CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 12 de abril de 2016 (1)

Processo C‑121/15

Association nationale des opérateurs détaillants en énergie (ANODE)

contra

Premier ministre,

Ministre de l’Économie, de l’Industrie et du Numérique,

Commission de régulation de l’énergie,

ENGIE, antiga GDF Suez

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (França)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2009/73/CE — Mercado interno do gás natural — Intervenção do Estado no preço de fornecimento do gás natural — Entraves à realização de um mercado do gás natural competitivo — Obrigação de serviço público — Interesse económico geral — Objetivos de segurança do abastecimento e de coesão territorial — Cobertura da totalidade dos custos»





1.        No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado, de novo, a pronunciar‑se sobre a delicada questão dos contornos do poder de intervenção dos Estados‑Membros na fixação dos preços de fornecimento de gás natural. Trata‑se de uma questão delicada uma vez que implica a conciliação de duas exigências que não estão isentas de contradição entre si: por um lado, o objetivo explícito da Diretiva 2009/73 (2) de abrir os mercados nacionais com vista à realização de um mercado interno do gás natural totalmente aberto na União Europeia e, por outro, os requisitos de serviço público no interesse económico geral, relativamente aos quais os Estados‑Membros continuam a dispor de uma ampla margem de manobra.

2.        As questões suscitadas pelo Conseil d’État francês no presente reenvio prejudicial inserem‑se no âmbito de um litígio que respeita à validade da regulamentação francesa relativa às tarifas regulamentadas de venda do gás natural. Essa regulamentação impõe a determinados fornecedores, entre os quais, nomeadamente, o fornecedor histórico, que proponham a determinadas categorias de consumidores finais o fornecimento de gás natural a tarifas regulamentadas. No entanto, podem ser livremente propostas ofertas concorrentes às tarifas regulamentadas por todos os fornecedores, incluindo os vinculados pelas tarifas regulamentadas. Por conseguinte, os consumidores que têm direito ao fornecimento a preços regulamentados podem optar entre dois tipos de ofertas, a saber, as ofertas a tarifas regulamentadas, propostas apenas por determinados fornecedores, e as ofertas a preços de mercado, propostas por todos os operadores do mercado.

3.        As questões colocadas pelo Conseil d’État visam, em substância, saber se uma regulamentação desse género constitui, pela sua própria natureza, um entrave à realização de um mercado do gás natural aberto e competitivo, conforme previsto pela Diretiva 2009/73 e, em caso de resposta afirmativa, se o prosseguimento dos objetivos de segurança do abastecimento e de coesão territorial podem eventualmente justificar uma intervenção desse tipo. O Conseil d’État interroga‑se também quanto ao fundamento dessa intervenção estatal no princípio da cobertura da totalidade dos custos do fornecedor histórico. Para responder a estas questões, o Tribunal de Justiça, na linha da sua jurisprudência anterior e, especialmente, do processo que deu origem ao seu acórdão fundamental Federutility (C‑265/08, EU:C:2010:205), deverá encontrar o justo equilíbrio entre todos os interesses em causa.

I –    Quadro jurídico

A –    Direito da União

4.        A Diretiva 2009/73 faz parte do «terceiro pacote energia» (3). Visa criar na União um mercado plenamente aberto que permita a todos os consumidores a livre escolha de comercializadores e a todos os comercializadores o livre abastecimento dos seus clientes (4). Neste contexto, reconhece, no entanto, o caráter essencial do respeito das obrigações de serviço público (5). Assim, procura estabelecer, a este propósito, normas mínimas comuns, que devem ser respeitadas por todos os Estados‑Membros, tendo em conta os objetivos de proteção do consumidor, de segurança do abastecimento, de proteção do ambiente e de equivalência dos níveis de concorrência em todos os Estados‑Membros. Também reconhece a importância que os requisitos de serviço público, que devem ser definidos a nível nacional, possam ser interpretados numa base nacional, tendo em conta as circunstâncias nacionais, e sujeitos ao cumprimento do direito da União (6).

5.        Em conformidade com esta abordagem, por um lado, o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2009/73 dispõe que «[o]s Estados‑Membros devem assegurar, com base na sua organização institucional e no respeito pelo princípio da subsidiariedade, e sem prejuízo do disposto no n.° 2, que as empresas de gás natural sejam exploradas de acordo com os princípios constantes da presente diretiva, na perspetiva da realização de um mercado de gás natural competitivo, seguro e ambientalmente sustentável, e não devem fazer discriminações entre essas empresas no que respeita a direitos ou obrigações».

6.        Por outro lado, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, desta diretiva, «[t]endo plenamente em conta as disposições aplicáveis do Tratado, nomeadamente do [artigo 106.° TFUE], os Estados‑Membros podem impor às empresas do setor do gás, no interesse económico geral, obrigações de serviço público em matéria de segurança, incluindo a segurança do abastecimento, de regularidade, qualidade e preço dos fornecimentos, assim como de proteção do ambiente, incluindo a eficiência energética, a energia produzida a partir de fontes renováveis e a proteção do clima. Essas obrigações devem ser claramente definidas, transparentes, não discriminatórias, verificáveis e garantir a igualdade de acesso das empresas do setor do gás natural da [União] aos consumidores nacionais. Relativamente à segurança do abastecimento, à eficiência energética/gestão da procura e ao cumprimento dos objetivos ambientais e dos objetivos em matéria de energia produzida a partir de fontes renováveis referidos no presente número, os Estados‑Membros podem instaurar um sistema de planeamento a longo prazo, tendo em conta a possibilidade de terceiros procurarem aceder à rede».

B –    Direito francês

7.        Em França, o code de l’energie (a seguir «Código da Energia») define os objetivos da política energética. Esta tem como objetivo garantir a independência estratégica da nação e favorecer a sua competitividade económica e, designadamente, garantir a segurança do abastecimento, manter um preço da energia competitivo e garantir a coesão social e territorial assegurando o acesso de todos à energia (7). Este mesmo código prevê que as obrigações de serviço público sejam atribuídas aos fornecedores de gás natural e respeitam, designadamente, à segurança do abastecimento e à qualidade e preço dos produtos e serviços fornecidos (8).

8.        O artigo L. 410‑2 do code de commerce (a seguir «Código Comercial») expressa o princípio de que, salvo disposição em contrário da lei, os preços dos bens, produtos e serviços são livremente fixados pelo jogo da concorrência. Todavia, o segundo parágrafo deste artigo permite regulamentar os preços, por decreto do Conseil d’État após consulta da Autorité de la concurrence (Autoridade da Concorrência), «nos setores ou nas zonas onde a concorrência de preços está limitada, seja por situações de monopólio ou de dificuldades de abastecimento prolongadas seja por disposições legais ou regulamentares». O terceiro parágrafo da mesma disposição prevê que «[a]s disposições dos dois primeiros parágrafos não obstam a que o Governo legisle, por decreto aprovado no Conseil d’État, contra os aumentos ou descidas excessivos de preços, adote medidas temporárias motivadas por uma situação de crise, circunstâncias excecionais, uma calamidade pública ou uma situação manifestamente anómala do mercado num setor determinado. O decreto é adotado após consulta do Conseil national de la consommation [Conselho Nacional do Consumo]. O decreto define a respetiva validade, que não pode exceder seis meses».

9.        Em aplicação do segundo parágrafo do artigo L. 410‑2 (9), os artigos L. 445‑1 a L. 445‑4 do Código da Energia preveem tarifas regulamentadas de venda do gás natural. As regras de fixação dessas tarifas são estabelecidas pelo Decreto n.° 2009‑1603, de 18 de dezembro de 2009 (a seguir «Decreto n.° 2009‑1603»), conforme alterado pelo Decreto n.° 2013‑400, de 16 de maio de 2013 (a seguir «Decreto n.° 2013‑400») (10). Este último decreto é o ato cuja invalidade é alegada no processo nacional.

10.      O regime das tarifas regulamentadas de venda do gás natural, conforme resulta da decisão de reenvio, apresenta as seguintes características.

