ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

31 de março de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas — Contratos de mútuo — Mútuo expresso em divisa estrangeira e reembolsável em moeda nacional — Cláusula contratual que faz recair sobre o consumidor o risco da taxa de câmbio — Caráter abusivo de uma cláusula relativa ao objeto principal do contrato — Efeitos — Nulidade do contrato — Prejuízo grave para o consumidor — Efeito útil da Diretiva 93/13 — Parecer não vinculativo do tribunal supremo — Possibilidade de restabelecer as partes na situação em que se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado»

No processo C‑472/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), por Decisão de 28 de agosto de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de setembro de 2020, no processo

Lombard Pénzügyi és Lízing Zrt.

contra

PN,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, N. Jääskinen (relator) e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação da Lombard Pénzügyi és Lízing Zrt., por Zs. Bohács, ügyvéd,

—        em representação de PN, por L. Gönczi, ügyvéd,

—        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

—        em representação da Comissão Europeia, por I. Rubene, Zs. Teleki, N. Ruiz García e L. Havas, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Lombard Pénzügyi és Lízing Zrt. (a seguir «Lombard») a PN a propósito dos efeitos jurídicos de uma cláusula contratual relativa ao risco de câmbio suportado pelo consumidor no caso de um contrato de crédito expresso em divisa estrangeira, mas reembolsável em moeda nacional.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 4.o da Diretiva 93/13 tem a seguinte redação:

«1.      Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.      A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

4        Nos termos do artigo 5.o, primeiro período, da referida diretiva, «[n] o caso dos contratos em que as cláusulas propostas ao consumidor estejam, na totalidade ou em parte, consignadas por escrito, essas cláusulas deverão ser sempre redigidas de forma clara e compreensível».

5        O artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva estabelece:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

6        O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 dispõe:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

7        Nos termos do artigo 8.o dessa diretiva:

«Os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor.»

 Direito húngaro

8        O artigo 209.o da Polgári Törvénykönyvről szóló 1959. évi IV. törvény (Lei n.o IV, de 1959, que Aprova o Código Civil), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «antigo Código Civil»), previa:

«(1)      As cláusulas contratuais gerais e as cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor que não tenham sido negociadas individualmente são abusivas se, em violação das exigências de boa‑fé e da equidade, estipularem de forma unilateral e sem justificação, os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato, em prejuízo da parte contratante que não tiver estipulado essas cláusulas.

(2)      Para determinar o caráter abusivo de uma cláusula deverão ser examinadas todas as circunstâncias existentes à data da celebração do contrato e que levaram à celebração do mesmo, bem como a natureza do serviço contratado e a relação da cláusula em questão com as demais cláusulas do contrato ou com outros contratos.

(3)      As cláusulas de um contrato celebrado com o consumidor, consideradas abusivas ou que devam ser consideradas como tal, salvo prova em contrário, podem ser determinadas mediante disposições especiais.

(4)      As cláusulas contratuais gerais ou as cláusulas de um contrato celebrado com o consumidor que não tenham sido negociadas individualmente são abusivas pelo simples facto de não serem redigidas de maneira clara ou compreensível.

(5)      As disposições relativas às cláusulas contratuais abusivas não são aplicáveis às estipulações que definem a prestação principal nem às que determinam a proporção entre a prestação e a contraprestação, desde que essas estipulações estejam redigidas de maneira clara e compreensível.»

9        Nos termos do artigo 209.o/A, do antigo Código Civil:

«(1) As cláusulas abusivas integradas no contrato como condições gerais podem ser impugnadas pela parte lesada.

(2) Nos contratos com consumidores são nulas as cláusulas abusivas integradas nos contratos como condições contratuais gerais ou que o profissional tenha redigido unilateralmente, previamente e sem negociação individual. A nulidade só pode ser invocada no interesse do consumidor.»

10      O artigo 237.o desse código tinha a seguinte redação:

«(1)      Em caso de invalidade de um contrato, deve ser restabelecida a situação anterior à sua celebração.

(2)      Caso não seja possível restabelecer a situação anterior à celebração do contrato, o tribunal pode declarar o contrato aplicável até proferir a sua decisão. Um contrato inválido pode ser declarado válido se a sua invalidade puder ser eliminada, especialmente nos contratos usuários, quando exista um desequilíbrio das prestações das partes suprimindo‑se a vantagem desproporcionada. Nesses casos, há que ordenar a restituição da prestação devida, eventualmente, sem contraprestação.»

