A | O Tribunal de Justiça em 2024
O Tribunal de Justiça pode principalmente ser chamado a conhecer de pedidos de decisão prejudicial. Quando um juiz nacional tem dúvidas sobre a interpretação ou a validade de uma norma da União, suspende a instância no tribunal nacional e submete a questão ao Tribunal de Justiça. Depois de esclarecido pela decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, o juiz nacional pode então decidir o litígio que lhe foi submetido. Nos processos que requerem uma resposta num prazo muito curto (por exemplo, em matéria de asilo, de controlo nas fronteiras, de rapto de crianças, etc.), está prevista uma tramitação prejudicial urgente.
Também podem ser submetidos ao Tribunal de Justiça ações e recursos diretos, destinados a obter a anulação de um ato da União («recurso de anulação»), ou a obter a declaração do incumprimento do direito da União por um Estado-Membro («ação por incumprimento»). Em caso de desrespeito pelo Estado‑Membro do acórdão que numa segunda ação vier a declarar o incumprimento, denominada ação por «duplo incumprimento», pode condenar o Estado‑Membro no pagamento de uma sanção pecuniária.
Por outro lado, podem ser interpostos no Tribunal de Justiça recursos das decisões proferidas pelo Tribunal Geral. O Tribunal de Justiça pode anular estas decisões do Tribunal Geral.
Por último, podem ser apresentados ao Tribunal de Justiça pedidos de parecer para verificação da compatibilidade com os Tratados de um projeto de acordo que a União pretenda celebrar com um Estado terceiro ou uma organização internacional (apresentados por um Estado-Membro ou por uma instituição europeia).
Atividade e evolução do Tribunal de Justiça