11.      Em primeiro lugar, quanto às empresas abrangidas pelas tarifas regulamentadas de venda do gás natural, estas são em número limitado. Estas tarifas devem ser praticadas exclusivamente pelo fornecedor histórico, a saber, a GDF Suez (atualmente denominada Engie), por 22 empresas locais de distribuição e pela sociedade Total Energie Gaz (11).

12.      Em segundo lugar, quanto ao âmbito de aplicação pessoal dessas tarifas, e mais especificamente aos clientes que delas podem beneficiar, na sequência de uma alteração legislativa ocorrida em 2014 (12), a partir de 1 de janeiro de 2016, só os consumidores domésticos (incluindo as associações de proprietários de apartamentos em imóveis compostos por diversos apartamentos que consumam menos de 30 000 kWh/ano) e os consumidores finais não‑domésticos que consumam menos de 30 000 kWh/ano continuam a poder beneficiar das tarifas regulamentadas de venda de gás natural.

13.      Em terceiro lugar, quanto aos critérios de fixação das tarifas regulamentadas, essa fixação baseia‑se no princípio da cobertura dos custos. Essas tarifas são definidas em função das características intrínsecas dos fornecimentos e dos custos associados aos mesmos e cobrem a totalidade destes custos com exclusão de qualquer subvenção a favor dos clientes que exerceram o seu direito de optar por uma oferta a preços de mercado (13). Estas tarifas são calculadas tomando em conta os custos de aprovisionamento e os custos excluindo o aprovisionamento dos fornecedores de gás em causa (14). Comportam uma parte variável ligada ao consumo efetivo e uma parte fixa calculada a partir dos custos fixos de fornecimento de gás natural que podem também ter em conta a quantidade consumida, contratada ou reservada pelo cliente e as condições de utilização, nomeadamente da repartição das quantidades pedidas ao longo do ano (15).

14.      Em quarto lugar, quanto ao procedimento de fixação das tarifas regulamentadas, resulta do artigo 445‑2 do Código da Energia que as decisões sobre as tarifas regulamentadas de venda do gás natural são tomadas conjuntamente pelos ministros da economia e da energia, mediante parecer da Comission de régulation de l’energie (Comissão de Regulação da Energia) (a seguir «CRE»).

15.      Precisamente, resulta do artigo 4.° do Decreto n.° 2009‑1603, conforme alterado pelo Decreto n.° 2013‑400, que dois despachos ministeriais definem, após parecer da CRE, por um lado, para cada fornecedor, uma fórmula tarifária que traduz a totalidade dos custos de aprovisionamento em gás natural e, por outro, uma metodologia de avaliação dos custos excluindo o aprovisionamento. A fórmula tarifária e os custos excluindo o aprovisionamento permitem determinar o custo médio de fornecimento de gás natural, a partir do qual são fixadas as tarifas regulamentadas deste, em função das modalidades de prestação dos serviços aos clientes em causa. Todos os anos, a CRE efetua uma análise detalhada de todos os custos de aprovisionamento em gás natural e dos custos excluindo o aprovisionamento.

16.      Um despacho dos ministros da economia e da energia adotado após parecer da CRE fixa, para cada fornecedor, em resultado da análise detalhada por esta apresentada, as tabelas das tarifas regulamentadas a partir, se for caso disso, das propostas do fornecedor (16). Essas tabelas são reanalisadas e revistas se necessário, após parecer da CRE e a partir, se for caso disso, das propostas do fornecedor, em função da evolução da fórmula tarifária e dos custos excluindo o aprovisionamento (17).

17.      Por último, o fornecedor em causa altera, segundo uma frequência definida por despacho ministerial e no máximo uma vez por mês, as tabelas das suas tarifas regulamentadas repercutindo nelas as variações dos custos de aprovisionamento em gás natural, conforme resultem da aplicação da sua fórmula tarifária, salvo oposição do Primeiro‑Ministro em caso de aumento excecional dos preços dos produtos petrolíferos ou dos preços do mercado do gás natural, no último mês ou num período cumulado de três meses (18).

II – Factos do processo principal, tramitação do processo nacional e questões prejudiciais

18.      Por petição apresentada em 17 de julho de 2013, a Association nationale des opérateurs détaillants en énergie (ANODE) interpôs um recurso no Conseil d’État no qual pede a anulação do Decreto n.° 2013‑400 com base em abuso de poder. No seu recurso, a ANODE alega, designadamente, que os artigos L. 445‑1 a L. 445‑4 do Código da Energia, aplicados pelo decreto cuja anulação pede, violam os objetivos da Diretiva 2009/73.

19.      No âmbito deste litígio, o Conseil d’État questiona‑se, em primeiro lugar, se se deve considerar que uma intervenção estatal nos preços, como a prevista pela regulamentação francesa, conduz à determinação do nível do preço de fornecimento de gás natural ao consumidor final independentemente do livre jogo do mercado, constituindo assim, pela sua própria natureza, um entrave à realização de um mercado do gás natural competitivo, em violação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2009/73.

20.      Sendo assim, o Conseil d’État interroga‑se, em segundo lugar, quanto aos critérios à luz dos quais a compatibilidade dessa regulamentação deve ser apreciada e, em particular, se o artigo 106.°, n.° 2, TFUE, conjugado com o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2009/73, permite aos Estados‑Membros prosseguirem, através da implementação de preços regulamentados, fins como a segurança do abastecimento e a coesão territorial. O Conseil d’État também se interroga quanto à possibilidade de uma intervenção estatal na fixação do preço fundada no princípio da cobertura da totalidade dos custos do fornecedor histórico e nas componentes desses custos que podem eventualmente ser consideradas na fixação das tarifas regulamentadas.

21.      Nestas circunstâncias, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve considerar‑se que a intervenção de um Estado‑Membro que consiste em impor a um operador histórico que proponha ao consumidor final o fornecimento de gás natural a tarifas regulamentadas, mas que não obsta a que sejam propostas ofertas concorrentes a preços inferiores a essas tarifas, tanto pelo fornecedor histórico como pelos fornecedores alternativos, conduz à determinação do nível do preços de comercialização do gás natural ao consumidor final independentemente do livre jogo do mercado e constitui, pela sua própria natureza, um restrição à realização de um mercado de gás natural competitivo na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva [2009/73]?

2)      Na hipótese de uma resposta afirmativa à primeira questão, à luz de que critérios deve ser apreciada a compatibilidade de tal intervenção estatal no preço de fornecimento do gás natural ao consumidor final com a Diretiva [2009/73]?

Mais especificamente:

a)      Em que medida e em que condições o artigo 106.°, n.° 2, [TFUE], conjugado com o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva [2009/73], permite aos Estados‑Membros, ao intervirem no preço do fornecimento do gás natural ao consumidor final, prosseguirem outros objetivos, como a segurança do abastecimento e a coesão territorial, diferentes da manutenção do preço do fornecimento a um nível razoável?

b)      O artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva [2009/73] permite, tendo em conta nomeadamente os objetivos de segurança do abastecimento e da coesão territorial, uma intervenção de um Estado‑Membro na fixação do preço de fornecimento do gás natural fundada no princípio da cobertura da totalidade dos custos do fornecedor histórico e os custos destinados a ser cobertos pelas tarifas podem incluir outras componentes para além da parte representativa do abastecimento de longa duração?»

III – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

22.      A decisão de reenvio deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de dezembro de 2014. A ANODE, a Engie, os Governos francês, húngaro e polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações.

IV – Análise jurídica

23.      As duas questões prejudiciais suscitam, em substância, a questão da compatibilidade com a Diretiva 2009/73 e com o artigo 106.°, n.° 2, TFUE de um regime que estabelece tarifas regulamentadas para a venda de gás natural, como o que existe em França, e descrito nos n.os 7 a 17 das presentes conclusões.

24.      Na sua jurisprudência, e em particular no acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205), o Tribunal de Justiça já traçou o quadro da análise para apreciar a compatibilidade com o direito da União de uma intervenção estatal nos preços, especificamente no setor do gás natural. Nesse acórdão e na jurisprudência subsequente (19), o Tribunal de Justiça forneceu diversas indicações relativamente aos critérios em que se deve basear essa apreciação. Por conseguinte, é na linha dessa jurisprudência que se devem analisar as questões suscitadas pelo Conseil d’État.

