CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GIOVANNI PITRUZZELLA

apresentadas em 21 de janeiro de 2021(1)

Processo C54/19 P

Axa Mediterranean Holding, SA

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Disposições relativas ao imposto sobre as sociedades que permitem às empresas com domicílio fiscal em Espanha amortizar o goodwill resultante de aquisições de participações em sociedades com domicílio fiscal no estrangeiro — Conceito de “auxílio de Estado” — Seletividade»






1.        O presente processo tem por objeto o recurso interposto pela Axa Mediterranean Holding, SA (a seguir «Axa»), contra o Acórdão de 15 de novembro de 2018, Axa Mediterranean Holding/Comissão (2) (a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual o Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação, nos termos do artigo 263.o TFUE, do artigo 1.o, n.o 1, da Decisão 2011/282/UE da Comissão, de 12 de janeiro de 2011, relativa à amortização para efeitos fiscais do goodwill financeiro, em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras, aplicada pela Espanha (a seguir «decisão impugnada») (3), e, a título subsidiário, do artigo 4.o dessa decisão, interposto pela Axa.

2.        O presente recurso faz parte de uma série de oito processos paralelos que têm por objeto a anulação dos acórdãos pelos quais o Tribunal Geral negou provimento aos recursos interpostos por algumas empresas espanholas contra a decisão impugnada ou contra a Decisão 2011/5/CE da Comissão, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras aplicada pela Espanha (a seguir «Decisão de 28 de outubro de 2009») (4).

I.      Matéria de facto, medida controvertida e decisão impugnada

3.        Em 10 de outubro de 2007, no seguimento de várias perguntas escritas que lhe tinham sido colocadas ao longo dos anos de 2005 e 2006 por membros do Parlamento Europeu e de uma denúncia de um operador privado que lhe fora dirigida em 2007, a Comissão Europeia deu início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (5) (a seguir «decisão de abertura»), relativamente ao dispositivo previsto no artigo 12.o, n.o 5, introduzido na Ley del Impuesto sobre Sociedades (Lei do Imposto sobre as Sociedades) pela Ley 24/2001, de Medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social (Lei 24/2001, que Aprova Medidas Fiscais, Administrativas e de Ordem Social), de 27 de dezembro de 2001 (6), e retomado pelo Real Decreto Legislativo 4/2004, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto Legislativo 4/2004, que Aprova o Texto Adaptado da Lei do Imposto sobre as Sociedades, a seguir «TRLIS»), de 5 de março de 2004 (a seguir «medida controvertida»). A medida controvertida dispõe que, no caso de uma aquisição de participação de uma empresa sujeita a tributação em Espanha numa «empresa estrangeira», quando essa aquisição de participação seja de pelo menos 5 % e a participação em causa seja detida de forma ininterrupta durante pelo menos um ano, o financial goodwill (7) (8) daí resultante pode ser deduzido, sob a forma de amortização, do rendimento tributável do imposto sobre as sociedades a pagar pela empresa. A medida controvertida precisa que, para ser qualificada de «empresa estrangeira», uma sociedade tem de estar sujeita a um imposto idêntico ao imposto aplicável em Espanha e os seus rendimentos têm de provir essencialmente do exercício de atividades no estrangeiro.

4.        Com a Decisão de 28 de outubro de 2009, a Comissão encerrou o procedimento formal de investigação no que se refere às aquisições de participações ocorridas no interior da União Europeia. Nessa decisão, a Comissão declarou incompatível com o mercado interno o regime de auxílios aplicado pela Espanha ao abrigo da medida controvertida no que respeita aos auxílios concedidos aos beneficiários para efetuarem aquisições intracomunitárias.

