ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

21 de dezembro de 2022 (*)

«Dumping — Importações de determinados poli(álcoois vinílicos) originários da China — Direitos antidumping definitivos — Isenção de importações que são objeto de uma utilização especial — Recurso de anulação — Caráter destacável — Ato regulamentar que necessita de medidas de execução — Afetação direta — Ato recorrível — Admissibilidade — Artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do Regulamento (UE) 2016/1036 — Direito aplicado de modo não discriminatório — Igualdade de tratamento»

No processo T‑746/20,

Grünig KG, com sede em Bad Kissingen (Alemanha), representada por Y. Melin e I. Fressynet, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por K. Blanck, G. Luengo e M. Gustafsson, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada),

composto, nas deliberações, por: R. da Silva Passos, presidente, V. Valančius, I. Reine, L. Truchot (relator) e M. Sampol Pucurull, juízes,

secretário: H. Eriksson, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 9 de junho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, interposto com base no artigo 263.o TFUE, a recorrente, Grünig KG, pede a anulação do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução (UE) 2020/1336 da Comissão, de 25 de setembro de 2020, que institui direitos antidumping definitivos sobre as importações de determinados poli(álcoois vinílicos) originários da República Popular da China (JO 2020, L 315, p. 1).

I.      Antecedentes do litígio

2        Em 25 de setembro de 2020, a Comissão Europeia adotou o Regulamento de Execução 2020/1336.

3        Com o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento de Execução 2020/1336, a Comissão impôs os direitos antidumping referidos no n.o 1, supra.

4        Com o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336, a Comissão introduziu uma isenção à imposição desses direitos (a seguir «isenção em causa»). Esta disposição prevê o seguinte:

«Os produtos descritos no n.o 1 devem ser isentos do direito antidumping definitivo se forem importados para o fabrico de adesivos secos, produzidos e vendidos em pó para a indústria do cartão. Tais produtos serão colocados ao abrigo do regime de destino especial referido no artigo 254.o do Regulamento (UE) n.o 952/2013, a fim de demonstrar que são importados exclusivamente para a utilização acima referida.»

5        No ponto 6.3.4, com a epígrafe «Produtores de adesivos», da parte do Regulamento de Execução 2020/1336 consagrada ao interesse da União Europeia, a Comissão expôs os motivos pelos quais decidiu isentar as importações de determinados poli(álcoois vinílicos) (a seguir «PVA») dos direitos antidumping definitivos impostos pelo referido regulamento. Esta isenção, aplicável aos produtores de adesivos secos, visa preservar os seus interesses contra os efeitos negativos que a imposição dos referidos direitos poderia produzir sobre a sua situação.

6        A recorrente é uma sociedade com sede na Alemanha que importa PVA e fabrica adesivo líquido a partir de PVA.

II.    Pedidos das partes

7        A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336;

–        condenar a Comissão nas despesas.

8        A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

9        Tendo a Comissão invocado diversas exceções de inadmissibilidade, há que apreciar a admissibilidade do recurso.

A.      Quanto à admissibilidade

10      Para concluir pela inadmissibilidade do recurso, antes de mais, a Comissão alega, em primeiro lugar, que o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 não é destacável do resto do referido regulamento, em segundo lugar, que este regulamento implica medidas de execução e, em terceiro lugar, que o mesmo não afeta a recorrente nem direta nem individualmente.

11      Em seguida, a Comissão alega que a recorrente não se pode basear no direito a um recurso efetivo para demonstrar a sua legitimidade.

12      Por último, a Comissão afirma, para o caso de o Tribunal Geral concluir que a recorrente é diretamente afetada pelo artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336, que esta disposição não é um ato impugnável.

13      A recorrente alega que o seu recurso é admissível.

1.      Quanto ao caráter destacável do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336

14      Decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a anulação parcial de um ato da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis do resto do ato. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que esta exigência não será cumprida se a anulação parcial de um ato tiver por efeito alterar a substância do mesmo (v. Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho, C‑204/16 P, EU:C:2017:838, n.o 36 e jurisprudência referida).

15      De igual modo, a verificação do caráter destacável de elementos de um ato da União pressupõe a apreciação do alcance desses elementos, a fim de se poder avaliar se a anulação dos mesmos modificaria o espírito e a substância desse ato (v. Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho, C‑204/16 P, EU:C:2017:838, n.o 37 e jurisprudência referida).

16      No caso em apreço, a recorrente pede a anulação apenas do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 (v. n.o 7, supra), que institui a isenção em causa.

17      Tal isenção, na medida em que prevê uma exceção a uma regra que institui direitos antidumping, é, em princípio, destacável do regulamento que fixa a referida regra.

18      No Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho (C‑204/16 P, EU:C:2017:838, n.os 44 a 53), invocado pela Comissão, o Tribunal de Justiça enunciou os indícios que permitem determinar os casos em que uma isenção de direitos antidumping podia não ser destacável do regulamento que institui os referidos direitos.

19      No processo que deu origem ao Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho (C‑204/16 P, EU:C:2017:838), estava em causa o Regulamento de Execução (UE) n.o 1238/2013 do Conselho, de 2 de dezembro de 2013, que institui um direito antidumping definitivo e estabelece a cobrança definitiva do direito provisório instituído sobre as importações de módulos fotovoltaicos de silício cristalino e de componentes‑chave (ou seja, células) originários ou expedidos da República Popular da China (JO 2013, L 325, p. 1).

20      O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1238/2013, que previa que as importações de determinados produtos faturados por empresas cujos compromissos foram aceites pela Comissão estavam isentas dos direitos antidumping instituídos no artigo 1.o do referido regulamento, não era destacável do resto das disposições deste regulamento e, em particular, das que previam a imposição dos referidos direitos (Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho, C‑204/16 P, EU:C:2017:838, n.o 55).

21      O Tribunal de Justiça considerou que, embora, formalmente, a imposição dos direitos fosse apresentada como a regra e a isenção dos direitos na sequência de um compromisso como a exceção, na realidade, as duas disposições em causa constituíam medidas alternativas e complementares que visavam alcançar o mesmo objetivo (Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho, C‑204/16 P, EU:C:2017:838, n.os 44 a 53).

22      Para chegar a esta conclusão, o Tribunal de Justiça baseou‑se num conjunto de indícios. Em primeiro lugar, constatou uma identidade de objetivos prosseguidos tanto pela medida que impunha os direitos como pela medida que previa uma isenção. Assim, tanto a imposição de direitos como a aceitação de compromissos visavam, nesse processo, eliminar o efeito prejudicial na indústria da União do dumping relativo às importações de módulos fotovoltaicos de silício cristalino e de componentes‑chave (Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho, C‑204/16 P, EU:C:2017:838, n.os 44 a 48). Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça referiu que as duas disposições em causa eram complementares. Baseou‑se, a este respeito, nas consequências económicas que as mesmas acarretavam (Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho, C‑204/16 P, EU:C:2017:838, n.os 49 a 51). Por último, em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça constatou que a isenção não tinha caráter excecional. Indicou, a este respeito, que a isenção se aplicava a 70 % das importações dos produtos em causa (Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho, C‑204/16 P, EU:C:2017:838, n.os 52 e 53).

23      A solução adotada pelo Tribunal de Justiça no processo que deu origem ao Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho (C‑204/16 P, EU:C:2017:838), baseia‑se, deste modo, num conjunto de indícios suscetíveis de caracterizar uma situação específica em que o que poderia, em primeira análise, parecer uma simples isenção e, por conseguinte, uma exceção a uma regra, é na realidade uma parte indissociável, e, assim, não destacável, da medida impugnada.

24      Por conseguinte, a fim de decidir sobre o caráter destacável da isenção em causa, há que determinar se existem indícios dessa natureza no presente processo.

25      Em primeiro lugar, importa recordar que uma imposição de direitos antidumping, como a que está prevista no presente processo pelo artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento de Execução 2020/1336, visa eliminar o efeito prejudicial na indústria da União do dumping alegado (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho, C‑204/16 P, EU:C:2017:838, n.o 46).

26      No entanto, o artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de junho de 2016, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da União Europeia (JO 2016, L 176, p. 21; a seguir «regulamento de base»), permite à Comissão, a fim de preservar, nomeadamente, o interesse dos utilizadores do produto em causa, não adotar medidas antidumping, mesmo que a existência de dumping e de prejuízo tenha sido demonstrada.

27      No caso em apreço, a isenção em causa, que foi adotada em aplicação do artigo 21.o do regulamento de base, visa, como resulta do considerando 625, do Regulamento de Execução 2020/1336, preservar os interesses de certos utilizadores de PVA, nomeadamente os produtores de adesivos secos, dos efeitos negativos que a imposição de direitos antidumping poderia produzir sobre a sua situação.

28      Assim, o objetivo da isenção em causa é distinto do objetivo prosseguido pelo artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento de Execução 2020/1336, referido no n.o 25 supra, ao passo que, no processo que deu origem ao Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho (C‑204/16 P, EU:C:2017:838), a imposição de direitos antidumping e a isenção destes direitos prosseguiam o mesmo objetivo (v. n.o 22, supra).

29      Em segundo lugar, no processo que deu origem ao Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho (C‑204/16 P, EU:C:2017:838), o Conselho da União Europeia, autor do regulamento impugnado, tinha implementado medidas de defesa comercial que constituíam um conjunto ou um «pacote» composto por duas medidas distintas e complementares, das quais uma consistia na imposição de direitos antidumping e a outra na isenção destes direitos antidumping para as sociedades cujos compromissos tinham sido aceites pela Comissão (Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho, C‑204/16 P, EU:C:2017:838, n.o 44).