Koen Lenaerts
Presidente do Tribunal de Justiça da União Europeia
O ano transato ficou marcado pela adoção e pela implementação da reforma legislativa da arquitetura jurisdicional da União Europeia pelo Regulamento 2024/2019 do Parlamento Europeu e do Conselho que, a pedido do Tribunal de Justiça, pretendeu equilibrar o volume do contencioso entre as duas jurisdições da União, tirando proveito da duplicação do número de juízes no Tribunal Geral decidida pelo Regulamento 2015/2422 do Parlamento Europeu e do Conselho em 2015. O Tribunal de Justiça tinha assim de ter condições para continuar a desempenhar, em prazos razoáveis, a sua missão de interpretação do direito da União, embora se verifique um aumento significativo do contencioso entrado, bem como um aumento do número de processos complexos e sensíveis relativos, nomeadamente, a questões de natureza constitucional ou relacionados com direitos fundamentais. Em 2024, deram assim entrada no Tribunal de Justiça mais de 900 novos processos, um número próximo do recorde de 2019, que confirma a tendência de crescimento que se vem observando nos últimos anos e que sublinha a necessidade desta reforma.
Na prática, esta reforma traduziu‑se essencialmente numa transferência parcial da competência prejudicial do Tribunal de Justiça para o Tribunal Geral. Esta transferência, efetiva desde 1 de outubro de 2024, incidiu sobre seis matérias específicas, a saber, o sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, os impostos especiais de consumo, o Código Aduaneiro, a classificação pautal das mercadorias na Nomenclatura Combinada, a indemnização e a assistência dos passageiros em caso de recusa de embarque, de atraso ou de anulação de serviços de transporte, e o sistema de troca de quotas de emissão de gases com efeito de estufa.
Todavia, o Tribunal de Justiça continua a ser competente para conhecer dos pedidos de decisão prejudicial que, embora digam respeito a uma e/ou a outra destas matérias específicas, também dizem respeito a outras matérias ou suscitam questões independentes de interpretação do direito primário (incluindo a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), do Direito Internacional Público ou dos princípios gerais do Direito da União.
A reforma deverá conduzir a uma redução não negligenciável do volume de trabalho do Tribunal de Justiça em matéria prejudicial, o que parece ser confirmado pelas primeiras estimativas relativas aos últimos três meses do ano transato.
Outra vertente da reforma visa preservar a eficácia do processo de interposição no Tribunal de Justiça de recursos de decisões proferidas pelo Tribunal Geral. Para permitir que o Tribunal de Justiça se concentre nos recursos deste tipo que suscitem questões jurídicas complexas, o mecanismo de recebimento prévio dos recursos de decisões do Tribunal Geral abrange, desde 1 de setembro de 2024, as decisões do Tribunal Geral relativas às decisões de seis novas câmaras de recurso independentes de órgãos ou organismos europeus, que se vêm juntar às quatro câmaras de recurso inicialmente visadas quando este mecanismo foi introduzido. Por outro lado, este último foi alargado aos litígios relativos à execução de contratos que contenham uma cláusula compromissória.
Por último, a reforma pretende reforçar a transparência do processo prejudicial e assim permitir uma melhor compreensão das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal Geral. A partir de agora, as observações escritas apresentadas nos processos prejudiciais serão, com efeito, publicadas no sítio Internet da Instituição, num prazo razoável após o final do processo, exceto se o autor destas observações a tal se opuser.
Além da alteração do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, a implementação da reforma conduziu à alteração do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, nomeadamente para especificar as modalidades do tratamento inicial dos pedidos de decisão prejudicial submetidos no âmbito do «balcão único» e a tramitação aplicável aos pedidos transmitidos ao Tribunal Geral pelo Tribunal de Justiça. O Regulamento de Processo deste último comporta aliás outras novidades que visam tomar em consideração lições resultantes da crise sanitária e da evolução das tecnologias, nomeadamente no que diz respeito à possibilidade de as partes ou os seus representantes pleitearem através de videoconferência, desde que sejam respeitadas condições jurídicas e técnicas específicas, a proteção dos dados pessoais no tratamento dos processos, as modalidades de entrega e notificação dos atos processuais através da aplicação e-Curia, bem como a transmissão de determinadas audiências na Internet.
As Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais, bem como as Instruções práticas às partes, foram consequentemente adaptadas.
No plano da sua composição, a Instituição ficou enlutada, em junho de 2024, pela morte de M. Ilešič (Eslovénia), juiz no Tribunal de Justiça desde 2004.
Por outro lado, o Tribunal de Justiça despediu‑se do juiz M. Safjan (Polónia), em janeiro de 2024, e conheceu em outubro uma renovação parcial muito importante da sua composição, com a cessação de funções de oito Membros, a saber, o Vice‑Presidente L. Bay Larsen (Dinamarca), o juiz J.-C. Bonichot (França), a juíza A. Prechal (Países Baixos), o juiz P. G. Xuereb (Malta), a juíza L. S. Rossi (Itália), o juiz N. Wahl (Suécia) e os advogados‑gerais P. Pikamäe (Estónia) e A. M. Collins (Irlanda), bem como com a entrada em funções de nove novos Membros, a saber o juiz B. M. P. Smulders (Países Baixos), o advogado‑geral D. Spielmann (Luxemburgo), os juízes M. Condinanzi (Itália) e F. Schalin (Suécia), o advogado‑geral A. Biondi (Itália), os juízes S. Gervasoni (França) e N. Fenger (Dinamarca), a juíza R. Frendo (Malta) e o advogado‑geral R. Norkus (Lituânia).
Relativamente às estatísticas do ano transato, estas traduzem um número muito elevado tanto de processos entrados no Tribunal de Justiça (920, ou seja cerca de mais uma centena do que no decurso de cada um dos três últimos anos) como de processos findos (863 processos, ou seja mais 80 do que no ano anterior), explicando‑se este último número em parte pelas limitações relacionadas com a renovação parcial do Tribunal de Justiça. O número de processos pendentes era assim, em 31 de dezembro de 2024, de 1 206. A duração média dos processos, independentemente das naturezas dos processos, fixou-se em 2024 em 17,7 meses.

