ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

19 de Junho de 2008 (*)

«Contratos públicos – Directiva 92/50/CEE – Processos de adjudicação de contratos públicos de serviços – Conceito de ‘adjudicação de contrato’»

No processo C‑454/06,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Bundesvergabeamt (Áustria), por decisão de 10 de Novembro de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de Novembro de 2006, no processo

pressetext Nachrichtenagentur GmbH

contra

Republik Österreich (Bund),

APA‑OTS Originaltext‑Service GmbH,

APA Austria Presse Agentur registrierte Genossenschaft mit beschränkter Haftung,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, U. Lõhmus, J. N. Cunha Rodrigues (relator), A. Ó Caoimh e A. Arabadjiev, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de Janeiro de 2008,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da pressetext Nachrichtenagentur GmbH, por G. Estermann, Rechtsanwalt,

–        em representação da Republik Österreich (Bund), por A. Schittengruber e C. Mayr, na qualidade de agentes,

–        em representação da APA‑OTS Originaltext‑Service GmbH e da APA Austria Presse Agentur registrierte Genossenschaft mit beschränkter Haftung, por J. Schramm, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann e C. Mayr, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo francês, por J.‑C. Gracia, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo lituano, por D. Kriaučiūnas, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Kukovec e R. Sauer, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 13 de Março de 2008,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), e da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras [e] de fornecimentos (JO L 395, p. 33), conforme alterada pela Directiva 92/50 (a seguir «Directiva 89/665»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a pressetext Nachrichtenagentur GmbH (a seguir «PN»), por um lado, e a Republik Österreich (Bund), a APA‑OTS Originaltext‑Service GmbH (a seguir «APA‑OTS») e a APA Austria Presse Agentur registrierte Genossenschaft mit beschränkter Haftung (a seguir «APA»), por outro, a propósito de um contrato relativo aos serviços de agência noticiosa.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3        O artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 92/50 dispõe:

«Na adjudicação dos seus contratos públicos de prestação de serviços, ou na organização de concursos para trabalhos de concepção, as entidades adjudicantes aplicarão procedimentos adaptados ao disposto na presente directiva.»

4        Nos termos do artigo 8.° desta directiva:

«Os contratos que tenham por objecto serviços enumerados no anexo I A serão celebrados de acordo com o disposto nos títulos III a VI.»

5        Nos termos do artigo 9.° da referida directiva:

«Os contratos que tenham por objecto serviços enumerados no anexo I B serão celebrados de acordo com o disposto nos artigos 14.° e 16.°»

6        O artigo 10.° da mesma directiva prevê:

«Os contratos que tenham simultaneamente por objecto serviços enumerados no anexo I A e serviços enumerados no anexo I B serão celebrados de acordo com o disposto nos títulos III a VI sempre que o valor dos serviços enumerados no anexo I A seja superior ao valor dos serviços enumerados no anexo I B. Caso contrário, serão celebrados de acordo com o disposto nos artigos 14.° e 16.°»

7        O artigo 11.°, n.° 3, da referida directiva dispõe:

«As entidades adjudicantes podem celebrar contratos públicos de serviços recorrendo a um procedimento por negociação, sem publicação prévia de um anúncio, nos seguintes casos:

[…]

e)      Quando se trate de serviços complementares não incluídos no projecto inicialmente considerado ou no primeiro contrato celebrado, mas que, na sequência de circunstâncias imprevistas, se tenham tornado necessários para a execução do serviço descrito nesses documentos, na condição de a adjudicação ser feita ao prestador de serviços que executa esse serviço:

–        quando esses serviços complementares não possam ser técnica ou economicamente separados do contrato principal sem graves inconvenientes para as entidades adjudicantes, ou

–        quando os serviços em questão, embora possam ser separados da execução do contrato inicial, sejam absolutamente necessários para as fases posteriores do contrato.

No entanto, o valor cumulado estimado dos contratos celebrados relativamente a serviços complementares não pode exceder 50% do montante do contrato principal;

f)      Quando se trate de novos serviços que consistam na repetição de serviços similares confiados ao prestador de serviços a quem foi adjudicado um contrato anterior pelas mesmas entidades adjudicantes, desde que esses serviços estejam em conformidade com um projecto de base, projecto esse que tenha sido objecto de um primeiro contrato celebrado de acordo com os procedimentos referidos no n.° 4. A possibilidade de recurso ao procedimento por negociação deve ser indicado aquando da abertura do concurso para o primeiro projecto, devendo o custo total estimado dos serviços subsequentes ser tomado em consideração pelas entidades adjudicantes para efeitos de aplicação do disposto no artigo 7.° O recurso ao procedimento por negociação apenas será possível no triénio subsequente à celebração do contrato inicial.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        A APA foi constituída na Áustria, sob a forma de uma cooperativa registada de responsabilidade limitada, após a Segunda Guerra Mundial. A quase totalidade dos jornais diários austríacos e a rádio‑televisão austríaca, a ORF, eram membros desta cooperativa. Juntamente com as suas filiais, a APA é o principal operador no mercado austríaco das agências noticiosas e fornece tradicionalmente à Republik Österreich (Bund) diferentes prestações de agência noticiosa.

9        A PN está presente no mercado austríaco das agências noticiosas desde 1999, mas só de forma muito limitada redigiu comunicados de imprensa para as autoridades federais austríacas. A PN emprega menos colaboradores jornalistas do que a APA e não dispõe de arquivos tão importantes como os desta última.