11      O artigo 203.o, n.os 4 e 5, da hitelintézetekről és a pénzügyi vállalkozásokról szóló 1996. évi CXII. törvény (Lei n.o CXII, de 1996, relativa às Instituições de Crédito e às Instituições Financeiras), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispunha:

«(4)      No caso de contratos celebrados com clientes que tenham a qualidade de consumidor para concessão de um mútuo em divisas ou que contenham um direito de opção de compra sobre bens imóveis, a instituição de crédito deve explicar ao cliente o risco a que fica exposto na operação contratual e o cliente confirma, através da sua assinatura, que ficou esclarecido.

(5)      A declaração referida no n.o 4 deve conter:

a)      em caso de contrato de concessão de crédito expresso em divisa estrangeira, a apresentação do risco de câmbio e a sua incidência sobre o montante das prestações de reembolso,

[…]»

12      O artigo 1.o da Kúriának a pénzügyi intézmények fogyasztói kölcsönszerződéseire vonatkozó jogegységi határozatával kapcsolatos egyes kérdések rendezéséről szóló 2014. évi XXXVIII. törvényben rögzített elszámolás szabályairól és egyes egyéb rendelkezésekről szóló 2014. évi XL. törvény [Lei n.o XL, de 2014, relativa às Regras Aplicáveis à Liquidação de Contas a que se refere a Lei n.o XXXVIII, de 2014, relativa à Resolução de Certas Questões Associadas à Decisão Proferida pela Kúria (Supremo Tribunal, Hungria) para Interpretação Uniforme das Disposições de Direito Civil em Matéria de Contratos de Mútuo Celebrados pelas Instituições Financeiras com Consumidores, bem como a Várias Outras Disposições, a seguir «Lei DH2»] dispõe:

«Os efeitos da presente lei estendem‑se aos contratos de mútuo celebrados com os consumidores abrangidos pelo âmbito de aplicação da (Kúriának a pénzügyi intézmények fogyasztói kölcsönszerződéseire vonatkozó jogegységi határozatával kapcsolatos egyes kérdések rendezéséről szóló 2014. évi XXXVIII. törvény [Lei n.o XXXVIII, de 2014, relativa à Resolução de Certas Questões relacionadas com a Decisão Proferida pela Kúria (Supremo Tribunal) para Interpretação Uniforme das Disposições de Direito Civil em Matéria de Contratos de Mútuo Celebrados pelas Instituições Financeiras com Consumidores]).»

13      O artigo 37.o da Lei DH2 tem a seguinte redação:

«(1) Relativamente aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente lei, a parte só pode pedir a declaração judicial de invalidade do contrato ou de algumas das suas cláusulas (a seguir “invalidade parcial”) — independentemente do fundamento de invalidade — se pedir igualmente que tal órgão jurisdicional aplique os efeitos jurídicos da nulidade, a saber, que o contrato seja declarado válido ou eficaz até à data em que é proferida a decisão. Caso contrário, e se a parte não satisfizer o pedido de regularização, o órgão jurisdicional não se pode pronunciar quanto ao mérito. Se a parte pedir que o órgão jurisdicional determine as consequências jurídicas da invalidade total ou da invalidade parcial, deve igualmente indicar qual a consequência jurídica que tal órgão deve aplicar. No que respeita à aplicação das consequências jurídicas, a parte deve apresentar um pedido preciso e quantificado que inclua a liquidação de contas entre as partes.

(2) Tendo em conta as disposições do n.o 1, no que respeita aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação desta mesma lei, com fundamento no artigo 239.o/A, n.o 1, do [antigo Código Civil], ou no artigo 6.o: 108, n.o 2, da [Polgári törvénykönyvről szóló 2013. évi V. törvény (Lei n.o V, de 2013, que Institui o Código Civil)] — e desde que estejam preenchidos os requisitos previstos na presente lei — deve a petição ser julgada inadmissível, sem se proceder à citação, nos processos pendentes instaurados para efeitos de declaração de invalidade total ou parcial de um contrato, ou deve ser posto termo a tais processos. Não há que julgar a petição inadmissível sem proceder à citação, ou pôr termo ao processo, quando a parte, além de pedir a declaração da invalidade total ou parcial do contrato, tenha igualmente formulado outro pedido no mesmo processo; neste caso, deve considerar‑se que não mantém o pedido de declaração de nulidade. Deve igualmente proceder‑se deste modo nos processos cujo curso seja retomado na sequência de uma suspensão.»