30      Em contrapartida, no presente processo, a isenção em causa não tem um caráter complementar da imposição dos direitos antidumping, mas sim um caráter acessório em relação a essa imposição.

31      O caráter acessório da isenção em causa em relação à imposição de direitos antidumping resulta da posição ocupada pelos considerandos consagrados à isenção em causa na fundamentação do Regulamento de Execução 2020/1336. Os referidos considerandos figuram na única parte do Regulamento de Execução 2020/1336 consagrada ao interesse dos produtores de adesivos e aos efeitos negativos a que os mesmos podem estar sujeitos devido à imposição dos direitos antidumping. A justificação da isenção em causa foi, assim, circunscrita pela Comissão à única parte do Regulamento de Execução 2020/1336 que lhe é consagrada, o que constitui um indício do caráter acessório que a Comissão lhe confere.

32      Em terceiro lugar, no considerando 628 do Regulamento de Execução 2020/1336, a isenção em causa é descrita como tendo sido concedida «excecionalmente», sendo que o seu regime está «estritamente limitado aos adesivos secos e não [abrange], em nenhuma circunstância, quaisquer outros produtos (por exemplo, adesivos líquidos) produzidos por produtores de adesivos».

33      A este respeito, a própria Comissão, ao apreciar, no considerando 627, do Regulamento de Execução 2020/1336, os efeitos que a isenção em causa teria produzido se tivesse sido aplicada, salientou que a quota de mercado dos adesivos representava 17 % do consumo da União e que o único produtor de adesivos secos que se manifestou representava apenas 4 % dessa quota.

34      Em contrapartida, a isenção no processo que deu origem ao Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho (C‑204/16 P, EU:C:2017:838) não tinha caráter excecional, uma vez que se aplicava a 70 % das importações dos produtos em causa (v. n.o 22, supra).

35      Resulta das considerações expostas nos n.os 25 a 34, supra, que nenhum dos indícios mencionados pelo Tribunal de Justiça no processo que deu origem ao Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho (C‑204/16 P, EU:C:2017:838), e referidos no n.o 22, supra, está presente no caso em apreço.

36      Por outro lado, nenhum outro indício resultante dos elementos dos autos permite concluir que a isenção em causa não constitui uma exceção à regra que prevê a imposição de direitos antidumping, mas sim uma medida alternativa e complementar em relação a essa regra, que visa alcançar o mesmo objetivo (v. n.o 21, supra).

37      Por conseguinte, a isenção em causa é destacável da regra que prevê a imposição de direitos antidumping.

38      Há que acrescentar que o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 não se limita a fixar, no seu primeiro período, a isenção em causa. O segundo período desta disposição (v. n.o 4, supra) prevê que, em caso de isenção, o PVA será colocado ao abrigo do regime de destino especial referido no artigo 254.o do Regulamento (UE) n.o 952/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1), a fim de demonstrar que o mesmo é importado exclusivamente para efeitos da utilização referida no n.o 4, supra.

39      Esta última disposição tem por único objetivo designar o regime aduaneiro sob o qual são colocadas as importações de PVA que beneficiam da isenção em causa.

40      Uma vez que a isenção em causa, cujo princípio é fixado no primeiro período do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336, é destacável do resto do referido regulamento, a regra que se limita a designar o regime aduaneiro aplicável aos produtos que beneficiam desta isenção, enunciada no segundo período deste artigo, confere à referida isenção o seu caráter destacável.

41      Por conseguinte, tendo em conta a conclusão constante do n.o 37, supra, o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 é integralmente destacável das outras disposições deste regulamento.

42      Em face do exposto, os outros argumentos invocados pela Comissão, designadamente, em primeiro lugar, a coexistência da imposição dos direitos antidumping e da isenção em causa no mesmo artigo do Regulamento de Execução 2020/1336, em segundo lugar, o caráter raro do recurso a uma isenção como a isenção em causa, em terceiro lugar, a fundamentação detalhada relativa à isenção em causa, em quarto lugar, o número de observações transmitidas pelos operadores económicos aquando da apreciação da referida isenção, em quinto lugar, as consequências económicas significativas que a anulação dessa isenção produziria para a Cordial, o fabricante de adesivos secos cuja situação foi tida em conta pela Comissão no Regulamento de Execução 2020/1336, bem como sobre os seus clientes e, em sexto lugar, a insistência que a Comissão manifestou ao adotar este ato apesar das reticências de certos Estados‑Membros não são pertinentes para pôr em causa o caráter destacável do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336.

43      Por conseguinte, a exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão deve ser julgada improcedente.

2.      Quanto aos requisitos de admissibilidade previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE

44      Importa recordar que no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE estão previstas duas hipóteses em que se reconhece legitimidade a uma pessoa singular ou coletiva para interpor recurso de um ato de que não é a destinatária. Por um lado, tal recurso pode ser interposto desde que esse ato lhe diga direta e individualmente respeito. Por outro lado, essa pessoa pode interpor recurso de um ato regulamentar que não necessite de medidas de execução se o mesmo lhe disser diretamente respeito (Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 19, e de 18 de outubro de 2018, Internacional de Productos Metálicos/Comissão, C‑145/17 P, EU:C:2018:839, n.o 32).

45      Os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE devem ser interpretados à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, conforme consagrado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sem, no entanto, se afastarem os requisitos expressamente previstos no Tratado FUE (v. Acórdão de 3 de dezembro de 2020, Changmao Biochemical Engineering/Distillerie Bonollo e o., C‑461/18 P, EU:C:2020:979, n.o 55 e jurisprudência referida).

46      No caso em apreço, a recorrente não é a destinatária do Regulamento de Execução 2020/1336. Por conseguinte, a sua legitimidade só pode ser reconhecida se estiver abrangida por uma das duas hipóteses referidas no n.o 44, supra.

47      Há que apreciar a admissibilidade do presente recurso à luz da segunda hipótese referida no n.o 44, supra.

48      Importa determinar, em primeiro lugar, se o Regulamento de Execução 2020/1336 é um ato regulamentar, em segundo lugar, se o necessita ou não de medidas de execução e, em terceiro lugar, se afeta diretamente a situação da recorrente.

a)      Quanto à existência de um ato regulamentar

49      Segundo a jurisprudência, os atos regulamentares são atos de alcance geral, com exceção dos atos legislativos (Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 61, e Despacho de 28 de outubro de 2020, Sarantos e o./Parlamento e Conselho, C‑84/20 P, não publicado, EU:C:2020:871, n.o 29).

50      Importa determinar, em primeiro lugar, se o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 tem um alcance geral e, em segundo lugar, se o referido regulamento não é um ato legislativo.

51      Em primeiro lugar, resulta da sua redação que o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 tem um alcance geral, na medida em que é aplicável a situações determinadas objetivamente e produz efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas consideradas de maneira geral e abstrata (v. n.o 4, supra).

52      O alcance geral do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento 2020/1336 é confirmado pelos fundamentos do referido regulamento, cujo considerando 630 enuncia o seguinte:

«A este respeito, a Comissão esclareceu que a isenção [em causa], não é especificamente aplicável [à Cordial], sendo aplicada de forma não discriminatória a todos os produtores de adesivos secos […].»

53      Em segundo lugar, conforme resulta dos considerandos 672 e 673 do Regulamento de Execução 2020/1336, a Comissão adotou o referido regulamento depois de ter submetido o projeto de regulamento em causa ao comité de recurso, nas condições previstas no artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento (UE) n.o 182/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece as regras e os princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados‑Membros do exercício das competências de execução pela Comissão (JO 2011, L 55, p. 13).

54      Resulta das considerações expostas nos n.os 49 a 53, supra, que o Regulamento de Execução 2020/1336 não constitui um ato legislativo, uma vez que não foi adotado segundo o processo legislativo ordinário, nem segundo um processo legislativo especial na aceção do artigo 289.o, n.os 1 e 2, TFUE (v., neste sentido, Despachos de 5 de fevereiro de 2013, BSI/Conselho, T‑551/11, não publicado, EU:T:2013:60, n.o 43, e de 14 de setembro de 2021, Far Polymers e o./Comissão, T‑722/20, não publicado, EU:T:2021:598, n.o 55).

55      Estando preenchidos os dois requisitos referidos nos n.os 49 e 50, supra, há que concluir que o Regulamento de Execução 2020/1336, cujo artigo 1.o, n.o 4, prevê a isenção em causa, tem a natureza de um ato regulamentar. Esta qualificação também não é contestada pela Comissão. Por conseguinte, há que apreciar se esta isenção necessita ou não de medidas de execução.

b)      Quanto à inexistência de medidas de execução

56      A expressão «não necessitem de medidas de execução», na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro elemento, TFUE, deve ser interpretada à luz do objetivo desta disposição, que consiste, como resulta da génese da referida disposição, em evitar que um particular seja obrigado a violar a lei para poder aceder aos tribunais. Ora, quando um ato regulamentar produz diretamente os seus efeitos sobre a situação jurídica de uma pessoa singular ou coletiva sem necessitar de medidas de execução, esta pessoa poderia ficar desprovida de uma tutela jurisdicional efetiva se não dispusesse de uma via direta de recuso para o juiz da União a fim de pôr em causa a legalidade desse ato regulamentar. Com efeito, inexistindo medidas de execução, uma pessoa singular ou coletiva, ainda que diretamente afetada pelo ato em causa, só estaria em condições de obter uma fiscalização jurisdicional desse ato depois de ter violado as disposições do referido ato, invocando a ilegalidade das mesmas no âmbito dos processos iniciados contra ela nos órgãos jurisdicionais nacionais (Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 27, e de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, a seguir «Acórdão Montessori», EU:C:2018:873, n.o 58).