10      No ano de 1994, ou seja, anteriormente à sua adesão à União Europeia, a Republik Österreich (Bund) celebrou um contrato (a seguir «contrato de base») com a APA, o qual previa o fornecimento de certos serviços contra remuneração. Este contrato permite essencialmente às autoridades federais austríacas consultar e utilizar informações sobre a actualidade (função dita «serviço de base»), pedir informações e comunicados de imprensa de carácter histórico, provenientes de uma base de dados da APA, designada «APADok», e também utilizar o serviço de textos originais da APA, designado «OTS», tanto para sua informação como para a difusão dos seus próprios comunicados de imprensa. A base de dados APADok compreende os dados do serviço de base desde 1 de Janeiro de 1988 e os comunicados tratados pelo serviço OTS desde 1 de Janeiro de 1989.

11      O contrato de base foi celebrado por tempo indeterminado, sob reserva de uma cláusula através da qual as partes renunciavam à rescisão do mesmo até 31 de Dezembro de 1999.

12      O § 2, alínea c), do contrato de base estipulava:

«Para a consulta em linha dos serviços de informação da APA definidos no § 1, a APA factura a título de licença pela exploração do sistema de processamento electrónico dos dados, por minuto CPU (tempo líquido), um preço correspondente ao preço escalonado do consumo mais baixo da tarifa oficial (actualmente 67 ATS, sem imposto, por minuto CPU) menos 15%.»

13      Este contrato continha igualmente disposições relativas à data do primeiro aumento dos preços, ao montante máximo de cada aumento e à indexação dos preços com base no índice dos preços ao consumidor do ano de 1986, sendo o valor de referência o índice calculado para o ano de 1994. A este respeito, o § 5, n.° 3, do referido contrato previa, nomeadamente, que: «[…] acorda‑se expressamente que os valores das remunerações previstas no § 2, alíneas a) e b), são garantias constantes. Para o cálculo da indexação, há que partir do índice dos preços ao consumidor 86 (VPI 86) publicado pelo organismo central de estatísticas austríaco (ÖSTAT) ou do índice seguinte que o substitua».

14      Em Setembro de 2000, a APA constituiu, sob a forma de uma sociedade de responsabilidade limitada, a APA‑OTS, uma filial que detém a 100%. Entre estas duas sociedades existe um acordo de transferência dos lucros e perdas do qual resulta, segundo a APA e a APA‑OTS, que esta última está financeira, administrativa e economicamente integrada na APA e que deve conduzir e gerir os seus negócios segundo as instruções dadas pela APA. A APA‑OTS é, além disso, obrigada a transferir os seus lucros anuais para a APA, a qual, por seu lado, deve proceder à compensação das perdas anuais da APA‑OTS, caso existam.

15      Em Setembro de 2000, a APA transferiu para a APA‑OTS as suas actividades relativas ao serviço OTS. A Republik Österreich (Bund) foi informada desta alteração em Outubro de 2000. Um colaborador da APA, habilitado a representá‑la, assegurou às autoridades austríacas que, na sequência desta transferência de actividades, a APA era solidariamente responsável com a APA‑OTS e que a prestação global existente não sofria alterações. As autoridades austríacas deram então o seu acordo para que o serviço OTS fosse fornecido pela APA‑OTS e, desde então, remuneram directamente a APA‑OTS por esse serviço.

16      Além disso, as disposições do contrato de base foram modificadas por um primeiro aditamento ao contrato, celebrado no decurso do ano de 2001 e que começou a produzir efeitos em 1 de Janeiro de 2002. No momento da transição para o euro, este aditamento adaptou o contrato inicial, tal como é indicado nos n.os 17 a 20 do presente acórdão.

17      Em primeiro lugar, o montante da licença anual pela utilização dos artigos de redacção e dos arquivos de imprensa, de 10 080 000 ATS, foi substituído pelo montante de 800 000 euros. Devido à cláusula de indexação, o preço para o ano de 2002 deveria ter sido de 11 043 172 ATS (arredondado para ter em conta a transição para o euro para 802 538,61 euros). Foi decidido considerar, não este montante mas o número redondo de 800 000 euros, o que corresponde a uma redução de 0,3%.

18      Em segundo lugar, o preço fixado para a consulta em linha dos serviços de informação da APA, que era de 67 ATS (1) por minuto, foi substituído por um preço de 4,87 euros por minuto. Sob reserva do arredondamento efectuado aquando da transição para o euro, o montante intrínseco deste preço não foi modificado.

19      Em terceiro lugar, para o cálculo da indexação, o índice calculado para o ano de 1994 com base no índice dos preços ao consumidor de 1986 foi substituído, como ponto de referência, pelo índice calculado para o ano de 2001 com base no índice dos preços ao consumidor de 1996. A este respeito, o primeiro aditamento modificou, nomeadamente, o § 5, n.° 3, do contrato de base, no sentido seguinte:

«Acorda‑se expressamente que os valores das remunerações previstas no § 2, alíneas a) e b), são garantias constantes. Para o cálculo da indexação, há que partir do índice dos preços ao consumidor 96 (VPI 96), publicado pelo ÖSTAT ou do índice seguinte que o substitua.»

20      Em quarto lugar, em derrogação a este mecanismo de indexação, certos preços foram fixados imediatamente para os anos de 2002 a 2004. Com efeito, o preço de 8,50 ATS por linha para a inserção dos comunicados de imprensa no serviço OTS foi substituído por preços fixos de 0,66 euros por linha para o ano de 2002, 0,67 euros para o ano de 2003 e 0,68 euros para o ano de 2004. Se a cláusula de indexação tivesse sido aplicada, o preço deveria ter aumentado, para o ano de 2002, para 9,31 ATS por linha (arredondado para 0,68 euros por linha). Por conseguinte, o preço foi reduzido em 2,94% para o ano de 2002 e em 1,47% para o ano de 2003.