5.        A Comissão manteve aberto o procedimento formal de investigação quanto às aquisições de participações realizadas fora da União, aguardando elementos adicionais que as autoridades espanholas se tinham comprometido a fornecer. Esta fase do procedimento foi encerrada com a adoção da decisão impugnada. O artigo 1.o, n.o 1, dessa decisão declarou incompatível com o mercado interno o regime de auxílios aplicado pela Espanha por força da medida controvertida, «no que respeita aos auxílios concedidos aos beneficiários em relação às aquisições no exterior da União» (9). O n.o 4 desse artigo prevê que «[…] as deduções fiscais usufruídas pelos beneficiários por força do artigo 12.o, n.o 5, do TRLIS aquando da realização de aquisições fora da União à data da publicação da presente decisão no Jornal Oficial da União Europeia, em relação às participações maioritárias detidas direta ou indiretamente em empresas estrangeiras estabelecidas na China, na Índia e noutros países em que tenha sido demonstrada ou seja possível demonstrar a existência de obstáculos jurídicos expressos às concentrações transfronteiras de empresas, poderão continuar a ser aplicadas durante todo o período de amortização previsto pelo regime de auxílio». O artigo 4.o, n.o 1, da decisão impugnada prevê a recuperação do «auxílio incompatível, que corresponde à redução de impostos prevista no regime referido no artigo 1.o, n.o 1, junto dos beneficiários cujos direitos em empresas estrangeiras, adquiridos no quadro de aquisições fora da União, não cumpram as condições descritas no artigo 1.o, n.os 2 a 5».

II.    Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

6.        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de julho de 2011, a Axa interpôs recurso de anulação da decisão impugnada. Em 11 de novembro de 2011, por requerimento separado, a Comissão suscitou uma exceção de inadmissibilidade, de que o Tribunal Geral decidiu conhecer juntamente com a apreciação do mérito da causa. A instância foi suspensa entre 13 de março e 7 de novembro de 2014, data na qual o Tribunal Geral proferiu decisão no processo que deu origem ao Acórdão de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (10) (a seguir «Acórdão Banco Santander e Santusa/Comissão»), pelo qual anulou a decisão impugnada com base na circunstância de a Comissão ter feito uma aplicação errada do pressuposto de seletividade previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE. O Tribunal Geral anulou igualmente a Decisão de 28 de outubro de 2009, pelo Acórdão de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (11) (a seguir «Acórdão Autogrill España/Comissão»).

7.        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de janeiro de 2015, a Comissão recorreu do Acórdão Banco Santander e Santusa/Comissão. Esse recurso, registado sob o número C‑21/15 P, foi apensado ao recurso registado sob o número C‑20/15 P, que a Comissão tinha interposto do Acórdão Autogrill España/Comissão. Por Decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2015, a República Federal da Alemanha, a Irlanda e o Reino de Espanha foram autorizados a intervir nos processos apensos em apoio da World Duty Free Group e do Banco Santander e da Santusa. Por Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (12) (a seguir «Acórdão WDFG»), o Tribunal de Justiça anulou o Acórdão Banco Santander e Santusa/Comissão, devolveu o processo ao Tribunal Geral e reservou para final parte das despesas. O Tribunal de Justiça anulou igualmente o Acórdão Autogrill España/Comissão.

8.        O processo perante o Tribunal Geral, cuja instância foi novamente suspensa em 9 de março de 2015, foi retomado em 21 de dezembro de 2016 e foi encerrado com a prolação do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral negou provimento ao recurso da Axa e condenou a mesma nas despesas.

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

9.        Por petição inicial apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de janeiro de 2019, a Axa interpôs o presente recurso. A mesma pede a anulação do acórdão recorrido, a anulação da decisão impugnada na sequência do provimento do recurso que interpôs perante o Tribunal Geral e a condenação da Comissão nas despesas. A Comissão pede que seja negado provimento ao recurso e a condenação da recorrente nas despesas.

IV.    Análise

A.      Observações preliminares

10.      Para um exame do estado atual da jurisprudência em matéria de seletividade de medidas fiscais, e, designadamente, para uma ilustração do método de análise da seletividade em três fases elaborado pelo Tribunal de Justiça, remeto para as considerações desenvolvidas e para os critérios invocados nos n.os 11 a 21 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P, World Duty Free Group/Comissão, e C‑64/19 P, Espanha/Comissão, apresentadas hoje. É à luz dessas considerações e desses critérios que serão examinadas as alegações apresentadas pela Axa. Quanto às implicações do Acórdão WDFG para efeitos do exame do presente recurso, remeto, em contrapartida, para os n.os 23 a 27 das referidas conclusões.