57      Em contrapartida, quando um ato regulamentar necessite de medidas de execução, a fiscalização jurisdicional da observância do ordenamento jurídico da União é assegurada independentemente da questão de saber se as referidas medidas emanam da União ou dos Estados‑Membros. As pessoas singulares ou coletivas que não possam, em razão dos requisitos de admissibilidade previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, impugnar diretamente, perante o juiz da União, um ato regulamentar da União, estão protegidas da aplicação de tal ato no que lhes diz respeito pela faculdade de impugnar as medidas de execução de que o referido ato necessita (Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 28, e de 6 de novembro de 2018, Montessori, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 59).

58      Em matéria de direitos antidumping, o regime aduaneiro instaurado pelo Regulamento n.o 952/2013 prevê que a cobrança dos direitos fixados por um regulamento como o Regulamento de Execução 2020/1336 é efetuada com base em medidas adotadas pelas autoridades nacionais, as quais devem ser qualificadas como «medidas de execução» (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 2018, Internacional de Productos Metálicos/Comissão, C‑145/17 P, EU:C:2018:839, n.os 59 e 60; de 19 de setembro de 2019, Trace Sport, C‑251/18, EU:C:2019:766, n.o 31, e Despacho de 5 de fevereiro de 2013, BSI/Conselho, T‑551/11, não publicado, EU:T:2013:60, n.os 45 a 53).

59      No entanto, para verificar se um ato regulamentar necessita de medidas de execução, importa fazer referência exclusivamente ao objeto do recurso (Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 31, e de 6 de novembro de 2018, Montessori, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 61). Além disso, no caso de um recorrente só pedir a anulação parcial de um ato, apenas deveriam ser tomadas em consideração, se for o caso, as medidas de execução de que essa parte do ato eventualmente necessite (Acórdão de 18 de outubro de 2018, Internacional de Productos Metálicos/Comissão, C‑145/17 P, EU:C:2018:839, n.o 53).

60      Ora, a recorrente só contesta o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336.

61      Por conseguinte, contrariamente ao que a Comissão alega, para determinar se no caso em apreço existem medidas de execução, não têm de ser tidas em conta as medidas de execução que implica necessariamente, por força da jurisprudência referida no n.o 58, o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336, que prevê a imposição de direitos antidumping (v. n.o 3, supra).

62      Por outro lado, com o mesmo fim de apreciar se um ato regulamentar necessita de medidas de execução, há que considerar a posição da pessoa que invoca o direito de recurso nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro elemento, TFUE. Assim, não é pertinente saber se o ato em causa necessita de medidas de execução em relação a terceiros (Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 30, e de 6 de novembro de 2018, Montessori, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 61).

63      Ora, é pacífico que a recorrente, que importa o PVA com o único objetivo de fabricar adesivo líquido, não pode beneficiar da isenção em causa.

64      Por conseguinte, mesmo admitindo que o regime de destino especial previsto no artigo 254.o, do Regulamento n.o 952/2013, a que o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 faz referência no seu segundo período (v. n.o 4, supra), implica a adoção de medidas de execução pelas autoridades nacionais, estas medidas não poderiam ser aplicadas à recorrente.

65      Assim, é irrelevante a argumentação da Comissão segundo a qual, em primeiro lugar, a Cordial e os outros beneficiários da isenção em causa devem receber, por força do Regulamento n.o 952/2013, uma autorização das autoridades aduaneiras para poderem beneficiar dessa isenção e, em segundo lugar, esta isenção constitui uma medida de execução do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336.

66      É certo que a recorrente poderia pedir para beneficiar da isenção em causa a fim de obter das respetivas autoridades aduaneiras uma recusa que poderia contestar.

67      Contudo, o indeferimento de um pedido apresentado por um recorrente às autoridades nacionais não pode ser considerado uma medida de execução de um ato da União, quando se possa concluir que seria artificial obrigar o referido recorrente a apresentar tal pedido (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.os 66 e 67).

68      Ora, uma vez que, no caso em concreto, a recorrente não preenche os requisitos de elegibilidade previstos no Regulamento de Execução 2020/1336 para beneficiar da isenção em causa, seria artificial obrigá‑la a pedir às autoridades aduaneiras em causa para beneficiar desta isenção e a impugnar o ato de indeferimento interroga‑se o Tribunal de Justiça sobre a validade do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de novembro de 2018, Montessori, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.os 65 e 66, e de 28 de outubro de 2020, Associazione GranoSalus/Comissão, C‑313/19 P, não publicado, EU:C:2020:869, n.o 41).

69      Resulta do exposto nos n.os 56 a 68, supra, que, contrariamente ao que a Comissão alega, a isenção em causa não necessita de medidas de execução em relação à recorrente.

70      Inexistindo medidas de execução, há que apreciar o requisito relativo à afetação direta.

c)      Quanto à afetação direta

71      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o requisito segundo o qual uma pessoa singular ou coletiva deve ser diretamente afetada pela decisão objeto do recurso, como previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, requer a reunião de dois critérios cumulativos, a saber, que a medida impugnada, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica do particular e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos destinatários que estão encarregados da sua execução, uma vez que esta tem caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (Acórdãos de 5 de maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, EU:C:1998:193, n.o 43; de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM, C‑125/06 P, EU:C:2008:159, n.o 47, e de 6 de novembro de 2018, Montessori, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 42).

1)      Quanto ao segundo critério, relativo à inexistência de poder de apreciação dos destinatários que estão encarregados da execução da medida impugnada

72      Importa salientar que o segundo critério não é pertinente no caso de uma medida que, como sucede no presente processo, não necessita de medidas de execução em relação à recorrente (v., neste sentido, Acórdão de 7 de julho de 2015, Federcoopesca e o./Comissão, T‑312/14, EU:T:2015:472, n.os 38 a 40).

73      Em todo o caso, o artigo 14.o, n.o 1, do regulamento de base, sob a epígrafe «Disposições gerais», dispõe o seguinte:

«Os direitos antidumping provisórios ou definitivos são criados por regulamento e cobrados pelos Estados‑Membros de acordo com a forma, a taxa e os outros elementos fixados no regulamento que os cria […].»

74      Assim, os Estados‑Membros, responsáveis pela execução dos regulamentos antidumping, não têm, em princípio, nenhuma margem de apreciação [v., neste sentido, Acórdãos de 3 de dezembro de 2020, Changmao Biochemical Engineering/Distillerie Bonollo e o., C‑461/18 P, EU:C:2020:979, n.o 59, e de 18 de outubro de 2016, Crown Equipment (Suzhou) e Crown Gabelstapler/Conselho, T‑351/13, não publicado, EU:T:2016:616, n.o 24].

75      No caso em apreço, ao subordinar o benefício da isenção ao requisito único de os produtos em causa terem sido importados para o fabrico de adesivos secos e vendidos em pó para a indústria do cartão, o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 não deixa nenhuma margem de apreciação às autoridades aduaneiras nacionais encarregadas da sua execução.

76      Quanto à regra do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 relativa à colocação do PVA sob o regime do destino especial consagrado no artigo 254.o, do Regulamento n.o 952/2013, esta disposição, que tem por único objetivo designar o regime aduaneiro a que são sujeitas as importações de PVA que beneficiam da isenção em causa (v. n.o 39, supra), não pode, por este motivo, pôr em causa o caráter puramente automático desta isenção. Além disso, pela sua própria redação, que não estabelece outro requisito para a aplicação do regime do destino especial além do relativo à isenção de que beneficia o PVA, esta disposição também não deixa margem de apreciação às autoridades aduaneiras nacionais.

77      Por conseguinte, o segundo critério referido no n.o 71, supra, que não foi, aliás, contestado por nenhuma das partes, está preenchido.

2)      Quanto ao primeiro critério, relativo aos efeitos diretos sobre a situação jurídica da recorrente

78      Em apoio da admissibilidade do seu recurso, a recorrente invoca a sua situação de utilizadora de PVA que se encontra numa situação de concorrência com os beneficiários da isenção em causa. No que respeita ao requisito da afetação direta, pede ao Tribunal Geral que aplique, no caso em apreço, a solução adotada pelo Tribunal de Justiça, em matéria de auxílios de Estado, no Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873). Afirma que a isenção em causa a coloca numa posição concorrencial desvantajosa relativamente aos fabricantes de adesivo seco.

79      A este respeito, resulta de jurisprudência constante que a circunstância de um ato da União colocar um operador económico numa posição concorrencial desvantajosa, não permite só por si considerar que o mesmo foi afetado na sua situação jurídica por esse ato e que, por isso, este lhe dizia diretamente respeito (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.os 34, 36 e 37; de 17 de setembro de 2015, Confederazione Cooperative Italiane e o./Anicav e o., C‑455/13 P, C‑457/13 P e C‑460/13 P, não publicado, EU:C:2015:616, n.os 47 a 49, e de 28 de fevereiro de 2019, Conselho/Growth Energy e Renewable Fuels Association, C‑465/16 P, EU:C:2019:155, n.o 81).