21      Um segundo aditamento ao contrato, celebrado no mês de Outubro de 2005 e que começou a produzir efeitos em 1 de Janeiro de 2006, introduziu duas outras alterações no contrato de base. Com este segundo aditamento, o contrato de base foi alterado, como indicado nos n.os 22 e 23 do presente acórdão.

22      Por um lado, a renúncia à rescisão, acordada no contrato de base até 31 de Dezembro de 1999, foi renovada até 31 de Dezembro de 2008.

23      Por outro lado, o desconto concedido sobre o preço da consulta em linha dos serviços de informação da APA, fixado em 15% no contrato de base, foi aumentado para 25%. A este respeito, o segundo aditamento modificou o § 2, alínea c), do contrato de base nos termos seguintes:

«As disposições seguintes do [contrato de base, conforme alterado pelo primeiro aditamento], são alteradas da seguinte forma, a partir de 1 de Janeiro de 2006:

1.      No § 2, alínea c), a percentagem de 15% é substituída pela de 25%.

[…]»

24      No decurso do ano de 2004, a PN propôs os seus serviços de agência noticiosa à Republik Österreich (Bund), mas esta proposta não conduziu à celebração de um contrato.

25      Por recurso interposto em 4 e 19 de Julho de 2006, a PN pediu ao Bundesvergabeamt que declarasse, a título principal, que a divisão do contrato de base, na sequência da reestruturação da APA em 2000, bem como os aditamentos celebrados nos anos de 2001 e de 2005, qualificados pela PN como «adjudicações de facto», eram ilícitos e, a título subsidiário, que a escolha dos diferentes processos de adjudicação em causa tinha carácter ilegal.

26      Relativamente aos prazos de recurso, o Bundesvergabeamt precisa que, embora as operações impugnadas tenham sido efectuadas nos anos de 2000, 2001 e 2005, a via de recurso utilizável em direito nacional contra as adjudicações de contratos ilegais (a saber, um pedido de declaração com efeito resolutivo do contrato) só foi criada mais tarde, com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 2006. O prazo previsto para tal recurso é de seis meses a contar da adjudicação ilegal. O órgão jurisdicional de reenvio considera que é apropriado aplicar o § 1496 do Código Civil austríaco, segundo o qual, se os meios jurídicos previstos não puderem ser exercidos, os prazos de prescrição não podem correr, na condição de tal aplicação ser conforme ao direito comunitário.

27      Nestas condições, o Bundesvergabeamt decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)      O [termo] ‘adjudicação’ contido no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 92/50 e o [termo] ‘celebrados’ previsto nos artigos 8.° e 9.° da [mesma] [d]irectiva […] devem ser interpretados no sentido de que também abrangem os casos em que uma entidade adjudicante pretende receber prestações futuras de um prestador de serviços [constituído sob] a forma de uma sociedade de capitais, quando estas prestações foram anteriormente realizadas por um prestador de serviços diferente, que, por um lado, é o único sócio do futuro prestador de serviços e, por outro, controla a referida sociedade através de instruções? Neste caso, é juridicamente relevante o facto de não ter sido assegurado à entidade adjudicante que as participações sociais no futuro prestador de serviços, durante todo o período de vigência do contrato inicial, não serão vendidas, na totalidade ou em parte, a terceiros e de também não lhe ter sido garantido que a composição societária do prestador de serviço, originariamente uma cooperativa, não [será] alterada durante todo o período de vigência do contrato?

2)      O [termo] ‘adjudicação’ contido no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 92/50 e o termo ‘celebrados’ previsto nos artigos 8.° e 9.° da [mesma] [d]irectiva devem ser interpretados no sentido de que também abrangem os casos em que, durante o período de [vigência] de um contrato celebrado com os prestadores de serviços por tempo indeterminado para a prestação conjunta de serviços, uma entidade adjudicante acorda com estes alterações da remuneração de determinadas prestações contratuais e modifica uma cláusula de indexação do preço, quando estas alterações originem remunerações diferentes e sejam motivadas pela transição para o euro?

3)      O [termo] ‘adjudicação’ contido no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 92/50 e o [termo] ‘celebrados’ previsto nos artigos 8.° e 9.° da [mesma] [d]irectiva […] devem ser interpretados no sentido de que também abrangem os casos em que, durante o período de [vigência] de um contrato celebrado com os prestadores de serviços por tempo indeterminado para a prestação conjunta de serviços, uma entidade adjudicante acorda com estes, mediante um [aditamento ao contrato], por um lado, a renovação por mais três anos duma cláusula de renúncia à rescisão que já não era válida à data da celebração do [aditamento], e, por outro, a fixação de descontos superiores aos existentes [sobre certos preços] condicionad[o]s à quantidade [num] domínio específico de prestações?

