A passagem em revista dos processos terminados nas duas jurisdições em 1998 (768) esclarece a evolução global da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Muito esquematicamente podem-se agrupar os acórdãos por grandes temas para ver as evoluções mais significativas, eventuais alterações ou as precisões indispensáveis.
- Pela primeira vez, o Tribunal de Justiça debruçou-se sobre a cidadania da União declarando que uma nacional de um Estado-Membro legalmente residente no território de outro Estado-Membro pode invocar o artigo do Tratado da União Europeia consagrado à cidadania europeia (Martínez Sala).
- O Tribunal de Justiça fez igualmente referência a esse artigo ao alargar o benefício de uma legislação nacional que tem por objectivo a protecção de uma minoria linguística aos nacionais comunitários, que circulem e permaneçam no referido território, que utilizam a língua que beneficia da protecção (Bickel e Franz).
- O Tribunal de Justiça declarou que uma cláusula de uma convenção colectiva que fixa as condições de progressão na carreira dos empregados de um serviço público sem ter em conta os períodos de emprego efectuados num domínio de actividade comparável num serviço público de outro Estado-Membro, infringia o princípio da não discriminação (Schöning-Kougebetopoulou).
- Pelo contrário, as diferenças no tratamento fiscal dos trabalhadores que residem num Estado-Membro mas trabalham noutro Estado-Membro, e decorrentes da repartição da competência fiscal entre dois Estados-Membros, não consideradas constitutivas discriminações pelo Tribunal de Justiça (Gilly).
- Por último, o Tribunal de Justiça declarou que a República francesa não tinha cumprido as suas obrigações ao excluir os trabalhadores fronteiriços que residem na Bélgica e colocados na situação de cessação antecipada de actividade, do benefício da atribuição dos pontos de reforma complementar (Comissão/França).
- Nos processos Decker e Kohl, o Tribunal de Justiça apreciou a compatibilidade com o direito comunitário de uma legislação nacional que sujeita a uma autorização prévia especial o reembolso, segundo as tabelas do Estado de filiação, de óculos adquiridos ou de cuidados médicos extra-hospitalares prestados num outro Estado-Membro. Concluiu que a legislação nacional em causa constituía um entrave à livre circulação de mercadorias e à livre prestação de serviços e considerou esses entraves injustificados.
- Relativamente a regulamentações técnicas, o Tribunal de Justiça declarou que a falta de notificação à Comissão das regras técnicas tornavam estas últimas inaplicáveis sem todavia tornar ilegal a utilização de um produto que está em conformidade com as regras nacionais não notificadas (Lemmens).
- Em matéria farmacêutica e relativa às condições a preencher por um requerente para ser seguido o processo abreviado de autorização de colocação no mercado, o Tribunal de Justiça precisou os critérios de definição dos produtos susceptíveis de ser objecto desses procedimentos abreviados [Generics (UK)].
- O Tribunal recordou que as disposições relativas à liberdade de estabelecimento opunham-se, designadamente, a que o Estado de origem dificulte o estabelecimento noutro Estado-Membro de um dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação. Essa dificuldade pode resultar de um tratamento fiscal discriminatório (ICI).
- O Tribunal de Justiça considerou que a legislação sueca relativa à tributação da poupança sob a forma de seguro-vida em capital e que prevê um regime diferente para as companhias estabelecidas ou não na Suécia, era incompatível com o princípio da liberdade de prestação de serviços (SAFIR).
- No processo Grant, o Tribunal de Justiça não qualificou de discriminação a recusa de uma entidade patronal conceder uma redução nos preços dos transportes a uma pessoa do mesmo sexo com a qual um trabalhador mantém uma relação estável. Considerou que essa recusa era independente do sexo do trabalhador em causa e analisou se uma relação estável entre pessoas do mesmo sexo devia ser equiparada a uma situação de casamento ou de relação estável entre pessoas do sexo oposto tendo em conta o direito comunitário, o direito dos Estados-Membros e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Concluiu que essa equiparação não existia, e que só o legislador comunitário poderia modificar esta situação.
- Relativamente à protecção das mulheres grávidas, o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da não discriminação impunha uma protecção similar durante todo o período da gravidez, designadamente, no caso de o despedimento ser baseado em faltas devidas a incapacidade para o trabalho causada por uma doença originada pela gravidez (Brown) e esclareceu certos aspectos do regime pecuniário e dos direitos de que as mulheres podem beneficiar durante o período da licença por maternidade (Boyle).
