Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 6 de junho de 2024 (1)

Processo C314/23

Sindicato de Tripulantes Auxiliares de Vuelo de Líneas Aéreas (STAVLA),

Ministerio Fiscal

contra

Air Nostrum, Líneas Aéreas del Mediterráneo SA,

Federación de Servicios de Comisiones Obreras (CCOO),

Unión General de Trabajadores (UGT),

Unión Sindical Obrera (USO),

Comité de empresa de Air Nostrum Líneas Aéreas del Mediterráneo SA,

Dirección General de Trabajo,

Instituto de las Mujeres,

sendo interveniente

Sindicato Español de Pilotos de Líneas Aéreas (SEPLA),

Sindicato Unión Profesional de Pilotos de Aerolíneas (UPPA)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Audiencia Nacional (Audiência Nacional, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional — Diretiva 2006/54/CE — Artigo 14.° — Proibição de discriminação indireta em razão do sexo — Convenções coletivas que estabelecem os diferentes montantes de ajudas de custo diárias atribuídas aos pilotos e aos membros da tripulação de cabina a título de abono para as suas refeições durante as deslocações»






I.      Introdução

1.        O facto de os membros da tripulação de cabina de uma companhia aérea receberem, para cobrir as despesas de refeição incorridas durante deslocações profissionais, ajudas de custo diárias de montante inferior às recebidas pelos pilotos pode ser objetivamente justificado, à luz da Diretiva 2006/54/CE (2), quando essa diferença resulte da aplicação de duas convenções coletivas? É esta a questão que está no cerne do presente processo.

2.        O pedido de decisão prejudicial, apresentado pela Audiencia Nacional (Audiência Nacional, Espanha), tem por objeto a interpretação do artigo 14.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/54.

3.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe um sindicato que representa os membros da tripulação de cabina a uma companhia aérea, a respeito de uma ação de anulação parcial da convenção coletiva aplicável aos membros da tripulação de cabina dessa companhia.

4.        O presente processo oferece ao Tribunal de Justiça uma nova oportunidade de voltar a abordar aspetos relativos à proibição de qualquer discriminação em razão do sexo em matéria de emprego e atividade profissional e, nomeadamente, a questão da justificação objetiva de uma medida que cria uma desigualdade de tratamento relativa às condições de trabalho quando essa desigualdade decorre da aplicação de duas convenções coletivas distintas negociadas entre o empregador e sindicatos diferentes.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

5.        O artigo 2.° da Diretiva 2006/54, sob a epígrafe «Definições», dispõe no seu n.° 1:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

b)      “Discriminação indireta”: sempre que uma disposição, critério ou prática, aparentemente neutro, seja suscetível de colocar pessoas de um determinado sexo numa situação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;

[...]»

6.        O artigo 14.° desta diretiva, sob a epígrafe «Proibição de discriminação», prevê, no seu n.° 1:

«Não haverá qualquer discriminação direta ou indireta em razão do sexo, nos setores público e privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

[...]

c)      Às condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento, bem como a remuneração, tal como estabelecido no artigo 141.° do Tratado;

[...]»

B.      Direito espanhol

7.        O Real Decreto Legislativo 2/2015 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores (Real Decreto Legislativo n.° 2/2015, que aprova o texto consolidado da Lei do Estatuto dos Trabalhadores), de 23 de outubro de 2015 (3) (a seguir «Lei do Estatuto dos Trabalhadores»), dispõe, no seu artigo 3.°, sob a epígrafe «Fontes da relação de trabalho»:

«1.      Os direitos e obrigações relativos à relação de trabalho são regulados:

a)      pelas disposições legais e regulamentares do Estado;

b)      pelas convenções coletivas;

[...]»

8.        O artigo 4.°, n.° 2, alínea c), desta lei prevê:

«Na relação de trabalho, os trabalhadores têm direito:

[...]

c)      No recrutamento ou depois de recrutados, a não serem sujeitos a discriminações diretas ou indiretas em razão do sexo [...].»

9.        O artigo 17.°, n.° 1, da referida lei tem a seguinte redação:

«São nulas e de nenhum efeito as disposições regulamentares, as cláusulas das convenções coletivas, os acordos individuais e as decisões unilaterais do empregador que criem no emprego, bem como em matéria de remuneração, tempo de trabalho e demais condições de trabalho, [...] situações de discriminação direta ou indireta em razão do sexo [...]»

10.      Segundo o artigo 26.°, n.° 2, da mesma lei:

«Não são consideradas salário as importâncias recebidas pelos trabalhadores a título de reembolso das despesas realizadas em consequência da sua atividade laboral, as prestações e indemnizações da segurança social e as indemnizações por transferências, suspensões ou despedimentos.»

11.      Nos termos do artigo 87.° da Lei do Estatuto dos Trabalhadores:

«1. Têm legitimidade para negociar as convenções coletivas de empresa ou de nível inferior, em representação dos trabalhadores, a comissão de trabalhadores, se for caso disso os delegados do pessoal, ou as secções sindicais se estas representarem, em conjunto, a maioria dos membros da comissão.

As negociações são conduzidas pelas secções sindicais se assim o tiverem acordado, desde que representem a maioria dos membros da comissão de trabalhadores ou dos delegados do pessoal.

[...]

Nas convenções destinadas a um grupo de trabalhadores com um perfil profissional específico, têm legitimidade para negociar as secções sindicais que tenham sido designadas pela maioria dos seus membros por voto pessoal, livre, direto e secreto.»

12.      O IV Convenio colectivo de Air Nostrum (personal de tierra y TCP’S [(4)]) [IV Convenção coletiva da Air Nostrum (pessoal de terra e pessoal de cabina)], registado e publicado pela Resolución de la Dirección General de Trabajo (Resolução da Direção‑Geral de Trabalho), de 18 de dezembro de 2018 (5), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Convenção PNC»), assinado pela direção da empresa e pelos sindicatos Unión general de trabajadores [União Geral dos Trabalhadores (UGT)], Comisiones obreras [Comissões Operárias (CCOO)] e Unión Sindical Obrera [União Sindical Operária (USO)], regula, nos seus artigos 59.° a 93.°, as condições de trabalho do pessoal de cabina (a seguir «PNC»).

13.      O artigo 93.°, intitulado «Ajudas de custo diárias», da Convenção PNC define o conceito de «ajudas de custo diárias» como o «montante que compensa o [PNC] pelas despesas decorrentes das suas deslocações, que fazem parte integrante do conteúdo da sua prestação de serviços». Segundo este artigo, «[é] expressamente acordado que este sistema de ajudas de custo diárias dispensa a empresa de suportar as despesas de subsistência durante as deslocações».

14.      O Convenio Colectivo de Air Nostrum (pilotos) [Convenção Coletiva da Air Nostrum (pilotos)], registado e publicado pela Resolución de la Dirección General de Trabajo (Resolução da Direção‑Geral do Trabalho), de 10 de março de 2020 (6), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Convenção PNT»), assinado pela direção da empresa e pelas secções sindicais dos sindicatos Sindicato Español de Pilotos de Líneas Aéreas (Sindicato Espanhol de Pilotes de Linhas Aéreas (a seguir «SEPLA») e do Sindicato Unión Profesional de Pilotos de Aerolíneas (UPPA), regula as relações de trabalho dos pilotos (tribulação de cabina; a seguir «PNT»).

15.      O artigo 16.°19 da Convenção PNT, sob a epígrafe «Ajudas de custo diárias», dispõe que as «ajudas de custo diárias são o montante recebido pelo piloto para cobrir as despesas efetuadas nas suas deslocações para as necessidades da empresa ou durante as suas estadias fora da sua base. Não incluem o alojamento nem o transporte.» Este artigo prevê que é expressamente acordado que este sistema de ajudas de custo diárias isenta a companhia da tomada a cargo de qualquer tipo de refeições.

III. Matéria de facto do processo principal, questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

16.      As relações de trabalho entre a Air Nostrum, Líneas Aéreas del Mediterráneo SA (a seguir «Air Nostrum») e o seu PNC são regidas pela Convenção PNC, e as relações de trabalho entre a Air Nostrum e o seu PNT são regidas pela Convenção PNT. O artigo 93.° da Convenção PNC e o artigo 16.°19 da Convenção PNT regulam as ajudas de custo diárias que abrangem, nomeadamente, as despesas incorridas, respetivamente, pelo PNC e pelo PNT durante as deslocações efetuadas no âmbito da prestação dos seus serviços (a seguir «ajudas de custo diárias»).

17.      Em 8 de novembro de 2022, o Sindicato de Tripulantes Auxiliares de Vuelo de Líneas Aéreas (Sindicato dos tripulantes auxiliares de voo de linhas aéreas; a seguir «STAVLA»), um sindicato que representa o PNC, propôs no órgão jurisdicional de reenvio uma ação que visava proteger os direitos fundamentais através da modalidade processual de impugnação da convenção coletiva («procedimiento de impugnación de convenio coletivo») e em que pedia, nomeadamente, a anulação do artigo 93.° e do anexo I da Convenção PNC, na medida em que este artigo fixa o montante das ajudas de custo diárias. Segundo este sindicato, uma vez que, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, as mulheres representam 94 % do PNC e os homens 93,71 % do PNT, o facto de o montante das ajudas de custo diárias previsto pela Convenção PNC ser significativamente inferior ao previsto pela Convenção PNT para fazer face à mesma situação constitui uma discriminação indireta, em razão do sexo, nas condições de trabalho, proibida pelo artigo 14.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/54.