4)      No caso de se afirmar que existe uma adjudicação na acepção de uma das três primeiras questões: O artigo 11.°, n.° 3, alínea b), da Directiva 92/50 […] ou outras disposições comunitárias como, em particular, o princípio da transparência, devem ser interpretados no sentido de que permitem a uma entidade adjudicante adjudicar prestações [no âmbito de um] contrato de prestação de serviços único recorrendo a um procedimento por negociação, sem publicação prévia de um anúncio, quando parte das prestações [de serviços abrange] direitos exclusivos como os referidos no artigo 11.°, n.° 3, alínea b), da Directiva 92/50 […]? Ou, pelo contrário, o princípio da transparência ou outras normas comunitárias impõem, nes[s]e caso, que, na adjudicação da prestação de serviços maioritariamente não prioritários, se publique um anúncio de concurso antes de se proceder à adjudicação, para permitir às empresas interessadas verificar se as prestações efectivamente adjudicadas estão abrangidas pela protecção de direitos exclusivos? Ou as disposições comunitárias relativas à adjudicação de contratos públicos obrigam a que, nes[s]e caso, as prestações só possam ser adjudicadas em processos de adjudicação separados, consoante [abranjam] ou não […] direitos exclusivos, para permitir, pelo menos parcialmente, a realização de um concurso?

5)      No caso de [se responder] à quarta questão no sentido de que uma entidade adjudicante pode adjudicar [no âmbito de um contrato] único prestações sujeitas a direitos exclusivos juntamente com prestações não sujeitas a esses direitos: [Se uma empresa não detiver] um direito de disposição próprio sobre dados abrangidos por um direito exclusivo de uma empresa com uma posição dominante no mercado, pode [justificar] a sua capacidade para prestar a totalidade da prestação a uma entidade adjudicante, nos termos do direito dos contratos públicos, invocando o artigo 82.° CE e a obrigação dele decorrente de a empresa com uma posição dominante no mercado num Estado‑Membro da Comunidade Europeia e que possui um poder de disposição sobre os dados dever disponibilizá‑los em condições razoáveis?

6)      No caso de [se responder às] questões primeira, segunda e terceira no sentido de que a cessão […] parcial [do contrato] ocorrida em 2000 e/ou um ou [o]s [dois aditamentos] indicad[o]s consubstanciam adjudicações novas, e ainda no caso de [se responder a] quarta questão no sentido de que, na adjudicação separada de prestações em que não estão em causa direitos exclusivos ou na adjudicação de um contrato conjunto de serviços (no presente caso, comunicados de imprensa, serviço de base e direitos de utilização dos APADok) a entidade adjudicante devia ter publicado previamente um anúncio de concurso para assegurar a respectiva transparência e a possibilidade de controlo da adjudicação planeada: O conceito de ‘lesad[o]’ contido no artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 89/665 […] [e] no artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da [mesma] [d]irectiva […] deve ser interpretado no sentido de que, num caso como o presente, uma empresa foi lesada na acepção destas disposições […] desde logo ao ser privada da possibilidade de participar num concurso por a entidade adjudicante não ter procedido, antes da adjudicação, à publicação do anúncio de concurso com base no qual a empresa se poderia ter candidatado ao contrato a adjudicar ou [apresentado uma proposta] ou submetido ao exame das autoridades competentes para o [controlo] das adjudicações a [pretensa] existência de direitos exclusivos?

7)      Os princípios comunitários da equivalência, da tutela jurídica efectiva ou da efectividade devem ser interpretados, tendo em conta as restantes disposições do direito comunitário, no sentido de que conferem a uma empresa um direito subjectivo incondicional contra um Estado‑Membro de reclamar às autoridades nacionais competentes o ressarcimento dos danos resultantes da [adjudicação] de um contrato em violação das normas comunitárias relativas à adjudicação, [durante pelo menos seis] meses [a contar da data] em que pôde tomar conhecimento da adjudicação ilegal do contrato, devendo‑lhe ser concedido um prazo adicional correspondente ao período durante o qual não lhe foi possível fazer valer o seu direito por falta de base jurídica nacional, quando o prazo de prescrição para o exercício do direito ao ressarcimento de danos emergentes de actos ilegais à luz do direito nacional é de [três] anos a contar do momento em que se tem conhecimento do dano e do seu autor e o referido prazo de prescrição não corre quando não existem mecanismos de tutela jurídica num determinado âmbito jurídico?»

 Quanto às questões prejudiciais

28      Há que salientar, a título preliminar, que, ainda que o contrato em causa no processo principal tenha sido celebrado antes de a República da Áustria aderir à União Europeia, as regras comunitárias na matéria aplicam‑se a um tal contrato a partir da data de adesão deste Estado (v., neste sentido, acórdão de 24 de Setembro de 1998, Tögel,C‑76/97, Colect., p. I‑5357, n.° 14).

29      Com as suas três primeiras questões, o Bundesvergabeamt pretende, no essencial, saber em que condições as alterações efectuadas num contrato existente entre uma entidade adjudicante e um prestador de serviços podem ser consideradas uma nova adjudicação de um contrato público de serviços na acepção da Directiva 92/50.

30      A Directiva 92/50 não contém uma resposta explícita a estas questões, mas comporta várias indicações pertinentes que há que situar no quadro geral das regras comunitárias em matéria de contratos públicos.

31      Resulta da jurisprudência que o objectivo principal das regras comunitárias em matéria de contratos públicos é assegurar a livre circulação dos serviços e a abertura à concorrência não falseada em todos os Estados‑Membros (v. acórdão de 11 de Janeiro de 2005, Stadt Halle e RPL Lochau, C‑26/03, Colect., p. I‑1, n.° 44). Este duplo objectivo é expressamente afirmado nos segundo, sexto e vigésimo considerandos da Directiva 92/50.