Membros do Tribunal de Justiça
O Tribunal de Justiça é composto por 27 juízes e 11 advogados-gerais.
Os juízes e os advogados-gerais são designados de comum acordo pelos Governos dos Estados-Membros, após consulta de um comité encarregado de dar parecer sobre a adequação dos candidatos propostos ao exercício das funções em causa. Os seus mandatos são de seis anos, renováveis.
São escolhidos de entre pessoas que ofereçam todas as garantias de independência e possuam a capacidade requerida para o exercício, nos respetivos países, de altas funções jurisdicionais ou que tenham reconhecida competência.
Os juízes exercem as suas funções com toda a imparcialidade e independência.
Os juízes do Tribunal de Justiça elegem, entre si, o presidente e o vice-presidente. Os juízes e os advogados-gerais nomeiam o secretário para um mandato de seis anos.
Compete aos advogados-gerais apresentar, com total imparcialidade e independência, um parecer jurídico denominado «Conclusões» nos processos que lhes sejam submetidos. Este parecer não é vinculativo, mas fornece uma perspetiva complementar sobre o objeto do litígio.
Com a renovação parcial do Tribunal de Justiça em outubro de 2024, entraram em funções nove novos Membros, a saber, o juiz B. M. P. Smulders (Países Baixos), o advogado‑geral D. Spielmann (Luxemburgo), os juízes M. Condinanzi (Itália) e F. Schalin (Suécia), o advogado‑geral A. Biondi (Itália), os juízes S. Gervasoni (França) e N. Fenger (Dinamarca), a juíza R. Frendo (Malta) e o advogado‑geral R. Norkus (Lituânia).

In Memoriam
O juiz esloveno Marko Ilešič morreu em junho de 2024, no exercício das suas funções. Foi o primeiro Membro desta nacionalidade nomeado juiz no Tribunal de Justiça aquando da adesão da Eslovénia à União Europeia em 2004. Respeitado e admirado, tanto no plano profissional como no plano pessoal, devido às suas qualidades jurídicas e intelectuais e aos seus vastos conhecimentos linguísticos, bem como à sua grande humanidade, M. Ilešič contribuiu enormemente para o desenvolvimento e para a promoção do direito da União, bem como para a promoção da cultura eslovena.