18.      O órgão jurisdicional de reenvio precisa que os montantes pagos a título de ajudas de custo diárias não são considerados salários, nem do ponto de vista do direito do trabalho espanhol, uma vez que estão expressamente excluídas do conceito de «salário» referido no artigo 26.°, n.° 2, da Lei do Estatuto dos Trabalhadores, nem do ponto de vista do direito da União, em conformidade com o artigo 157.° TFUE e com o artigo 2.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva 2006/54. Esse órgão jurisdicional sustenta que, uma vez que essas ajudas de custo não remuneram um trabalho específico calculado por unidade de tempo ou por unidade de trabalho, o valor diferente do trabalho prestado pelo PNT e pelo PNC não pode constituir uma circunstância que justifique uma desigualdade de tratamento no que respeita ao montante dessas ajudas de custo. Tais ajudas de custo, pagas para cobrir as despesas incorridas durante as deslocações, como as refeições diárias fora do local de residência habitual, estão, portanto, abrangidas pelas condições de trabalho.

19.      Segundo esse órgão jurisdicional, daí resulta que, na Air Nostrum, um grupo de trabalhadores maioritariamente composto por mulheres recebe, a título de compensação pelas despesas, nomeadamente de alimentação, incorridas durante as suas deslocações, um montante significativamente inferior ao recebido nas mesmas condições por outro grupo de trabalhadores, maioritariamente composto por homens, para cobrir as mesmas despesas.

20.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que existiria uma discriminação indireta em razão do sexo se tivessem sido estabelecidas ajudas de custo diárias diferentes na mesma convenção coletiva (7). Em contrapartida, tem dúvidas quanto à existência de tal discriminação no caso em apreço na medida em que a diferença de tratamento se deve ao facto de a empresa aplicar duas convenções coletivas diferentes negociadas com representantes sindicais diferentes. Haveria então que pressupor que, em cada processo de negociação, cada representação sindical privilegiou, face à empresa, determinadas reivindicações em detrimento de outras.

21.      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, quando a Air Nostrum negociou a Convenção PNT, a Convenção PNC já tinha sido assinada e que a Air Nostrum conhecia, portanto, os montantes fixados para as ajudas de custo diárias do PNC.

22.      Foi nestas circunstâncias que a Audiencia Nacional (Audiência Nacional), por Decisão de 17 de março de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de maio de 2023, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Constitui o facto de a [Air Nostrum] compensar um grupo como o [PNC], em que a maioria das pessoas que o integram são mulheres, pelas despesas que têm de suportar nas deslocações, não relativas ao transporte e ao alojamento, com um montante inferior ao recebido a esse mesmo título por outro grupo de trabalhadores em que a maioria são homens, como os pilotos, uma discriminação indireta em razão do sexo nas condições de trabalho, contrária ao direito da [União] e proibida pelo artigo 14.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/54, quando a razão de tal tratamento diferenciado se encontra no facto de se aplicar a cada grupo uma convenção coletiva diferente, ambas negociadas pela mesma empresa mas com representações sindicais diferentes, nos termos do artigo 87.° [da Lei do Estatuto dos Trabalhadores]?»

23.      Foram apresentadas observações escritas pelo Ministerio Fiscal (Ministério Público, Espanha), pelo SEPLA, pelos Governos Espanhol, Dinamarquês e Sueco, bem como pela Comissão Europeia.

24.      Resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, em 21 de setembro de 2023, o STAVLA desistiu da ação. Embora as outras partes no processo principal não se tenham oposto à desistência e ao arquivamento do processo, o Ministério Público considerou, pelo contrário, que a ação devia ser mantida (8).

25.      Por Despacho de 26 de outubro de 2023, o órgão jurisdicional de reenvio, registando embora a desistência do STAVLA, manteve o seu pedido de decisão prejudicial, sendo o Ministério Público considerado demandante em substituição do STAVLA.

26.      O Ministério Público, a Air Nostrum, a UGT, o SEPLA, os Governos Espanhol, Dinamarquês, Sueco e bem como a Comissão estiveram representados na audiência realizada em 19 de março de 2024.

IV.    Análise

27.      Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 14.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/54 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nos termos da qual uma companhia aérea paga ao PNC, maioritariamente composto por mulheres, ajudas de custo diárias para cobrir as despesas de refeição incorridas durante as suas deslocações profissionais, de montante inferior à ajuda que é paga, nas mesmas condições, ao PNT, maioritariamente composto por homens, quando esta desigualdade de tratamento decorre da aplicação de duas convenções coletivas distintas negociadas entre o empregador e sindicatos diferentes.

28.      A este respeito, as partes no processo principal discordam quanto à questão de saber se existe uma discriminação em razão do sexo em detrimento do PNC. A Air Nostrum e o SEPLA, bem como os Governos Dinamarquês e Sueco, não refutam a existência de tal discriminação, mas consideram‑na justificada pela autonomia dos parceiros sociais de negociarem e celebrarem convenções coletivas aplicáveis aos trabalhadores que representam. Assim, uma convenção coletiva deve ser aplicada sem tomar em consideração outras convenções coletivas que o mesmo empregador possa ter celebrado com os representantes sindicais de outros grupos de trabalhadores.

29.      A UGT considera, pelo contrário, que existe uma discriminação indireta na medida em que a diferença de tratamento em causa não pode ser objetivamente justificada com base no direito à negociação coletiva. Precisa que o facto de a diferença de tratamento decorrer da aplicação de duas convenções coletivas distintas negociadas entre o empregador e sindicatos diferentes não tem qualquer incidência sobre a inexistência de justificação à luz das disposições da Diretiva 2006/54. O Ministério Público sustenta que a Convenção PNC comporta uma discriminação indireta relativa às condições de trabalho dentro de uma mesma empresa, que não pode ser admitida, independentemente da fonte dessa discriminação, na medida em que o exercício do direito à negociação coletiva não pode ser considerado um critério de justificação objetiva. Com efeito, o direito à negociação coletiva é abrangido pelo direito da União e deve ser exercido em conformidade com este. O Governo Espanhol e a Comissão alegam que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a discriminação em causa é justificada. Todavia, para esse efeito, a mera circunstância de essa discriminação decorrer de duas convenções coletivas não basta para justificar a diferença de tratamento em causa à luz das disposições da Diretiva 2006/54.

30.      Neste contexto, para poder propor uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há antes de mais, que apreciar se as ajudas de custo diárias em causa no processo principal previstas pela Convenção PNC estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2006/54 (secção B) e, em seguida, examinar se o pagamento dessas ajudas de custo é suscetível de comportar uma discriminação em razão do sexo, proibida por esta diretiva (secção C). Antes de proceder a esta análise, considero necessário apresentar sucintamente algumas observações preliminares sobre o quadro do direito primário e derivado relativo aos princípios da igualdade, da igualdade de tratamento e da não discriminação em que se inscreve o presente litígio (secção A).

A.      Observações preliminares

31.      Saliento, antes de mais, que a União Europeia se funda num conjunto de valores contidos no artigo 2.° TUE. Estes valores, de que faz parte integrante o «respeito pela igualdade», a par da dignidade humana, da liberdade, da democracia, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, «constituem o cerne da identidade da União» (9). Segundo esta disposição, estes valores são comuns aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada, nomeadamente, pela não discriminação e pela igualdade entre homens e mulheres. O artigo 3.°, n.° 3, segundo parágrafo, TUE dispõe que, no âmbito do estabelecimento do mercado interno, a União combate as discriminações e promove a igualdade entre homens e mulheres. Além disso, o artigo 21.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») prevê a proibição da discriminação em razão do sexo, constituindo esta disposição uma expressão particular do princípio geral da igualdade de tratamento reconhecido no artigo 20.° da Carta (10). A igualdade entre os homens e as mulheres está igualmente consagrada no artigo 23.° da Carta.

32.      No que respeita à Diretiva 2006/54, o seu considerando 2 enuncia que «a igualdade entre homens e mulheres [constitui] [simultaneamente] como uma “missão” e um “objetivo” da [União]». Este considerando recorda igualmente o estatuto de «princípio fundamental do direito [da União]» dessa igualdade consagrado no artigo 2.° e no artigo 3.°, n.° 2, TFUE (11). Além disso, esta diretiva foi adotada com base no artigo 141.°, n.° 3, do Tratado CE (atual artigo 157.°, n.° 3, TFUE). Segundo o seu considerando 4, a referida [disposição] proporciona «uma base jurídica específica para a adoção de medidas [...] para garantir a aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho [...]». Assim, a Diretiva 2006/54 visa, nos termos do seu artigo 1.°, assegurar a aplicação deste princípio no emprego e na atividade profissional. Em conformidade com este objetivo, o artigo 14.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/54 proíbe qualquer discriminação direta ou indireta em razão do sexo no que se refere às condições de emprego e de trabalho.

33.      É este, portanto, o quadro em que se insere, em termos gerais, a questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

B.      Quanto à existência de uma discriminação indireta em razão do sexo, proibida pela Diretiva 2006/54

34.      O ponto de partida da minha análise diz respeito à questão de saber se o pagamento das ajudas de custo diárias em causa no processo principal é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2006/54.

35.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que essas ajudas de custo diárias, na medida em que constituem uma compensação paga pela companhia aérea aos seus empregados para cobrir as despesas incorridas durante as suas deslocações profissionais, como, essencialmente, as refeições diárias fora do local de residência habitual, estão abrangidas pelo âmbito das «condições de trabalho» (12).

36.      Por conseguinte, não há dúvidas de que as ajudas de custo diárias em causa no processo principal estão abrangidas pelo âmbito de aplicação material da Diretiva 2006/54, na medida em que esta visa, no seu artigo 1.°, segundo parágrafo, alínea b), aplicar o princípio da igualdade de tratamento em matéria de «condições de trabalho». Por conseguinte, considero que esta diretiva é aplicável ao presente processo.

37.      No que respeita ao exame da existência de uma discriminação indireta em razão do sexo, recordo desde já que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta as circunstâncias factuais do caso em apreço, se o pagamento das ajudas de custo diárias em causa no processo principal cria uma discriminação indireta em razão do sexo, proibida pela Diretiva 2006/54.