80      Todavia, no n.o 43 do Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873), o Tribunal de Justiça declarou que uma decisão da Comissão adotada em matéria de auxílios de Estado e suscetível de colocar um operador económico numa situação concorrencial desvantajosa, por deixar intactos todos os efeitos de uma medida nacional favorável aos seus concorrentes, podia ser entendida no sentido de que afetava diretamente a situação jurídica do referido operador.

81      Como resulta dos n.os 43 e 52 do Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873), o Tribunal de Justiça fundamentou a solução que adotou na constatação de que as regras relativas aos auxílios de Estado tinham por objetivo preservar a concorrência e de que as disposições do Tratado FUE nesta matéria conferiam ao concorrente de uma empresa que beneficiasse de uma medida nacional o direito de não sofrer uma concorrência falseada por essa medida.

82      Ora, em matéria antidumping, o artigo 21.o, n.o 1, do regulamento de base dispõe o seguinte:

«A fim de se determinar se o interesse da União requer ou não uma intervenção, tem‑se em conta uma apreciação dos diversos interesses considerados no seu conjunto, incluindo os interesses da indústria da União, dos utilizadores e dos consumidores, só podendo ser efetuada uma determinação ao abrigo do presente artigo se todas as partes tiverem tido oportunidade de apresentar os seus pontos de vista nos termos do n.o 2. Nesse exame, é concedida especial atenção à necessidade de eliminar os efeitos de distorção do comércio provocados por dumping que cause prejuízo bem como à necessidade de restabelecer uma concorrência efetiva. Não podem ser aplicadas medidas, tal como determinadas com base no dumping e no prejuízo verificados, se as autoridades, com base nas informações facultadas, concluírem claramente que não é do interesse da União a aplicação de tais medidas.»

83      Por força desta disposição, as autoridades da União, nomeadamente a Comissão, devem, antes de adotarem medidas antidumping, determinar se a adoção destas medidas é do interesse da União. Assim, a Comissão pode decidir não adotar medidas, mesmo que o dumping e o prejuízo tenham sido estabelecidos, caso não seja do interesse da União fazê‑lo.

84      A isenção em causa foi adotada com base nesta disposição (v. considerando 551 do Regulamento de Execução 2020/1336).

85      Para determinar o interesse da União, o artigo 21.o, n.o 1, terceiro período, do regulamento de base especifica que «é concedida especial atenção à necessidade de eliminar os efeitos de distorção do comércio provocados por dumping que cause prejuízo bem como à necessidade de restabelecer uma concorrência efetiva».

86      Resulta deste período que, para o efeito, o interesse dos produtores da indústria da União em ver restabelecida a sua situação concorrencial afetada por práticas de dumping prejudiciais é tido em conta prioritariamente.

87      Contudo, nos termos do artigo 21.o, n.o 1, primeiro período, do regulamento de base, a fim de determinar se o interesse da União requer ou não uma intervenção antidumping, cabe à Comissão apreciar os diversos interesses considerados no seu conjunto, pelo que os interesses dos produtores não são os únicos que deve ter em conta.

88      Assim, esta disposição especifica que os interesses em jogo incluem os interesses dos utilizadores do produto em causa.

89      Por conseguinte, não é possível concluir que, na medida em que o artigo 21.o, n.o 1, terceiro período, do regulamento de base apenas se refere à situação concorrencial dos produtores da indústria da União, a tomada em consideração, à luz do interesse da União, dos interesses dos utilizadores do produto em causa em não verem a sua situação concorrencial afetada numa hipótese como a referida no n.o 87, supra, foi excluída.

90      Pelo contrário, os interesses de determinados utilizadores do produto em causa em verem a sua situação concorrencial preservada dos efeitos de uma eventual distorção introduzida por tal isenção fazem parte do interesse da União, na aceção do artigo 21.o, n.o 1, do regulamento de base.

91      A ligação entre os interesses dos utilizadores do produto em causa em ver a sua situação concorrencial preservada e o interesse da União resulta, além da referência aos seus interesses efetuada pelo artigo 21.o, n.o 1, do regulamento de base, da verificação da fixação, no referido regulamento, de um objetivo geral de preservação da concorrência no mercado interno que não se limita à situação concorrencial dos produtores da União.

92      A este respeito, importa salientar que, no artigo 21.o, n.o 1, terceiro período, do regulamento de base é feita referência a uma concorrência efetiva, e não apenas à situação concorrencial dos produtores da indústria da União e aos seus interesses específicos.

93      Além disso, o artigo 9.o, n.o 4, segundo parágrafo do regulamento de base prevê que o montante dos direitos antidumping definitivos, não só não deve exceder a margem de dumping como também não deve exceder o prejuízo sofrido pela indústria da União.

94      Assim, por um lado, não é atribuída nenhuma vantagem concorrencial aos produtores da indústria da União relativamente aos exportadores dos países terceiros que pratiquem dumping e, por outro, o montante dos direitos antidumping não deve exceder o estritamente necessário, preservando assim os interesses dos operadores económicos que intervêm a jusante, nomeadamente os utilizadores do produto em causa.

95      Daqui resulta que o regulamento de base não tem como único objetivo restabelecer a situação concorrencial dos produtores da indústria da União, prossegue igualmente o objetivo de preservar uma concorrência efetiva no mercado interno.

96      Por conseguinte, os utilizadores do produto em causa têm o direito de não sofrer uma concorrência falseada que tenha sido causada por um ato adotado pela Comissão em aplicação do regulamento de base, do mesmo modo que o concorrente de uma empresa que beneficia de um auxílio de Estado tem o direito de não sofrer uma concorrência falseada por esse auxílio.

97      Tendo em conta a existência deste direito, um ato da Comissão suscetível de o violar produz efeitos sobre a situação jurídica do titular desse direito e, assim, afeta‑o diretamente.

98      Do ponto de vista do requisito da afetação direta prevista no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, a recorrente encontra‑se numa situação comparável à das recorrentes no processo que deu origem ao Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873).

99      Em contrapartida, a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.o 79, supra, que impede que um operador económico colocado, na sequência da adoção de um ato da União, numa situação concorrencial desvantajosa seja considerado diretamente afetado por este ato, não obsta a que o requisito de afetação direta seja preenchido.

100    É certo que a recorrente alega, à semelhança das recorrentes nos processos referidos no n.o 79, supra, que a Comissão adotou uma medida que, devido às diferenças de tratamento que implica, poderia afetar a sua situação concorrencial.

101    No entanto, contrariamente aos factos em causa nos processos referidos no n.o 79, supra, os interesses da recorrente, incluindo a preservação da sua situação concorrencial, são tidos em conta nos termos do regulamento de base, com fundamento no qual a isenção em causa foi adotada.

102    Pelo contrário, nos processos descritos no n.o 79, supra, os interesses das recorrentes não estavam preservados devido ao regime jurídico que proporcionava uma vantagem aos seus concorrentes, dado que as mesmas não estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação deste regime.

103    Assim, no Acórdão de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão (C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.os 1 a 3 e 34), foi recordado que a oferta de açúcar no mercado da União incluía o açúcar produzido, por um lado, na transformação de beterrabas sacarinas produzidas na União e, por outro, na refinação de açúcar de cana bruto importado de países terceiros, sendo o produto final quimicamente idêntico nos dois casos. As disposições em causa visavam aumentar a oferta de açúcar no mercado da União, no qual se verificava escassez. Algumas delas conferiam uma vantagem aos produtores da União, permitindo‑lhes produzir e comercializar uma quantidade limitada de açúcar e de isoglicose, além da quota de produção interna. As recorrentes que não eram produtoras de açúcar e de isoglicose, mas sim empresas de refinação de açúcar de cana importado, não se enquadravam no âmbito de aplicação do regime jurídico em causa.

104    De igual modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 17 de setembro de 2015, Confederazione Cooperative Italiane e o./Anicav e o. (C‑455/13 P, C‑457/13 P e C‑460/13 P, não publicado, EU:C:2015:616, n.os 2 a 9, 32 e 48), as disposições em causa conferiam uma vantagem às organizações de produtores do setor da fruta e dos legumes. As recorrentes, que eram transformadoras industriais de frutas e legumes, e não eram produtoras destes géneros alimentícios, invocaram uma discriminação entre elas e as organizações de produtores que exerciam atividades de transformação. No entanto, não estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação do regime jurídico em causa.

105    Por último, no processo que deu origem ao Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, Conselho/Growth Energy e Renewable Fuels Association (C‑465/16 P, EU:C:2019:155, n.os 73, 74 e 79 a 81), as medidas tinham por objeto instituir um direito antidumping sobre as importações de bioetanol originário dos Estados Unidos. A recorrente era um produtor americano de bioetanol. Não exportava o seu produto para a União, mas vendia‑o a negociantes misturadores. Estes últimos exportavam o bioetanol que tinham comprado, nomeadamente, à recorrente, sendo então aplicado um direito antidumping a esse produto. As medidas contestadas foram adotadas com base nas disposições do artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 1225/2009 do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da Comunidade Europeia (JO 2009, L 343, p. 51) (atual artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base). Ora, estas disposições preveem que é instituído um direito antidumping «sobre as importações» de produtos que entrem no território da União. Assim, estas disposições, tal como todo o regime jurídico instituído pelo regulamento de base, nomeadamente, o seu artigo 21.o, n.o 1, não são aplicáveis aos produtores de países terceiros, enquanto tais, mas apenas aos que exportam os seus produtos para a União.