K. Lenaerts

T. von Danwitz

F. Biltgen

K. Jürimäe

C. Lycourgos

I. Jarukaitis

M. L. Arastey Sahún

M. Szpunar

S. Rodin

A. Kumin

N. Jääskinen

D. Gratsias

M. Gavalec

J. Kokott

A. Arabadjiev

M. Campos Sánchez‑Bordona

E. Regan

N. J. Cardoso da Silva Piçarra

J. Richard de la Tour

A. Rantos

I. Ziemele

J. Passer

N. Emiliou

Z. Csehi

O. Spineanu‑Matei

T. Ćapeta

L. Medina

B. Smulders

D. Spielmann

M. Condinanzi

F. Schalin

A. Biondi

S. Gervasoni

N. Fenger

R. Frendo

R. Norkus

A. Calot Escobar
Ordem protocolar a partir de 9/10/2024
B | O Tribunal Geral em 2024
O Tribunal Geral pode principalmente ser chamado a conhecer, em primeira instância, de ações e recursos diretos intentados por pessoas singulares ou coletivas (indivíduos, sociedades, associações, etc.), quando lhes digam individual e diretamente respeito, e por Estados-Membros contra os atos das instituições, órgãos ou organismos da União Europeia, bem como de ações e recursos diretos destinados a obter a reparação dos prejuízos causados pelas instituições ou pelos seus agentes.
As decisões do Tribunal Geral podem ser objeto de recurso para o Tribunal de Justiça, limitado às questões de direito. Nos processos que já beneficiaram de uma dupla apreciação (por uma câmara de recurso independente e, depois, pelo Tribunal Geral), o Tribunal de Justiça só recebe o recurso se este suscitar uma questão importante para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União.
Desde 1 de outubro de 2024 que o Tribunal Geral também passou a ser competente para conhecer dos pedidos de decisão prejudicial, transferidos pelo Tribunal de Justiça, que digam exclusivamente respeito a uma ou a várias das seguintes seis matérias específicas: sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado; impostos especiais de consumo; Código Aduaneiro; classificação pautal das mercadorias na Nomenclatura Combinada; indemnização e assistência dos passageiros em caso de recusa de embarque ou de atraso ou de anulação de serviços de transporte; sistema de troca de quotas de emissão de gases com efeito de estufa.
Grande parte do seu contencioso é de natureza económica: propriedade intelectual (marcas, desenhos e modelos da União Europeia), concorrência, auxílios de Estado e supervisão bancária e financeira. O Tribunal Geral também é competente para decidir em matéria de função pública sobre os litígios entre a União Europeia e os seus agentes.
Atividade e evolução do Tribunal Geral

Marc van der Woude
Presidente do Tribunal Geral da União Europeia
Para o Tribunal Geral, o ano de 2024 foi um ano especialmente importante, uma vez que ficou marcado pela entrada em vigor do Regulamento 2024/2019, que reformou a arquitetura jurisdicional da União Europeia. A transferência parcial da competência prejudicial do Tribunal de Justiça para o Tribunal Geral tornou-se efetiva em 1 de outubro de 2024.
Nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal Geral passou a ser competente para conhecer dos pedidos de decisão prejudicial que digam exclusivamente respeito a uma ou a várias matérias específicas, entre as seis seguintes: sistema comum do IVA; impostos especiais de consumo; classificação pautal das mercadorias; indemnização e assistência dos passageiros em caso de recusa de embarque ou de atraso ou de anulação de serviços de transporte e sistema de troca de quotas de emissão de gases com efeito de estufa (novo artigo 50.º-C). Entre 1 de outubro e 31 de dezembro de 2024, 19 pedidos de decisão prejudicial foram objeto de uma decisão de transferência.
Ao nível interno, o Tribunal Geral teve de reorganizar a sua estrutura nomeando os dez juízes que fazem parte da secção designada para tratar dos pedidos de decisão prejudicial, bem como o presidente desta, a saber, S. Papasavvas, Vice‑Presidente do Tribunal Geral. Para efeitos de um tratamento ótimo dos pedidos de decisão prejudicial, o Tribunal Geral também designou três juízes chamados a exercer as funções de advogado‑geral. Além disso, o seu Regulamento de Processo passou a prever a possibilidade de o Tribunal Geral se pronunciar, nomeadamente, em determinados processos prejudiciais, em Secção Intermédia, composta por nove juízes.
Do mesmo modo, desde 1 de setembro de 2024 que passou a estar prevista (novo artigo 58.º-A do Estatuto do Tribunal de Justiça, também inserido pelo Regulamento 2024/2019) uma extensão do mecanismo de recebimento prévio dos recursos interpostos no Tribunal de Justiça que tenham por objeto decisões do Tribunal Geral que digam respeito a uma Câmara de Recurso independente de um dos órgãos ou organismos da União. Esta parte da reforma também aumenta a responsabilidade do Tribunal Geral para assegurar a coerência e a uniformidade do direito nos domínios do direito em causa.
A reforma coincidiu com a partida, em 7 de outubro de 2024, de cinco Membros do Tribunal Geral que foram nomeados juízes no Tribunal de Justiça. Deixaram assim de exercer funções no Tribunal Geral o juiz S. Gervasoni, os presidentes de secção D. Spielmann e F. Schalin, a juíza R. Frendo e o juiz R. Norkus. O Tribunal Geral agradece‑lhes a longa e importante contribuição para a sua jurisprudência. Nesta mesma data, os juízes H. Cassagnabère e R. Meyer prestaram juramento como novos Membros do Tribunal Geral.
Contudo, esta enorme reorganização e as partidas dos Membros não abrandaram a atividade judiciária do Tribunal Geral, porquanto este último pôde, no decurso do ano de 2024, pôr termo a 922 processos. Uma vez que neste mesmo período só entraram 786 processos, o número de processos pendentes conheceu uma redução. A duração média dos processos de 18,5 meses comprova uma gestão eficaz dos processos, havendo que referir que o Tribunal Geral tem condições para reagir ainda mais rapidamente quando as particularidades do processo o exijam. Foi assim que o Tribunal Geral logrou proferir o seu primeiro acórdão no domínio dos mercados digitais num prazo de 8,2 meses (Acórdão T-1077/23 Bytedance/Comissão).
Em 2024, 20,2 % dos processos findos foram decididos por secções alargadas. Além disso, o Tribunal Geral prosseguiu a sua abordagem que consiste em julgar em formação de Grande Secção, composta por 15 juízes, os processos que apresentam uma grande importância para, nomeadamente, o Estado de direito (v. o capítulo «Retrospetiva dos acórdãos marcantes do ano»). Nesta formação solene, o Tribunal Geral julgou os processos Ordre néerlandais des avocats du barreau de Bruxelles e o./Conselho, Medel e o./Conselho e Fridman e o./Conselho e Timchenko e Timchenko/Conselho.
Baseando‑se na sua nova competência em matéria prejudicial, bem como em novas responsabilidades na sequência do alargamento do mecanismo de recebimento prévio dos recursos de decisões do Tribunal Geral, o Tribunal Geral dotou‑se de todas as ferramentas necessárias para um tratamento eficaz e pró‑ativo dos processos que perante si sejam intentados, preparando‑se em simultâneo para o próximo período trienal que se iniciará em outubro de 2025.