38.      Segundo o artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2006/54, uma discriminação indireta é definida como a situação em que uma disposição, critério ou prática, aparentemente neutro, seja suscetível de colocar pessoas de um determinado sexo numa situação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários (13). Resulta desta definição que está demonstrada uma discriminação indireta, na aceção da Diretiva 2006/54, quando estejam reunidos os três requisitos nela enunciados.

39.      Por conseguinte, para apreciar a existência de uma discriminação indireta proibida pela Diretiva 2006/54, há que seguir a estrutura normativa do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), desta diretiva e que proceder a uma análise em três fases. Para este efeito, abordarei, antes de mais, a questão de saber se a medida em causa é de aparência neutra (secção 1) (14). Examinarei, seguidamente, se esta medida implica uma particular desvantagem para as pessoas de um sexo comparativamente com as pessoas do outro sexo (secção 2). Por último, avaliarei se essa particular desvantagem é justificada por fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo (secção 3).

1.      A prática em causa no processo principal é de aparência neutra?

40.      Recordo, antes de mais, que, contrariamente à discriminação direta, a discriminação indireta não se caracteriza pela aparência (ou intenção do autor) de uma medida nacional, mas pelo seu eventual efeito prejudicial. Por conseguinte, de um modo geral, trata‑se de saber se uma determinada medida ou prática, neutra apenas na sua aparência, é suscetível de ter um «efeito prejudicial ou indesejável» sobre pessoas de um sexo relativamente às do outro sexo (15). Por outras palavras, tal medida ou prática não se baseia diretamente num motivo de discriminação proibido, uma vez que o elemento determinante para efeitos da análise de uma discriminação indireta é a disparidade entre os dois grupos (16).

41.      No caso em apreço, resulta claramente da decisão de reenvio que o pagamento das ajudas de custo diárias em causa no processo principal não constitui uma discriminação diretamente baseada no sexo, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/54, uma vez que as disposições das convenções coletivas que preveem essas ajudas de custo (ou o montante das ajudas de custo que dá origem a uma diferença de tratamento) são formalmente neutras. Com efeito, as referidas ajudas de custo são pagas pela companhia aérea indistintamente aos trabalhadores masculinos e aos trabalhadores femininos em causa (17).

42.      Assim, o órgão jurisdicional de reenvio tende a considerar que o pagamento das ajudas de custo diárias em causa no processo principal comporta uma discriminação indireta, proibida pelo artigo 14.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/54. A este respeito, este órgão jurisdicional de reenvio salienta que tal prática aparentemente neutra estabelece uma diferença de tratamento entre o PNC e o PNT e, consequentemente, entre as mulheres e os homens.

2.      A prática em causa no processo principal implica uma particular desvantagem para as pessoas de um dos sexos relativamente às pessoas do outro sexo?

43.      A especificidade do presente processo prende‑se com o facto de a diferença de tratamento que resulta do pagamento das ajudas de custo diárias pelo empregador decorrer da aplicação das disposições respetivas das Convenções PNC e PNT. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o montante das despesas de refeição em caso de deslocação profissional pago ao PNC, maioritariamente composto por mulheres, é inferior ao montante pago, nas mesmas condições, ao PNT, maioritariamente composto por homens. Segundo esse órgão jurisdicional, tal prática aparentemente neutra, que dá origem a uma diferença de tratamento devido à aplicação dessas convenções, é suscetível de implicar uma desvantagem em detrimento do PNC.

44.      Antes de analisar se a prática em causa no processo principal é suscetível de implicar tal desvantagem comparativa, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2006/54, parece‑me útil formular as seguintes considerações.

a)      Considerações gerais sobre o exame da comparação

45.      No que respeita ao princípio da igualdade de tratamento, o Tribunal de Justiça declarou que uma discriminação «consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes» (18). Como observa a doutrina, as definições baseadas na jurisprudência do Tribunal de Justiça que dizem respeito, nomeadamente, às discriminações direta e indireta continuam a ser essenciais nos domínios em que o legislador da União não definiu estes conceitos. Neste contexto, para efeitos dos objetivos do direito social da União, o conceito de «discriminação indireta» está, antes de mais, associado ao tratamento diferente de situações comparáveis (19).

46.      No que diz respeito aos domínios em que o legislador da União procedeu a uma codificação dos conceitos das diferentes formas de discriminação desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência (20), cabe ao órgão jurisdicional nacional, que é o único competente para apreciar a matéria de facto do litígio que lhe foi submetido e para interpretar a legislação nacional aplicável, determinar concretamente, no contexto desses conceitos e dessa jurisprudência, se existe a alegada discriminação ou, sendo caso disso, outra forma de discriminação (21).

47.      Como já expliquei, só se verifica uma discriminação direta ou indireta, na aceção da Diretiva 2006/54, quando estão preenchidos os requisitos previstos nas respetivas disposições. Em particular, no que diz respeito à apreciação, no âmbito do conceito de «discriminação direta» [artigo 2.°, n.° 1, alínea a)], do requisito relativo à «comparabilidade das situações» e, no âmbito da discriminação indireta [artigo 2.°, n.° 1, alínea b)], do relativo à «particular desvantagem das pessoas de um sexo comparativamente com pessoas do outro sexo», parece‑me importante recordar que o exame da comparação difere consoante o tipo de discriminação em questão e, portanto, da estrutura normativa da disposição em que este requisito se insere (22).

48.      A este respeito, a definição «discriminação direta», prevista no artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/54, menciona expressamente a exigência relativa à comparabilidade das situações («em situação comparável») (23). Assim, resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a existência desta discriminação pressupõe que as situações ponderadas sejam comparáveis (24).

49.      Em contrapartida, a definição de «discriminação indireta», prevista no artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2006/54, não menciona na versão francesa o requisito relativo à comparabilidade de situações. Com efeito, os termos («des personnes d’un sexe par rapport à des personnes de l’autre sexe»), vertidos na versão portuguesa em «pessoas de um determinado sexo [...] comparativamente com pessoas do outro sexo»), que figuram nesta segundo disposição, [artigo 2.°, n.°1, alínea b]) referem‑se muito simplesmente à [particular] desvantagem que resulta da disposição, do critério ou da prática, aparentemente neutro, para um grupo de pessoas relativamente a outro grupo de pessoas, e não a uma qualquer comparabilidade das situações (25). O exame da comparação, embora essencial em ambos os casos, não é, portanto, exatamente o mesmo no caso de uma discriminação direta e no de uma discriminação indireta, conforme definidas no artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e b), desta diretiva (26).

50.      No que respeita ao artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2006/54, a doutrina salienta que «a constatação da existência de uma discriminação indireta não exige a comparabilidade das situações respetivas dos que beneficiam de um tratamento vantajoso e dos que sofrem um tratamento desvantajoso» (27). Por outras palavras, não resulta do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), desta diretiva que a comparação deva ser feita unicamente com trabalhadores que se encontrem um situação idêntica ou semelhante (por exemplo, apenas os trabalhadores a tempo parcial) (28). Os grupos comparados devem antes incluir o conjunto dos trabalhadores que são afetados pela medida, a saber, a disposição, o critério ou a prática contestados (por exemplo, os trabalhadores a tempo parcial com os trabalhadores a tempo completo) (29). Com efeito, na medida em que as diferenças relativas à situação do grupo colocado em particular desvantagem não são consideradas importantes à luz do critério de comparação aplicado (o que permite demonstrar a existência da diferença contestada), coloca‑se apenas a questão de saber se, embora exista uma desvantagem comparativa em detrimento de um dos dois grupos, a distinção entre esses grupos é adequada e necessária para atingir um objetivo legítimo.

51.      Assim, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2006/54, para demonstrar a existência de uma discriminação indireta, há que identificar uma desvantagem particular, o critério de comparação, nomeadamente um certo número de grupos comparados, a saber, de grupos de trabalhadores afetados pela medida, e a inexistência de uma justificação objetiva. A doutrina sublinha, nomeadamente, que, no âmbito da interpretação das diretivas sobre a igualdade de tratamento, o Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência em matéria de discriminação indireta, examinou frequentemente a questão da comparação no contexto do exame da justificação objetiva (30).

52.      Dito isto, e tendo presente os elementos que acabo de desenvolver, passo agora examinar o argumento da Air Nostrum e do SEPLA relativo à alegada irrelevância da identificação do PNT como grupo de referência para efeitos da comparação destinada a determinar se o grupo colocado em desvantagem, a saber, o PNC, é objeto de uma discriminação indireta. Com efeito, na medida em que, do ponto de vista conceptual, a identificação do grupo de referência para a comparação precede a análise da justificação objetiva, irei, por uma questão de clareza, abordar este aspeto antes de me debruçar sobre o exame concreto da particular desvantagem que a prática em causa implica para o PNC em relação ao PNT (31).

b)      Quanto à alegada irrelevância da identificação do PNT como grupo de referência para efeitos da comparação no contexto da alegada discriminação indireta

53.      Resulta da decisão de reenvio que, no processo principal, a Air Nostrum e o SEPLA alegaram nas suas observações escritas e orais que a situação do PNC «não é comparável» com a do PNT, na medida em que as ajudas de custo diárias em causa devem ser consideradas uma «remuneração» e em que o princípio da igualdade de remuneração se aplica unicamente quando estes dois grupos de trabalhadores prestam um trabalho idêntico ou do mesmo valor, o que não é o caso do PNC e do PNT.

54.      Não concordo com este argumento. Tende a confundir, por um lado, a «comparabilidade das situações» específica do exame da discriminação direta com a identificação do grupo de referência que se aplica para efeitos da comparação para determinar a particular desvantagem no contexto da discriminação indireta, na aceção da Diretiva 2006/54 (32), e, por outro, a questão da desigualdade de tratamento em matéria de remuneração com a da desigualdade de tratamento em matéria de condições de trabalho, na aceção desta diretiva. Por outras palavras, estas partes procuram, de facto, redefinir o objetivo prosseguido pela comparação, que diz respeito às ajudas de custo diárias abrangidas pelas condições de trabalho, para dele fazer uma questão de igualdade de remuneração (33).