106    Ora, no processo que deu origem ao Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873), tanto a recorrente como os seus concorrentes estavam abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito dos auxílios de Estado, uma vez que atuavam no mercado interno. Além disso, a recorrente beneficiava, ao abrigo desse regime jurídico comum, do direito de ver a sua situação concorrencial preservada (v. n.o 81, supra). A decisão da Comissão, objeto de impugnação, foi adotada com base no referido regime e autorizava uma medida nacional que introduzia, nesse regime, uma diferença de tratamento suscetível de estar na origem de uma situação concorrencial desvantajosa para a recorrente.

107    O mesmo sucede no caso em apreço.

108    Com efeito, conforme foi referido, o artigo 21.o, n.o 1, do regulamento de base prevê que, a fim de se determinar se o interesse da União requer a aplicação de direitos antidumping, há que apreciar os diversos interesses considerados no seu conjunto, incluindo os dos utilizadores do produto em causa.

109    Foi com base no artigo 21.o, n.o 1, do regulamento de base, que visa os utilizadores do produto em causa, ou seja, no presente processo, nomeadamente, o conjunto dos fabricantes de adesivos, que o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 foi adotado (v. n.o 27, supra).

110    Assim, os fabricantes de adesivos líquidos, bem como os seus concorrentes, designadamente, os fabricantes de adesivos secos, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do regulamento de base e, além disso, os seus interesses são tidos em conta no quadro da aplicação deste regulamento.

111    Por conseguinte, deve concluir‑se que a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.o 79, supra, não se opõe à conclusão de que a isenção em causa produz efeitos jurídicos sobre a situação dos fabricantes de adesivos líquidos, na medida em que estes, devido a esta isenção, podem ser colocados numa situação concorrencial desvantajosa.

112    Por outro lado, é certo que, em matéria de auxílios de Estado, os concorrentes dos beneficiários de uma medida nacional que isenta estes últimos de um encargo estão, em princípio, diretamente sujeitos à mesma, como sucedia nos processos que deram origem ao Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.os 6 e 50).

113    Ora, no caso em apreço, a recorrente, na sua qualidade de utilizadora de PVA, não está diretamente sujeita aos direitos antidumping, os quais, conforme resulta do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento de Execução 2020/1336, são instituídos sobre as importações.

114    Contudo, os direitos antidumping podem ser repercutidos, total ou parcialmente, sobre os compradores do produto em causa na União, no caso em apreço, os utilizadores do PVA, nomeadamente, os fabricantes de adesivos líquidos.

115    Com efeito, o artigo 12.o, do regulamento de base prevê que a Comissão pode reabrir o inquérito, na aceção do artigo 6.o do referido regulamento, a fim de examinar se os direitos antidumping tiveram efeitos nos preços, quando se afigure que estes direitos apenas conduziram uma alteração insuficiente dos preços de revenda ou dos preços de venda posteriores na União.

116    Além disso, a Comissão, na medida em que considerou que era necessário, no presente processo, isentar de direitos antidumping os produtores de PVA destinado ao fabrico de adesivos secos, entendeu que, sem essa isenção, os utilizadores de PVA fabricantes desses adesivos suportariam, total ou parcialmente, os custos adicionais constituídos pelos direitos antidumping. Ora, nenhum elemento do processo permite presumir que a situação dos utilizadores de PVA que fabricam o adesivo líquido seria diferente a este respeito.

117    Assim, sem que seja necessário ter em conta a qualidade de importadora de PVA que a recorrente também possui (v. n.o 6, supra), basta referir que, enquanto utilizadora deste produto, a recorrente deve suportar, total ou parcialmente, os direitos antidumping instituídos pelo Regulamento de Execução 2020/1336.

118    Resulta das considerações constantes dos n.os 112 a 117, supra, que a inexistência de obrigação, a cargo da recorrente, enquanto utilizadora de PVA que se encontra numa situação concorrência com os beneficiários da isenção em causa, de pagar ela própria os direitos antidumping não é suscetível de pôr em causa a conclusão que figura no n.o 111, supra.

119    Em seguida, importa determinar se, devido à isenção em causa, a recorrente pode ser colocada numa situação concorrencial desvantajosa.

120    A este respeito, no n.o 46 do Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873), o Tribunal de Justiça acrescentou que embora não caiba ao juiz da União, na fase do exame da admissibilidade, pronunciar‑se definitivamente sobre a existência de uma relação de concorrência entre um recorrente e os beneficiários das medidas nacionais apreciadas numa decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado, a afetação direta desse recorrente não pode, contudo, ser inferida da simples potencialidade de uma relação de concorrência.

121    O Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que o requisito relativo à afetação direta exige que o ato impugnado produza diretamente efeitos na situação jurídica do recorrente, o juiz da União está obrigado a verificar se este último expôs de forma pertinente as razões pelas quais a decisão da Comissão pode colocá‑lo numa situação concorrencial desvantajosa e, portanto, produzir efeitos na sua situação jurídica (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 47).

122    No que respeita às circunstâncias em causa nesse processo, o Tribunal de Justiça declarou que as recorrentes, ao demonstrarem que operavam no mesmo mercado dos beneficiários do auxílio em causa, tinham justificado de forma pertinente que a decisão controvertida podia colocá‑las numa situação concorrencial desvantajosa e que, portanto, essa decisão afetava diretamente a sua situação jurídica, em particular o seu direito de não sofrer nesse mercado uma concorrência falseada pelas medidas em causa (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 50).

123    No caso em apreço, a recorrente expôs de modo detalhado e sem ser contraditada a este respeito, que exercia a sua atividade no mesmo mercado de produtos e no mesmo mercado geográfico de um dos operadores económicos que beneficiou da isenção em causa. Com efeito, fabrica adesivo líquido à base de PVA destinado à indústria do cartão na União. Acrescentou que o adesivo líquido e o adesivo seco eram substituíveis e que os custos suportados pelos seus clientes devido aos direitos antidumping poderiam levá‑los a abastecer‑se preferencialmente junto de produtores de adesivos secos.

124    A recorrente expôs assim as razões pelas quais a isenção em causa podia colocá‑la numa situação concorrencial desvantajosa.

125    Por conseguinte, há que concluir que, no caso em apreço, tanto o primeiro critério referido no n.o 71, supra, como o requisito da afetação direta no seu todo estão preenchidos.

126    Resulta de todas as considerações expostas nos n.os 49 a 125, supra, que os três requisitos previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro elemento, TFUE e recordados no n.o 44, supra, se encontram preenchidos. Assim, não é necessário apreciar se os requisitos previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, segundo elemento, TFUE também estão preenchidos.

127    Por conseguinte, há que apreciar a exceção de inadmissibilidade invocada a título subsidiário pela Comissão (v. n.o 12, supra).

3.      Quanto à existência de um ato impugnável

128    A Comissão alega que, caso o Tribunal Geral declare que a recorrente é diretamente afetada pela isenção em causa, o recurso não deixa de ser admissível, na medida em que o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 não constitui um ato impugnável, uma vez que não afeta os interesses da recorrente alterando significativamente a sua situação jurídica. Segundo a Comissão, uma eventual flexibilização da jurisprudência relativa ao requisito da afetação direta que resulta da transposição para o presente processo da solução adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873), criaria um risco de actio popularis e, para mitigar este risco, deveria ser acompanhada pela demonstração por parte da recorrente, no que respeita ao requisito do ato impugnável, da existência de uma alteração significativa da sua situação jurídica.

129    A título preliminar, importa recordar que o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 tem por objeto isentar as importações de PVA originárias da China dos direitos antidumping definitivos impostos pelo artigo 1.o, n.o 1, do referido regulamento, quando o PVA é importado para o fabrico de adesivos secos produzidos e vendidos em pó para a indústria do cartão.

130    Por conseguinte, o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 produz efeitos jurídicos em relação a terceiros, na aceção do artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE.

131    No entanto, o Tribunal de Justiça declarou que constituíam atos suscetíveis de ser objeto de um recurso de anulação na aceção do artigo 263.o TFUE as medidas que produziam efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, alterando significativamente a sua situação jurídica (Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 9).

132    A este respeito, a jurisprudência referida no n.o 131, supra, foi desenvolvida no âmbito de recursos interpostos perante o juiz da União por pessoas singulares ou coletivas contra os atos de que eram destinatárias. Quando, como sucede no presente processo, um recurso de anulação é interposto por um recorrente não privilegiado contra um ato de que não é o destinatário, o requisito segundo o qual os efeitos jurídicos vinculativos da medida impugnada devem ser suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, alterando significativamente a sua situação jurídica, confunde‑se com os requisitos de admissibilidade desse recurso de anulação, tal como existiam antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, ou seja, com os requisitos atualmente previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, com exceção do terceiro elemento deste parágrafo (v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 38, e Despacho de 15 de abril de 2021, Validity e Center for Independent Living/Comissão, C‑622/20 P, não publicado, EU:C:2021:310, n.o 39).

133    Assim, esta jurisprudência não é aplicável às pessoas singulares ou coletivas não destinatárias do ato recorrido que já preencham os requisitos previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, segundo elemento, TFUE, designadamente, os requisitos da afetação direta e da afetação individual.

134    De igual modo, há que considerar que a jurisprudência referida no n.o 131, supra, não é aplicável às pessoas singulares ou coletivas que não são destinatárias do ato recorrido e que já preencham os requisitos previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro elemento, TFUE.

135    Com efeito, em primeiro lugar, decorre dos trabalhos preparatórios do artigo III‑365, n.o 4, do Projeto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, cujo conteúdo foi reproduzido em termos idênticos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, que o aditamento do terceiro elemento a esta disposição se destinava a alargar os requisitos de admissibilidade dos recursos de anulação às pessoas singulares e coletivas, e que apenas os atos de alcance geral relativamente aos quais se devia manter uma abordagem restritiva eram atos legislativos (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 26).