Inovações jurisprudenciais

Savvas Papasavvas
Vice-Presidente do Tribunal Geral
O ano de 2024 marca o regresso à ribalta da Grande Secção, que é a formação mais solene do Tribunal Geral, a qual, até agora, só muito raramente e de forma episódica foi chamada a intervir. Sendo composta por quinzes juízes, são atribuídos à Grande Secção os processos mais importantes, bem como aqueles que apresentam complexidade jurídica ou circunstâncias especiais (artigo 28.º, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral). Seis decisões que englobam vários processos foram assim proferidas por esta formação de julgamento no decurso do ano transato no contexto, por um lado, das agressões perpetradas pela Rússia contra a Ucrânia e, por outro, da implementação do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, no âmbito do plano de recuperação NextGenerationEU.
Desde logo, nos seus Acórdãos de 11 de setembro de 2024, Fridman e o./Conselho e Timchenko e Timchenko/Conselho (T‑635/22 e T‑644/22), o Tribunal Geral confirmou a competência do Conselho para adotar obrigações de declaração de fundos e de cooperação com as autoridades nacionais competentes pelas pessoas objeto de medidas restritivas, por um lado, e para equiparar o incumprimento destas obrigações a um desvio das medidas de congelamento de fundos, por outro.
Em seguida, nos seus Acórdãos de 2 de outubro de 2024, Ordre néerlandais des avocats du barreau de Bruxelles e o./Conselho, Ordre des avocats à la cour de Paris e Couturier/Conselho e ACE/Conselho (T-797/22, T-798/22 e T-828/22), o Tribunal Geral confirmou a legalidade da proibição de prestar, direta ou indiretamente, serviços de aconselhamento jurídico ao Governo Russo e às pessoas coletivas, entidades e organismos estabelecidos na Rússia (Regulamento [UE] n.° 833/2014 do Conselho) relativamente a medidas restritivas tendo em conta as ações da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia. Os processos diziam respeito à questão de saber se existe um direito fundamental de acesso a um advogado, especialmente em situações que não apresentem um nexo com um processo judicial. O Tribunal Geral negou provimento ao recurso, mas preocupou‑se nomeadamente em concretizar o âmbito do direito à ação (artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), e do direito ao segredo profissional (artigo 7.º).
Por último, através de um Despacho de 4 de junho de 2024, Medel e o./Conselho (T-530/22 a T-533/22), o Tribunal Geral indeferiu os pedidos de anulação da decisão de execução através da qual o Conselho aprovou a avaliação do plano de recuperação e resiliência da Polónia e especificou as bases e os objetivos a alcançar por este Estado‑Membro para que a contribuição financeira que a decisão impugnada lhe disponibiliza possa ser libertada. A Grande Secção considerou que as demandantes, que são quatro associações representativas de juízes ao nível internacional cujos membros eram, em regra, associações profissionais nacionais, incluindo polacas, não tinham legitimidade processual.
Este novo élan dado à Grande Secção continuará certamente em 2025, uma vez que outros processos se encontram atualmente pendentes perante esta formação de julgamento. Este élan será provavelmente acompanhado de remessas à Secção Intermédia, criada pelo Regulamento (UE, Euratom) 2024/2019 para completar o arsenal de formações solenes de que o Tribunal Geral dispõe.