55.      No que respeita, em primeiro lugar, à desigualdade de tratamento em matéria de «condições de trabalho», o órgão jurisdicional de reenvio explica que os montantes pagos a título de ajudas de custo diárias não podem ser considerados uma «remuneração», uma vez que estão expressamente excluídos do conceito de «salário» no artigo 26.°, n.° 2, da Lei do Estatuto dos trabalhadores. Com efeito, segundo esse órgão jurisdicional, essas ajudas de custo não variam em função do valor do trabalho dos trabalhadores em causa, mas, como já referi (34), estão abrangidas pelas «condições de trabalho», na aceção da Diretiva 2006/54, na medida em que são pagas unicamente para cobrir as despesas incorridas durante as deslocações profissionais, como, essencialmente, as refeições diárias fora do local de residência habitual.

56.      O Governo Espanhol, o Ministério Público e a Comissão partilham deste ponto de vista nas suas observações escritas e orais, alegando que as ajudas de custo diárias em causa não são de natureza salarial. Com efeito, na sua opinião, essas ajudas de custo não remuneram um trabalho específico calculado em unidade de tempo ou de trabalho, mas estão abrangidas pelo conceito de «extra salarial» e, portanto, estão abrangidos pelas condições de trabalho do PNC e do PNT durante as suas deslocações profissionais. Na audiência, a UGT defendeu o mesmo ponto de vista. Como observa a Comissão, as referidas ajudas de custo não dependem da experiência de um piloto ou de um membro do PNC (35). Parece, portanto, que, num voo da companhia aérea em causa, por um lado, um comandante recebe as mesmas ajudas de custo diárias que um copiloto e, por outro, um chefe de cabina recebe as mesmas ajudas de custo diárias que um membro do PNC, apesar de muito provavelmente não receberem o mesmo salário.

57.      No que respeita, em segundo lugar, à identificação do critério de comparação, a saber, o grupo de referência para efeitos de comparação, na aceção da Diretiva 2006/54, já referi que, no contexto da discriminação direta, há que comparar situações semelhantes, ao passo que, no contexto da discriminação indireta, há que identificar a desvantagem comparativa de um dos dois grupos de pessoas afetadas pela medida (36). Com efeito, a discriminação indireta em razão do sexo diz essencialmente respeito à incidência de uma medida sobre diferentes grupos de pessoas. Trata‑se, portanto, de determinar se esta medida é suscetível de desfavorecer ou de favorecer o grupo que pertence a um sexo em relação ao outro e de demonstrar, assim, uma desvantagem comparativa para um deles (37).

58.      No caso em apreço, para demonstrar a existência de um tratamento diferente no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio toma em consideração o pagamento de ajudas de custo diárias feito pelo empregador, designando assim como critério de comparação pertinente (tertium comparationis) os grupos de pessoas que beneficiam do pagamento das ajudas de custo que dão origem à diferença a justificar. Este órgão jurisdicional destaca, assim, o grupo de trabalhadores colocado em desvantagem (o PNC) que, numa situação de deslocação profissional, é objeto de um tratamento diferente em relação a outro grupo (o PNT) em matéria de condições de trabalho, na aceção da Diretiva 2006/54 (38).

59.      Daqui resulta, na minha opinião, que o montante das ajudas de custo diárias em causa no processo principal, tomado em consideração pelo órgão jurisdicional de reenvio, é o elemento de comparação válido que destaca a particular desvantagem do PNC em relação ao PNT numa situação de deslocação profissional. Além disso, saliento que a identificação da desvantagem comparativa não deve ser efetuada de forma abstrata, mas apenas em relação à disposição, ao critério ou à prática em causa, que impliquem essa particular desvantagem (39). Por outras palavras, há que tomar em conta o objetivo geral da medida em questão.

60.      No caso em apreço, para determinar a desvantagem comparativa do PNC em relação ao PNT, há que examinar qual é o objetivo do pagamento das ajudas de custo diárias em causa no processo principal. A este respeito, resulta da decisão de reenvio que este objetivo é idêntico para ambos os grupos de trabalhadores em causa, a saber, a compensação pelo empregador das despesas de refeição que esses trabalhadores devem suportar no âmbito das suas deslocações profissionais, diferentes das relacionadas com o transporte e o alojamento. Isto foi confirmado na audiência pelo Ministério Público e pela Comissão.

61.      Portanto, do ponto de vista do seu objetivo, o pagamento das ajudas de custo diárias permite identificar a existência de uma particular desvantagem de um grupo de pessoas maioritariamente feminino (o PNC) em relação a outro grupo de pessoas maioritariamente masculino (o PNT), como critério de comparação válido.

c)      Quanto à existência de uma particular desvantagem para as pessoas de um sexo em relação às do outro sexo

62.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a existência de uma partícula desvantagem pode ser demonstrada, designadamente, se se provar que uma disposição, um critério ou uma prática aparentemente neutra afeta negativamente uma proporção significativamente maior de pessoas de um sexo do que de pessoas do outro sexo. Cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar se é esse o caso no processo principal (40).

63.      A este respeito, o Tribunal de Justiça reconhece, há muito tempo, a utilidade das estatísticas no quadro da análise da existência, ou não, de uma discriminação indireta (41). Neste contexto, os dados estatísticos desempenham um papel fundamental na verificação da existência de uma desvantagem de facto para as pessoas de um sexo relativamente às do outro sexo. Todavia, incumbe ao órgão jurisdicional nacional apreciar a fiabilidade desses dados e se podem ser tomados em conta (42). Se este considerar que uma percentagem mais elevada de mulheres do que de homens é afetada pelo pagamento das ajudas de custo diárias em causa no processo principal, esse pagamento constitui uma desigualdade de tratamento proibida pelo artigo 14.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/54.

64.      Para apreciar esses dados, recordo que o Tribunal de Justiça declarou que cabe ao juiz nacional, por um lado, tomar em consideração o conjunto dos trabalhadores sujeitos à regulamentação nacional na qual a diferença de tratamento tem origem (43) e, por outro, comparar as proporções respetivas de trabalhadores que são e que não são afetados pela pretensa diferença de tratamento, entre a mão de obra masculina abrangida pelo âmbito de aplicação desta regulamentação e as mesmas proporções entre a mão de obra feminina abrangida (44).

65.      No caso em apreço, como indiquei, segundo os dados estatísticos de que o órgão jurisdicional de reenvio dispõe, as mulheres representam 94 % do PNC (sendo 6 % homens) e os homens 93,71 % do PNT (sendo 6,29 % mulheres). Ora, o montante das ajudas de custo diárias previsto pela Convenção PNC é significativamente inferior ao previsto pela Convenção PNT na mesma situação de deslocação profissional (45). Resulta portanto destes dados que a proporção dos trabalhadores por conta de outrem do sexo feminino afetados pela diferença de tratamento que decorre do pagamento das ajudas de custo diárias em causa no processo principal é significativamente mais elevada do que a dos trabalhadores do sexo masculino.

66.      Por conseguinte, sou da opinião de que, se o órgão jurisdicional de reenvio, com base nos dados estatísticos que acabo de examinar e, sendo caso disso, noutros elementos pertinentes, chegar à conclusão de que a prática em causa no processo principal coloca particularmente em desvantagem o PNC composto maioritariamente por mulheres, haverá que considerar que esta prática é contrária ao artigo 14.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/54, a menos que seja justificada por fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo (46).

3.      Em que medida a prática alegadamente discriminatória é objetivamente justificada?

67.      Recordo, antes de mais, que a Diretiva 2006/54 estabelece uma distinção entre as discriminações direta e indiretamente baseadas no sexo, no sentido de que as primeiras não podem ser justificadas por um objetivo legítimo (47). Em contrapartida, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), desta diretiva, as disposições, critérios ou práticas suscetíveis de constituir discriminações indiretas podem escapar à qualificação de «discriminação», desde que sejam «objetivamente justificados[s] por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários».

a)      Quanto à legitimidade do objetivo invocado para justificar a prática em causa no processo principal

68.      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora caiba em última análise ao juiz nacional, que tem competência exclusiva para apreciar a matéria de facto e para interpretar a legislação nacional, determinar se e em que medida a disposição legislativa em causa se justifica por fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo, o Tribunal de Justiça, ao qual se pede que forneça àquele respostas úteis no âmbito de um reenvio prejudicial, é competente para dar indicações, extraídas dos autos do processo principal, bem como das observações escritas e orais que lhe tenham sido submetidas, de modo a permitir ao órgão jurisdicional nacional decidir (48).

69.      Resulta igualmente da jurisprudência que, no âmbito de uma discriminação indireta em razão do sexo em matéria de condições de trabalho, o empregador deve provar que não houve violação do princípio da não discriminação, fornecendo uma justificação objetiva para a diferença de tratamento em detrimento do grupo de trabalhadores colocado em desvantagem (49).

70.      Nas suas observações escritas e orais, a Air Nostrum, o SEPLA, bem como os Governos Dinamarquês e Sueco alegaram que a diferença de tratamento do PNC é objetivamente justificada pela autonomia dos parceiros sociais no que respeita à negociação e à celebração de convenções coletivas aplicáveis aos trabalhadores que representam. A UGT, o Ministério Público, o Governo Espanhol e a Comissão não artilham desta abordagem (50).

71.      Neste contexto, coloca‑se a questão de saber se a autonomia dos parceiros sociais pode constituir, por si só, um motivo suficiente para efeitos da justificação objetiva de uma diferença de tratamento, como a examinada no processo principal (título 1), ou se, pelo contrário, as diferenças relativas ao montante das ajudas de custo diárias de dois grupos de trabalhadores devem ser justificadas por outros fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo (título 2).