14      Em conformidade com o artigo 33.o, n.o 1, da bíróságok szervezetéről és igazgatásáról szóló 1997. évi LXVI. törvény (Lei n.o LXVI, de 1997, relativa à Organização e à Administração Judicial), a secção mista da Kúria (Supremo Tribunal) analisa a jurisprudência e emite um parecer sobre as questões controvertidas de aplicação do direito, a fim de assegurar a uniformidade da jurisprudência.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      Em 4 de dezembro de 2009, PN celebrou com a Lombard Finanszírozási Zrt. um contrato de mútuo individual a taxa variável para aquisição de um veículo (a seguir «contrato de mútuo em causa»). Este contrato era expresso em francos suíços (CHF) e as mensalidades a reembolsar eram convertidas em forints húngaros (HUF).

16      Quando da celebração do referido contrato, PN assinou uma declaração de conhecimento do risco. Esta declaração precisava, por um lado, que a existência do risco cambial recaía sobre o consumidor e, por outro, que a evolução futura da taxa de câmbio era imprevisível. Assim, as prestações mensais eram fixadas em francos suíços e, posteriormente, convertidas em forints húngaros e a diferença cambial, calculada no momento dessa conversão, devia ser suportada pelo mutuário. Resultava igualmente desse documento que, quando a taxa de câmbio da divisa em relação ao forint húngaro na data do vencimento variava em relação à taxa de câmbio de referência definida no momento da celebração do contrato, a diferença entre as taxas de câmbio vendedor e comprador ficava igualmente a cargo do mutuário.

17      Em 31 de agosto de 2010, a Lombard Finanszírozási Zrt. foi dissolvida por incorporação e a Lombard sucedeu‑lhe na qualidade de sucessora universal. Por conseguinte, todas as obrigações e direitos da Lombard Finanszírozási Zrt. foram transferidos para a Lombard.

18      Em abril de 2015, o contrato de mútuo em causa foi objeto de regularização, mediante liquidação de contas, nos termos da Lei DH2. Na sequência dessa liquidação, a quantia de 284 502 HUF (cerca de 800 euros), considerada indevidamente recebida pela instituição mutuante, foi deduzida do montante devido por PN. Em contrapartida, a taxa de juro anual, que era de 22,32 % antes da regularização do contrato de mútuo em causa, manteve‑se inalterada. Esta liquidação de contas e foi enviada a PN, que não apresentou nenhuma reclamação.

19      Uma vez que PN registava atrasos no pagamento das prestações mensais do contrato de mútuo em causa, a Lombard comunicou‑lhe, em 12 de agosto de 2015, que era devedor do montante de 121 722 HUF (cerca de 342 euros) por atraso, precisando que, em caso de falta de pagamento, o contrato seria imediatamente rescindido. PN não deu cumprimento a esse pedido, pelo que a Lombard rescindiu unilateralmente o referido contrato em 14 de setembro de 2015 e intimou PN a pagar o saldo remanescente em dívida de 472 399 HUF (cerca de 1 320 euros). PN recebeu esta intimação em 15 de outubro de 2015.

20      Em seguida, a Lombard intentou uma ação no órgão jurisdicional de primeira instância, pedindo que o contrato de mútuo em causa fosse declarado válido, com efeitos retroativos, e que PN fosse condenado no pagamento de uma quantia de 490 102 HUF (cerca de 1 370 euros) a título de capital do crédito contratual, bem como no pagamento de juros de mora.

21      Por seu turno, PN invocou o caráter abusivo das cláusulas contidas no contrato de mútuo em causa, que faziam impender integralmente sobre si o risco cambial. Contestou o facto de o folheto informativo sobre o risco cambial ser claro e compreensível. A título reconvencional, pediu, nomeadamente, que a Lombard fosse condenada a reembolsar‑lhe o montante de 1 734 144 HUF (cerca de 4 870 euros), a título de enriquecimento sem causa decorrente da invalidade do referido contrato.