136    Assim, o objetivo do artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro elemento, TFUE consiste em flexibilizar os requisitos de admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por pessoas singulares e coletivas contra todos os atos de alcance geral, com exceção dos atos legislativos (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Montessori, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 27).

137    Ora, a obrigação, imposta a um recorrente que preencha todos os requisitos previstos no artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro elemento, TFUE, de demonstrar uma alteração «significativa» da sua situação jurídica, a fim de estabelecer que o requisito relativo à existência de um ato impugnável está preenchido, tem por efeito limitar a flexibilização dos requisitos de admissibilidade dos recursos pretendida pelos autores do Tratado FUE.

138    Em segundo lugar, o objetivo prosseguido pelo artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro elemento, TFUE consiste igualmente, como resulta da sua génese, em evitar que um particular seja obrigado a violar a lei para poder recorrer ao juiz (Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 27, e de 6 de novembro de 2018, Montessori, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 58).

139    No caso em apreço, uma inadmissibilidade do presente recurso baseada na inexistência de demonstração, pela recorrente, de uma alteração significativa da sua situação jurídica poderia levá‑la, caso pretendesse prosseguir a sua ação, a apresentar às autoridades aduaneiras competentes um pedido para beneficiar da isenção em causa. Ora, tal obrigação tem um caráter artificial, conforme foi constatado no n.o 68, supra.

140    À luz das considerações expostas nos n.os 129 a 139, supra, há que concluir que a Comissão não pode invocar a exceção de inadmissibilidade relativa ao facto de o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 não produzir em relação à recorrente efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os seus interesses alterando significativamente a sua situação jurídica.

141    Por conseguinte, a exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão a este respeito deve ser julgada improcedente.

142    Há que acrescentar que o risco de actio popularis invocado pela Comissão não foi demonstrado. Com efeito, a constatação da afetação direta da recorrente está limitada, no presente acórdão, à hipótese em que a isenção de direitos antidumping introduz, num regime jurídico comum a determinados utilizadores do produto em causa, uma diferença de tratamento que dá origem a uma situação concorrencial desvantajosa (v. n.os 110 e 111, supra).

143    Resulta do exposto que o presente recurso é admissível.

B.      Quanto ao mérito

144    Importa recordar que, com a Decisão 94/800/CE do Conselho de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO 1994, L 336, p. 1), o Conselho da União Europeia adotou uma decisão de celebrar o acordo que institui a Organização Mundial de Comércio (OMC), assinado em Marraquexe em 15 de abril de 1994 (a seguir «Acordo que institui a OMC»), bem como os acordos que figuram, nomeadamente, no anexo I A deste acordo, entre os quais o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 (JO 1994, L 336, p. 11) e o Acordo relativo à Aplicação do artigo VI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 (JO 1994, L 336, p. 103, a seguir «Acordo Antidumping»).

145    No caso em apreço, a recorrente, que alega que o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 viola o artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base, invoca igualmente o artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping.

146    A recorrente recorda que o artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base e o artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping preveem que os direitos antidumping são instituídos sem discriminação. Em seu entender, a única exceção admitida diz respeito às importações provenientes de fornecedores dos quais tenham sido aceites compromissos.

147    Por conseguinte, devido à isenção em causa, foram instituídos direitos antidumping discriminatórios em prejuízo dos fabricantes de adesivos líquidos, uma vez que estes estão sujeitos a estes direitos, ao passo que os fabricantes de adesivos secos estão isentos dos mesmos.

148    A isenção em causa viola, assim, as disposições referidas no n.o 145, supra.

149    Por outro lado, a recorrente alega que apenas um dos exportadores chineses de PVA pode beneficiar da isenção em causa, nomeadamente, o único fornecedor da Cordial, o fabricante de adesivos secos cuja situação foi tida em conta pela Comissão no Regulamento de Execução 2020/1336. Assim, alega que a isenção em causa é discriminatória em relação a todos os outros exportadores chineses de PVA.

150    A Comissão, na resposta à acusação referida nos n.os 145 a 148, supra, alega, em primeiro lugar, que a diferença de tratamento resultante da isenção em causa não está abrangida pelo âmbito de aplicação da obrigação de não discriminação prevista no artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base, em segundo lugar, que mesmo que fosse esse o caso, essa diferença de tratamento não constituiria uma discriminação na aceção dessa disposição e, em terceiro lugar, que ainda que se concluísse pela existência de uma discriminação, esta seria objetivamente justificada pelo interesse da União, nos termos do artigo 21.o do regulamento de base.

151    A Comissão contesta igualmente a existência da discriminação referida no n.o 149, supra.

152    Resulta das considerações expostas nos n.os 144 a 149, supra, que o único fundamento invocado pela recorrente está dividido em duas acusações, relativas, a primeira, a uma discriminação entre os utilizadores de PVA na União e, a segunda, a uma discriminação entre os exportadores chineses de PVA.

1.      Quanto à discriminação entre os utilizadores de PVA

153    O artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base dispõe o seguinte:

«É instituído um direito antidumping no montante adequado a cada caso, numa base não discriminatória, sobre as importações de determinado produto, qualquer que seja a sua proveniência, que se determine serem objeto de dumping e que causem prejuízo, com exceção das importações provenientes de fornecedores dos quais tenham sido aceites compromissos nos termos do presente regulamento.

[…]»

154    A Comissão alega que o artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base e, em particular, a expressão «numa base não discriminatória» não são aplicáveis a uma diferença de tratamento operada entre os utilizadores do produto em causa, os quais estão estabelecidos no território do membro da OMC que impõe os direitos antidumping.

155    A este respeito, importa sublinhar que a recorrente não invoca uma violação do princípio da igualdade de tratamento. A sua acusação relativa à discriminação entre os utilizadores de PVA limita‑se à invocação de uma violação do artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base.

156    Com efeito, nos seus articulados, a recorrente especifica que o artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base, contrariamente ao princípio geral da igualdade de tratamento, prevê apenas uma única exceção à imposição de direitos antidumping, relativa às importações provenientes de fornecedores dos quais tenha sido aceite um compromisso. Assim, em seu entender, qualquer outra isenção seria necessariamente discriminatória. Acrescenta que a aplicação exigente que esta disposição faz do princípio geral da igualdade de tratamento é muito específica.

157    Tendo em conta a delimitação da acusação da recorrente, há que concluir que, se, como defende a Comissão, o artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base não fosse aplicável a uma diferença de tratamento operada entre os utilizadores do produto em causa, a referida acusação não teria fundamento, o que, por conseguinte, deve ser determinado.

158    Para interpretar o artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base e, em particular, para delimitar o seu âmbito de aplicação, as partes invocam o artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping e a sua interpretação pelos órgãos de resolução de litígios da OMC.

159    O artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping prevê o seguinte:

«Quando um direito antidumping é aplicável a um determinado produto, esse direito será cobrado no montante adequado a cada caso, sem discriminação, sobre as importações do referido produto, qualquer que seja a sua proveniência, caso se tenha verificado que são objeto de dumping e que causam prejuízo, com exceção das importações provenientes de fornecedores dos quais tenham sido aceites compromissos de preços nos termos do presente acordo. […].»

160    A referência efetuada pela recorrente ao artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping deve ser entendida no sentido de que visa interpretar o artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base em conformidade com esta disposição.

a)      Quanto à tomada em consideração das disposições do Acordo que institui a OMC, bem como dos seus anexos, e dos relatórios dos órgãos de resolução de litígios da OMC

161    Importa determinar em que medida, em primeiro lugar, as disposições do Acordo que institui a OMC, bem como os seus anexos e, em segundo lugar, os relatórios dos órgãos de resolução de litígios da OMC podem ser tidos em conta de forma útil para a interpretação de disposições de direito derivado, como o artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base.

1)      Quanto às disposições do Acordo que institui a OMC, bem como dos seus anexos

162    O Tribunal de Justiça declarou, a respeito da influência que um acordo internacional de que a União era parte contratante, como o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994, podia exercer sobre a interpretação de uma disposição de direito derivado, que o primado dos acordos internacionais celebrados pela União sobre os textos de direito derivado determina que estes últimos sejam interpretados, na medida do possível, em conformidade com esses acordos (Acórdãos de 10 de setembro de 1996, Comissão/Alemanha, C‑61/94, EU:C:1996:313, n.o 52, e de 7 de junho de 2007, Řízení Letového Provozu, C‑335/05, EU:C:2007:321, n.o 16).

163    Antes de apreciar se essa interpretação conforme é possível no caso em apreço, há que recordar, a título preliminar, que as disposições do regulamento de base, na medida em que correspondam a disposições do Acordo Antidumping, devem ser interpretadas, na medida do possível, à luz das disposições correspondentes desse acordo (v. Acórdão de 14 de julho de 2021, Interpipe Niko Tube e Interpipe Nizhnedneprovsky Tube Rolling Plant/Comissão, T‑716/19, EU:T:2021:457, n.o 98 e jurisprudência referida).

164    Ora, uma vez que o artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping e o artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base estão redigidos em termos praticamente idênticos, as disposições do segundo correspondem às do primeiro.