- Concretamente, a efectividade dos direitos dos cidadãos é nomeadamente traduzida pela impossibilidade de um empregador invocar um prazo de caducidade de dois anos contra uma empregada numa situação em que as informações inexactas fornecidas pelo empregador estavam na origem do atraso da acção judicial da empregada tendo em vista obter a aplicação do princípio da igualdade de remuneração (Levez).
- O Tribunal de Justiça proferiu numerosos acórdãos relativos à proibição de acordos, ao abuso de posição dominante ou ainda relativos ao controlo das operações de concentração entre empresas (teoria da sociedade em estado de insolvência nos termos da qual o Tribunal de Justiça aprovou a opinião da Comissão que conduziu à definição das condições que permitem não considerar uma concentração como conduzindo à criação ou ao reforço de uma posição dominante -França e o./Comissão-).
- O Tribunal de Justiça pôde definir mais precisamente as obrigações da Comissão ao proceder ao exame de uma denúncia e ao fundamentar a sua rejeição em matéria de auxílios de Estado (assim, é a decisão que informa o Estado-Membro da posição da Comissão que pode ser objecto de um recurso de anulação por parte de um denunciante e não a carta dirigida a este último informando-o da decisão; não existe fundamento para impor à Comissão um debate contraditório com o denunciante; a Comissão é obrigada a expor de modo suficiente ao denunciante as razões pelas quais os elementos de facto e direito invocados na denúncia não foram suficientes para demonstrar o auxílio de Estado (-Comissão/Sytraval e Brink's France.-).
- O Tribunal de Primeira Instância proferiu numerosos acórdãos no domínio do direito da concorrência, nomeadamente nos processos ditos do "cartão". Nos quais determinou claramente as condições em que uma empresa pode ser considerada responsável de um acordo global. Por outro lado, considerou que a redução do montante das coimas aplicadas pela Comissão só era justificada se a actuação da empresa permitisse à Comissão verificar uma infracção com menor dificuldade e, eventualmente, pôr-lhe termo.
- Pela primeira vez, o Tribunal de Primeira Instância declarou a omissão da Comissão em matéria de auxílios de Estado: esta última não tinha tomado posição quanto a duas queixas apresentadas relativas a empresas do audiovisual (Gestevisión Telecinco/Comissão).
- Em matéria de auxílios de Estado, o Tribunal de Primeira Instância examinou as condições de admissibilidade de um recurso interposto por uma região. Salientou que a decisão da Comissão que considerou os auxílios concedidos pela Région flamande a uma companhia aérea, afectava directa e individualmente a posição jurídica dessa região impedindo-a de exercer as suas competências próprias como ela pretende, quer dizer, impedindo-a de conceder um auxílio e obrigando-a a modificar um contrato de empréstimo celebrado com uma empresa (Vlaams Gewesst/Comissão). Em contraparitida, um sindicato de trabalhadores não foi reconhecido pelo Tribunal de Primeira Instância como directa e individualmente abrangido por uma decisão da Comissão que declarava um auxílio incompatível com o mercado comum (Comit& eacute; d'enterprise de la Société française de production e o./Comissão). Do mesmo modo, uma entidade regional espanhola não foi declarada individualmente afectada por um regulamento do Conselho relativo aos auxílios a favor de determinados estaleiros navais apesar do interesse geral que pudesse ter no desenvolvimento da actividade económica e nível de emprego.
- O Tribunal de Primeira Instância anulou por vício de forma a decisão da Comissão que autorizava as autoridades francesas a conceder à Air France um auxílio sob a forma de um aumento de capital considerando que essa decisão não estava suficientemente fundamentada, designadamente a respeito das consequências do auxílio para as companhias concorrentes (British Airways e o./Comissão).
- O número dos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça neste domínio vai aumentar, nomeadamente após as questões prejudicais apresentadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais, em especial quanto à definição de "organismo de direito público" em ligação com o conceito de entidade adjudicante, noção importante para a definição do regime comunitário dos concursos públicos. O Tribunal de Justiça considerou como tal o organismo criado com a finalidade de assumir a título exclusivo a produção de documentos administrativos oficiais (Mannesmann) e que constituía uma "necessidade de interesse geral" a recolha e o tratamento dos lixos domésticos (BFI Holding), sendo o conceito de interesse geral parte integrante dos critérios de direito comunitário p ara a definição da categoria organismos de direito público. O Tribunal de Justiça considerou a este respeito, que as necessidades de interesse geral podiam ser satisfeitas por organismos de direito privado criados com essa finalidade, ainda que estes exercessem outras actividades, ou mesmo a maior parte das suas actividades, com outros fins.