22      O órgão jurisdicional de primeira instância examinou, nomeadamente, as condições em que um contrato como o contrato de mútuo em causa pode ser declarado válido à luz do parecer emitido em junho de 2019 pelo órgão consultivo da Kúria (Supremo Tribunal, a seguir «parecer da Kúria»). Segundo o referido parecer, quando um contrato de mútuo inválido é declarado válido, são dadas aos órgãos jurisdicionais duas soluções. Ou podem declarar o contrato válido, de modo que se considera que este foi expresso em forints húngaros, com uma taxa de juro correspondente ao valor da taxa de juro em vigor para as transações em forints húngaros na data da celebração do referido contrato, acrescida da margem aplicada. Ou podem declarar o contrato válido maximizando a taxa de câmbio entre a divisa estrangeira e o forint húngaro, permanecendo inalterada a taxa de juro fixada no contrato até à data da conversão em forints húngaros.

23      O órgão jurisdicional de primeira instância decidiu que, embora o facto de a estipulação do contrato de mútuo em causa segundo a qual o risco cambial devia ser suportado por PN ter caráter abusivo, esse contrato devia ser considerado válido com efeitos retroativos à data da sua celebração, mas como sendo expresso, a partir dessa, em forints húngaros. Decidiu, por outro lado, que a taxa de juro anual devia fixar‑se em 23,07 %, baseando‑se no cálculo, efetuado pela Lombard, baseado na diferença entre o montante inicial do empréstimo e o montante total das prestações mensais reembolsadas por PN. No caso em apreço, o montante inicial do mútuo era de 1 417 500 HUF (cerca de 4 000 euros) e estava previsto que o montante total das prestações mensais de reembolso seria de 2 689 225 HUF (cerca de 7 600 euros). Dado que, com efeito PN tinha pago o montante de 3 151 644 HUF (cerca de 8 900 euros), o tribunal de primeira instância condenou a Lombard, a título de enriquecimento sem causa, a reembolsar a diferença entre estes dois últimos montantes, a saber, 462 419 HUF (cerca de 1 300 euros).

24      A Lombard interpôs recurso dessa sentença para o órgão jurisdicional de reenvio, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), contestando a decisão segundo a qual se devia considerar que o contrato de mútuo em causa tinha sido, desde a data da sua celebração, expresso em forints húngaros. Alega, nomeadamente, que a declaração de validade desse contrato não pode ter como consequência perturbar o equilíbrio contratual entre as partes numa medida e de um modo tal que se produza um desequilíbrio na relação jurídica entre os valores respetivos da prestação e da contraprestação. Além disso, segundo a Lombard, esses contratos, expressos em divisa estrangeira e que colocam o risco cambial a cargo dos consumidores, não podem ser declarados ilegais enquanto tais.

25      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto às opções legais possíveis quando um contrato, em caso de invalidade relativa do seu objeto principal, for declarado válido, ou tenha produzido efeitos entre as partes.

26      Nestas circunstâncias, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Se a cláusula contratual abusiva disser respeito ao objeto principal do contrato (desconformidade das informações relativa à taxa de câmbio), com a consequência de o contrato não poder subsistir, e não existindo acordo entre as partes, a plena eficácia da Diretiva [93/13] é garantida pelo facto de, na falta de disposição supletiva de direito nacional, ser uma tomada de posição do [tribunal supremo], que não vincula os órgãos jurisdicionais inferiores, a fornecer orientações para a declaração da validade ou da efetividade do contrato?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, é possível o restabelecimento da situação inicial se o contrato não puder subsistir devido à cláusula abusiva relativa ao seu objeto principal, se não existir acordo entre as partes e se a tomada de posição acima referida também não puder ser aplicada?

3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, no caso de uma ação destinada a obter a declaração de invalidade relativa ao objeto principal do contrato, no que diz respeito a [este] tipo de contratos, pode a lei impor o requisito de o consumidor também apresentar, com essa petição, um pedido de declaração da validade ou da efetividade do contrato?

4)      Em caso de resposta negativa à segunda questão, quando não seja possível restabelecer a situação [inicial], podem os contratos ser declarados válidos ou efetivos por via legislativa a posteriori, a fim de assegurar o equilíbrio entre as partes?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

 Quanto à admissibilidade

27      Há que recordar que, para o Tribunal de Justiça poder fornecer uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional, resulta do artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que o pedido de decisão prejudicial deve conter a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou sobre a validade de determinadas disposições do direito da União, bem como o nexo que o mesmo estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal (Acórdão de 17 de setembro de 2020, Burgo Group, C‑92/19, EU:C:2020:733, n.o 38).