1)      Quanto à autonomia dos parceiros sociais como motivo suficiente para efeitos da justificação objetiva

72.      Examinarei a justificação objetiva baseada na autonomia dos parceiros sociais no contexto de uma negociação coletiva única antes de examinar a justificação baseada em negociações coletivas distintas.

i)      Quanto à justificação objetiva baseada na autonomia dos parceiros sociais no contexto de uma negociação coletiva única

73.      Saliento, antes de mais, que a autonomia da negociação coletiva goza de um reconhecimento particular nas tradições jurídicas e nas práticas nacionais dos Estados‑Membros, constituindo, assim, o conceito‑chave para a compreensão da evolução do direito europeu do trabalho, em torno do qual se constroem as regras dos sistemas democráticos de representação e se fixam os limites da lei face à liberdade sindical (51).

74.      No quadro do direito da União, a proteção da autonomia da negociação coletiva está inscrita no artigo 28.° da Carta, que consagra o direito fundamental à negociação coletiva, para o qual remete o artigo 6.° TUE, através do reconhecimento geral dos direitos, das liberdades e dos princípios enunciados na Carta (52). Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a natureza das medidas adotadas pela via de convenção coletiva é diferente da natureza das medidas adotadas unilateralmente por via legislativa ou regulamentar pelos Estados‑Membros, na medida em que os parceiros sociais, ao exercerem este direito fundamental, tiveram o cuidado de definir um equilíbrio entre os seus interesses respetivos (53). A importância da função da negociação coletiva, garantida atualmente pela Carta, é, portanto, inegável (54).

75.      Resulta desta mesma jurisprudência que, quando o direito à negociação coletiva consagrado no artigo 28.° da Carta releva das disposições do direito da União deve, no âmbito de aplicação do referido direito, ser exercido em conformidade com este (55). Por isso, sempre que adotem medidas no âmbito de aplicação da Diretiva 2006/54 (que, como já indiquei nas minhas observações preliminares, concretiza, no domínio do emprego e da atividade profissional, o princípio da não discriminação em razão do sexo), os parceiros sociais devem agir no respeito dessa diretiva (56). Com efeito, desde o Acórdão Defrenne (57), resulta de jurisprudência abundante que a proibição da discriminação entre os trabalhadores do sexo masculino e os do sexo feminino é extensiva a todas as convenções destinadas a regulamentar de modo coletivo o trabalho assalariado (58).

76.      Mais precisamente, resulta claramente do artigo 21.°, n.° 2, da Diretiva 2006/54 que os acordos celebrados pelos parceiros sociais devem respeitar «as disposições [desta] diretiva e as medidas nacionais de execução». Do mesmo modo, por força do artigo 23.°, primeiro parágrafo, alínea b), da referida diretiva, os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para assegurar que «[s]ejam ou possam ser declaradas nulas e sem efeito, ou revistas, disposições contrárias ao princípio da igualdade de tratamento nos contratos ou acordos [...] coletivos». A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou por várias vezes que as convenções coletivas, tal como as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, devem respeitar o princípio da igualdade de tratamento (59).

77.      Daqui resulta, na minha opinião, que, no contexto da Diretiva 2006/54, a autonomia dos parceiros sociais não basta, por si só, para justificar objetivamente uma diferença de tratamento como a que está em causa no caso em apreço.

78.      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que o facto de o direito da União se opor a uma medida que figura numa convenção coletiva não prejudica o direito de negociar e de celebrar convenções coletivas reconhecido no artigo 28.° da Carta (60), uma vez que as partes interessadas são livres de proceder à revisão das disposições pertinentes dessas convenções. Assim, contrariamente ao que sustentaram a Air Nostrum e o SEPLA, tal revisão não implicaria a renegociação da totalidade da convenção coletiva em causa, mas apenas das disposições pertinentes relativas às ajudas de custo diárias que permitem manter o equilíbrio negociado entre as partes.

79.      Dito isto, e na medida em que a jurisprudência que acabo de examinar diz respeito a discriminações que têm origem, direta ou indiretamente, numa única convenção coletiva, passo agora a examinar a particularidade do presente processo, a saber, a justificação objetiva baseada na autonomia dos parceiros sociais no contexto das negociações coletivas separadas e distintas.

ii)    Quanto à justificação objetiva baseada na autonomia dos parceiros sociais no contexto de negociações coletivas distintas

80.      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre a questão de saber se a circunstância de, no litígio no processo principal, a diferença de tratamento verificada decorrer da aplicação de duas convenções coletivas distintas negociadas por sindicatos diferentes basta, por si só, para justificar objetivamente a discriminação indireta alegada à luz da Diretiva 2006/54.

81.      Em primeiro lugar, há que fazer referência, no contexto da igualdade de remuneração, ao processo que deu origem ao Acórdão Enderby, que dizia respeito a uma discriminação indireta em razão do sexo, à luz do artigo 157.° TFUE (ex‑artigos 119.° CEE e 141.° CE). Nesse processo, os grupos em causa exerciam as funções de ortofonistas e de farmacêuticos, sendo o primeiro composto quase exclusivamente por mulheres e o segundo principalmente por homens, e existia uma diferença de remuneração em detrimento dos ortofonistas. O Tribunal de Justiça declarou, antes de mais, que a «circunstância de a determinação das remunerações em causa resultar de negociações coletivas conduzidas separadamente por cada um dos dois grupos profissionais interessados e que não tiveram efeito discriminatório em cada um desses dois grupos não impede que se verifique uma discriminação aparente, desde que essas negociações tenham chegado a resultados que revelem uma diferença de tratamento entre dois grupos que dependam da mesma entidade patronal e estejam integrados no mesmo sindicato» (61). Seguidamente, considerou que «[s]e, para justificar a diferença de remuneração, lhe bastasse invocar a ausência de discriminação, no âmbito de cada uma dessas negociações considerada isoladamente, a entidade patronal poderia facilmente [...] [contornar] o princípio da igualdade das remunerações por meio do expediente de negociações separadas» (62). Por último, declarou que não basta, para justificar objetivamente tal diferença de remuneração, invocar a circunstância de as remunerações respetivas dessas duas funções terem sido determinadas «por meio de negociações coletivas que, se bem que realizadas pelas mesmas partes, são distintas e que, cada uma delas, considerada separadamente, não tem, em si, efeitos discriminatórios» (63).

82.      É decerto verdade que, no processo que deu origem ao Acórdão Enderby, a diferença de tratamento tinha origem em processos de negociações coletivas distintos que tinham sido conduzidos entre as mesmas partes, a saber, o empregador e o sindicato que representava as duas profissões em causa. No entanto, resulta claramente desse acórdão que o elemento central do exame da justificação efetuado pelo Tribunal de Justiça era a circunstância de a negociação coletiva relativa aos ortofonistas ter sido conduzida «separadamente e independentemente» da negociação coletiva relativa aos farmacêuticos.

83.      Assim, embora, no caso em apreço, a diferença de tratamento verificada se deva ao facto de as duas convenções coletivas terem sido negociadas com sindicatos diferentes, a circunstância determinante é, no entanto, como no processo que deu origem ao Acórdão Enderby, que foram negociadas, de forma separada e independente, convenções coletivas distintas. Daqui resulta que, na medida em que, em ambos os processos, as convenções coletivas foram negociadas separada e independentemente e, portanto, dizem respeito a negociações coletivas diferentes, o facto de, no presente processo, as convenções coletivas terem sido negociadas com sindicatos diferentes não basta, na minha opinião, para afastar a transposição para o caso em apreço dos ensinamentos que decorrem do Acórdão Enderby (64).

84.      Em segundo lugar, como o Governo Espanhol indicou em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 89.° da Lei do Estatuto dos Trabalhadores, a faculdade de solicitar negociações e a escolha dos interlocutores para conduzir essas negociações assistem tanto ao empregador como aos representantes dos trabalhadores (65). Segundo este Governo, ambas as partes podem recusar encetar negociações solicitadas pela outra parte nas condições estabelecidas pela legislação nacional. Neste contexto, a margem de manobra do empregador diz respeito à possibilidade de selecionar os interlocutores legítimos respeitando determinadas regras (66).

85.      Quando são os trabalhadores que solicitam as negociações e dispõem de legitimidade para o efeito, o empregador tem o dever de negociar. O Ministério Público precisou a este respeito, na audiência, que o empregador pode encetar negociações com representantes dos trabalhadores «decidindo livremente se aceita ou não chegar a acordo sobre questões concretas».

86.      É certo que, embora, como supõe o órgão jurisdicional de reenvio, em cada processo de negociação, cada representação sindical tenha privilegiado, face à Air Nostrum, determinadas reivindicações em detrimento de outras, esse órgão jurisdicional salienta, no entanto, que, quando esta empresa negociou a convenção PNT, a convenção PNC já tinha sido assinada e a Air Nostrum conhecia, portanto, os montantes fixados para as ajudas de custo diárias do PNC. Por conseguinte, pode facilmente considerar‑se que esta empresa tinha conhecimento do facto de que a diferença de tratamento relativa às condições de trabalho, que decorria do pagamento das ajudas de custo diárias em causa, criava uma desvantagem comparativa em detrimento do PNC, contrária à legislação nacional que transpõe a Diretiva 2006/54 e, portanto, à própria diretiva.

87.      Em terceiro lugar, é decerto verdade que se poderia considerar, à primeira vista, que o facto de não aceitar a justificação apresentada pela Air Nostrum poderia ter como consequência que uma convenção coletiva seria aplicável, ainda que indiretamente, a trabalhadores cujos representantes sindicais não negociaram nem, a fortiori, celebraram a referida convenção.

88.      Todavia, se se aceitasse a autonomia dos parceiros sociais como único motivo de justificação objetiva de uma discriminação como a do caso em apreço, tal equivaleria, na minha opinião, a aceitar a inexistência de qualquer discriminação indireta em todos os casos em que estivéssemos perante convenções coletivas distintas relativas, nomeadamente, às condições de trabalho. Com efeito, tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, se, para justificar a diferença das condições de trabalho, bastasse ao empregador invocar a inexistência de discriminação no âmbito de cada uma dessas negociações considerada isoladamente, poderia facilmente contornar o princípio fundamental da igualdade de tratamento através de negociações separadas (67).