B.      Quanto ao presente recurso

11.      No seu recurso, a Axa invoca um fundamento único, relativo a um erro na interpretação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, no que diz respeito ao critério da seletividade. Esse fundamento divide‑se em quatro partes a título principal e duas a título subsidiário.

1.      Quanto à primeira parte do fundamento único de recurso: erro na determinação do sistema de referência

12.      As alegações apresentadas no âmbito da primeira parte do fundamento único invocado pela Axa são relativas à primeira etapa da análise da seletividade destinada a determinar o sistema de referência. Quanto ao conceito de «sistema de referência» e aos critérios aplicáveis para efeitos da sua determinação, remeto para as observações que desenvolvi nos n.os 37 a 51 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P, World Duty Free Group/Comissão, e C‑64/19 P, Espanha/Comissão, apresentadas hoje.

a)      Quanto à primeira alegação da primeira parte do fundamento único de recurso

13.      Uma vez que os fundamentos específicos invocados no âmbito da alegação em apreço, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da primeira alegação da primeira parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 52 a 59 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a primeira alegação da primeira parte do fundamento único invocado pela Axa.

b)      Quanto à segunda alegação da primeira parte do fundamento único de recurso

14.      Uma vez que os fundamentos específicos invocados no âmbito da segunda alegação da primeira parte do fundamento único invocado pela Axa, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos de impugnação, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da segunda alegação da primeira parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 62 a 82 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje, nos quais proponho que a totalidade das referidas alegações seja julgada improcedente. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a segunda alegação da primeira parte do fundamento único invocado pela Axa.

c)      Quanto à terceira alegação da primeira parte do fundamento único de recurso

15.      Uma vez que os fundamentos específicos invocados no âmbito da terceira alegação da primeira parte do fundamento único invocado pela Axa, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos de impugnação, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da terceira alegação da primeira parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 85 a 87 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a terceira alegação da primeira parte do fundamento único invocado pela Axa.

2.      Quanto à segunda parte do fundamento único de recurso: erro na determinação do objetivo a partir do qual deve ser efetuado o exame de comparabilidade

16.      As alegações apresentadas pela Axa no âmbito da segunda parte do seu fundamento único são relativas aos n.os 139 a 160 do acórdão recorrido e visam contestar os fundamentos desse acórdão pelos quais o Tribunal Geral identificou o objetivo do sistema de referência e comparou, à luz desse objetivo, a situação das empresas que beneficiam da vantagem instituída pela medida controvertida e a situação das empresas que são excluídas da mesma.

17.      Uma vez que os fundamentos específicos invocados no âmbito dessa parte do fundamento único da Axa, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da segunda parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 91 a 106 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a segunda parte do fundamento único invocado pela Axa.

3.      Quanto à terceira parte do fundamento único de recurso: erro de direito na repartição do ónus da prova

18.      Uma vez que os fundamentos específicos invocados no âmbito da terceira parte do fundamento único da Axa, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da terceira parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 109 e 110 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a terceira parte do fundamento único invocado pela Axa.

4.      Quanto à quarta parte do fundamento único de recurso: proporcionalidade

19.      Uma vez que os fundamentos específicos invocados no âmbito da quarta parte do fundamento único da Axa, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da quarta parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 112 e 113 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a quarta parte do fundamento único invocado pela Axa.

5.      Quanto à quinta parte do fundamento único de recurso: nexo de causalidade

20.      Uma vez que os fundamentos específicos invocados no âmbito da quinta parte do fundamento único da Axa, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da quinta parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 114 a 117 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a quinta parte do fundamento único invocado pela Axa.

6.      Quanto à sexta parte do fundamento único de recurso: divisibilidade da medida

21.      Uma vez que os fundamentos específicos invocados no âmbito da sexta parte do fundamento único da Axa, bem como os argumentos apresentados em apoio desses fundamentos, são idênticos aos que foram deduzidos no âmbito da sexta parte do fundamento único invocado pela World Duty Free Group no processo C‑51/19 P, limito‑me, para efeitos do seu exame, a remeter, mutatis mutandis, para os n.os 119 a 122 das minhas Conclusões nos processos apensos C‑51/19 P e C‑64/19 P, apresentadas hoje. Com os mesmos fundamentos expostos nesses números, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a sexta parte do fundamento único invocado pela Axa.