28      De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Por conseguinte, desde que a questão submetida tenha por objeto a interpretação ou a validade de uma regra do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se, salvo se for manifesto que a interpretação solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, se o problema for hipotético ou se o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil à referida questão (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Trapeza Peiraios, C‑243/20, EU:C:2021:1045, n.o 25 e jurisprudência aí referida).

29      É igualmente facto assente que, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, que se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o juiz nacional tem competência exclusiva para interpretar e aplicar as disposições de direito nacional, ao passo que o Tribunal de Justiça apenas está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação ou a validade de um diploma da União, a partir dos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Trapeza Peiraios, C‑243/20, EU:C:2021:1045, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

30      No caso em apreço, como sublinha o Governo húngaro nas suas observações escritas, as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto às razões pelas quais é necessário interpretar o direito da União e a pertinência da primeira questão para efeitos da resolução do litígio no processo principal são, na verdade, lacónicas.

31      No entanto, resulta da decisão de reenvio que a Lombard recorreu da decisão de primeira instância para o órgão jurisdicional de reenvio, contestando, em especial, a requalificação do contrato de mútuo em causa em contrato expresso em forints húngaros. Ora, resulta igualmente da referida decisão que essa requalificação foi efetuada em aplicação da primeira solução que figura no parecer da Kúria.

32      Tendo em conta estes elementos, não é manifesto que a primeira questão, relativa à possibilidade, à luz da Diretiva 93/13, de recorrer a esse parecer para determinar a abordagem a seguir para declarar que um contrato é válido ou que produziu efeitos quando esse contrato não pode subsistir devido ao caráter abusivo de uma cláusula relativa ao seu objeto principal, não seja pertinente para a solução do litígio no processo principal.

33      Daqui se conclui que a primeira questão é admissível.

 Quanto ao mérito

34      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que o efeito útil das suas disposições pode ser garantido, na falta de uma regra de direito nacional supletiva que regule essa situação, mediante um parecer não vinculativo do órgão jurisdicional supremo do Estado‑Membro em causa, que indica aos órgãos jurisdicionais inferiores a abordagem a seguir para declarar que um contrato é válido ou que produz o efeitos entre as partes quando esse contrato não possa subsistir devido ao caráter abusivo de uma cláusula relativa ao seu objeto principal.

35      Importa recordar, antes de mais, que, embora seja verdade que resulta do artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE que, os Estados‑Membros quando transpõem uma diretiva dispõem de uma ampla margem de apreciação quanto à escolha dos meios destinados a assegurar a sua execução, essa liberdade deixa intacta a obrigação de cada um dos Estados‑Membros destinatários adotarem todas as medidas necessárias para assegurar a plena eficácia da diretiva em causa, em conformidade com o objetivo por esta prosseguido (v., nesse sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Fashion ID, C‑40/17, EU:C:2019:629, n.o 49 e jurisprudência aí referida).

36      Relativamente à Diretiva 93/13 esta impõe aos Estados‑Membros a obrigação de prever os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional (v., nesse sentido, Acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 68).

37      Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que não se pode excluir que, no seu papel de harmonização da interpretação do direito, e por razões de segurança jurídica, os tribunais supremos de um Estado‑Membro possam, com observância da Diretiva 93/13, estabelecer determinados critérios à luz dos quais os órgãos jurisdicionais inferiores devem examinar o caráter abusivo das cláusulas contratuais (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Banco Santander e Escobedo Cortés, C‑96/16 e C‑94/17, EU:C:2018:643, n.o 68).

38      Resulta também que as orientações emanadas desses tribunais supremos e que contêm esses critérios não podem, todavia, impedir o juiz nacional competente, por um lado, de garantir o efeito pleno da Diretiva 93/13, afastando, no exercício da sua própria autoridade, qualquer disposição, mesmo posterior, contrária à legislação nacional, incluindo a prática judicial contrária, sem ter de pedir ou de aguardar pela respetiva revogação prévia por via legislativa, judicial ou através de qualquer outro mecanismo constitucional, e, por outro lado, a faculdade de se dirigir ao Tribunal de Justiça a título prejudicial (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2019, Dunai, C‑118/17, EU:C:2019:207, n.o 61).

