contestada.

15      Em 8 de junho de 2015, o First‑tier Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção da Imigração e do Asilo, Reino Unido)] negou provimento ao recurso interposto por E. Bajratari da decisão do Home Office (Ministério do Interior). Em 6 de outubro de 2016, o Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) [Tribunal Superior (Secção da Imigração e do Asilo), Reino Unido] negou provimento ao segundo recurso de E. Bajratari. Esta apresentou então um pedido de autorização de recurso da decisão do Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) [Tribunal Superior (Secção da Imigração e do Asilo)] à Court of Appeal in Northern Ireland (Tribunal de Recurso da Irlanda do Norte, Reino Unido).

16      O órgão jurisdicional de reenvio observa que o Tribunal de Justiça declarou anteriormente que a exigência imposta no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, segundo a qual um cidadão da União deve dispor de recursos suficientes, está preenchida quando esses recursos estão à sua disposição, e que não existe qualquer exigência quanto à sua proveniência (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de outubro de 2004, Zhu e Chen, C‑200/02, EU:C:2004:639, n.o 30, e de 10 de outubro de 2013, Alokpa e Moudoulou, C‑86/12, EU:C:2013:645, n.o 27). Não obstante, o referido órgão jurisdicional salienta que o Tribunal de Justiça não se pronunciou especificamente sobre a questão de saber se há que tomar em consideração os rendimentos provenientes de um trabalho ilegal à luz do direito nacional.

17      Nestas condições, a Court of Appeal in Northern Ireland (Tribunal de Recurso da Irlanda do Norte) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Pode o rendimento de um emprego que é ilegal nos termos do direito nacional demonstrar, total ou parcialmente, a disponibilidade de recursos suficientes na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva [2004/38]?

2)      Em caso de resposta afirmativa, podem os requisitos do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), [desta diretiva] considerar‑se preenchidos quando o emprego é considerado precário apenas devido ao seu caráter ilegal?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

18      O Governo do Reino Unido salienta que, após a apresentação do presente pedido de decisão prejudicial, foi retirada a nacionalidade irlandesa aos dois primeiros filhos de E. Bajratari, pelo que estes já não beneficiam da cidadania da União nem dos direitos dela decorrentes. Assim, este Governo alega que as problemáticas levantadas nas questões prejudiciais se tornaram de natureza puramente hipotética e que, como tal, o Tribunal de Justiça deve recusar responder a essas questões.

19      E. Bajratari e o Aire Centre observam que foi interposto recurso judicial para contestar a decisão das autoridades irlandesas de anular a cidadania dos dois primeiros filhos de E. Bajratari e que este recurso está atualmente pendente na High Court (Tribunal Superior de Justiça, Irlanda).

20      A este respeito, há que salientar que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 27 de junho de 2019, Azienda Agricola Barausse Antonio e Gabriele, C‑348/18, EU:C:2019:545, n.o 26 e jurisprudência referida).

21      No caso vertente, resulta dos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que E. Bajratari foi autorizada a contestar, por via de recurso jurisdicional, as decisões que invalidam os certificados de nacionalidade irlandesa dos seus dois primeiros filhos.

22      Por outro lado, nenhum dos referidos elementos dos autos permite constatar que tais decisões se tornaram definitivas.

23      Além disso, na sequência de um pedido de esclarecimentos do Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 101.o do seu Regulamento de Processo, dirigido ao órgão jurisdicional de reenvio, este último especificou que, embora seja possível que a lide no processo principal venha a padecer de inutilidade superveniente, devido à perda da nacionalidade irlandesa das duas crianças em causa, atualmente esta permanece válida.

24      Nestas condições, há que julgar admissível o pedido de decisão prejudicial.

 Quanto ao mérito

25      Através das suas duas questões, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que um cidadão da União menor de idade dispõe de recursos suficientes a fim de não se tornar uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, mesmo quando esses recursos provêm de rendimentos resultantes do emprego exercido ilegalmente pelo seu pai, nacional de um Estado terceiro que não dispõe de um título de residência nem de uma autorização de trabalho nesse Estado‑Membro.