A –    Quanto ao entrave à realização de um mercado do gás natural competitivo

25.      Antes de mais, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto a saber se uma intervenção estatal nos preços do gás natural, como a prevista pela regulamentação francesa em causa, constitui, pela sua própria natureza, um entrave à realização de um mercado do gás natural competitivo prevista no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2009/73.

26.      O órgão jurisdicional de reenvio destaca, em particular, que a regulamentação francesa se caracteriza, em primeiro lugar, pelo facto de os preços regulamentados não serem impostos a todos os fornecedores de gás, mas apenas a alguns, nomeadamente, ao fornecedor dito histórico, em segundo lugar, pelo facto de essa regulamentação não impedir nem os fornecedores vinculados pelas tarifas regulamentadas nem os outros fornecedores de proporem a todos os consumidores ofertas a preços inferiores às tarifas regulamentadas e, em terceiro lugar, pelo facto de essa regulamentação se basear no princípio da cobertura dos custos. Segundo as declarações do órgão jurisdicional de reenvio, esta ultima característica tinha permitido obstar a que o operador histórico praticasse preços excessivamente baixos.

27.      A este propósito, há que salientar que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora não resulte de nenhuma disposição da Diretiva 2009/73 (20) que o preço de fornecimento de gás natural deve ser fixado apenas pelo jogo da oferta e da procura, essa exigência decorre da própria finalidade e da economia geral desta diretiva que, conforme resulta de diversos dos seus considerandos (21) e de várias das suas disposições (22), tem como objetivo prosseguir a realização de um mercado interno do gás natural total e efetivamente aberto e competitivo no qual todos os consumidores possam escolher livremente os seus comercializadores e todos os comercializadores possam abastecer livremente os seus clientes (23).

28.      Além disso, há que salientar que, no acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205), o Tribunal de Justiça qualificou uma medida de intervenção pública nos preços de venda de gás natural de medida que, «por natureza, constitui um obstáculo à realização de um mercado interno de gás operacional» (24).

29.      Neste caso, a regulamentação francesa em causa prevê uma intervenção estatal que consiste, em substância, em impor a determinadas empresas que ofereçam no mercado, a determinadas categorias de clientes, a venda de gás natural a preços que são o resultado de um cálculo efetuado segundo critérios e utilizando tabelas estabelecidas pelas autoridades públicas.

30.      Como a Comissão salientou com razão, as tarifas estabelecidas em aplicação dessa regulamentação constituem preços regulados que não são de maneira nenhuma o resultado de uma livre fixação decorrente do jogo da oferta e da procura no mercado. Bem pelo contrário, essas tarifas resultam de uma fixação efetuada com base em critérios impostos pelas autoridades públicas e que, por conseguinte, se situa fora da dinâmica das forças do mercado.

31.      Ora, uma medida que impõe a oferta de um produto ou serviço no mercado a um preço determinado influencia necessariamente a liberdade de as empresas vinculadas agirem no mercado em causa e, assim, no processo concorrencial que se desenrola nesse mercado. Embora o grau de impacto de tal medida sobre o mercado dependa do seu alcance, subjetivo ou objetivo, isso não retira nada à constatação de que essa medida, ao afetar o referido processo concorrencial, é, por natureza, contrária ao objetivo de realização de um mercado aberto e competitivo, sendo tal constatação evidentemente independente da circunstância de a medida poder eventualmente encontrar uma justificação no quadro legal em vigor.

32.      No caso em apreço, é verdade, conforme salientam tanto o órgão jurisdicional de reenvio como a República Francesa, que diversos elementos diferenciam a regulamentação francesa em causa no presente processo da italiana, que estava na origem do processo que culminou no acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205) e que previa a definição de um preço de referência que todos os fornecedores de gás natural deviam incorporar nas suas ofertas comerciais.

33.      Todavia, nenhuma das características da regulamentação em causa no presente processo, realçadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e referidas no n.° 26 das presentes conclusões, permite refutar a constatação de que uma fixação de tarifas resultante de uma imposição das autoridades públicas afeta necessariamente o jogo concorrencial e que, portanto, uma regulamentação como a que está em causa no litígio do processo principal é incompatível com o objetivo de realização de um mercado de gás natural aberto e competitivo previsto no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2009/73.

34.      Com efeito, em primeiro lugar, a circunstância de o regime francês sobre as tarifas regulamentadas impor exclusivamente a determinados operadores do mercado a obrigação de oferecer o gás natural no mercado a um preço determinado não retira nada à constatação de que, na medida em que limita a liberdade de ação dessas empresas no mercado, afeta o processo concorrencial que aí se desenrola. Tal regulamentação dá origem a uma rutura na igualdade dos operadores de mercado e é manifestamente contrária à exigência, referida no considerando 3 da Diretiva 2009/73 e na jurisprudência mencionada no n.° 27 das presentes conclusões, de que todos os operadores possam abastecer livremente os seus clientes.

35.      Em segundo lugar, na mesma perspetiva, o facto de as empresas vinculadas pelas tarifas regulamentadas também poderem determinar livremente as suas ofertas no mercado não é de forma alguma suscetível de pôr em causa a constatação de que a intervenção estatal em questão afeta o jogo da concorrência no mercado. Com efeito, não obstante essa possibilidade, na sequência da intervenção estatal, há necessariamente dois segmentos no mercado, a saber, um segmento «regulado» ‐ o qual, aliás, no setor do gás natural em França tem uma dimensão muito importante, (25) ‐ no qual os preços do produto ou do serviço são fixados fora do jogo da concorrência e um segmento livre. Tal partilha do mercado é, por si só, incompatível com a ideia de um mercado interno do gás natural total e efetivamente aberto e competitivo. A este respeito, a afirmação do Governo francês, transcrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual as tarifas regulamentadas jogam, na prática, o papel de um preço máximo de referência para a fixação dos preços das ofertas propostas pelos outros fornecedores, prova que essas tarifas tem um impacto concreto sobre o mercado.

36.      Em terceiro lugar, o facto de a fixação das tarifas regulamentadas se basear no princípio da cobertura dos custos também não é suscetível de alterar a constatação de que as tarifas regulamentadas afetam a concorrência. Com efeito, esta característica, longe de ter um efeito pró‑concorrencial, parece‑me ter antes o efeito de dar aos fornecedores abrangidos uma espécie de garantia que, através das tarifas regulamentadas, poderão recuperar integralmente os seus custos, pelo menos em relação à parte dos seus clientes que utilizará essas tarifas. Ora, há que admitir que os outros fornecedores não têm uma garantia análoga, o que constitui indubitavelmente uma desvantagem competitiva que é gerada pela existência dessa regulamentação.

37.      Por último, quanto à consideração do órgão jurisdicional de reenvio de que as tarifas regulamentadas obstavam a que o operador dominante praticasse preços excessivamente baixos, não me parece pertinente para a apreciação do impacto concorrencial dessas tarifas, uma vez que tal prática já é proibida pela regulamentação em matéria de abuso de posição dominante e especificamente pelo artigo 102.° TFUE.

38.      Em conclusão, considero que a intervenção de um Estado‑Membro que consiste em impor a determinados fornecedores, entre os quais o fornecedor histórico, que proponham ao consumidor final o fornecimento de gás natural a tarifas regulamentadas, mas que não obsta a que sejam propostas ofertas concorrentes a preços inferiores a essas tarifas por todos os fornecedores no mercado constitui, pela sua própria natureza, um entrave à realização de um mercado do gás natural competitivo referido no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2009/73.

B –    Quanto às condições de intervenção dos Estados‑Membros

39.      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora uma intervenção estatal na fixação do preço de fornecimento de gás natural ao consumidor final constitua um entrave à realização de um mercado do gás natural competitivo, essa intervenção pode, no entanto, ser admitida no âmbito da Diretiva 2009/73, sem prejuízo do preenchimento das condições nela enunciadas (26).