32      Para alcançar este duplo objectivo, o direito comunitário aplica nomeadamente o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, o princípio da igualdade de tratamento dos proponentes e a obrigação de transparência que decorre de tais princípios (v., neste sentido, acórdãos de 18 de Novembro de 1999, Unitron Scandinavia e 3‑S,C‑275/98, Colect., p. I‑8291, n.° 31; de 7 de Dezembro de 2000, Telaustria e Telefonadress, C‑324/98, Colect., p. I‑10745, n.os 60 e 61, bem como de 29 de Abril de 2004, Comissão/CAS Succhi di Frutta, C‑496/99 P, Colect., p. I‑3801, n.os 108 e 109).

33      No que diz respeito aos contratos que se enquadram no âmbito da Directiva 92/50 e que têm por objecto, exclusiva ou maioritariamente, serviços que figuram no seu anexo I A, esta directiva põe em prática estes princípios e esta obrigação de transparência impondo, nomeadamente, certos procedimentos de adjudicação. Quanto aos contratos abrangidos por esta directiva, que têm por objecto, exclusiva ou maioritariamente, serviços que figuram no seu anexo I B, esta directiva não impõe as mesmas regras quanto aos procedimentos de adjudicação, permanecendo todavia esta categoria de contratos públicos de serviços sujeita às regras fundamentais do direito comunitário e à obrigação de transparência que delas decorre (v., neste sentido, acórdão de 13 de Novembro de 2007, Comissão/Irlanda,C‑507/03, ainda não publicado na Colectânea, n.os 26, 30 e 31).

34      Com vista a assegurar a transparência dos processos e a igualdade de tratamento dos proponentes, as alterações introduzidas nas disposições de um contrato público durante a sua vigência constituem uma nova adjudicação do contrato, na acepção da Directiva 92/50, quando apresentem características substancialmente diferentes das do contrato inicial e sejam, consequentemente, susceptíveis de demonstrar a vontade das partes de renegociar os termos essenciais do contrato (v., neste sentido, acórdão de 5 de Outubro de 2000, Comissão/França,C‑337/98, Colect., p. I‑8377, n.os 44 e 46).

35      A alteração de um contrato público vigente pode ser considerada substancial quando introduz condições que, se tivessem figurado no procedimento de adjudicação inicial, teriam permitido admitir proponentes diferentes dos inicialmente admitidos ou teriam permitido aceitar uma proposta diferente da inicialmente aceite.

36      Da mesma forma, uma alteração do contrato inicial pode ser considerada substancial quando alarga o contrato, numa medida importante, a serviços inicialmente não previstos. Esta última interpretação é confirmada no artigo 11.°, n.° 3, alíneas e) e f), da Directiva 92/50, que impõe, para os contratos públicos de serviços que têm por objecto, exclusiva ou maioritariamente, serviços que figuram no anexo I A desta directiva, restrições quanto à medida em que as entidades adjudicantes podem recorrer ao procedimento por negociação para adjudicar serviços complementares dos que constituem objecto de um contrato inicial.

37      Uma alteração pode igualmente ser considerada substancial quando modifica o equilíbrio económico do contrato a favor do adjudicatário do contrato de uma forma que não estava prevista nos termos do contrato inicial.

38      É à luz das considerações precedentes que há que responder às questões submetidas ao Tribunal de Justiça.

 Quanto à primeira questão

39      Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio tem em vista a transferência para a APA‑OTS, no decurso do ano de 2000, dos serviços OTS fornecidos até então pela APA. No essencial, pergunta se uma mudança de co‑contratante, em circunstâncias como as do processo principal, constitui uma nova adjudicação do contrato na acepção dos artigos 3.°, n.° 1, 8.° e 9.° da Directiva 92/50.

40      Em geral, deve considerar‑se que a substituição do co‑contratante ao qual a entidade adjudicante tinha inicialmente adjudicado o contrato por um novo co‑contratante constitui uma alteração de um dos termos essenciais do contrato público em causa, a menos que essa substituição estivesse prevista nos termos do contrato inicial, por exemplo a título da subcontratação.

41      Segundo a decisão de reenvio, tendo sido constituída sob a forma de uma sociedade de responsabilidade limitada, a APA‑OTS possui uma personalidade jurídica distinta da APA, adjudicatária do contrato inicial.

42      É igualmente pacífico que, desde a transferência dos serviços OTS da APA para a APA‑OTS, no decurso do ano de 2000, a entidade adjudicante efectua os pagamentos relativos a estes serviços directamente à APA‑OTS e não à APA.

43      Todavia, a transferência da actividade em questão apresenta certas características específicas que permitem concluir que tais alterações, introduzidas numa situação como a do processo principal, não constituem uma modificação de um termo essencial do contrato.

44      Com efeito, resulta dos autos que a APA‑OTS é uma filial detida a 100% pela APA, que esta última dispõe de um poder de direcção sobre a APA‑OTS e que entre estas duas entidades existe um contrato de transferência de lucros e perdas, assumidos pela APA. Além disso, resulta dos autos que uma pessoa habilitada a representar a APA assegurou à entidade adjudicante que, na sequência da transferência dos serviços OTS, a APA era solidariamente responsável com a APA‑OTS e que a prestação global existente não seria alterada.

45      Tal operação representa, no essencial, uma reorganização interna do co‑contratante, que não modifica de forma essencial os termos do contrato inicial.

46      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, neste contexto, sobre a questão de saber se a circunstância de a entidade adjudicante não ter a garantia de que as acções da APA‑OTS não serão cedidas a terceiros durante a totalidade do período de vigência do contrato tem consequências jurídicas.