- Deram entrada no Tribunal de Primeira Instância os primeiros processos no domínio da marca comunitária de uma decisão de uma das câmaras de recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno.
- Relativamente ao direito das marcas, o Tribunal de Justiça precisou os riscos de confusão no espírito do público entre produtos ou serviços designados por duas marcas, devendo ser tomados em conta o carácter distintivo da marca mais antiga e a sua notoriedade na protecção que lhe deve ser reconhecida (Canon). O esgotamento comunitário nos termos do qual o titular de uma marca já não é competente para proibir a sua utilização quando os produtos foram colocados no comércio no EEE com o seu consentimento, deve ser apreciado de modo estrito, tendo o titular da marca competência para obter uma proibição da sua utilização por terceiros fora do EEE (Silhouette).
- O Tribunal de Justiça também recordou que as obras literárias e artísticas podem ser objecto de uma exploração comercial sob outras formas diferentes da venda de suportes materiais que delas resultem e que uma protecção específica do direito de locação pode parecer justificada por razões de protecção da propriedade industrial e comercial (Metronome Musik).
- Uma pessoa titular de um direito exclusivo de locação pode proibir num Estado-Membro a locação de cópias de uma obra cinematográfica mesmo quando a locação dessas cópias já foi autorizada no território de um outro Estado-Membro (FDV).
- Chamado a pronunciar-se sobre a validade do acordo-quadro relativo às bananas com quatro países da América-Central e do Sul, acordo celebrado após a condenação no quadro do GATT do regime de importação comunitário, o Tribunal de Justiça avaliou caso a caso as diferenças de tratamento reservadas aos operadores para considerar algumas como aceitáveis, quando decorressem automaticamente dos diferentes tratamentos acordados aos países terceiros, ou recusar outras, nomeadamente em matéria de isenção de certos operadores do regime de certificados de exportação (Alemanha/Conselho).
- O Tribunal de Justiça foi levado a debruçar-se sobre o exercício pela Comissão das suas competências de polícia sanitária e sobre a sua conciliação com as exigências do mercado comum. Nos processos respeitantes à doença dita da "vacas loucas", o Tribunal precisou que, quando subsistem incertezas quanto à existência ou alcance de riscos para a saúde das pessoas, as instituições podem adoptar medidas de protecção sem terem de esperar que a realidade e gravidade de tais riscos sejam plenamente demonstradas (National Farmer's Union; Reino Unido/Comissão).
- O Tribunal de Justiça recordou as obrigações decorrentes da directiva relativa à conservação das aves selvagens em matéria de designação de zonas de protecção especial, sendo os Estados-Membros obrigados a efectuar essa classificação respeitando determinados critérios ornitológicos (Comissão/Países Baixos).
- Num processo relativo à tributação da electricidade de origem nacional, segundo o seu modo de produção, o Tribunal de Justiça fez referência a considerações ambientais para reconhecer como compatível com o direito comunitário o princípio de uma tributação diferente da electricidade importada, na condição, todavia, de os sistemas de tributação diferentes não conduzirem a uma tributação superior do produto similar importado (Outokumpu).
- O Tribunal de Justiça precisou as condições de admissibilidade de um recurso de anulação interposto por uma associação que prossegue objectivos de defesa do ambiente (Greenpeace Council e o./Comissão) ou por sociedades contra decisões da Comissão, escolhendo o critério da incidência directa ou do interesse directo individual da decisão sobre os direitos invocados (Dreyfus e o.)
- Relativamente às modalidades do processo prejudicial, o Tribunal de Justiça confirmou que a faculdade de apresentar questões prejudiciais só é dada a órgãos que exerçam uma função de natureza jurisdicional (acórdão Victoria Film).
Igualmente precisou que podia decidir por via de despacho fundamentado quando a questão colocada fosse manifestamente idêntica a uma questão que o Tribunal de Justiça já tivesse decidido (Béton Express; Conata e Agrindustria).
- O Tribunal de Justiça anulou parcialmente um acórdão do Tribunal de Primeira Instância devido à duração demasiado longa do processo jurisdicional. Fez referência na matéria à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para apreciar o carácter razoável dessa duração e a sua influência sobre os interesses em jogo no processo. Contudo, não pode ser imposto qualquer prazo entre o fim da fase oral do processo e a prolação da decisão. Também não existe um direito de acesso ao "processo jurisdicional" (Baustahlgewebe/Comissão).