40.      Com efeito, conforme esclarecem os seus considerandos 43 e 44, além do objetivo de criação de um mercado interno de gás natural aberto e competitivo, a Diretiva 2009/73 tem também como objetivo garantir a manutenção de «elevados padrões» de serviço público, proteger o consumidor final e garantir a segurança do abastecimento. É para responder a estes últimos objetivos que o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2009/73 precisa que se aplica «sem prejuízo» do disposto no n.° 2 do mesmo artigo.

41.      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, à luz desta última disposição (27) e do artigo 106.° TFUE aí referido (28), só é admissível uma intervenção de um Estado‑Membro na fixação do preços de fornecimento de gás natural se forem respeitadas três condições. Em primeiro lugar, a intervenção deve prosseguir um objetivo de interesse económico geral, em segundo lugar, deve respeitar o princípio da proporcionalidade e, em terceiro lugar, deve prever obrigações de serviço público claramente definidas, transparentes, não discriminatórias, verificáveis e deve garantir a igualdade de acesso das empresas do setor do gás natural da União aos consumidores. É sobre o alcance destas condições e sua aplicação no caso em apreço que o órgão jurisdicional de reenvio levanta dúvidas no âmbito da sua segunda questão prejudicial.

1.      Quanto ao interesse económico geral

42.      Em relação à primeira condição, a saber, que a intervenção estatal na fixação do preço de fornecimento de gás natural seja justificada pela prossecução do interesse económico geral, o órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito da sua segunda questão prejudicial, alínea a), interroga‑se em que medida e em que condições um Estado‑Membro pode prosseguir objetivos de interesse económico geral diferentes da manutenção do preço de fornecimento a um nível razoável, reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205). O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se especificamente aos objetivos da segurança do abastecimento e da coesão territorial, mencionados no artigo L. 100‑1 do Código da Energia, invocados pelo Governo francês no âmbito do processo principal enquanto objetivos prosseguidos pelo regime relativo às tarifas regulamentadas.

43.      A este respeito, saliento, a título preliminar, que, embora a Diretiva 2009/73 não forneça uma definição do conceito de «interesse económico geral» (29), resulta da jurisprudência que a referência, no artigo 3.°, n.° 2, dessa diretiva, quer a este conceito quer ao artigo 106.° TFUE, que diz respeito às empresas encarregadas da gestão de um serviço de interesse económico geral, implica interpretar o referido conceito à luz desta última disposição do Tratado (30).

44.      Mais genericamente, creio que, segundo uma abordagem sistemática e coerente em direito da União, a condição prevista pela Diretiva 2009/73 de que as obrigações de serviço público no setor do gás sejam impostas «no interesse económico geral» deveria ser interpretada à luz de outras disposições pertinentes do direito da União e, em particular, do direito primário. Nesta perspetiva, é inevitável enquadrar tal interpretação no novo contexto resultante da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que inclui, além do artigo 106.° TFUE, o artigo 14.° TFUE, o novo protocolo n.° 26 relativo aos serviços de interesse geral (a seguir «Protocolo n.° 26») e o artigo 36.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia relativo ao acesso aos serviços de interesse económico geral, que adquiriu o mesmo valor jurídico que os Tratados.

45.      Neste novo contexto, a análise das disposições pertinentes e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, leva‑me a efetuar as considerações que se seguem.

46.      Uma primeira consideração respeita ao papel que deve ser reconhecido aos Estados‑Membros na definição dos objetivos de interesse económico geral que podem justificar a imposição de obrigações de serviço público. A este propósito, saliento que o Protocolo n.° 26 reconhece genericamente, de forma explícita, o papel essencial e o amplo poder discricionário das autoridades dos Estados‑Membros na prestação, execução e organização de serviços de interesse económico geral (31). No que respeita especificamente ao setor do gás natural, resulta do segundo período do considerando 47 da Diretiva 2009/73 que «[o]s requisitos de serviço público deverão ser definidos a nível nacional, tendo em conta as circunstâncias nacionais; os Estados‑Membros deverão, contudo, respeitar o direito [da União]» (32).

47.      Esta abordagem, que tem por objetivo atribuir uma ampla margem de manobra aos Estados‑Membros (33), reflete‑se na jurisprudência relativa às obrigações de serviço público no setor da energia em que o Tribunal de Justiça, ao referir‑se à finalidade própria do artigo 106.° TFUE e à jurisprudência que se lhe refere (34), declarou que os Estados‑Membros podem, no respeito do direito da União, definir a extensão e a organização dos seus serviços de interesse económico geral (35).

48.      Uma segunda consideração, de certa maneira ligada à primeira, diz respeito à possibilidade de os Estados‑Membros, na definição dos objetivos de interesse económico geral, tomarem em consideração as suas situações e as suas políticas nacionais. Assim, em geral, o Protocolo n.° 26 reconhece expressamente o dever de ter em conta a diversidade dos serviços de interesse económico geral e as diferenças nas necessidades e preferências dos utilizadores que possam resultar das diversas situações geográficas, sociais ou culturais (36). Este mesmo dever encontra‑se expresso, no que respeita ao setor do gás natural, tanto no considerando 44 da Diretiva 2009/73 (37) como na jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual, quando definem a extensão e a organização dos seus serviços de interesse económico geral, os Estados‑Membros podem ter em consideração objetivos próprios da sua política nacional (38).

49.      Resulta destas considerações que, em princípio, cabe aos Estados‑Membros, tendo em conta as suas situações e políticas nacionais, definir os objetivos de interesse económico geral que pretendem prosseguir pela imposição de obrigações de serviço público no setor do gás. Todavia, esta possibilidade de definição dos objetivos de interesse económico geral não é a expressão de uma liberdade absoluta dos Estados‑Membros (39), antes deve realizar‑se no respeito do direito da União.

50.      Consequentemente, coloca‑se a questão de perceber em concreto como se deve conciliar a margem de manobra reconhecida aos Estados‑Membros relativamente aos objetivos de interesse económico geral que pretendem prosseguir impondo obrigações de serviço público com a exigência do respeito do direito da União.

51.      Antes de mais, a este propósito, há que analisar a questão, que foi objeto de algum debate, relativa à interpretação da enumeração incluída no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2009/73, referida no n.° 6 das presentes conclusões. Com efeito, foi defendido que esta disposição contém uma enumeração exaustiva das causas de interesse económico geral suscetíveis de legitimar a intervenção do Estado (40). O Tribunal de Justiça ainda não tomou posição sobre essa questão, que é importante uma vez que, se tal interpretação restritiva fosse seguida, isso teria como consequência o facto de não poder ser justificada uma intervenção do Estado para prosseguir um objetivo de interesse económico geral, como a coesão territorial, que não está mencionado nessa lista.

52.      Todavia, a este respeito, partilho totalmente da abordagem sugerida pelo advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer segundo a qual essa lista não diz respeito a causas de interesse geral, mas especifica antes os «tipos de ações» que podem ser objeto de obrigações de serviço público (41). Tal interpretação é, na minha opinião, conforme com o conteúdo literal da disposição em causa, que afirma que (os Estados‑Membros podem impor) obrigações de serviço público «em matéria de» segurança, de regularidade, qualidade e preço dos fornecimentos e de outros elementos aí enumerados. Assim, nos termos dessa disposição, os Estados‑Membros podem impor às empresas, obrigações de serviço público em matéria de — isto é que tenham por objeto — inter alia, a segurança, a regularidade, a qualidade e o preço dos fornecimentos. No entanto, essas obrigações deverão ter sempre por objetivo a realização de um ou de vários objetivos de interesse económico geral (42). Decorre destas considerações que a enumeração contida no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2009/73 não constitui de forma alguma uma lista exaustiva dos objetivos de interesse económico geral que os Estados‑Membros podem prosseguir no âmbito desta diretiva.

53.      Esclarecida esta questão, embora os Estados‑Membros mantenham a liberdade de definir os objetivos de interesse económico geral que pretendem prosseguir com a imposição de obrigações de serviço público, não é todavia possível negligenciar o facto de o setor do gás natural ser um domínio em que o legislador da União legislou prosseguindo expressamente determinados objetivos específicos.