26      A título preliminar, importa recordar que, no que se refere a cidadãos da União nascidos no Estado‑Membro de acolhimento e que nunca exerceram o direito à livre circulação, como os dois primeiros filhos de E. Bajratari, o Tribunal de Justiça já declarou que estes cidadãos da União têm o direito de invocar o artigo 21.o, n.o 1, TFUE e as disposições adotadas em sua aplicação (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín, C‑165/14, EU:C:2016:675, n.os 42 e 43 e jurisprudência referida).

27      Daqui decorre que o artigo 21.o, n.o 1, TFUE e a Diretiva 2004/38 conferem, em princípio, um direito de residência no Reino Unido aos dois primeiros filhos de E. Bajratari.

28      Isto dito, há igualmente que recordar que, por força do artigo 21.o TFUE, o direito de residir no território dos Estados‑Membros é reconhecido a qualquer cidadão da União «sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação» (Acórdão de 30 de junho de 2016, NA, C‑115/15, EU:C:2016:487, n.o 75).

29      Em particular, tais limitações e condições são as previstas no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, nomeadamente, a de dispor de recursos suficientes a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência e de uma cobertura extensa de seguro de doença, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva (Acórdão de 30 de junho de 2016, NA, C‑115/15, EU:C:2016:487, n.o 76).

30      No que respeita, nomeadamente, à condição relativa ao caráter suficiente dos recursos enunciada no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, o Tribunal de Justiça já declarou que, embora o cidadão da União deva dispor de recursos suficientes, o direito da União não inclui a menor exigência quanto à sua proveniência, podendo estes recursos ser fornecidos, designadamente, por um nacional de um Estado terceiro, progenitor dos cidadãos da União menores de idade em questão (Acórdão de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín, C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 48 e jurisprudência referida).

31      Assim, o facto de os recursos de que um cidadão da União menor de idade pretende invocar, para efeitos do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, serem provenientes dos rendimentos obtidos pelo seu progenitor nacional de um Estado terceiro, através do emprego que exerce no Estado‑Membro de acolhimento não obsta a que se possa considerar preenchida a condição relativa ao caráter suficiente dos recursos, prevista na referida disposição (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2015, Singh e o., C‑218/14, EU:C:2015:476, n.o 76).

32      Importa verificar se esta conclusão também se aplica quando o progenitor do cidadão da União menor de idade não tem um título de residência nem uma autorização de trabalho no Estado‑Membro de acolhimento.

33      A este respeito, há que sublinhar que nada na redação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 permite considerar que, para efeitos desta disposição, só podem ser tomados em consideração os recursos provenientes de um emprego exercido por um nacional de um Estado terceiro, progenitor de um cidadão da União menor de idade, ao abrigo de um título de residência e de uma autorização de trabalho.

34      Com efeito, a referida disposição limita‑se a exigir que os cidadãos da União em causa disponham de recursos suficientes para evitar que se tornem, durante o período de residência, uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento, sem estabelecer nenhuma outra condição, nomeadamente no que respeita à origem desses recursos.

35      Por outro lado, importa recordar que, como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, constituindo o direito à livre circulação, enquanto princípio fundamental do direito da União, a regra geral, os requisitos previstos no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 devem ser interpretados com respeito pelos limites impostos pelo direito da União e pelo princípio da proporcionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey, C‑140/12, EU:C:2013:565, n.o 70 e jurisprudência referida).

36      O respeito por esse princípio implica que as medidas nacionais tomadas aquando da aplicação das condições e das limitações prescritas nessa disposição devem ser adequadas e necessárias para atingir o fim visado (v., neste sentido, estando em causa instrumentos do direito da União anteriores à Diretiva 2004/38, Acórdão de 23 de março de 2006, Comissão/Bélgica, C‑408/03, EU:C:2006:192, n.o 39 e jurisprudência referida), a saber, a proteção das finanças públicas dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2015, Singh e o., C‑218/14, EU:C:2015:476, n.o 75 e jurisprudência referida).