7.      Conclusões quanto ao recurso

22.      À luz de todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso, na sua totalidade.

C.      Quanto ao pedido de substituição de fundamentos deduzido pela Comissão

23.      No caso de o fundamento único invocado pela Axa vir a ser julgado procedente, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que proceda a uma substituição da fundamentação e que declare o recurso perante o Tribunal Geral inadmissível. A esse respeito, recordo que a Comissão tinha suscitado perante o Tribunal Geral uma exceção de inadmissibilidade do recurso interposto pela Axa, exceção essa que foi junta à questão de mérito. No n.o 28 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, baseando‑se no Acórdão de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer (13), considerou, porém, que se justificava examinar o recurso quanto ao mérito, sem conhecer preliminarmente dessa exceção (14).

24.      Uma vez que proponho que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso, limitar‑me‑ei, em seguida, a algumas breves considerações quanto ao mérito do pedido da Comissão, que exige, em substância, um exame da exceção de inadmissibilidade por ela suscitada no Tribunal Geral.

25.      No âmbito dessa exceção, a Comissão sustentou que a Axa não tinha legitimidade ativa nem interesse em agir contra a decisão impugnada, dado que não tinha demonstrado ter aplicado a medida controvertida e ter, assim, beneficiado efetivamente da dedução prevista pela mesma, nem que era obrigada à restituição de auxílios por aplicação da referida decisão ou que estava exposta ao risco dessa restituição, como, pelo contrário, é exigido na jurisprudência (15). Nas suas observações quanto à exceção de inadmissibilidade perante o Tribunal Geral, a Axa alegou que tinha adquirido o direito de aplicar a dedução prevista pela medida controvertida em 2008, relativamente a duas aquisições de participações maioritárias, numa sociedade turca e numa sociedade mexicana, respetivamente. Sustentou que a medida controvertida não exige que a dedução seja efetuada na declaração de imposto imediatamente subsequente à realização da operação, mas sim que os beneficiários possam decidir livremente o momento em que a aplicam. Nessas observações, a Axa alegou que, por prudência, não aplicou imediatamente a dedução em causa de modo definitivo, mas que teve em consideração a medida controvertida para reduzir a matéria coletável para efeitos do cálculo dos pagamentos por conta relativos a 2009 (16). Nestas circunstâncias, a Axa alegou ter um interesse efetivo e atual na anulação da decisão impugnada, dado que esta, por um lado, a privava do direito adquirido de aplicar a medida controvertida a operações já realizadas — a não ser que demonstrasse a existência de obstáculos às fusões internacionais no México e na Turquia, em conformidade com o considerando 200 dessa decisão — e, por outro, a expunha ao risco de ter de pagar juros de mora sobre os pagamentos por conta relativos a 2009 (17). Na réplica no processo perante o Tribunal Geral, a Axa alegou que aplicou a medida controvertida no âmbito do procedimento de autoliquidação relativo a 2013 e, mais tarde, novamente, depois da adoção do Acórdão Banco Santander e Santusa/Comissão. Em anexo à réplica, a mesma apresentou um aviso de liquidação, datado de 18 de janeiro de 2018, emitido no âmbito do procedimento de recuperação dos auxílios concedidos em aplicação da medida controvertida, que tinha por objeto, em particular, a amortização, relativa aos exercícios de 2014 e 2015, do financial goodwill respeitante à aquisição de participações numa sociedade turca realizada pela Axa no decurso do ano de 2008.