89.      Em quarto lugar, como a Comissão salientou nas suas observações escritas, na falta de precisões concretas sobre o desenrolar da negociação, admitir que a autonomia dos parceiros sociais e a possibilidade de as partes adotarem estratégias de negociação distintas sejam invocadas de maneira geral poderia, pelo menos, ocultar o facto de que, ainda que os sindicatos se esforcem por melhorar as condições de trabalho de todos os trabalhadores, tanto o empregador como os sindicatos podem ter preconceitos inconscientes que os levem a subestimar as necessidades das trabalhadoras em relação às dos trabalhadores e, portanto, a aceitar condições diferentes para grupos compostos maioritariamente por mulheres (68).

90.      De qualquer modo, mesmo que se considerasse, à primeira vista, a possibilidade de aceitar a existência de duas convenções coletivas distintas como uma justificação objetiva da diferença de tratamento em causa, importa recordar que, na medida em que a Convenção PNC diz maioritariamente respeito a mulheres e a Convenção PNT diz maioritariamente respeito a homens, não é possível identificar, no âmbito de uma discriminação indireta, o facto preciso que causa a desvantagem comparativa, devendo a justificação estar associada a um objetivo diferente e alheio a qualquer discriminação em razão do sexo (69).

91.      Resulta de tudo o que precede que, sob pena de esvaziar de efeito útil o artigo 23.°, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2006/54, a autonomia dos parceiros sociais no contexto de negociações coletivas separadas e distintas não é, por si só, um motivo objetivo e alheio a qualquer discriminação em razão do sexo e não é, portanto, suficiente, por si só, como motivo de justificação objetiva de uma diferença de tratamento, como a do caso em apreço.

2)      Quanto à existência de outros fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo para justificar a diferença de tratamento em causa

92.      Parece‑me importante distinguir, por um lado, o facto de se considerar que a circunstância de a desigualdade de tratamento decorrer da aplicação de duas convenções coletivas distintas pode constituir, por si só, um fundamento suficiente para justificar uma diferença de tratamento em razão do sexo e, por outro, o facto de se considerar que esta justificação poderia, conjuntamente com outros critérios, contribuir para a formação de um motivo justificativo objetivo e alheio a qualquer discriminação em razão do sexo, à luz da Diretiva 2006/54.

93.      Quanto a esta última circunstância, tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio pode tomar em consideração a existência das duas convenções coletivas para apreciar se existem diferenças entre as ajudas de custo diárias dos dois grupos em causa e se essas diferenças são devidas a outros fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo (70).

94.      Todavia, há que salientar que tais fatores não resultam nem da decisão de reenvio, nem das observações da Air Nostrum. A este respeito, saliento que, mesmo admitindo que a justificação alegada visa fazer valer um objetivo legítimo, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma simples afirmação de ordem geral é insuficiente para demonstrar que o objetivo das medidas em causa é alheio a qualquer discriminação em razão do sexo (71).

95.      Em contrapartida, se o empregador apresentar provas precisas e convincentes de que a diferença de tratamento decorre efetivamente de um objetivo legítimo, e não da diferença de sexo, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se é esse efetivamente o caso. Como a Comissão salientou, com razão, essas provas podem, nomeadamente, dizer respeito à existência das prioridades respetivas dos sindicatos que representam os trabalhadores.

96.      Neste contexto, e tal como resulta dos números precedentes, não basta que o empregador faça referência ao facto de ter havido duas negociações coletivas distintas, incumbe‑lhe provar concretamente que as prioridades de cada grupo eram diferentes, que foram negociadas de forma real e independente e que as partes negociaram efetivamente em função das suas respetivas prioridades, insistindo em certos aspetos e mostrando‑se flexíveis quanto a outros, para chegarem a um acordo que tivesse em conta os interesses de ambas as partes. A este respeito, parece‑me importante que o órgão jurisdicional de reenvio verifique que o grupo que foi, a priori, colocado em desvantagem, tendo pleno conhecimento das diferenças relativas aos montantes das ajudas de custo diárias em causa, aceitou essas diferenças dando prioridade, em contrapartida, a outros elementos relativos, nomeadamente, às condições de trabalho, como a qualidade dos hotéis ou o número de dias de férias anuais.

b)      Quanto à adequação e à necessidade da prática em causa no processo principal para alcançar o objetivo invocado

97.      Tendo em conta a minha análise, não há que examinar a questão da adequação da prática em causa para alcançar o objetivo visado. Gostaria, todavia, de indicar que, no caso de serem apresentadas provas da existência de um objetivo legítimo, o órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar se os meios para alcançar esse objetivo legítimo são adequados e necessários, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2006/54.

98.      No âmbito desse exame, parece‑me pertinente que o órgão jurisdicional de reenvio tome em consideração elementos como a plausibilidade das indicações relativas às ajudas de custo diárias em causa dadas pelo empregador, nomeadamente o facto de essas ajudas de custo preencherem ou não o seu objetivo de cobrir as despesas de refeição incorridas durante deslocações profissionais.

V.      Conclusão

99.      Tendo em conta todas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão submetida pela Audiencia Nacional (Audiência Nacional, Espanha) do seguinte modo:

O artigo 14.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma prática nos termos da qual uma companhia aérea paga ao pessoal de cabina, maioritariamente composto por mulheres, ajudas de custo diárias para cobrir as despesas de refeição incorridas durante as suas deslocações profissionais, de montante inferior às ajudas de custo que são pagas nas mesmas condições à tripulação de cabina, maioritariamente composta por homens, quando esta desigualdade de tratamento decorre da aplicação de duas convenções coletivas distintas negociadas entre o empregador e sindicatos diferentes.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO 2006, L 204, p. 23).


3      BOE n.º 255, de 24 de outubro de 2015, p. 100224.


4      «Tripulantes de cabina de pasajeros».


5      BOE n.º 12, de 14 de janeiro de 2019, p. 2519, disponível no seguinte endereço Internet: https://www.boe.es/eli/es/res/2018/12/18/(14).


6      BOE n.º 134, de 13 de maio de 2020, p. 32752, disponível no seguinte endereço Internet: https://www.boe.es/eli/es/res/2020/03/10/(12).


7      O que resultaria igualmente do Acórdão de 8 de setembro de 2011, Hennigs e Mai, (C‑297/10 e C‑298/10, EU:C:2011:560).


8      Quanto à posição do Ministério Público, v. n.º 29 das presentes conclusões. O Ministério Público e o Governo Espanhol explicaram na audiência os motivos da continuação do processo no órgão jurisdicional de reenvio.


9      V. Lenaerts, K., e Gutièrrez‑Fons, J.A., «Epilogue. High Hopes: Autonomy and the Identity of the EU», European Papers, 2023, vol. 8, n.º 3, pp. 1495 a 1511.


10      V., nomeadamente, Acórdão de 5 de julho de 2017, Fries (C‑190/16, EU:C:2017:513, n.º 29).


11      Recorde‑se que a Diretiva 2006/54 integra certos elementos da jurisprudência do Tribunal de Justiça e agrupa as disposições existentes de diferentes diretivas relativas à igualdade entre mulheres e homens, a saber, a Diretiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (JO 1975, L 45, p. 19; EE 05 F2, p. 52), a Diretiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO 1976, L 39, p. 40; EE 05 F2, p. 70), a Diretiva 86/378/CEE do Conselho, de 24 de julho de 1986, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres aos regimes profissionais de segurança social (JO 1986, L 225, p. 40), e a Diretiva 97/80/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa ao ónus da prova nos casos de discriminação baseada no sexo (JO 1997, L 14, p. 6).


12      V. n.º 18 das presentes conclusões.


13      V. Acórdãos de 8 de maio de 2019, Villar Láiz (C‑161/18, EU:C:2019:382, n.º 37 e jurisprudência aí referida), e de 21 de janeiro de 2021, INSS (C‑843/19, EU:C:2021:55, n.º 24). Estes acórdãos marcam uma evolução da definição do conceito de «discriminação indireta» em relação à jurisprudência anterior, segundo a qual «existe discriminação indireta quando a aplicação de uma medida nacional, apesar da sua formulação neutra, prejudica, de facto, um número muito mais elevado de mulheres do que de homens». O sublinhado é meu. V., nomeadamente, Acórdãos de 14 de abril de 2015, Cachaldora Fernández (C‑527/13, EU:C:2015:215, n.º 28), e de 9 de novembro de 2017, Espadas Recio (C‑98/15, EU:C:2017:833, n.º 38 e jurisprudência aí referida).


14      A medida em causa diz respeito à prática do empregador que consiste em pagar ao PNC e ao PNT ajudas de custo diárias de montante diferente, previstas por duas convenções coletivas distintas.


15      Quanto à influência da doutrina americana relativa ao «disparate impact» no âmbito das discriminações indiretas no direito social da União v., nomeadamente, Tobler, C., Indirect Discrimination. A Case Study into the Development of the Legal Concept of Indirect Discrimination under EC Law, Intersentia, Antwerpen‑Oxford, 2005, pp. 91 a 96 e 235, bem como Mulder, J., Indirect sex discrimination in employment. Theoretical analysis and reflections on the CJEU case law and national application of the concept of indirect sex discrimination, Directorate‑General for Justice and Consumers (EC), 2021, p. 44. V., a este respeito, Acórdão de 31 de março de 1981, Jenkins (96/80, EU:C:1981:80, p. 925, considerando 13). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral J.‑P. Warner no processo Jenkins (96/80, EU:C:1981:21, pp. 936 e 937), e Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Coleman (C‑303/06, EU:C:2008:61, n.º 19).