37      A este respeito, é verdade que, quando os recursos de que um cidadão da União menor de idade dispõe para fazer face às suas necessidades e às dos membros da sua família durante a sua residência no Estado‑Membro de acolhimento são oriundos de rendimentos provenientes de um trabalho exercido, nesse Estado‑Membro, pelo seu progenitor, nacional de um Estado terceiro que não dispõe de um título de residência nem de uma autorização de trabalho, dada a situação precária deste último, devido ao caráter ilegal da sua residência, o risco de perda de recursos suficientes e de esse cidadão da União menor de idade se tornar um encargo para o sistema de segurança social é maior.

38      Nesta perspetiva, uma medida nacional que consiste em excluir tais rendimentos do conceito de «recursos suficientes», na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, permitiria, é certo, a realização do objetivo prosseguido por esta disposição.

39      Todavia, importa sublinhar que, a fim de proteger os interesses legítimos do Estado‑Membro de acolhimento, a Diretiva 2004/38 contém disposições que lhe permitem agir em caso de perda efetiva dos recursos financeiros, a fim de evitar que o titular do direito de residência se torne uma sobrecarga para as finanças públicas do referido Estado‑Membro.

40      Em particular, nos termos do artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, o direito de os cidadãos da União e de os membros das suas famílias residirem no território do Estado‑Membro de acolhimento, com base no artigo 7.o desta diretiva, só se mantém enquanto esses cidadãos e os membros das suas famílias preencherem as condições enunciadas nesta disposição (Acórdão de 16 de julho de 2015, Singh e o., C‑218/14, EU:C:2015:476, n.o 57).

41      O artigo 14.o da Diretiva 2004/38 permite, assim, ao Estado‑Membro de acolhimento controlar se os cidadãos da União e os membros das suas famílias que beneficiam do direito de residência satisfazem as condições previstas a esse respeito pela Diretiva 2004/38 durante toda a sua permanência.

42      Nestas condições, uma interpretação da condição relativa ao caráter suficiente dos recursos, enunciada no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, no sentido de que um cidadão da União menor de idade não pode invocar, para efeitos desta disposição, os rendimentos provenientes de um emprego exercido, no Estado‑Membro de acolhimento, pelo seu progenitor, nacional de um Estado terceiro que não dispõe de um título de residência nem de uma autorização de trabalho nesse Estado‑Membro de acolhimento, acrescenta a essa condição uma exigência relativa à origem dos recursos fornecidos por esse progenitor, que constitui uma ingerência desproporcionada no exercício do direito fundamental à livre circulação e residência do cidadão da União menor de idade em causa garantido pelo artigo 21.o TFUE, na medida em que não é necessária para alcançar o objetivo prosseguido.

43      No caso vertente, resulta das observações de E. Bajratari que, desde 2009, D. Bajratari esteve sempre empregado no Reino Unido, primeiro como chefe de cozinha num restaurante e, depois, desde fevereiro de 2018, como assistente numa estação de lavagem de automóveis.

44      Por outro lado, foi confirmado na audiência por E. Bajratari, sem que o Governo do Reino Unido a tenha contradito, que os rendimentos provenientes do emprego que D. Bajratari continuou a exercer, apesar do termo da sua carta de residência, foram sujeitos às contribuições fiscais e ao regime de segurança social.

45      Por último, nada nos autos ao dispor do Tribunal de Justiça indica que, durante esses últimos dez anos, os filhos de E. Bajratari tenham recorrido à segurança social no Reino Unido. Além disso, como decorre do n.o 14 do presente acórdão, a condição relativa à cobertura extensa de seguro de doença, enunciada no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, não é contestada no caso vertente.