26.      Pela minha parte, recordo que, no Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (18) (a seguir «Acórdão Andres»), o Tribunal de Justiça esclareceu que o facto de um recorrente poder ou não fazer parte da categoria dos beneficiários efetivos ou dos beneficiários potenciais de um auxílio individual concedido ao abrigo de um regime de auxílios declarado incompatível com o mercado interno por uma decisão da Comissão não é decisivo para determinar se essa decisão diz individualmente respeito a esse recorrente quando se demonstre que, em qualquer dos casos, o referido recorrente é, além disso, afetado pela decisão devido a certas qualidades que lhe são particulares ou por uma situação de facto que o caracteriza relativamente a qualquer outra pessoa. Por conseguinte, caso se pronuncie quanto à exceção de inadmissibilidade da Comissão e chegue à conclusão de que a Axa, não tendo aplicado a medida controvertida a não ser a partir de 2014, não podia ser considerada beneficiário efetivo da vantagem prevista por esta à data da interposição do recurso perante o Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça deverá examinar se a sua situação era, contudo, suscetível de a diferenciar dos outros operadores que só são afetados como potenciais beneficiários dessa medida e, em particular, se essa situação pode decorrer do facto de a Axa ter procedido à amortização prevista pela medida para efeitos do cálculo dos pagamentos por conta efetuados relativamente a 2009. Não me parece, porém, que o mero facto de a Axa ter realizado uma operação suscetível de estar abrangida pelo âmbito de aplicação da medida controvertida (19) possa ser suficiente para diferenciar a sua situação na aceção exigida pela jurisprudência. A esse respeito, limito‑me a observar que, no processo que deu origem ao Acórdão Andres, o Tribunal Geral tinha determinado, por um lado, que a recorrente nesse processo tinha auferido, num exercício anterior à abertura do procedimento formal de investigação, rendimentos tributáveis aos quais poderia deduzir os prejuízos reportados nos termos da cláusula de reestruturação em causa nesse processo e, por outro, que resultava de uma informação vinculativa das autoridades fiscais alemãs que a mesma preenchia os requisitos de aplicação dessa cláusula (20).

V.      Quanto às despesas

27.      Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas. Por força do artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável mutatis mutandis ao processo no Tribunal de Justiça que tenha por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que proponho que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso da Axa, em meu entender, esta deve ser condenada nas despesas, em conformidade com o requerimento nesse sentido apresentado pela Comissão.

VI.    Conclusão

28.      À luz de todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso e condene a Axa nas despesas.


1      Língua original: italiano.


2      T‑405/11, não publicado, EU:T:2018:780.


3      Decisão n.o C‑45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) (JO 2011, L 135, p. 1). Esta decisão foi objeto de duas retificações, em 3 de março de 2011 e em 26 de novembro de 2011.


4      C‑45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) (JO 2011, L 7, p. 48). Os outros processos, nos quais apresento as minhas Conclusões hoje, são os processos apensos C‑51/19 P, World Duty Free Group/Comissão, e C‑64/19 P, Espanha/Comissão, C‑53/19, Banco Santander e Santusa/Comissão, e C‑65/19 P, Espanha/Comissão, e os processos C‑50/19 P, Sigma Alimentos Exterior/Comissão, C‑52/19 P, Banco Santander/Comissão, e C‑55/19 P, Proseguor Compañía de Seguridad/Comissão.


5      JO 2007, C 311, p. 21.


6      BOE n.o 61, de 11 de março de 2004, p. 10951.


7      O goodwill é definido no considerando 27 da decisão impugnada como «o valor do bom nome comercial, das boas relações com os clientes, das qualificações dos trabalhadores e de outros fatores semelhantes que venham a traduzir‑se, no futuro, em receitas superiores às aparentemente previsíveis», correspondente ao «prémio pago pela aquisição de uma empresa que se situe acima do valor de mercado dos ativos pertencentes a essa empresa», que deve ser contabilizado, com base nos princípios contabilísticos espanhóis, como um ativo incorpóreo distinto, logo que a empresa adquirente assuma o controlo da empresa participada.


8      O considerando 29 da decisão impugnada enuncia que, em conformidade com o sistema fiscal espanhol, o goodwill financeiro corresponde ao goodwill que seria contabilizado se a empresa detentora da participação e a empresa participada procedessem a uma fusão.


9      O artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada excluiu da declaração de incompatibilidade e da ordem de recuperação as deduções fiscais de que os beneficiários tinham usufruído em relação às aquisições fora da União, por força da medida controvertida, «que [estivessem] relacionadas com direitos detidos, direta ou indiretamente, em empresas estrangeiras que cumpriam as condições pertinentes do regime de auxílios em 21 de dezembro de 2007, com exceção da condição de deterem as participações há pelo menos um ano ininterruptamente». Com efeito, a Comissão considerou que até essa data (correspondente à da publicação no Jornal Oficial da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação), os beneficiários da medida impugnada tinham confiança legítima na legalidade dessa medida (v. considerandos 186 a 199 da decisão impugnada). Segundo o considerando 200 da decisão impugnada, um tratamento idêntico foi aplicado aos beneficiários que tenham realizado uma transação noutros países terceiros, que tenham adquirido uma participação maioritária e que possam apresentar elementos suficientes que demonstrem a existência de um obstáculo jurídico expresso, na aceção da presente decisão, na legislação desse país terceiro.