165    A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping tinha um âmbito de aplicação equivalente ao do artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base, na medida em que proibia um tratamento discriminatório na cobrança dos direitos antidumping impostos sobre um produto consoante a proveniência das importações em causa (v., por analogia, Acórdão de 17 de dezembro de 2008, HEG e Graphite India/Conselho, T‑462/04, EU:T:2008:586, n.o 39).

166    Por conseguinte, a interpretação do artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base deve ser efetuada, na medida do possível, em conformidade com o artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping.

167    Importa acrescentar que a possibilidade de proceder à interpretação conforme de uma disposição de direito derivado à luz de um acordo internacional, à qual é feita referência na jurisprudência do Tribunal de Justiça mencionada no n.o 162. supra, não é aplicável a uma disposição cujo sentido é claro e inequívoco e que, assim, não exige nenhuma interpretação, como o confirma a expressão «na medida do possível». Com efeito, se esta jurisprudência fosse aplicável em tal caso, o princípio da interpretação conforme dos textos de direito derivado da União serviria de fundamento a uma interpretação contra legem dessa disposição, o que não pode ser aceite (v., por analogia, Acórdão de 13 de julho de 2018, Confédération nationale du Crédit mutuel/BCE, T‑751/16, EU:T:2018:475, n.o 34). Pela mesma razão, se o sentido da disposição de direito derivado em causa não for inequívoco, não pode ser feita uma interpretação conforme quando todas as interpretações possíveis da referida disposição forem contrárias à regra hierarquicamente superior.

168    Assim, quando o sentido da disposição de direito derivado em causa for, por um lado, inequívoco e, por outro, contrário à regra, hierarquicamente superior, prevista no acordo internacional, esta disposição não é suscetível de uma interpretação conforme à referida regra.

169    No caso em apreço, nenhum dos dois requisitos está preenchido.

170    Desde logo, a expressão «sem discriminação» constante do artigo 9.o, n.o 5, do regulamento de base presta‑se a diversas interpretações.

171    Em segundo lugar, uma vez que o artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base é semelhante ao artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping, não se pode considerar que lhe é contrário.

172    Por conseguinte, para determinar o seu alcance, a expressão «numa base não discriminatória», constante do artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base deve ser interpretada em conformidade com a expressão «sem discriminação» constante do artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping.

173    Além disso, no âmbito da interpretação prévia desta última disposição, podem ser tidas em conta outras disposições pertinentes constantes do Acordo que institui a OMC e dos seus anexos. Com efeito, para interpretar um tratado internacional, há que ter em consideração o sentido comum a atribuir aos termos deste no seu contexto e à luz dos objeto e do fim desse tratado (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2018, Bosphorus Queen Shipping, C‑15/17, EU:C:2018:557, n.o 67), como prevê, em matéria de interpretação dos tratados internacionais, o artigo 31.o, n.o 1, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331), a qual faz parte da ordem jurídica da União (Acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita, C‑386/08, EU:C:2010:91, n.o 42) e é tido em consideração pelo órgão de recurso da OMC [Relatório de 20 de maio de 1996, relativo ao litígio «Estados Unidos — Normas aplicáveis à gasolina reformulada e convencional (WT/DS2/AB/R)»].

2)      Quanto aos relatórios dos órgãos de resolução de litígios da OMC

174    O Tribunal de Justiça já declarou que o princípio do direito internacional geral do respeito das obrigações contratuais (pacta sunt servanda), consagrado no artigo 26.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, implica que o juiz da União deve, para efeitos de interpretação e de aplicação do Acordo Antidumping, ter em conta a interpretação das diferentes disposições desse acordo que os órgãos de resolução de litígios da OMC adotaram (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Hubei Xinyegang Special Tube, C‑891/19 P, EU:C:2022:38, n.o 32 e jurisprudência referida).

175    Assim, o Tribunal de Justiça já se baseou em relatórios de um painel ou do órgão de recurso da OMC para fundamentar a sua interpretação de certas disposições de acordos que constam do anexo do Acordo que institui a OMC (v. Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Hubei Xinyegang Special Tube, C‑891/19 P, EU:C:2022:38, n.o 33 e jurisprudência referida).

176    O Tribunal de Justiça admitiu igualmente que os relatórios dos órgãos de resolução de litígios da OMC podiam ser invocados para efeitos da interpretação do direito da União (Acórdãos de 10 de novembro de 2011, X e X BV, C‑319/10 e C‑320/10, não publicado, EU:C:2011:720, n.o 46, e de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Hubei Xinyegang Special Tube, C‑891/19 P, EU:C:2022:38, n.o 34).

177    O Tribunal Geral declarou, por sua vez, que nada o impedia de fazer referência aos relatórios dos órgãos de resolução de litígios da OMC, quando procedia à interpretação das disposições do regulamento de base, tendo em conta as disposições do Acordo Antidumping (v., por analogia, Acórdão de 10 de abril de 2019, Jindal Saw e Jindal Saw Italia/Comissão, T‑300/16, EU:T:2019:235, n.o 103 e jurisprudência referida).

178    Resulta das considerações expostas nos n.os 174 a 177, supra, que o artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base, em particular, a expressão «numa base não discriminatória», que figuram neste artigo, deve ser interpretado em conformidade com a interpretação fornecida pelos órgãos de resolução de litígios da OMC relativamente ao artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping.

b)      Quanto ao caráter aplicável aos utilizadores do produto em causa da proibição de imposição de direitos antidumping discriminatórios

179    Em primeiro lugar, o órgão de recurso da OMC referiu, no n.o 335 do Relatório de 28 de julho de 2011, relativo ao litígio «Comunidades Europeias — Medidas antidumping definitivas sobre determinados elementos de fixação de ferro ou aço provenientes da China (WT/DS397/R)», que o Acordo Antidumping continha regras relativas aos produtos, aos importadores, aos exportadores e aos produtores. Este órgão precisou, no mesmo número do relatório, que o artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping se refere simultaneamente aos produtos e aos fornecedores.

180    É certo que o órgão de recurso da OMC não excluiu explicitamente que a expressão «sem discriminação» que figura no primeiro período do artigo 9.2 do Acordo Antidumping possa ser aplicada aos utilizadores do produto em causa com sede no território do membro da OMC que impõe os direitos antidumping. Contudo, estes operadores económicos não são visados pela proibição de discriminação estabelecida por uma disposição, uma vez que esta, por um lado, não se refere a eles e, por outro, figura num acordo que incide sobre os próprios produtos e sobre outros operadores económicos.

181    Em segundo lugar, resulta da redação do artigo 9.2 do Acordo Antidumping que este diz exclusivamente respeito à origem dos produtos e não à sua utilização no território do membro da OMC que impõe os direitos antidumping.

182    Com efeito, o artigo 9.2 do Acordo Antidumping refere‑se aos fornecedores e à proveniência do produto e não aos seus utilizadores.

183    Em particular, no que respeita à proveniência do produto, o artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping prevê que um direito antidumping será cobrado sem discriminação, sobre as importações do referido produto, «qualquer que seja a sua proveniência», com exceção das importações «provenientes de fornecedores» dos quais tenham sido aceites compromissos de preços nos termos do presente acordo.

184    Ora, o órgão de recurso da OMC referiu no n.o 338 do Relatório de 28 de julho de 2011, relativo ao litígio «Comunidades Europeias — Medidas antidumping definitivas sobre determinados elementos de fixação de ferro ou aço provenientes da China (WT/DS397/R)» que o termo «proveniência» que é referido duas vezes no artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping, fazia referência aos «exportadores ou aos produtores» individuais e não a um país no seu todo. Precisou, no n.o 354 do relatório, que o termo «proveniência» significava «fornecedores». No âmbito do artigo 9.2, do Acordo Antidumping, afigura‑se que este último termo pode ser substituído pelos termos «exportadores» ou «produtores».

185    É certo que, conforme afirma corretamente a recorrente, o órgão de recurso da OMC no litígio em causa se pronunciou sobre a questão de saber se, como alega a União (v. n.os 333 e 337 do relatório), o termo «proveniência» constante do artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping podia remeter para um país no seu todo, e não designar apenas as empresas exportadoras consideradas individualmente.

186    No entanto, independentemente da questão à qual o órgão de recurso de OMC respondeu, este optou, para dar essa resposta, por precisar o significado do termo «proveniência» e fê‑lo sem que nenhum elemento da sua resposta permitisse concluir que o alcance deste significado estava limitado à resposta à questão referida no n.o 185, supra.

187    A definição do termo «proveniência» adotada pelo órgão de recurso da OMC, na medida em que designa os produtores, os exportadores ou os fornecedores, confirma que o artigo 9.2, do Acordo Antidumping diz exclusivamente respeito à proveniência dos produtos e não à sua utilização no território do membro da OMC que impõe os direitos antidumping. Assim, esta definição corrobora a conclusão que figura no n.o 180, supra.

188    Em terceiro lugar, pode salientar‑se que os artigos I e III, do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994, relativos, respetivamente, ao «Tratamento geral da nação mais favorecida» e ao «Tratamento nacional em matéria de tributação e de legislação internas», os quais servem de base à proibição de discriminação no regime jurídico instituído pela OMC, remetem para as discriminações entre «nações» e, por conseguinte, entre os produtos originários de membros distintos da organização, e não às discriminações entre os produtos provenientes de um mesmo membro desta última.

189    Com base em todos os elementos que figuram nos n.os 179 a 188, supra, o artigo 9.2, primeiro período, do Acordo Antidumping não pode ser interpretado no sentido de que a discriminação à qual se refere designa uma diferença de tratamento aplicável aos utilizadores do produto em causa estabelecidos no território do membro da OMC que impõe os direitos antidumping.