46      Ora, uma medida nacional que permite às autoridades do Estado‑Membro em causa recusar o direito de residência a um cidadão da União menor de idade com o fundamento de que os recursos que este pretende invocar, para efeitos do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, provêm de um emprego exercido pelo seu progenitor, nacional de um Estado terceiro que não dispõe de um título de residência nem de uma autorização de trabalho, quando esses recursos permitem ao referido cidadão da União fazer face, há dez anos, às suas próprias necessidades e às dos membros da sua família sem ter de recorrer ao sistema de segurança social desse Estado‑Membro, ultrapassa manifestamente o necessário para proteger as finanças públicas do referido Estado‑Membro.

47      Acresce que uma interpretação da condição relativa ao caráter suficiente dos recursos como a evocada no n.o 42 do presente acórdão é contrária ao objetivo prosseguido pela Diretiva 2004/38, a saber, como resulta de jurisprudência constante, facilitar o exercício do direito fundamental e individual de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros que o artigo 21.o, n.o 1, TFUE confere diretamente aos cidadãos da União, e reforçar o referido direito (Acórdão de 18 de dezembro de 2014, McCarthy e o., C‑202/13, EU:C:2014:2450, n.o 31 e jurisprudência referida).

48      Resulta do que precede que o facto de os recursos que um cidadão da União menor de idade pretende invocar, para efeitos do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38, serem provenientes dos rendimentos auferidos pelo seu progenitor, nacional de um Estado terceiro, em virtude do emprego que este exerce no Estado‑Membro de acolhimento não obsta a que se possa considerar preenchida a condição relativa ao caráter suficiente dos recursos, enunciada na referida disposição, mesmo que esse progenitor não disponha de um título de residência nem de uma autorização de trabalho nesse Estado‑Membro.

49      Por último, o Governo do Reino Unido invoca razões relativas à manutenção da ordem pública para justificar a restrição do direito de residência de um cidadão da União menor de idade resultante do facto de os rendimentos provenientes do emprego exercido, nesse Estado‑Membro, pelo progenitor desse menor, nacional de um Estado terceiro que não dispõe de um título de residência nem de uma autorização de trabalho no Reino Unido, estarem excluídos do conceito de «recursos suficientes» na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38.

50      A este respeito, importa recordar que, enquanto justificação de uma derrogação ao direito de residência dos cidadãos da União ou dos membros das suas famílias, o conceito de «ordem pública» deve ser entendido em sentido estrito, pelo que o seu alcance não pode ser determinado unilateralmente pelos Estados‑Membros sem fiscalização por parte das instituições da União (Acórdão de 13 de setembro de 2016, CS, C‑304/14, EU:C:2016:674, n.o 37 e jurisprudência referida).

51      O Tribunal de Justiça declarou assim que o conceito de «ordem pública» pressupõe, em qualquer caso, além da perturbação da ordem social que qualquer infração à lei constitui, a existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade (Acórdão de 13 de setembro de 2016, CS, C‑304/14, EU:C:2016:674, n.o 38).

52      Ora, tendo em conta as circunstâncias do processo principal, há que observar, à semelhança do advogado‑geral, no n.o 78 das suas conclusões, que, no caso vertente, não estão preenchidas as condições exigidas para justificar, por razões de ordem pública, a restrição ao direito de residência dos dois primeiros filhos de E. Bajratari resultante da exclusão dos rendimentos provenientes do trabalho exercido ilegalmente pelo seu pai do âmbito do conceito de «recursos suficientes», na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38.

53      Atendendo às considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que um cidadão da União menor de idade dispõe de recursos suficientes a fim de não se tornar uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, mesmo quando esses recursos provêm de rendimentos resultantes do emprego exercido ilegalmente pelo seu pai, nacional de um Estado terceiro que não dispõe de um título de residência nem de uma autorização de trabalho nesse Estado‑Membro.

 Quanto às despesas

54      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos EstadosMembros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, deve ser interpretado no sentido de que um cidadão da União menor de idade dispõe de recursos suficientes a fim de não se tornar uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do EstadoMembro de acolhimento durante o período de residência, mesmo quando esses recursos provêm de rendimentos resultantes do emprego exercido ilegalmente pelo seu pai, nacional de um Estado terceiro que não dispõe de um título de residência nem de uma autorização de trabalho nesse EstadoMembro.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.