16      Como sublinharam os autores da doutrina, trata‑se de examinar mais qualitativamente quais são os eventuais efeitos desfavoráveis de uma medida sobre pessoas que satisfaçam um determinado critério relativamente a outras pessoas. A definição de «discriminação indireta» permite examinar as diferenças de tratamento associadas a critérios para os quais não existem dados quantitativos. V. Miné, M., «Les concepts de discrimination directe et indirecte», ERA Forum, vol. 4, 2003, pp. 30 a 44, especialmente, pp. 38 e 39, e Tridimas, T., The General Principles of EU Law, Oxford University Press, Oxford, 2005, 2.a ed., pp. 67 a 72. V., igualmente, nota 42 das presentes conclusões.


17      Resulta da decisão de reenvio que o artigo 93.º e o anexo I da Convenção PNC e o artigo 16.19 da Convenção PNT são de aparência neutra, uma vez que estas disposições se aplicam, respetivamente, tanto ao PNC e ao PNT masculino como ao PNC e ao PNT feminino.


18      V., nomeadamente, Acórdãos de 27 de outubro de 1998, Boyle e o. (C‑411/96, EU:C:1998:506, n.º 39); de 21 de outubro de 1999, Lewen (C‑333/97, EU:C:1999:512, n.º 36); de 30 de março de 2004, Alabaster (C‑147/02, EU:C:2004:192, n.º 45), e de 16 de julho de 2009, Gómez‑Limón Sánchez‑Camacho (C‑537/07, EU:C:2009:462, n.º 56).


19      V., nomeadamente, Tobler, C., Limites et potentiel du concept de discrimination indirecte, op. cit., pp. 24 e 26. No que respeita ao princípio geral da igualdade de tratamento, v., nomeadamente, Acórdão de 4 de maio de 2023, Glavna direktsia «Pozharna bezopasnost i zashtita na naselenieto» (Trabalho noturno) (C‑529/21 a C‑536/21 e C‑732/21 a C‑738/21, EU:C:2023:374, n.º 52).


20      O conceito de «discriminação indireta» foi consagrado pela primeira vez no Acórdão de 13 de maio de 1986, Bilka‑Kaufhaus (170/84, EU:C:1986:204), relativo ao acesso a um regime de pensões de empresa. V., a este respeito, Prechal, S., «Combating Indirect Discrimination in Community Law Context», Legal Issues of European Integration, vol. 19, n.º 1, 1993, pp. 81 a 97, especialmente, p. 84.


21      Quanto à evolução da definição do conceito de discriminação indireta no direito da União, v. Ellis, E., e Watson, P., EU AntiDiscrimination Law, 2.a ed., Oxford European Union Law Library, Oxford, 2012, pp. 148 a 155.


22      V. n.os 38 e 39 das presentes conclusões.


23      O artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva 2006/54 define a «discriminação direta» como «sempre que, em razão do sexo, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável».


24      No que respeita exigência relativa ao caráter comparável das situações no contexto da discriminação direta, o Tribunal de Justiça precisou, por um lado, que não se exige que as situações sejam idênticas, mas simplesmente que sejam comparáveis, e, por outro, que a apreciação deste caráter comparável não deve ser efetuada de modo global e abstrato, mas de modo específico e concreto, na perspetiva da prestação em causa. V., nomeadamente, Acórdãos de 12 de dezembro de 2013, Hay (C‑267/12, EU:C:2013:823, n.º 33), bem como de 19 de julho de 2017, Abercrombie & Fitch Italia (C‑143/16, EU:C:2017:566, n.º 25).


25      V. nota 16 das presentes conclusões. O sublinhado é meu.


26      V., neste sentido, nomeadamente, Tobler, C., Indirect Discrimination Under Directives 2000/43 and 2000/78, Université de Leyde, Leyde, p. 100, bem como Tobler, C., Limites et potentiel du concept de discrimination indirecte, op. cit., p. 54.


27      V., neste sentido, nomeadamente, Mulder, J., Indirect sex discrimination in employment., op. cit., pp. 50 e 51, e Tobler, C., Indirect Discrimination Under Directives 2000/43 and 2000/78, op. cit., pp. 23, 99 e 100. Importa salientar que os elementos a examinar no âmbito da comparação não são os mesmos que os que devem ser tidos em conta para determinar a legitimidade do motivo da justificação invocada. Assim, a existência de uma ou várias convenções coletivas é um elemento que pode ser tido em conta para efeitos de apreciar se as diferenças entre as ajudas de custo diárias em causa são devidas a fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo. V., nomeadamente, neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 1995, Royal Copenhagen (C‑400/93, EU:C:1995:155, n.° 46). V. n.os 92 e segs. das presentes conclusões.


28      V., neste sentido, nomeadamente, Mulder, J., Indirect sex discrimination in employment, op. cit., p. 12. Em contrapartida, no que respeita ao princípio da igualdade de remuneração, que não está em causa no presente processo, os grupos de trabalhadores a comparar devem prestar um trabalho de valor igual.


29      V. Mulder, J., Indirect sex discrimination in employment, op. cit., pp. 12 e 50.


30      V., neste sentido, Tobler, C., Limites et potentiel du concept de discrimination indirecte, op. cit., especialmente, nota 127.


31      Quanto à importância da identificação do grupo de referência no contexto da discriminação indireta, v., nomeadamente, Ellis, E., e Watson, P., EU AntiDiscrimination Law, op. cit., p. 152.


32      V., nomeadamente, Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, TGSS (Desemprego dos trabalhadores do serviço doméstico) (C‑389/20, EU:C:2022:120, n.os 49 e 50 e jurisprudência aí referida), no qual o Tribunal de Justiça considerou que «[a] pretensa não comparabilidade da situação dos trabalhadores do serviço doméstico em relação à situação dos outros trabalhadores por conta de outrem [...] alegada [...] para sustentar a inexistência de tal discriminação indireta, não é pertinente a este respeito. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.º 47 das suas conclusões, contrariamente ao processo que deu origem ao Acórdão de 26 de junho de 2018, MB (Mudança de sexo e pensão de reforma) (C‑451/16, EU:C:2018:492), [...], a disposição nacional em causa no processo principal não constitui uma discriminação direta em razão do sexo que possa ser posta em causa pela pretensa não comparabilidade da situação dos trabalhadores do serviço doméstico em relação à dos outros trabalhadores por conta de outrem». V., a este respeito, as minhas Conclusões no processo TGSS (Desemprego dos trabalhadores do serviço doméstico) (C‑389/20, EU:C:2021:777, n.º 47).


33      No âmbito desta questão, os grupos de trabalhadores que são objeto da comparação devem prestar um trabalho de valor igual. V. nota 28 das presentes conclusões.


34      V., a este respeito, n.º 35 das presentes conclusões.


35      A Comissão precisou na audiência que, em ambas as convenções coletivas em questão, as ajudas de custo diárias não são consideradas uma remuneração.


36      Faço questão de recordar que o método de identificação do grupo de referência para efeitos de comparação no contexto da discriminação indireta não é exatamente o mesmo que no caso da discriminação direta. V., a este respeito, n.os 48 e 49 das presentes conclusões.


37      V., neste sentido, nomeadamente, Mulder, J., Indirect sex discrimination in employment., op. cit., p. 12.


38      Por outras palavras, as pessoas que devem ser objeto da comparação (os grupos comparados) são, por um lado, o PNC, composto maioritariamente por mulheres e, por outro, o PNT, composto maioritariamente por homens. Esta comparação (tertium comparationis) incide sobre o montante das ajudas de custo diárias em causa no processo principal.


39      No caso em apreço, tal identificação diz unicamente respeito às disposições relativas às ajudas de custo diárias em cada convenção coletiva e não a outras disposições dessas convenções.


40      V., nomeadamente, Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, TGSS (Desemprego dos trabalhadores do serviço doméstico) (C‑389/20, EU:C:2022:120, n.º 41 e jurisprudência aí referida). Quanto ao ónus da prova, v. artigo 19.º da Diretiva 2006/54. Como o Tribunal de Justiça declarou, é à pessoa que se considera lesada pela inobservância do princípio da igualdade de tratamento que incumbe, numa primeira fase, demonstrar factos que permitam presumir a existência de uma discriminação direta ou indireta. Só quando essa pessoa demonstrar esses factos é que cabe ao demandado, numa segunda fase, provar que não houve violação do princípio da não discriminação, v. Acórdão de 19 de abril de 2012, Meister (C‑415/10, EU:C:2012:217, n.º 36). V., a este respeito, Burri, S., e Prechal, S., L’égalité des genres dans le droit de l’Union européenne, Comissão Europeia, Luxemburgo, 2008, p. 17.


41      V., a este respeito, Acórdão de 31 de março de 1981, Jenkins (96/80, EU:C:1981:80, p. 925, considerando 13), bem como Conclusões do advogado‑geral J.‑P. Warner no processo Jenkins (96/80, EU:C:1981:21, pp. 936 e 937).


42      V. Acórdão de 21 de janeiro de 2021, INSS (C‑843/19, EU:C:2021:55, n.º 27 e jurisprudência aí referida). Há que salientar que a discriminação indireta pode ser demonstrada por quaisquer meios, e não apenas com base em dados estatísticos. V., nomeadamente, Acórdãos de 8 de maio de 2019, Villar Láiz (C‑161/18, EU:C:2019:382, n.º 46), e de 3 de outubro de 2019, Schuch‑Ghannadan (C‑274/18, EU:C:2019:828, n.º 54). A este respeito, importa sublinhar que a Diretiva 2006/54 não faz referência «a elementos quantitativos para efeitos da análise da discriminação indireta. Com efeito, a referida definição adota uma abordagem qualitativa, a saber, de que importa verificar se a medida nacional em causa é suscetível, pela sua própria natureza, de “prejudicar particularmente” pessoas de um sexo em relação a pessoas de outro sexo». V. Conclusões do advogado‑geral A. Rantos nos processos apensos IK e CM (C‑184/22 e C‑185/22, EU:C:2023:879, n.º 36).