- Por último, o carácter de urgência exigido para o eventual decretamento de uma suspensão de execução não pode ser presumido do poder discricionário da autoridade cuja decisão é impugnada (Emesa Sugar/Conselho e Emesa Sugar/Comissão).
- O Tribunal de Justiça sublinhou que os Estados-Membros devem definir as modalidades que regulamentam, na sua ordem jurídica interna, as acções judiciais destinadas a assegurar a protecção dos direitos que decorrem para os cidadãos do direito comunitário. O princípio da chamada "equivalência" impõe que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que aquelas que dizem respeito às acções análogas de natureza interna e que não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária por força do princípio chamado da "efectividade".
- Por outro lado, o Tribunal de Justiça teve a possibilidade de precisar o alcance do seu acórdão Simenthal no qual tinha declarado que uma incompatibilidade com as normas comunitárias tinha por efeito impedir a formação válida de novos actos legislativos nacionais. Qualquer órgão jurisdicional nacional tem obrigação de aplicar integralmente o direito comunitário e proteger os direitos que este confere aos particulares não aplicando qualquer disposição eventualmente contrária da lei nacional, independentemente de esta ser posterior ou anterior à regra comunitária (acórdão IN.CO.GE.'90).
- Confirmando a sua jurisprudência anterior, o Tribunal de Justiça não se opõe a que os órgãos jurisdicionais nacionais apliquem uma disposição de direito nacional a fim de apreciarem se um direito decorrente de uma disposição comunitária é exercido de forma abusiva, na condição, todavia, de na apreciação do exercício desse direito, os órgãos jurisdicionais nacionais não alterarem o alcance da disposição comunitária em causa e não comprometerem os objectivos que ela prossegue (Kefalas).
- No acórdão Interporc/Comissão, o Tribunal de Primeira Instância considerou a recusa da Comissão de permitir o acesso a determinados documentos, não sendo prestada qualquer explicação por esta última para demonstrar a ligação entre os documentos e uma decisão cuja anulação foi solicitada, sendo essa ligação susceptível de fundamentar uma recusa de comunicação. Pelo contrário, um recurso de anulação de uma decisão da Comissão que recusa o acesso às cartas que a Direcção-Geral da Concorrência tinha enviado aos órgãos jurisdicionais nacionais foi rejeitado (Van der Wal/Comissão). Por último, o Tribunal de Primeira Instância reconhecendo que não tinha competência para apreciar a legalidade de actos decorrentes da cooperação e m matéria de Justiça e de Assuntos Internos, considerou, no entanto, que não estava em condições de apreciar se os documentos respeitantes à Europol que o Conselho recusava comunicar a jornalistas suecos, se enquadravam nas excepções invocadas de protecção da segurança pública e da confidencialidade das deliberações (Svenska Journalistförbundet/Conselho).
- As tradicionais questões suscitadas pela escolha da base jurídica dos actos comunitários levaram o Tribunal de Justiça a recordar que o recurso ao artigo 235.- do Tratado CE só é justificado se nenhuma outra disposição conferir às instituições comunitárias a competência necessária para adoptar esse acto (anulação, a pedido do Parlamento Europeu, de uma decisão do Conselho, relativa às redes transeuropeias).
- O Tribunal de Justiça considerou que tinha competência para proceder ao exame do conteúdo de uma acção comum do Conselho adoptada do âmbito do terceiro pilar do Tratado da União Europeia (cooperação em matéria de Justiça e Assuntos Internos) e cuja anulação era pedida pela Comissão. O Tribunal de Justiça, no caso em apreço, não acolheu a argumentação desenvolvida pela Comissão em matéria de trânsito aeroportuário e não considerou que o Conselho se tivesse intrometido nas competências comunitárias.
- O Tribunal de Justiça declarou no acórdão Comissão/Alemanha que as decisões adoptadas pela Comissão para o cumprimento das regras de concorrência deviam ser aprovadas pelo Colégio e não constituíam medidas de administração ou de gestão.
- Tendo a Comissão concedido subvenções destinadas a projectos de luta contra a exclusão social, o Tribunal de Justiça observou que um acto de base, quer dizer, um acto de direito derivado que autoriza a despesa, era necessário, salvo para as acções comunitárias não significativas e que competia na matéria à Comissão provar o carácter não significativo da acção considerada (Reino Unido/Comissão).
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