54.      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, no âmbito da apreciação que os Estados‑Membros devem fazer nos termos da Diretiva 2009/73 se, no interesse económico geral, deverá impor‑se às empresas que operam no setor do gás obrigações de serviço público, cabe aos Estados‑Membros proceder a uma conciliação entre o objetivo de liberalização e os outros objetivos prosseguidos pela Diretiva 2009/73 (43).

55.      Esta exigência de ponderação, que o Tribunal de Justiça exprimiu em relação aos objetivos que o legislador da União expressamente previu na Diretiva 2009/73, é, na minha opinião, a expressão da importância específica desses objetivos. Com efeito, trata‑se de objetivos que o legislador da União explicitamente considerou ser necessário prosseguir. Daqui decorre que a prossecução desses objetivos pode desempenhar um papel mais importante na análise da proporcionalidade de uma medida que impõe uma obrigação de serviço público que pode prejudicar o objetivo mais geral, também prosseguido pela Diretiva 2009/73, que visa a abertura dos mercados com vista à criação do mercado interno do gás natural.

56.      No caso em apreço, resulta das considerações que precedem que a segurança do abastecimento energético constitui sem dúvida um objetivo de interesse económico geral que pode, no respeito das outras condições, justificar uma intervenção estatal que incida sobre o preço de fornecimento de gás natural. Com efeito, já ao nível do direito primário, o artigo 194.°, n.° 1, alínea b), TFUE identifica a segurança do abastecimento energético da União como um dos objetivos fundamentais da política da União no domínio da energia. Em seguida, em relação especificamente ao domínio do gás natural, resulta de diversos considerandos e artigos da Diretiva 2009/73 que esta prevê expressamente a segurança do abastecimento energético como uma das suas finalidades fundamentais (44). Mais especificamente, a Diretiva 2009/73 considera antes explicitamente a segurança do abastecimento como um dos objetivos que deve ser tido em conta na eventual imposição de obrigações de serviço público no setor do gás natural (45).

57.      Em contrapartida, a coesão territorial não é mencionada especificamente pela Diretiva 2009/73 enquanto objetivo de interesse económico geral que poderia justificar a imposição de obrigações de serviço público no domínio do gás natural. Todavia, a este propósito, há que salientar, por um lado, que o artigo 14.° TFUE reconhece explicitamente o papel desempenhado pelos serviços de interesse económico geral na promoção da coesão territorial da União e, por outro, que o artigo 36.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia menciona explicitamente a coesão territorial no âmbito do direito de acesso aos serviços de interesse económico geral. Acresce que, na medida em que uma intervenção estatal tenha como finalidade a coesão territorial no sentido de que visa permitir um acesso universal e igual ao gás natural em todo o território de um Estado‑Membro, com o objetivo de evitar uma situação em que determinadas regiões de um país, por exemplo em consequência da sua situação geográfica ou das suas condições naturais, ficassem privadas desse acesso, a prossecução de tal objetivo deve, sem dúvida nenhuma, ser considerada conforme com a Diretiva 2009/73, designadamente, com o seu artigo 3.°, n.° 3, que dispõe que, «[os Estados‑Membros] devem aprovar medidas adequadas para proteger os clientes de zonas afastadas ligados à rede de gás». Nestas condições, há que considerar que, interpretado desta maneira, o objetivo da coesão territorial faz parte integrante dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2009/73.

58.      Em conclusão, resulta das considerações que precedem que a Diretiva 2009/73, designadamente, o seu artigo 3.°, n.° 2, interpretado à luz dos artigos 14.° e 106.° TFUE e do Protocolo n.° 26, permite aos Estados‑Membros apreciar se, no interesse económico geral, devem ser impostas às empresas intervenientes no setor do gás obrigações de serviço público que tenham por objeto o preço de fornecimento de gás natural, a fim de, nomeadamente, garantir a segurança do abastecimento e a coesão territorial, desde que estejam preenchidas todas as outras condições previstas na diretiva.

2.      Quanto ao respeito do princípio da proporcionalidade

59.      A segunda condição que deve estar preenchida para que possa ser admitida uma intervenção de um Estado‑Membro na fixação do preço de fornecimento de gás natural é que as obrigações de serviço público impostas às empresas sejam conformes com o princípio da proporcionalidade. Ao evidenciar a exigência de um estrito controlo do respeito deste princípio, o Tribunal de Justiça precisou que tais obrigações de serviço público apenas podem afetar a livre fixação do preço do fornecimento de gás natural na medida em que tal se revele necessário à realização do objetivo de interesse económico geral que prosseguem (46).

60.      O respeito do princípio da proporcionalidade exige, em primeiro lugar, a aptidão da medida para realizar o objetivo de interesse económico geral que prossegue (47). Em segundo lugar, no que respeita à duração da intervenção estatal sobre os preços, o Tribunal de Justiça declarou que deve ser limitada ao estritamente necessário para atingir o objetivo que prossegue, nomeadamente, a fim de não eternizar uma medida que, por natureza, constitui um obstáculo à realização de um mercado interno de gás operacional (48). Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça referiu que o método de intervenção aplicado não deve ultrapassar o necessário para atingir o objetivo de interesse económico geral prosseguido (49). Em quarto lugar, a proporcionalidade da medida deve igualmente ser avaliada tendo em conta o seu âmbito de aplicação pessoal (50).

61.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, no âmbito do litígio do processo principal, se a imposição a determinados fornecedores da obrigação de propor a determinadas categorias de clientes o fornecimento de gás natural a tarifas regulamentadas preenche as exigências de proporcionalidade. Contudo, o Tribunal de Justiça pode dar‑lhe, na medida do possível e com base nas informações disponíveis, as indicações necessárias para esse efeito, à luz do direito da União (51).

a)      Quanto à aptidão da medida para realizar os objetivos de interesse económico geral prosseguidos

62.      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio será chamado a apreciar se, tal como está configurada, a medida em causa é adequada para realizar os objetivos invocados, a saber, o da segurança do abastecimento e o da coesão territorial. A aptidão da medida pressupõe a existência de uma relação direta entre a obrigação imposta e o objetivo invocado. A este propósito, importa fazer uma distinção entre estes dois objetivos.

63.      No que respeita à segurança do abastecimento, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se ao argumento apresentado pelo Governo francês segundo o qual as opções de abastecimento do fornecedor histórico e a constituição da sua carteira de abastecimento, principalmente por contratos de longa duração indexados ao preço do petróleo, garantem uma maior segurança de abastecimento. Além disso, nas suas observações, o Governo francês acrescenta que a instabilidade do mercado grossista do gás natural pode gerar uma volatilidade do preço do gás que se repercutiria no preço de fornecimento de gás aos clientes finais. As tarifas regulamentadas e as suas regras de cálculo comportam um mecanismo de arredondamento dos preços do gás que tem como efeito amortecer o impacto para o consumidor final de evoluções bruscas devidas à volatilidade dos preços do petróleo e do gás.

64.      A este respeito devo salientar, em primeiro lugar, que não há indicação nos autos quanto à existência de uma obrigação de os fornecedores vinculados pelas tarifas regulamentadas (nem dos outros fornecedores) celebrarem contratos de abastecimento de longa duração com a finalidade de garantir a segurança do abastecimento a preços razoáveis (a saber, as tarifas regulamentadas) em caso de crise energética ou de volatilidade significativa dos preços. (52). Aliás, a decisão de reenvio refere‑se às «opções» de abastecimento do fornecedor histórico, o que parece indicar que a celebração de contratos de longa duração depende da decisão comercial do referido fornecedor e não de uma obrigação jurídica que impenda sobre ele. Ora, na falta de um nexo entre a celebração de contratos de abastecimento de longa duração e as tarifas regulamentadas, não é claro, com base nas informações que constam dos autos, como é que a imposição dessas tarifas poderia encontrar uma justificação na existência desses contratos.