43      No caso em apreço, as disposições das convenções coletivas em causa.


44      V., nomeadamente, neste sentido, Acórdãos de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal dirigente) (C‑223/19, EU:C:2020:753, n.º 52 e jurisprudência aí referida), e de 21 de janeiro de 2021, INSS (C‑843/19, EU:C:2021:55, n.º 26). V., igualmente, neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Villar Láiz (C‑161/18, EU:C:2019:382, n.os 39 e 45).


45      Mais exatamente, resulta da decisão de reenvio que o montante das ajudas de custo diárias do PNC varia entre 37,06 e 59,06 euros, consoante se trate de uma deslocação nacional ou internacional. A este respeito, o Governo Espanhol salienta nas suas observações escritas que o PNC recebe ajudas de custo integrais se ultrapassar a quarta hora completa de atividade. No caso de o PNC estar em serviço durante quatro horas ou menos, recebe metade das ajudas de custo diárias. Em contrapartida, as ajudas de custo diárias do PNT ascendem, para os mesmos tipos de deslocações, a um montante situado, respetivamente, entre 65 e 100 euros. Neste caso, o Governo espanhol indica nas suas observações escritas que as ajudas de custo diárias do PNT são pagas com a possibilidade de aplicar coeficientes suplementares sob determinadas condições de deslocação que multiplicam por 1,2 a 2 essas ajudas.


46      V., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Villar Láiz (C‑161/18, EU:C:2019:382, n.º 47).


47      Assim, no caso de as situações examinadas não serem comparáveis, a diferença de tratamento não constitui uma discriminação direta. Além disso, a discriminação direta só pode ser justificada com base em motivos específicos expressamente previstos na lei. V., a este respeito, jurisprudência referida na nota 32 das presentes conclusões. V., igualmente, as minhas Conclusões no processo TGSS (Desemprego dos trabalhadores do serviço doméstico) (C‑389/20, EU:C:2021:777, n.º 47 e nota 21).


48      V., neste sentido, Acórdãos de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal de direção) (C‑223/19, EU:C:2020:753, n.º 58), e de 24 de fevereiro de 2022, TGSS (Desemprego dos trabalhadores do serviço doméstico) (C‑389/20, EU:C:2022:120, n.º 51 e jurisprudência aí referida).


49      V., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Kenny e o. (C‑427/11, EU:C:2013:122, n.º 41).


50      V. n.º 29 das presentes conclusões.


51      V. Sciarra, S., «The evolution of collective bargaining: observations on comparison in the countries of the European Union», Comparative Labor Law & Policy Journal, vol. 29, n.º 1, pp. 1 a 28, especialmente, p. 7. Quanto à importância da negociação coletiva, v., nomeadamente, Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Brentjens’ Handelsonderneming (C‑67/96, C‑115/97 e C‑219/97, ECLI:EU:C:1999:28, n.º 181), e Conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:321, n.os 41 a 46).


52      V. Rodière, P., «Droit à la négociation et d’actions collectives», Charte des droits fondamentaux de l’Union européenne, Picod, F., e Van Drooghenbroeck, S., (eds.), 2.a ed., Bruyland, Paris, 2018, pp. 621 a 646.


53      Acórdão de 8 de setembro de 2011, Hennigs e Mai (C‑297/10 e C‑298/10, EU:C:2011:560, n.º 66 e jurisprudência aí referida). Em particular, no que respeita à Diretiva 2006/54, a importância da função das convenções coletivas, enquanto partes integrantes da ordem jurídica dos Estados‑Membros, para «a aplicação efetiva do princípio da igualdade de tratamento» resulta do artigo 33.º desta diretiva. Assim, em conformidade com o artigo 21.º, n.º 1, da referida diretiva, «[o]s Os Estados‑Membros tomam as medidas adequadas para [...] promoverem o diálogo social entre os parceiros sociais, com vista à promoção da igualdade de tratamento».


54      A nível da União, o diálogo entre os parceiros sociais é reconhecido no artigo 155.º TFUE.


55      Acórdãos de 8 de setembro de 2011, Hennigs e Mai (C‑297/10 e C‑298/10, EU:C:2011:560, n.º 67); de 11 de dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union (C‑438/05, EU:C:2007:772, n.º 44), bem como de 18 de dezembro de 2007, Laval un Partneri (C‑341/05, EU:C:2007:809, n.º 91).


56      V., neste sentido, Acórdãos de 8 de setembro de 2011, Hennigs e Mai (C‑297/10 e C‑298/10, EU:C:2011:560, n.º 68); bem como de 27 de outubro de 1993, Enderby (C‑127/92, a seguir «Acórdão Enderby», EU:C:1993:859, n.º 22).


57      Acórdão de 8 de abril de 1976 (43/75, EU:C:1976:56, n.º 39).


58      V., nomeadamente, Acórdãos de 27 de junho de 1990, Kowalska (C‑33/89, EU:C:1990:265, n.º 12); de 18 de novembro de 2004, Sass (C‑284/02, EU:C:2004:722, n.º 25); de 9 de dezembro de 2004, Hlozek (C‑19/02, EU:C:2004:779, n.º 43); de 18 de novembro de 2020, Syndicat CFTC (C‑463/19, EU:C:2020:932, n.º 48), e de 3 de junho de 2021, Tesco Stores (C‑624/19, EU:C:2021:429, n.º 21 e jurisprudência aí referida).


59      No que respeita ao artigo 16.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16), que equivale ao artigo 23.º, primeiro parágrafo, alínea b), da Diretiva 2006/54, v. Acórdãos de 8 de setembro de 2011, Hennigs e Mai (C‑297/10 e C‑298/10, EU:C:2011:560, n.º 63); de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573, n.º 49), bem como de 28 de fevereiro de 2013, Kenny e o. (C‑427/11, EU:C:2013:122, n.º 47).


60      Acórdão de 8 de setembro de 2011, Hennigs e Mai (C‑297/10 e C‑298/10, EU:C:2011:560, n.º 78).


61      Acórdão de 27 de outubro de 1993, Enderby (C‑127/92, EU:C:1993:859, n.º 22). O sublinhado é meu. Quanto ao efeito prejudicial, v. n.º 40 das presentes conclusões.


62      Acórdão de 27 de outubro de 1993, Enderby (C‑127/92, EU:C:1993:859, n.º 22).


63      Acórdão de 27 de outubro de 1993, Enderby (C‑127/92, EU:C:1993:859, n.º 23). O sublinhado é meu.


64      Assim, para justificar a diferença de tratamento em razão do sexo, «não basta que a entidade patronal comum remeta para a existência de convenções coletivas diferentes, ainda que, consideradas separadamente, nenhuma delas contenha qualquer discriminação em razão do sexo», v. Conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz no processo Enderby (C‑127/92, EU:C:1993:313, n.º 50).


65      A este respeito, o Governo Espanhol explicou que o artigo 89.º, n.º 1, da Lei do Estatuto dos Trabalhadores prevê a possibilidade de os «representantes dos trabalhadores ou dos empregadores» (que, nos termos do artigo 87.º deste estatuto, devem ter legitimidade para negociar uma convenção coletiva) solicitarem negociações, comunicando-o por escrito à outra parte. A parte destinatária da comunicação pode recusarse a encetar negociações unicamente por razões legais ou convencionais ou quando não se trate de rever uma convenção cuja vigência já tenha cessado.


66      Em conformidade com o artigo 89.º, n.º 2, da Lei do Estatuto dos Trabalhadores, no prazo máximo de um mês a contar da receção da comunicação, é constituída a comissão de negociação. A parte destinatária da comunicação deve então responder à proposta de negociação e ambas as partes devem fixar o calendário ou o plano de negociação.


67      V., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 1993, Enderby (C‑127/92, EU:C:1993:859, n.º 22).


68      Como salientaram os autores da doutrina, «a rejeição de processos distintos de negociação coletiva como justificação objetiva da discriminação indireta em razão do sexo apoia a igualdade de oportunidades, uma vez que não basta questionar se a obtenção de dois níveis diferentes de condições de trabalho se deve à aplicação de dois processos diferentes. É necessário examinar o que está subjacente a estes processos e questionar por que razão uma convenção coletiva pôde conduzir a um resultado mais favorável do que a outra» relativamente à mesma medida, V. Hervey, T. K., «EC Law on Justifications for sex Discrimination in Working Life», Collective bargaining, discrimination, social security and European integration, Bulletin of comparative labour relations, 48, 2003, pp. 103 a 152, especialmente, p. 133. V., igualmente, Vogel‑Polsky, E., «Genre et droit: les enjeux de la parité», Cahiers du GEDISST (Groupe d’étude sur la division sociale et sexuelle du travail), n.º 17, 1996, «Principes et enjeux de la parité», pp. 11 a 31: «A segregação profissional [...] das mulheres na economia e no mundo do trabalho tem origem na totalidade das relações sociais de sexo [ou] na impregnação dos estereótipos veiculados pela cultura, pela educação, pelo sistema escolar, pela família, pelos meios de comunicação social [...]». V. as minhas Conclusões no processo TGSS (Desemprego dos trabalhadores do serviço doméstico) (C‑389/20, EU:C:2021:777, n.º 78).


69      Relativamente a um grupo de trabalhadores a tempo parcial colocado em desvantagem e constituído essencialmente por mulheres, v. Acórdão de 10 de março de 2005, Nikoloudi (C‑196/02, EU:C:2005:141, n.º 51). V., neste sentido, nomeadamente, Tobler, C., Limites et potentiel du concept de discrimination indirecte, op. cit., p. 37.


70      V., nomeadamente, Acórdão de 31 de maio de 1995, Royal Copenhagen (C‑400/93, EU:C:1995:155, n.º 46), bem como de 28 de fevereiro de 2013, Kenny e o. (C‑427/11, EU:C:2013:122, n.º 49).


71      V., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2005, Nikoloudi (C‑196/02, EU:C:2005:141, n.º 52 e jurisprudência aí referida).