47      Se as acções da APA‑OTS fossem cedidas a um terceiro durante a vigência do contrato em causa no processo principal, estaria em causa não uma reorganização interna do co‑contratante inicial mas uma mudança efectiva de co‑contratante, o que constituiria, em princípio, uma modificação de um termo essencial do contrato. Tal evento seria susceptível de constituir uma nova adjudicação do contrato na acepção da Directiva 92/50.

48      Um raciocínio análogo aplicar‑se‑ia se a cessão das acções da filial a um terceiro já estivesse prevista no momento da transferência das actividades em causa para a filial (v., neste sentido, acórdão de 10 de Novembro de 2005, Comissão/Áustria,C‑29/04, Colect., p. I‑9705, n.os 38 a 42).

49      Todavia, enquanto tal evolução não ocorrer, a análise que figura no n.° 45 do presente acórdão, segundo a qual a situação em causa constitui uma reorganização interna do co‑contratante, permanece válida. O facto de não haver a garantia de que as acções da filial não serão cedidas a terceiros durante a vigência do contrato não afecta esta conclusão.

50      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre as consequências jurídicas decorrentes do facto de a entidade adjudicante não ter a garantia de que a composição dos sócios do prestador inicial não será alterada durante a totalidade do período de vigência do contrato.

51      Os contratos públicos são regularmente adjudicados a pessoas colectivas. Se uma pessoa colectiva estiver constituída sob a forma de uma sociedade anónima cotada em Bolsa, resulta da sua própria natureza que a composição dos seus accionistas é susceptível de mudar a qualquer momento. Em princípio, tal situação não põe em causa a validade da adjudicação de um contrato público a tal sociedade. A situação poderia ser diferente em casos excepcionais, como na hipótese de artifícios destinados a contornar as regras comunitárias em matéria de contratos públicos.

52      Considerações análogas aplicam‑se no âmbito de contratos públicos adjudicados a pessoas colectivas constituídas, como no processo principal, sob a forma não de uma sociedade anónima mas de uma cooperativa registada de responsabilidade limitada. Eventuais mudanças na composição do círculo dos sócios de tal cooperativa não provocam, em princípio, uma alteração substancial do contrato adjudicado à mesma.

53      Por conseguinte, estas considerações também não modificam a conclusão que figura no n.° 45 do presente acórdão.

54      Daqui resulta que há que responder à primeira questão que o termo «adjudicação» contido no artigo 3.°, n.° 1, e o termo «celebrados» previsto nos artigos 8.° e 9.° da Directiva 92/50 devem ser interpretados no sentido de que não abrangem uma situação, como a do processo principal, em que serviços fornecidos à entidade adjudicante pelo prestador de serviços inicial são transferidos para outro prestador de serviços constituído sob a forma de uma sociedade de capitais, de que o prestador de serviços inicial é o único accionista, controlando o novo prestador de serviços e dando‑lhe instruções, desde que o prestador de serviços inicial continue a assumir a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações contratuais.

 Quanto à segunda questão

55      Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio tem em vista as alterações introduzidas no contrato de base pelo primeiro aditamento, celebrado em 2001 e que começou a produzir efeitos em 1 de Janeiro de 2002. Pergunta, no essencial, se certas alterações dos preços constituem uma nova adjudicação do contrato na acepção da Directiva 92/50.

56      Esta questão prejudicial tem por objecto, em primeiro lugar, a conversão dos preços em euros sem modificação do seu montante intrínseco, em segundo lugar, a conversão dos preços em euros acompanhada de uma redução do seu montante intrínseco e, em terceiro lugar, a reformulação de uma cláusula de indexação dos preços.

57      Há que responder que, no caso de, na sequência da transição para o euro, um contrato existente ser alterado no sentido de que os preços inicialmente expressos em moeda nacional são convertidos em euros, está em causa não uma alteração substancial do contrato mas unicamente uma adaptação deste a circunstâncias exteriores modificadas, desde que os montantes em euros sejam arredondados em conformidade com as disposições em vigor, nomeadamente com as do Regulamento (CE) n.° 1103/97 do Conselho, de 17 de Junho de 1997, relativo a certas disposições respeitantes à introdução do euro (JO L 162, p. 1).

58      Quando o arredondamento dos preços convertidos em euros ultrapassa o montante autorizado pelas disposições pertinentes, está em causa uma alteração do montante intrínseco dos preços previsto pelo contrato inicial. Coloca‑se então a questão de saber se tal alteração dos preços constitui uma nova adjudicação do contrato.

59      É evidente que o preço constitui uma condição importante de um contrato público (v., neste sentido, acórdão Comissão/CAS Succhi di Frutta, já referido, n.° 117).

60      Alterar uma tal condição durante o período de vigência do contrato, na falta de uma habilitação expressa nesse sentido no contrato inicial, poderia dar origem a uma violação dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos proponentes (v., neste sentido, acórdão Comissão/CAS Succhi di Frutta, já referido, n.° 121).

61      Todavia, a conversão em euros dos preços de um contrato vigente pode ser acompanhada de um ajustamento do seu montante intrínseco, sem que daí resulte uma nova adjudicação do contrato, na condição de tal ajustamento ser mínimo e se explicar de forma objectiva, sendo esse o caso se tiver por finalidade facilitar a execução do contrato, por exemplo simplificando as operações de facturação.