65.      Em segundo lugar, embora não esteja excluído que, em caso de crise energética que provoque um aumento muito significativo dos preços, uma medida que comporte a obrigação de oferecer e de fornecer o gás natural a um preço determinado poderia eventualmente ser considerada adequada para garantir a segurança do abastecimento, há que concluir que tal possibilidade de intervenção, que tem um caráter excecional, está prevista, em termos estritos, no artigo L. 410‑2, terceiro parágrafo, do Código Comercial. Compete ao juiz de reenvio apreciar se há bruscas evoluções do preço do gás natural devidas à volatilidade dos preços do próprio gás ou do petróleo que justifiquem que seja tomada uma medida que constitui, em substância, uma intervenção estatal de caráter permanente sobre o preço. Na apreciação da proporcionalidade da medida em causa à luz do objetivo da segurança do abastecimento, o órgão jurisdicional de reenvio deverá ter também em conta as medidas tomadas no âmbito do Regulamento n.° 994/2010 (53).

66.      No que respeita à coesão territorial, a decisão de reenvio expõe o argumento do Governo francês segundo o qual as tarifas regulamentadas de venda do gás permitem uma harmonização dos preços em todo o território nacional. Nas suas observações, a República Francesa alega que o custo da utilização da rede de transporte faturado aos fornecedores de gás pelo transportador pode variar significativamente em função do afastamento do cliente das principais infraestruturas de transporte e que, nessas condições, a regulamentação das tarifas permite atenuar as diferenças dos custos por cliente ao introduzir uma perequação parcial.

67.      Ora, não parece excluído que o objetivo da coesão territorial, conforme definido no n.° 57 das presentes conclusões, possa ser garantido pela imposição de uma obrigação de fornecer o gás a um preço determinado. Todavia, competirá ao órgão jurisdicional de reenvio avaliar, no âmbito da análise do caráter necessário da medida, se não há medidas igualmente adequadas para garantir esse objetivo, mas que entravem menos a realização de um mercado interno aberto do gás natural do que uma imposição generalizada do preço aplicável não a determinadas categorias de clientes que se encontram em zonas afastadas e identificadas segundo critérios geográficos objetivos, mas a um conjunto de determinadas categorias de clientes com base no seu consumo de gás.

b)      Quanto à duração da medida

68.      Em segundo lugar, quanto à duração da medida, importa salientar que, com base nas informações de que o Tribunal de Justiça dispõe, afigura‑se que a regulamentação francesa em causa não prevê nenhuma limitação da duração da obrigação de propor ao cliente final o fornecimento de gás natural a tarifas regulamentadas, o que confere a esta obrigação um caráter permanente. Ora, é verdade, como sublinha o Governo francês nas suas observações, que a regulamentação francesa prevê uma obrigação de reexame periódico das tarifas regulamentadas (54). Todavia, afigura‑se que esta obrigação de revisão periódica diz respeito à fixação do nível dessas tarifas e não à necessidade e às modalidades da intervenção estatal nos preços em função da evolução do setor do gás. Consequentemente, não me parece que possa refutar a constatação do caráter permanente desta intervenção (55).

69.      Competirá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, tal como está configurada, a imposição de uma obrigação, que tem, em substância, um caráter permanente, de comercializar o gás natural a um preço determinado pode ser considerada limitada ao estritamente necessário para alcançar os dois objetivos invocados.

c)      Quanto ao caráter necessário da medida

70.      Em terceiro lugar, competirá também ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar o caráter necessário da regulamentação em causa. Consequentemente, incumbir‑lhe‑á avaliar se o método de intervenção estatal nos preços implementado pela regulamentação em causa, tal como configurada, não vai além do necessário para atingir os objetivos de interesse geral prosseguidos e se não há medidas apropriadas menos restritivas.

71.      A este respeito, no acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205), o Tribunal de Justiça referiu que se se constatar que uma intervenção estatal nos preços de fornecimento de gás natural pode ser justificada, a exigência de proporcionalidade implica, nomeadamente, que a intervenção em causa se limite, em princípio, à componente do preço que aumenta diretamente por influência das circunstâncias específicas cuja incidência a intervenção estatal procura limitar (56).

72.      Neste contexto, no âmbito da sua segunda questão prejudicial, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se, tendo em conta, nomeadamente, dois dos objetivos invocados, uma intervenção estatal no preço do gás natural se pode basear no princípio da cobertura da totalidade dos custos do fornecedor histórico. Além disso, interroga‑se, em substância, sobre quais as componentes dos custos que podem ser cobertos pelas tarifas regulamentadas.

73.      Antes de mais, no que respeita à admissibilidade na aceção da Diretiva 2009/73 de uma fixação das tarifas regulamentadas baseada no princípio da cobertura dos custos, há que salientar que esta diretiva não dá nenhuma indicação quanto às regras de cálculo de tais tarifas nem quanto aos custos que podem ser eventualmente cobertos. Com efeito, conforme a Comissão salienta com razão, esta diretiva baseia‑se na ideia de que, em princípio, o preço de fornecimento de gás natural deve resultar do livre jogo da concorrência. Nessas circunstâncias, desde que estejam preenchidas todas as condições para uma intervenção estatal no preço, nada se opõe, em princípio, à aplicação de um método de fixação das tarifas regulamentadas baseado numa tomada em consideração dos custos. Todavia, a questão que se coloca é saber quais os custos, à luz do princípio da proporcionalidade, que podem ser tomados em consideração nessa fixação.

74.      A este propósito, no que respeita à referência à «totalidade» dos custos, saliento, antes de mais, que a exigência expressa pelo Tribunal de Justiça, nos n.os 36 e 38 do acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205), segundo a qual a intervenção estatal no preço deve ser limitada ao necessário para alcançar o objetivo prosseguido, parece implicar a necessidade de identificar, na medida do possível, a componente do preço na qual é necessário intervir para alcançar o objetivo prosseguido pela intervenção prevista.

75.      Assim, no caso em apreço, se for considerado que é realmente necessário prever tarifas regulamentadas para garantir o objetivo da segurança do abastecimento e o da coesão territorial, conforme definido no n.° 57 das presentes conclusões, então o respeito do princípio da proporcionalidade exigiria que a intervenção fosse, em princípio, limitada às componentes do preço suscetíveis de serem influenciadas em alta pela prossecução desses objetivos.

76.      Ora, conforme realçado nos n.os 42 a 58 das presentes conclusões, os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação na definição, na execução e na organização das obrigações de serviço público que pretendem impor às empresas de gás natural no interesse económico geral, de forma que deve ser‑lhes reconhecida uma autonomia organizacional à luz da definição em concreto das modalidades operacionais dessas obrigações. Embora essa autonomia deva permitir‑lhes organizar essas obrigações de serviço público de modo a garantir o seu funcionamento, parece‑me, todavia, que um método de determinação das tarifas regulamentadas baseado na cobertura da totalidade dos custos implica necessariamente tomar em consideração custos — que constituem, em aplicação de tal método, componentes da tarifa (57) ‐ que não são suscetíveis de ser influenciados em alta pela prossecução do objetivo de interesse económico geral invocado. Nestas condições, duvido da compatibilidade de um método de fixação das tarifas regulamentadas baseado na cobertura da totalidade dos custos com a exigência acima referida, expressa pelo Tribunal de Justiça no acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205), segundo a qual a intervenção estatal não deve ultrapassar o necessário para atingir o objetivo de interesse económico geral que prossegue.

77.      Em seguida, no que respeita à referência à cobertura dos custos, «do fornecedor histórico», importa recordar que o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2009/73 exige que as obrigações de serviço público sejam não discriminatórias. Todavia, sobre este aspeto, remeto para os n.os 81 a 83 das presentes conclusões.

d)      Quanto ao âmbito de aplicação pessoal

78.      Em quarto lugar, a exigência de proporcionalidade deve igualmente ser apreciada tendo em conta o âmbito de aplicação pessoal da medida e, mais precisamente, dos seus beneficiários. No acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205), o Tribunal de Justiça considerou este aspeto da proporcionalidade da medida em causa tendo em conta o objetivo invocado, a saber, a manutenção do preço de fornecimento de gás natural a um nível razoável a fim de proteger o consumidor final. O Tribunal de Justiça declarou que a exigência de proporcionalidade não seria, em princípio, respeitada se a regulamentação beneficiasse de maneira idêntica os particulares e as empresas, enquanto consumidores finais de gás (58).