10      T‑399/11, EU:T:2014:938.


11      T‑219/10, EU:T:2014:939.


12      C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981.


13      C‑23/00 P, EU:C:2002:118, n.o 52.


14      A inversão da ordem lógica ou natural de tramitação dos meios de recurso que decorre da aplicação da denominada jurisprudência Boehringer no caso de o juiz da União julgar improcedente um recurso em razão do mérito mesmo quando tenha sido suscitada uma exceção de inadmissibilidade — em particular, se for de ordem pública e se for deduzida mediante requerimento separado pelo qual seja pedida decisão sem dar início à discussão quanto ao mérito — foi objeto de críticas; v., por exemplo, Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Suíça/Comissão (C‑547/10 P, EU:C:2012:565, n.os 46 a 54), do advogado‑geral Y. Bot no processo Philips Lighting Poland e Philips Lighting/Conselho (C‑511/13 P, EU:C:2015:206, n.os 50 a 67), do advogado‑geral P. Mengozzi no processo SNCF Mobilités/Comissão (C‑127/16 P, EU:C:2017:577, n.o 163); e do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Conselho/Boehringer (C‑23/00 P, EU:C:2001:511, n.os 30 a 36). Apesar dessas críticas, a jurisprudência Bohringer continua a ser aplicada, tanto pelo Tribunal Geral (v., mais recentemente, Acórdão de 11 de novembro de 2020, AV e AW/Parlamento, T‑173/19, não publicado, EU:T:2020:535, n.o 42) como pelo Tribunal de Justiça (para uma recente aplicação no quadro de um recurso de decisão do Tribunal Geral, v. Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Club Hotel Loutraki e o./Comissão, C‑131/15 P, EU:C:2016:989, n.o 68).


15      Segundo jurisprudência assente, os beneficiários efetivos de auxílios individuais concedidos ao abrigo de um regime de auxílios de Estado cuja recuperação tenha sido ordenada pela Comissão são, por este motivo, individualmente afetados na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE (v., nomeadamente, Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 53, a seguir «Acórdão Comitato “Venezia vuole vivere”»), mesmo que a recuperação só seja levada a cabo numa fase ulterior em que se deve estabelecer se as vantagens recebidas constituem efetivamente auxílios de Estado a reembolsar (v. Acórdão Comitato «Venezia vuole vivere», n.o 55). Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, a injunção de recuperação diz individualmente respeito a todos os beneficiários do regime em causa, «na medida em que, desde o momento da adoção da decisão [da Comissão], ficam expostos ao risco de os auxílios que receberam virem a ser recuperados, encontrando‑se assim afetados na sua situação jurídica» (v. Acórdão Comitato «Venezia vuole vivere», n.o 56). Por conseguinte, os beneficiários fazem parte de um círculo restrito, na aceção da jurisprudência referida no Acórdão de 17 de janeiro de 1985, Piraiki‑Patraiki e o./Comissão (11/82, EU:C:1985:18, n.o 31).


16      A respetiva declaração foi apresentada em anexo às observações quanto à exceção de inadmissibilidade perante o Tribunal Geral.


17      A Axa também alegou que a anulação da decisão impugnada lhe evitaria ter de apresentar à Comissão os elementos de prova necessários para demonstrar a existência de obstáculos às fusões internacionais na Turquia e no México para invocar a confiança legítima, em conformidade com o considerando 200 dessa decisão, v. nota 9 das presentes conclusões.


18      C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 48.


19      Saliento que do aviso de liquidação apresentado em anexo à réplica no processo perante o Tribunal de Justiça parece resultar que as operações de aquisição realizadas pela Axa em 2008 lhe conferiam, efetivamente, direito à amortização prevista pela medida controvertida.


20      V., em particular, n.os 13 e 55 do Acórdão Andres.