62      No processo principal, por um lado, a licença anual pela utilização dos artigos de redacção e dos arquivos de imprensa (2) foi reduzida em apenas 0,3%, a fim de corresponder a um número redondo susceptível de facilitar os cálculos. Por outro lado, os preços por linha para a inserção de comunicados de imprensa no serviço OTS (3) foram reduzidos, respectivamente, em 2,94% e em 1,47% para os anos de 2002 e de 2003, com vista a serem expressos em números redondos susceptíveis igualmente de facilitar os cálculos. Além de respeitarem a um montante reduzido, estes ajustamentos de preços ocorrem não em proveito mas em detrimento do adjudicatário do contrato, uma vez que este último concede uma redução dos preços que teriam resultado das regras de conversão e de indexação normalmente aplicáveis.

63      Nestas condições, podemos considerar que um ajustamento dos preços de um contrato público vigente não constitui uma alteração das condições essenciais deste contrato susceptível de constituir uma nova adjudicação do contrato na acepção da Directiva 92/50.

64      No que diz respeito à reformulação da cláusula de indexação, há que salientar que o contrato de base previa, no seu § 5, n.° 3, nomeadamente, que «[p]ara o cálculo da indexação, [havia] que partir do índice dos preços ao consumidor 86 (VPI 86), publicado pelo ÖSTAT ou do índice seguinte que o substitua».

65      Daqui resulta que o contrato de base tinha previsto a substituição do índice dos preços que mencionava por um índice ulterior.

66      O primeiro aditamento ao contrato substituiu o índice dos preços referido no contrato de base, a saber, o índice dos preços ao consumidor de 1986 (VPI 86) publicado pelo ÖSTAT, por um índice mais recente, a saber, o índice dos preços ao consumidor de 1996 (VPI 96), publicado por este mesmo organismo.

67      Como foi exposto no n.° 19 do presente acórdão, este aditamento tomou como ponto de referência o índice calculado para o ano de 2001, ano em que foi celebrado, em vez do de 1994, ano da celebração do contrato de base. Esta actualização do ponto de referência é coerente com a actualização do índice dos preços.

68      Daqui resulta que o primeiro aditamento se limitou a aplicar as estipulações do contrato de base no que diz respeito à actualização da cláusula de indexação.

69      Nestas condições, deve considerar‑se que a referência a um novo índice dos preços não constitui uma alteração das condições essenciais do contrato inicial susceptível de constituir uma nova adjudicação do contrato na acepção da Directiva 92/50.

70      Daqui resulta que há que responder à segunda questão que o termo «adjudicação» contido no artigo 3.°, n.° 1, e o termo «celebrados» previsto nos artigos 8.° e 9.° da Directiva 92/50 devem ser interpretados no sentido de que não abrangem uma adaptação do contrato inicial a circunstâncias exteriores modificadas, como a conversão em euros dos preços inicialmente expressos em moeda nacional, a redução mínima destes preços com vista a arredondá‑los e a referência a um novo índice de preços que o contrato inicial tinha previsto que viria a substituir o índice anteriormente fixado.

 Quanto à terceira questão

71      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência às alterações inseridas no contrato de base pelo segundo aditamento, celebrado em Outubro de 2005 e que começou a produzir efeitos em 1 de Janeiro de 2006.

72      Este órgão jurisdicional pergunta, no essencial, se uma nova adjudicação do contrato resulta, por um lado, da celebração de uma nova cláusula de renúncia à rescisão do contrato e, por outro, de um aumento dos descontos concedidos nos preços de certas prestações objecto do contrato.

73      Em primeiro lugar, no que respeita à celebração de uma nova cláusula de não rescisão durante o período de vigência de um contrato celebrado por tempo indeterminado, há que recordar que a prática que consiste em celebrar um contrato público de serviços por tempo indeterminado é, em si, incompatível com o sistema e a finalidade das regras comunitárias em matéria de contratos públicos. Tal prática pode ter por efeito, a prazo, entravar a concorrência entre os potenciais prestadores de serviços e impedir a aplicação das disposições das directivas comunitárias em matéria de publicidade dos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos.

74      Todavia, o direito comunitário, no seu estádio actual, não proíbe a celebração de contratos públicos de serviços por tempo indeterminado.

75      Da mesma forma, uma cláusula através da qual as partes se comprometem a não rescindir durante um certo período um contrato celebrado por tempo indeterminado não é automaticamente considerada ilícita do ponto de vista do direito comunitário dos contratos públicos.

76      Como resulta do n.° 34 do presente acórdão, para determinar se a celebração de tal cláusula constitui uma nova adjudicação do contrato, o critério pertinente é saber se esta cláusula deve ser considerada uma alteração substancial do contrato inicial (v., neste sentido, acórdão Comissão/França, já referido, n.os 44 e 46).

77      A cláusula que está em causa no processo principal formaliza a renúncia a qualquer rescisão durante o período correspondente aos anos de 2005 a 2008.

78      Contudo, há que salientar que depois de, em 31 de Dezembro de 1999, a cláusula de não rescisão contida no contrato de base ter expirado, o contrato em causa no processo principal podia ter sido rescindido a qualquer momento, sob reserva de um pré‑aviso. No entanto, permaneceu em vigor durante o período correspondente aos anos de 2000 a 2005, inclusive, uma vez que nem a entidade adjudicante nem o prestador de serviços exerceram o seu direito à rescisão do contrato.