190    Atendendo ao exposto nos n.os 162 a 172, supra, a expressão «numa base não discriminatória», constante do artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base deve ser interpretada no mesmo sentido.

191    Por conseguinte, não sendo o artigo 9.o, n.o 5, primeiro parágrafo, do regulamento de base aplicável aos utilizadores do produto em causa, a recorrente não pode utilmente invocar esta disposição para contestar uma diferença de tratamento aplicada aos utilizadores do produto em causa estabelecidos na União.

192    Assim, a presente acusação deve ser julgada inoperante.

2.      Quanto à discriminação entre os diferentes exportadores chineses

193    A recorrente recorda que a Cordial só tem um fornecedor de PVA, conforme resulta do considerando 618 do Regulamento de Execução 2020/1336, e que este fornecedor é um exportador chinês.

194    Na medida em que a isenção em causa está limitada ao PVA destinado ao fabrico de adesivos secos, que são produzidos pela Cordial, o exportador chinês beneficia, segundo a recorrente, de um tratamento favorável em relação aos outros exportadores chineses de PVA.

195    A este respeito, resulta do artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento de Execução 2020/1336 que, ao sujeitar a isenção em causa à condição de o PVA importado ser destinado ao fabrico de adesivos secos e vendidos em pó para a indústria do cartão, esta disposição fixa condições de caráter geral e abstrato (v. n.o 51, supra). Assim, a isenção pode dizer respeito aos produtos de qualquer operador económico que exporte PVA destinado ao fabrico de adesivos secos (v. n.o 52, supra). Deste modo, não é exclusiva do fornecedor da Cordial.

196    Por conseguinte, os produtos de todos os exportadores chineses de PVA são, em princípio, elegíveis para a isenção em causa.

197    No entanto, a recorrente alega que, na realidade, a isenção em causa apenas beneficia o fornecedor chinês da Cordial.

198    Importa recordar que o Tribunal Geral pode fazer referência aos relatórios dos órgãos de resolução de litígios da OMC quando procede à interpretação do regulamento de base, à luz do Acordo Antidumping (v. n.os 174 a 178, supra).

199    Ora, o n.o 7.101 do Relatório do Painel de 7 de abril de 2000, relativo ao litígio «Canadá — Proteção concedida pela patente para produtos farmacêuticos» (WT/DS114)» faz referência ao conceito de «discriminação de facto». É aí referido que uma discriminação de facto é um termo geral que descreve a conclusão jurídica segundo a qual uma medida aparentemente neutra viola uma norma relativa à proibição de discriminação, uma vez que o seu efeito real é a imposição de uma diferença de tratamento desvantajosa.

200    Além disso, o conceito de «discriminação de facto» já é utilizado pelo direito da União, embora em matéria de auxílios de Estado, para constatar que uma medida nacional que se apresente não sob a forma de um benefício fiscal derrogatório de um regime fiscal comum, mas sim sob a forma de um regime fiscal geral que assenta em critérios de natureza geral, efetua, na realidade, uma discriminação de facto entre empresas que se encontrem numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 74).

201    Por último, o conceito de «discriminação de facto» assemelha‑se ao conceito, mais generalizado no direito da União, de «discriminação indireta» (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de outubro de 1993, Spotti, C‑272/92, EU:C:1993:848, n.os 17 e 18, e de 7 de maio de 1998, Clean Car Autoservice, C‑350/96, EU:C:1998:205, n.os 29 a 31), conceito igualmente consagrado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH, 13 de novembro de 2007, D.H. e o. c. República Checa, CE:ECHR:2007:1113JUD005732500, §§ 193 a 195) e que remete para todas as formas dissimuladas de discriminação que conduzam ao mesmo resultado que uma discriminação ostensiva (v., neste sentido, Acórdão de 24 de setembro de 1998, Comissão/França, C‑35/97, EU:C:1998:431, n.os 37 e 38).

202    Por conseguinte, com base nos elementos apresentados pela recorrente em apoio da afirmação referida no n.o 197, supra, importa determinar se a isenção em causa está na origem a uma discriminação de facto ou indireta entre os exportadores chineses de PVA.

203    Em primeiro lugar, a acusação da recorrente segundo a qual apenas um exportador chinês de PVA, o fornecedor da Cordial, poderia beneficiar da isenção em causa, exige que se aprecie se a referida isenção é suscetível de beneficiar apenas a Cordial.

204    A este respeito, o processo que permite o fabrico de adesivos secos produzidos e vendidos em pó para a indústria do cartão é descrito como inovador no considerando 623 do Regulamento de Execução 2020/1336.

205    Não obstante, não resulta dos autos nem, nomeadamente, dos elementos apresentados pela recorrente, que a Cordial é o único fabricante de adesivos secos da União.

206    Além disso, nenhum elemento dos autos, nomeadamente, nenhum dos elementos apresentados pela recorrente permite presumir que seria impossível ou particularmente difícil para qualquer outro operador económico distinto da Cordial fabricar tais produtos. A este respeito, não resulta dos elementos dos autos que existe um obstáculo jurídico, técnico ou financeiro que se oponha à entrada de tal operador no mercado dos adesivos secos.

207    Assim, a existência de outros fabricantes de adesivos secos ou a sua entrada no mercado dos referidos adesivos não podem ser excluídas. Ora, nada permite presumir que outros fabricantes de adesivos secos já se abastecem ou poderiam abastecer‑se junto do fornecedor de PVA da Cordial, e não junto de outros fornecedores, nomeadamente, os exportadores chineses de PVA. Por conseguinte, não se pode excluir que outros exportadores chineses de PVA distintos do fornecedor da Cordial possam beneficiar da isenção em causa.

208    Em segundo lugar, os considerandos 618 e 624 do Regulamento de Execução 2020/1336 referem que o tipo de PVA importado pela Cordial é especificamente desenvolvido em cooperação com o seu fornecedor e que seria necessária uma relação de longo prazo para que os fornecedores se adaptassem aos requisitos dos produtos da Cordial.

209    No entanto, a persistência de uma situação em que a Cordial tem apenas um único fornecedor depende de uma escolha dos produtores de PVA, nomeadamente dos exportadores chineses deste produto, e não de elementos exteriores que a eles se impõem (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 1990, Nashua Corporation e o./Comissão e Conselho, C‑133/87 e C‑150/87, EU:C:1990:115, n.os 40 e 41).

210    Com efeito, nenhum elemento dos autos nem, nomeadamente, nenhum dos elementos apresentados pela recorrente permite presumir que os exportadores chineses de PVA distintos do fornecedor da Cordial não seriam capazes de adaptar a sua produção para dar resposta à procura específica desta produção referida no n.o 208, supra.

211    Assim, não se exclui que outros exportadores chineses distintos do fornecedor da Cordial possam, caso pretendam fazê‑lo, dar resposta às necessidades de abastecimento desta.

212    Por outro lado, resulta do considerando 624 do Regulamento de Execução 2020/1336 que a Cordial apresentou elementos de prova de que, no passado, tentou efetivamente adquirir o PVA a um produtor de Taiwan, mas não conseguiu concluir o negócio, pois esse produtor vendia exclusivamente através de um comerciante na União e não estava disposto a adaptar os seus produtos aos requisitos da Cordial.

213    A vontade da Cordial de limitar a sua dependência em relação ao seu fornecedor de PVA resulta do considerando 624 do Regulamento de Execução 2020/1336 e, em particular, do seguinte extrato, não contestado pela recorrente:

«[A Cordial] já tinha tentado estabelecer novas parcerias, mas, devido à sua pequena dimensão, não conseguira estabelecer uma relação de longo prazo com fornecedores alternativos […]. A empresa apresentou elementos de prova de que, no passado, tentara efetivamente adquirir o PVA a um produtor de Taiwan, mas não pudera concluir o negócio, pois esse produtor vendia exclusivamente através de um comerciante na [União] e não estava disposto a adaptar os seus produtos aos requisitos da Cordial. […]»

214    Resulta deste considerando que a Cordial estaria disposta a responder favoravelmente às diligências de outros exportadores de PVA, nomeadamente, chineses, destinadas a fornecer‑lhe esse produto.

215    Assim se corrobora a conclusão exposta no n.o 211, supra, segundo a qual outros exportadores chineses distintos do fornecedor da Cordial poderiam, caso pretendessem fazê‑lo, atender às necessidades de abastecimento desta última.

216    Resulta das considerações expostas nos n.os 203 a 215, supra, que a existência de obstáculos que excluem efetivamente a aplicação da isenção em causa a outros exportadores chineses de PVA distintos do fornecedor da Cordial não está estabelecida.

217    Por conseguinte, a existência de uma diferença de tratamento desfavorável de que seriam vítimas os exportadores chineses de PVA distintos do fornecedor da Cordial, não está demonstrada. Na falta desta diferença de tratamento, não se pode considerar que a eventual discriminação de facto ficou estabelecida (v., neste sentido, Acórdão de 23 de outubro de 2003, Changzhou Hailong Electronics & Light Fixtures e Zhejiang Yankon/Conselho, T‑255/01, EU:T:2003:282, n.o 61).

218    Em face do exposto, a segunda acusação e o fundamento de recurso no seu todo devem ser julgados improcedentes.

219    Assim, há que negar provimento ao recurso.

IV.    Quanto às despesas

220    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

221    Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Grünig KG é condenada nas despesas.

da Silva Passos

Valančius

Reine

Truchot

 

      Sampol Pucurull

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de dezembro de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.