39      Assim, o Tribunal de Justiça declarou que a Diretiva 93/13, lida à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não se opõe a que um tribunal supremo de um Estado‑Membro adote, no interesse de uma interpretação uniforme do direito, decisões vinculativas sobre as modalidades de aplicação desta diretiva, desde que estas não impeçam o juiz competente nem de garantir o pleno efeito das normas previstas na referida diretiva e de oferecer ao consumidor uma tutela jurisdicional efetiva com vista à proteção dos direitos que dela pode retirar, nem de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial (Acórdão de 14 de março de 2019, Dunai, C‑118/17, EU:C:2019:207, n.o 64).

40      No entanto, não se pode considerar que a existência de um parecer não vinculativo de um tribunal supremo de um Estado‑Membro, que permita assim aos tribunais inferiores, que tem como destinatários, afastarem‑se dele livremente, seja suscetível de assegurar o efeito útil da Diretiva 93/13, garantindo às pessoas lesadas pela cláusula abusiva a sua plena proteção.

41      É certo que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor deva, em princípio, ser anulado no seu todo após o juiz nacional decidir a supressão de uma cláusula abusiva, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não se opõe a que o juiz nacional, em aplicação de princípios do direito dos contratos, suprima a cláusula abusiva substituindo‑a por uma disposição de direito nacional supletiva em situações em que a invalidação da cláusula abusiva obrigue o juiz a anular o contrato no seu todo, expondo assim o consumidor a consequências particularmente prejudiciais, de modo que este seria penalizado por isso (Acórdão de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 61 e jurisprudência aí referida).

42      Ora, há que considerar que um parecer não vinculativo de um tribunal supremo de um Estado‑Membro, como o parecer da Kúria, não pode ser equiparado a uma tal disposição de direito nacional de caráter supletivo chamada a substituir uma cláusula de um contrato de mútuo declarada abusiva.

43      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que o efeito útil das suas disposições não pode, na falta de uma regra de direito nacional de caráter supletivo que regule essa situação, ser assegurado unicamente através de um parecer não vinculativo do tribunal supremo do Estado‑Membro em causa, que indica aos órgãos jurisdicionais inferiores a abordagem a seguir para declarar que um contrato é válido ou que produziu efeitos entre as partes quando esse contrato não possa subsistir devido ao caráter abusivo da cláusula relativa ao seu objeto principal.

 Quanto à segunda questão

 Quanto à admissibilidade

44      À luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada nos n.os 27 a 29 do presente acórdão e dos elementos salientados no n.o 31 do mesmo, não é manifesto que a segunda questão não seja pertinente para a solução do litígio no processo principal, relativa à possibilidade de restabelecer as partes num contrato de mútuo na situação em que se encontrariam se esse contrato não tivesse sido celebrado, quando o referido contrato, devido à cláusula abusiva relativa ao seu objeto principal, não pode subsistir, se as partes não chegarem a um acordo e o parecer não vinculativo evocado na primeira questão não conseguir impor‑se.

45      Daqui se conclui que a segunda questão é admissível.

 Quanto ao mérito

46      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que o juiz nacional competente decida restabelecer as partes num contrato de mútuo na situação em que se encontrariam se esse contrato não tivesse sido celebrado pelo facto de uma cláusula do referido contrato relativa ao seu objeto principal dever ser declarada abusiva por força desta diretiva.

47      Antes de mais, importa recordar que, por força do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, a avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide sobre a definição do objeto principal do contrato, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.

48      Todavia, o artigo 8.o dessa diretiva estabelece que os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio por ela regido, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor.

49      Assim, nos n.os 30 a 35, 40 e 43 do Acórdão de 3 de junho de 2010, Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid (C‑484/08, EU:C:2010:309), o Tribunal de Justiça, depois de ter declarado que as cláusulas visadas no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 se inserem no domínio regulado por esta última e que, portanto, o artigo 8.o daquela se aplica igualmente ao referido artigo 4.o, n.o 2, declarou que essas duas disposições não se opõem a uma legislação nacional que permite uma fiscalização jurisdicional do caráter abusivo dessas cláusulas que garante ao consumidor um nível de proteção mais elevado.