79      Não resulta dos autos que, no período entre 2005 e 2008, abrangido pela cláusula de não rescisão, a entidade adjudicante tivesse tido, no caso de esta cláusula não existir, a intenção concreta de fazer cessar o contrato em curso e de proceder a uma nova abertura do concurso. Mesmo supondo que tivesse pretendido fazê‑lo, o período abrangido por esta cláusula, ou seja, três anos, não era tal que a tivesse disso impedido de o fazer durante um período excessivo relativamente ao tempo necessário para a organização de uma tal operação. Nestas condições, não se demonstrou que uma tal cláusula de não rescisão, desde que não seja sistematicamente reinserida no contrato, comporte o risco de falsear a concorrência em detrimento de novos potenciais proponentes. Consequentemente, não pode ser qualificada como uma alteração substancial do contrato inicial.

80      Daqui resulta que, em condições como as do processo principal, o facto de prever uma cláusula de renúncia à rescisão durante um período de três anos no decurso da vigência de um contrato de serviços celebrado por tempo indeterminado não constitui uma nova adjudicação do contrato na acepção da Directiva 92/50.

81      Em segundo lugar, quanto ao aumento do desconto previsto pelo segundo aditamento, há que recordar que o contrato de base previa, para os serviços em causa, «um preço correspondente ao preço escalonado do consumo mais baixo da tarifa oficial […] menos 15%».

82      Segundo as explicações dadas ao Tribunal de Justiça, esta menção visa a tarifa degressiva praticada pela APA, em aplicação da qual os preços dos serviços em causa são reduzidos quando o consumo destes serviços pelo parceiro contratual da APA aumenta.

83      Ainda segundo algumas destas explicações, o aumento da taxa de desconto de 15% para 25%, prevista pelo segundo aditamento, equivale à aplicação de um preço menos elevado. Ainda que a sua apresentação formal seja diferente, a redução de um preço e o aumento de uma taxa de desconto têm um efeito económico comparável.

84      Nestas condições, pode interpretar‑se o aumento do desconto no sentido de que faz parte das cláusulas fixadas no contrato de base.

85      Por outro lado, o aumento do desconto, uma vez que tem por efeito a redução da remuneração recebida pelo adjudicatário em relação à inicialmente prevista, não modifica o equilíbrio económico do contrato a favor do adjudicatário.

86      Além disso, o simples facto de a entidade adjudicante obter um desconto superior em relação a uma parte das prestações que são objecto do contrato não é susceptível de provocar uma distorção da concorrência em detrimento de potenciais proponentes.

87      Do que precede resulta que, numa situação como a do processo principal, o facto de se fixarem, num aditamento, descontos superiores aos inicialmente previstos sobre certos preços condicionados à quantidade num domínio específico não deve ser considerado uma alteração substancial do contrato e, portanto, não é susceptível de implicar uma nova adjudicação do contrato na acepção da Directiva 92/50.

88      Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o termo «adjudicação» contido no artigo 3.°, n.° 1, e o termo «celebrados» previsto nos artigos 8.° e 9.° da Directiva 92/50 devem ser interpretados no sentido de que não abrangem uma situação, como a do processo principal, na qual uma entidade adjudicante, através de um aditamento, acorda com o adjudicatário, durante o período de vigência de um contrato de serviços com ele celebrado por tempo indeterminado, renovar por um período de três anos uma cláusula de renúncia à rescisão, que já tinha caducado na data em que a nova cláusula foi celebrada, e acorda com o mesmo fixar descontos superiores aos inicialmente previstos sobre certos preços condicionados à quantidade num domínio específico.

89      Tendo em consideração as respostas dadas às primeira a terceira questões, não há que responder às quarta a sexta questões.

 Quanto às despesas

90      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O termo «adjudicação» contido no artigo 3.°, n.° 1, e o termo «celebrados» previsto nos artigos 8.° e 9.° da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, devem ser interpretados no sentido de que não abrangem uma situação, como a do processo principal, em que serviços fornecidos à entidade adjudicante pelo prestador de serviços inicial são transferidos para outro prestador de serviços constituído sob a forma de uma sociedade de capitais, de que o prestador de serviços inicial é o único accionista, controlando o novo prestador de serviços e dando‑lhe instruções, desde que o prestador de serviços inicial continue a assumir a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações contratuais.

2)      O termo «adjudicação» contido no artigo 3.°, n.° 1, e o termo «celebrados» previsto nos artigos 8.° e 9.° da Directiva 92/50 devem ser interpretados no sentido de que não abrangem uma adaptação do contrato inicial a circunstâncias exteriores modificadas, como a conversão em euros dos preços inicialmente expressos em moeda nacional, a redução mínima destes preços com vista a arredondá‑los e a referência a um novo índice de preços que o contrato inicial tinha previsto que viria a substituir o índice anteriormente fixado.

3)      O termo «adjudicação» contido no artigo 3.°, n.° 1, e o termo «celebrados» previsto nos artigos 8.° e 9.° da Directiva 92/50 devem ser interpretados no sentido de que não abrangem uma situação, como a do processo principal, na qual uma entidade adjudicante, através de um aditamento, acorda com o adjudicatário, durante o período de vigência de um contrato de serviços com ele celebrado por tempo indeterminado, renovar por um período de três anos uma cláusula de renúncia à rescisão, que já tinha caducado na data em que a nova cláusula foi celebrada, e acorda com o mesmo fixar descontos superiores aos inicialmente previstos sobre certos preços condicionados à quantidade num domínio específico.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.


1 – Não seria de precisar, em conformidade com o que é indicado no n.° 12 do presente acórdão, que se trata de «67 ATS, sem imposto, por minuto CPU»?


2 – Em referência à formulação utilizada no n.° 17 do presente acórdão.


3 – V. n.° 20 do presente acórdão.