79.      No caso em apreço, a regulamentação em causa prevê que, a partir de 1 de janeiro de 2016, os beneficiários do fornecimento a preços regulados são os consumidores domésticos e as empresas com um consumo inferior a 30 000 kWh/ano. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se este sistema, que parece beneficiar de forma idêntica os clientes domésticos e as pequenas e médias empresas, respeita a exigência de proporcionalidade no que se refere ao âmbito de aplicação pessoal da medida, tendo em conta os objetivos da segurança do abastecimento e da coesão territorial.

3.      O caráter claramente definido, transparente, não discriminatório e verificável das obrigações de serviço público e a necessidade de igual acesso das empresas do setor do gás da União aos consumidores

80.      Por último, a medida em causa deve preencher as outras condições mencionadas no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2009/73, relativas ao caráter claramente definido, transparente, não discriminatório e verificável das obrigações de serviço público, bem como a necessidade de igual acesso das empresas do setor do gás da União aos consumidores. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se tal é a situação no caso em apreço.

81.      Especificamente, quanto ao caráter não discriminatório, impõem‑se as considerações seguintes.

82.      Antes de mais, saliento que o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2009/73 prevê a possibilidade de impor obrigações de serviço público «às empresas do setor do gás» em geral e não exatamente a determinadas empresas. Além disso, resulta do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva que os Estados‑Membros «não devem fazer discriminações entre [as empresas do gás natural] no que respeita a direitos ou obrigações». O objetivo da condição relativa à inexistência de caráter discriminatório é que as obrigações em questão vinculem, por igual, todos os operadores do setor, para não afetar a concorrência (59). Nestas condições, o mecanismo de designação das empresas vinculadas por obrigações de serviço público não deveria excluir a priori nenhuma das empresas que operam no setor do gás (60).

83.      No caso em apreço, há que constatar que o regime das tarifas regulamentadas em causa se aplica exclusivamente a determinadas empresas do gás e que não há indicação nos autos que a sua aplicação não está limitada a alguns operadores que, durante um determinado período, seriam elegíveis sem distinção apenas com fundamento em critérios objetivos preestabelecidos (61).

V –    Conclusões

84.      Com base nas considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Conseil d’État nos termos seguintes:

A intervenção de um Estado‑Membro que consiste em impor a determinados fornecedores, entre os quais o fornecedor histórico, que proponham ao consumidor final o fornecimento de gás natural a tarifas regulamentadas, mas que não obsta a que sejam propostas ofertas concorrentes, a preços inferiores a essas tarifas, por todos os fornecedores no mercado constitui, pela sua própria natureza, um entrave à realização de um mercado do gás natural competitivo referido no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE.

A Diretiva 2009/73, designadamente, o seu artigo 3.°, n.° 2, interpretado à luz dos artigos 14.° e 106.° TFUE e do Protocolo n.° 26 relativo aos serviços de interesse geral, permite aos Estados‑Membros apreciarem se, no interesse económico geral, se deve impor às empresas intervenientes no setor do gás obrigações de serviço público que tenham por objeto o preço de fornecimento de gás natural a fim de, nomeadamente, garantir a segurança do abastecimento e a coesão territorial, desde que, por um lado, estejam preenchidas todas as condições que o artigo 3.°, n.° 2, da referida diretiva enuncia, especificamente o caráter não discriminatório dessas obrigações, e, por outro, que a medida em causa respeite o princípio da proporcionalidade.

Neste caso, o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2009/73 não se opõe, em princípio, a um método de determinação do preço que se baseie numa tomada em consideração dos custos, desde que a aplicação desse método não tenha como consequência que a intervenção estatal vá além do necessário para atingir os objetivos de interesse geral que prossegue.


1 —      Língua original: francês.


2 —      Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (JO 2009, L 211, p. 94).


3 —      O «terceiro pacote energia» foi adotado em julho de 2009 e inclui, com a Diretiva 2009/73, a Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55), o Regulamento (CE) n.° 713/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que institui a Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (JO 2009, L 211, p. 1), o Regulamento (CE) n.° 714/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1228/2003 (JO 2009, L 211, p. 15), e o Regulamento (CE) n.° 715/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativo às condições de acesso às redes de transporte de gás natural e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1775/2005 (JO 2009, L 211, p. 36).


4 —      V. considerando 3 da Diretiva 2009/73.


5 —      V. considerandos 44 e 47 da Diretiva 2009/73.


6 —      Ibidem.


7 —      V. artigo L. 100‑1 do Código da Energia.


8 —      V. artigo L. 121‑32 do Código da Energia. Em relação à previsão de contratos de serviço público entre o Estado e a GDF Suez, v. artigo L. 121‑46 do Código da Energia e a nota 52 das presentes conclusões.


9 —      V. artigo L. 445‑1 do Código da Energia.


10 —      Decreto n.° 2009‑1603, de 18 de dezembro de 2009, relativo às tarifas regulamentadas de venda do gás natural, conforme alterado pelo Decreto n.° 2013‑400, de 16 de maio de 2013 (JORF n.° 113, de 17 de maio de 2013, p. 8189, texto n.° 12).


11 —      V. artigo 2.° do Decreto n.° 2009‑1603, conforme alterado pelo Decreto n.° 2013‑400, de 16 de maio de 2013.


12 —      V. Lei n.° 2014‑344, de 17 de março de 2014, relativa ao consumo (JORF n.° 65 de 18 de março de 2014, p. 5400, texto n.° 1).


13 —      Artigo L. 445‑3 do Código da Energia, conjugado com o artigo L. 441‑1 deste código.


14 —      V. artigo 3.° do Decreto n.° 2009‑1603, conforme alterado pelo Decreto n.° 2013‑400. Nos termos do artigo 4.° deste os custos excluindo o aprovisionamento compreendem nomeadamente os custos de utilização das redes de transporte de gás natural, de armazenamento e de comercialização dos serviços fornecidos, incluindo uma margem comercial razoável. V., também, Parecer n.° 13‑A‑09 da Autorité française de concurrence, de 25 de março de 2013, sobre um projeto de decreto relativo às tarifas regulamentadas de venda de gás natural, p. 4.


15 —      V. artigo 3.° do Decreto n.° 2009‑1603, conforme alterado pelo Decreto n.° 2013‑400.


16 —      Artigo 5.° do Decreto n.° 2009‑1603, conforme alterado pelo Decreto n.° 2013‑400.


17 —      Ibidem.


18 —      Artigo 6.° do Decreto n.° 2009‑1603, conforme alterado pelo Decreto n.° 2013‑400.


19 —      V., em particular, acórdão Enel Produzione (C‑242/10, EU:C:2011:861), relativo à Diretiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 98/30/CE (JO 2003, L 176, p. 37), e acórdão Comissão/Polónia (C‑36/14, EU:C:2015:570).


20 —      Inicialmente, o Tribunal de Justiça seguiu esta interpretação no acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 18), no que se refere à Diretiva 2003/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno de gás natural e que revoga a Diretiva 98/30/CE (JO 2003, L 176, p. 57). Posteriormente, referiu que essa interpretação e as indicações relativas à admissibilidade de uma intervenção do Estado que consiste em regulamentar os preços, que são enunciados no acórdão Federutility, são também perfeitamente válidos para a Diretiva 2009/73 (v. acórdão Comissão/Polónia, C‑36/14, EU:C:2015:570, n.os 45 e 53).


21 —      V. considerandos 3, 5, 22, 33 e 44 da Diretiva 2009/73.


22 —      V. artigos 3.°, n.os 1 e 4, 13.°, n.° 1, alínea a), 34.°, n.° 2, 37.°, 40.°, alínea a), e 48.°, n.° 3, alínea a), da Diretiva 2009/73.


23 —      V., neste sentido, acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 18). V., também, acórdão Comissão/Polónia (C‑36/14, EU:C:2015:570, n.° 45).


24 —      V. n.° 35 deste acórdão. V., também, acórdão Comissão/Polónia (C‑36/14, EU:C:2015:570, n.° 56).