50      Nestas circunstâncias, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual declarada abusiva deve ser considerada, em princípio, como nunca tendo existido, pelo que não pode produzir efeitos em relação ao consumidor. Assim, a declaração judicial do caráter abusivo de tal cláusula deve, em princípio, ter por consequência o restabelecimento da situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se a referida cláusula não existisse (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 61).

51      O Tribunal declarou igualmente que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 pretende substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e as obrigações dos contratantes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre estes (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič, C‑453/10, EU:C:2012:144, n.o 28, e de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 62 e jurisprudência aí referida).

52      No que se refere ao impacto de uma constatação do caráter abusivo das cláusulas contratuais na validade do contrato em causa, importa sublinhar, antes de mais, que, em conformidade com o disposto no artigo 6.o, n.o 1, in fine, da Diretiva 93/13, o referido «contrato continu[a] a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas» (Acórdãos de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič, C‑453/10, EU:C:2012:144, n.o 29, e de 29 de abril de 2021, Bank BPH, C‑19/20, EU:C:2021:341, n.o 53).

53      Neste contexto, os órgãos jurisdicionais nacionais que declaram o caráter abusivo das cláusulas contratuais são obrigados, por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, por um lado, a retirar todas as consequências daí decorrentes segundo o direito nacional, a fim de que o consumidor não fique vinculado pelas referidas cláusulas, e, por outro, a apreciar se o contrato em causa pode subsistir sem essas cláusulas abusivas (Despacho de 22 de fevereiro de 2018, ERSTE Bank Hungary, C‑126/17, não publicado, EU:C:2018:107, n.o 38 e jurisprudência aí referida).

54      Com efeito, o objetivo prosseguido pelo legislador da União no âmbito da Diretiva 93/13 consiste em restabelecer o equilíbrio entre as partes, mantendo ao mesmo tempo, em princípio, a validade global do contrato, e não em anular todos os contratos que contêm cláusulas abusivas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de março de 2019, Dunai, C‑118/17, EU:C:2019:207, n.o 40 e jurisprudência aí referida, e de 2 de setembro de 2021, OTP Jelzálogbank e o., C‑932/19, EU:C:2021:673, n.o 40).

55      O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que, embora caiba aos Estados‑Membros, através dos respetivos direitos nacionais, definir as modalidades segundo as quais se procede à declaração do caráter abusivo de uma cláusula constante de um contrato e se materializam os efeitos jurídicos concretos dessa declaração, não é menos verdade que tal declaração deve permitir restabelecer a situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se essa cláusula abusiva não existisse, designadamente através da constituição de um direito à restituição das vantagens indevidamente adquiridas, em seu prejuízo, pelo profissional com fundamento na referida cláusula abusiva (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2018 Sziber, C‑483/16, EU:C:2018:367, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

56      Assim, quando o juiz nacional considera que o contrato de mútuo em causa no processo nele pendente não pode, em conformidade com o direito dos contratos, subsistir juridicamente após a supressão das cláusulas abusivas em causa e quando não existe nenhuma disposição de direito nacional de caráter supletivo ou uma disposição aplicável em caso de acordo das partes no contrato suscetível de se substituir às referidas cláusulas, há que considerar que, na medida em que o consumidor não exprimiu o seu desejo de manter as cláusulas abusivas e em que a anulação do contrato exporia esse consumidor a consequências particularmente prejudiciais, o nível elevado de proteção do consumidor, que deve ser assegurado em conformidade com a Diretiva 93/13, exige que, para restaurar o equilíbrio real entre os direitos e as obrigações recíprocas das partes contratantes, o juiz nacional adote, tendo em conta a globalidade do seu direito interno, todas as medidas necessárias para proteger o consumidor das consequências particularmente prejudiciais que a anulação do contrato de mútuo em causa poderia provocar, nomeadamente devido à exigibilidade imediata do crédito do profissional relativamente a este (Acórdão de 25 de novembro de 2020, Banca B., C‑269/19, EU:C:2020:954, n.o 41).

57      Resulta das considerações precedentes que se, numa situação como a que está em causa no processo principal, tendo em conta a natureza do contrato de mútuo, o juiz nacional considerar que não é possível restabelecer as partes na situação em que se encontrariam se esse contrato não tivesse sido celebrado, incumbe‑lhe assegurar que o consumidor se encontre finalmente na situação que estaria se a cláusula considerada abusiva nunca tivesse existido.

58      Numa situação como a que está em causa no processo principal, os interesses do consumidor poderiam ser assim salvaguardados através, nomeadamente, de um reembolso a seu favor das quantias indevidamente recebidas pelo mutuante com fundamento na cláusula declarada abusiva, reembolso esse que tem lugar a título do enriquecimento sem causa. No caso em apreço, como resulta da decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de primeira instância requalificou o contrato de mútuo em causa em contrato de mútuo expresso em forints húngaros e, em seguida, determinou a taxa de juro aplicável e obrigou a Lombard a devolver o montante correspondente a esse enriquecimento sem causa.

59      Todavia, importa precisar que os poderes do juiz não podem ir além do estritamente necessário para restabelecer o equilíbrio contratual entre as partes no contrato e, assim, proteger o consumidor das consequências particularmente prejudiciais que a anulação do contrato de mútuo em causa poderia provocar (Acórdão de 25 de novembro de 2020, Banca B., C‑269/19, EU:C:2020:954, n.o 44).

60      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que o juiz nacional competente decida restabelecer as partes num contrato de mútuo na situação em que se encontrariam se esse contrato não tivesse sido celebrado pelo facto de uma cláusula do referido contrato relativa ao seu objeto principal dever ser declarada abusiva por força desta diretiva, incumbindo‑lhe, se esse restabelecimento for impossível, assegurar que o consumidor se encontre em definitivo na situação em que estaria se a cláusula abusiva nunca tivesse existido.

 Quanto à terceira questão

61      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que impõe ao consumidor que apresente uma ação declarativa da invalidade do contrato relativa ao objeto principal do contrato, a acompanhar a sua ação de um pedido de que o contrato de mútuo seja declarado válido ou que produz efeitos.

62      A este respeito, importa salientar, por um lado, que resulta da decisão de reenvio que, no litígio no processo principal, o consumidor é, como sublinhou a Lombard nas suas observações escritas, não o recorrente, mas o recorrido.

63      Por outro lado, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que tal exigência processual seja aplicável ou tenha sido aplicada ao seu pedido reconvencional no órgão jurisdicional de primeira instância, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não indica em que medida é necessária uma resposta à terceira questão para decidir o litígio que lhe foi submetido.

64      Por conseguinte, há que concluir que, ao não expor com um nível de clareza e de precisão suficientes as razões que o levaram a submeter a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio não cumpriu a exigência prevista no artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, recordada no n.o 27 do presente acórdão.

65      Nestas circunstâncias, essa questão é inadmissível.

 Quanto à quarta questão

66      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se, no caso de o restabelecimento das partes na situação em que se teriam encontrado se o contrato não tivesse sido celebrado, evocado no âmbito da segunda questão, não ser possível, o contrato de empréstimo em causa poderia, com a adoção de uma legislação posterior, ser declarado válido ou como tendo produzido os seus efeitos a fim de assegurar o equilíbrio entre as partes.

67      Como sublinhou o Governo húngaro nas suas observações escritas, não se pode deixar de reconhecer, por um lado, que o órgão jurisdicional de reenvio não definiu o que entende pela «adoção de uma legislação posterior» a que alude nessa questão.

68      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio também não indica em que medida é necessária uma resposta à referida questão para decidir o litígio que lhe foi submetido.

69      Por conseguinte, pela mesma razão que a referida no n.o 64 do presente acórdão, esta questão é inadmissível.

 Quanto às despesas

70      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

1)      A Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretada no sentido de que o efeito útil das suas disposições não pode, na falta de uma regra de direito nacional de caráter supletivo que regule essa situação, ser assegurado unicamente através de um parecer não vinculativo do tribunal supremo do EstadoMembro em causa, que indica aos órgãos jurisdicionais inferiores a abordagem a seguir para declarar que um contrato é válido ou que produziu os seus efeitos entre as partes quando esse contrato não pode subsistir devido ao caráter abusivo de uma cláusula relativa ao seu objeto principal.

2)      A Diretiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que o juiz nacional competente decida restabelecer as partes num contrato de mútuo na situação em que se encontrariam se esse contrato não tivesse sido celebrado pelo facto de uma cláusula do referido contrato relativa ao seu objeto principal dever ser declarada abusiva por força desta diretiva, incumbindolhe, se esse restabelecimento for impossível, assegurar que o consumidor se encontre em definitivo na situação em que estaria se a cláusula abusiva nunca tivesse existido.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.