25 —      Assim, resulta do relatório anual de atividade da CRE relativo ao ano de 2014 (p. 3) que, em 2014, 67,5% de todas as instalações residenciais (que representam 68,7% do consumo anualizado) e 40,2% de todas as instalações não residenciais (que representam 10,4% do consumo anualizado) eram fornecidas a tarifas regulamentadas.


26 —      V., no que respeita à Diretiva 2003/55, acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 24) e, no que respeita à Diretiva 2009/73, acórdão Comissão/Polónia (C‑36/14, EU:C:2015:570, n.os 52 e 53). V., também, nota 20 das presentes conclusões.


27 —      V., no que respeita à Diretiva 2003/55, acórdãos Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.os 20 a 22 e 47) e Comissão/Polónia (C‑36/14, EU:C:2015:570, n.os 51 e 52).


28 —      V., no que respeita à Diretiva 2003/55, acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 33), no que respeita à Diretiva 2003/54, acórdãos Enel Produzione (C‑242/10, EU:C:2011:861, n.° 42) e Comissão/Polónia (C‑36/14, EU:C:2015:570, n.° 51).


29 —      A respeito deste conceito, v. considerações do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer nos n.os 53 a 55 das suas conclusões no processo Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2009:640).


30 —      V. acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 26) e nota 20 das presentes conclusões.


31 —      V. artigo 1.°, primeiro travessão, do Protocolo n.° 26.


32 —      O sublinhado é meu.


33 —      A este propósito, observo que o advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer, nas suas conclusões no processo Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2009:640, n.° 46), já tinha salientado que a indeterminação da Diretiva 2009/73 em relação à previsão das obrigações de serviço público no interesse económico geral traduzia a vontade do legislador da União em atribuir uma ampla margem de manobra aos Estados‑Membros. Esta constatação foi feita em relação à Diretiva 2003/55. Todavia, uma vez que Diretiva 2009/73 não alterou em nada as disposições pertinentes da Diretiva 2003/55, esta constatação é também válida para a Diretiva 2009/73.


34 —      O Tribunal de Justiça esclareceu que esta disposição visa conciliar os interesses dos Estados‑Membros em utilizar certas empresas como instrumento de política económica ou social, com o interesse da União em que sejam respeitadas as regras da concorrência e preservada a unidade do mercado comum. V., neste sentido, acórdãos Albany (C‑67/96, EU:C:1999:430, n.° 103); Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 28); e Enel Produzione (C‑242/10, EU:C:2011:861, n.° 41).


35 —      V. acórdãos Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 29 e jurisprudência referida) e Enel Produzione (C‑242/10, EU:C:2011:861, n.° 50).


36 —      V. artigo 1.°, segundo travessão, do Protocolo n.° 26.


37 —      Nos termos do segundo período desse considerando, «[é] importante que os requisitos de serviço público possam ser interpretados numa base nacional, tendo em conta as circunstâncias nacionais, e sujeitos ao cumprimento do direito [da União]».


38 —      V. acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.os 29 e 30).


39 —      Essa expressão já foi utilizada pelo advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer nas suas conclusões no processo Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2009:640, n.° 47).


40 —      V. referências à doutrina que constam da nota 30 das conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2009:640).


41 —      Ibidem.


42 —      Assim, nomeadamente, no caso do processo que deu origem ao acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205), o Estado‑Membro tinha imposto uma obrigação «em matéria de preço» ‐ a saber, que tinha por objeto a imposição de uma ação relativa ao preço de fornecimento de gás — que se destinava a prosseguir o objetivo de interesse económico geral da estabilidade de preços a fim de assegurar a proteção do consumidor final. V. acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.os 20, 24 e 32). No caso em apreço, a obrigação de serviço público tem por objeto o preço mas, segundo as afirmações do Governo francês no órgão jurisdicional de reenvio, destina‑se a prosseguir os objetivos de interesse económico geral da segurança do abastecimento e da coesão territorial.


43 —      V. neste sentido, em relação ao objetivo da proteção do consumidor final, acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 32).


44 —      Considerandos 1, 8, 21, 22, 35, 40, 44, 47 e 55, artigos 3.°, n.os 2, 5 e 7, 5.°, 6.°, 11.°, n.os 3, alínea b), 5, alínea b), 7 e 8, 13.°, n.° 2, 17.°, n.° 2, alínea f), 22.°, n.° 1, 34.°, n.° 2, 36.°, n.° 1, alínea a), 41.°, n.° 8, 48.°, n.° 3, alínea b), e 52.°, n.os 1, alínea d), 4 e 6, de la Diretiva 2009/73.


45 —      V., em particular, considerandos 44 e 47 da Diretiva 2009/73.


46 —      V. acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 33) e, neste sentido, acórdão Enel Produzione (C‑242/10, EU:C:2011:861, n.° 42).


47 —      V. acórdão Enel Produzione (C‑242/10, EU:C:2011:861, n.° 56).


48 —      Acórdãos Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.os 33 e 35); Enel Produzione (C‑242/10, EU:C:2011:861, n.° 75); e Comissão/Polónia (C‑36/14, EU:C:2015:570, n.° 56).


49 —      Acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 36).


50 —      Acórdãos Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 39) e Comissão/Polónia (C‑36/14, EU:C:2015:570, n.° 60).


51 —      V., neste sentido, acórdãos Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 34) e Enel Produzione (C‑242/10, EU:C:2011:861, n.° 49).


52 —      A decisão de reenvio refere o artigo L. 121‑46 do Código da Energia que prevê que «os objetivos e as modalidades que permitem assegurar a execução das missões de serviço público [...] serão objeto de contratos» celebrados entre o Estado e a GDF Suez em razão das missões de serviço público que lhe são atribuídas e que esses contratos abrangem, nomeadamente, os requisitos de serviço público em matéria de segurança de abastecimento. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio, ao mencionar esta disposição, não dá nenhuma informação quanto à própria existência desses contratos. Concretamente, por um lado, foi alegado perante o Tribunal de Justiça que o último contrato de serviço público tinha terminado em 31 de dezembro de 2013 e que não foi renovado e, por outro, não há nenhuma indicação sobre o facto de um eventual contrato de serviço público celebrado entre o Estado francês e a GDF‑Suez ter previsto uma obrigação de celebrar contratos de abastecimento de longa duração.


53 —      Regulamento (UE) n.° 994/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativo a medidas destinadas a garantir a segurança do aprovisionamento de gás e que revoga a Diretiva 2004/67/CE do Conselho (JO 2010, L 295, p. 1).


54 —      O Governo francês observa que a CRE efetua todos os anos uma análise detalhada de todos os custos de aprovisionamento de gás natural e dos custos excluindo o aprovisionamento, que, com base na análise da CRE, os ministros da economia e da energia fixam a fórmula tarifária e as regras de cálculo dos custos excluindo o aprovisionamento pelo menos uma vez por ano e que cada fornecedor altera as tabelas dessas tarifas segundo uma frequência definida por despacho (V. n.os 14 a 18 das presentes conclusões).


55 —      V., a este respeito, acórdãos Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.° 35) e Comissão/Polónia (C‑36/14, EU:C:2015:570, n.os 57 e 58).


56 —      V. acórdão Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.os 37 e 38).


57 —      Com efeito, num método de fixação do preço regulado nos termos do qual esse preço é fixado com base na totalidade dos custos, cada componente do custo constitui necessariamente uma componente do preço regulado.


58 —      V. acórdãos Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2010:205, n.os 39 a 43) e Comissão/Polónia (C‑36/14, EU:C:2015:570, n.° 60).


59 —      V., neste sentido, conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Federutility e o. (C‑265/08, EU:C:2009:640, n.° 81).


60 —      V., a este respeito, acórdão Comissão/França (C‑220/07, EU:C:2008:354, n.° 31), relativamente ao mecanismo de designação das empresas responsáveis pelo fornecimento do serviço universal nos termos da Diretiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva serviço universal) (JO 2002, L 108, p. 51).


61 —      V., neste sentido, acórdão Enel Produzione (C‑242/10, EU:C:2011:861, n.° 86).