Membros do Tribunal Geral
O Tribunal Geral é composto por dois juízes por Estado-Membro.
Os juízes são escolhidos de entre pessoas que ofereçam todas as garantias de independência e possuam a capacidade requerida para o exercício de altas funções jurisdicionais. São nomeados de comum acordo pelos Governos dos Estados‑Membros, após consulta de um comité encarregado de dar parecer sobre a adequação dos candidatos. Os seus mandatos são de seis anos, renováveis. Designam entre si, por um período de três anos, o presidente e o vice‑presidente. Nomeiam o secretário para um mandato de seis anos.
Os juízes exercem as suas funções com toda a imparcialidade e independência.
No contexto da transferência parcial, desde de 1 de outubro de 2024, da competência prejudicial do Tribunal de Justiça para o Tribunal Geral, este último elegeu J. Martín y Pérez de Nanclares e M. Brkan como juízes chamados a exercer as funções de advogado‑geral para o tratamento dos pedidos de decisão prejudicial, e I. Gâlea como substituto em caso de impedimento.

M. van der Woude

S. Papasavvas

A. Marcoulli

R. da Silva Passos

J. Svenningsen

M. J. Costeira

K. Kowalik‑Bańczyk

A. Kornezov

L. Truchot

O. Porchia

R. Mastroianni

P. Škvařilová‑Pelzl

M. Jaeger

H. Kanninen

J. Schwarcz

M. Kancheva

E. Buttigieg

V. Tomljenović

L. Madise

N. Półtorak

I. Reine

P. Nihoul

U. Öberg

C. Mac Eochaidh

G. De Baere

T. Pynnä

J. Laitenberger

J. Martín y Pérez de Nanclares

G. Hesse

M. Sampol Pucurull

M. Stancu

I. Nõmm

G. Steinfatt

T. Perišin

D. Petrlík

M. Brkan

P. Zilgalvis

K. Kecsmár

I. Gâlea

I. Dimitrakopoulos

D. Kukovec

S. Kingston

T. Tóth

B. Ricziová

E. Tichy‑Fisslberger

W. Valasidis

S. Verschuur

S. L. Kalėda

L. Spangsberg Grønfeldt

H. Cassagnabère

R. Meyer

V. Di Bucci
Ordem protocolar a partir de 9/10/2024
C | Jurisprudência em 2024
- Focus Pacote Mobilidade 2020: concorrência leal e melhoria das condições de trabalho para um setor rodoviário mais seguro, sustentável e equitativo
- Focus Produção biológica e rotulagem dos produtos biológicos
- Focus Acesso do público aos contratos de compra de vacinas contra a COVID‑19
- Focus Medidas restritivas tomadas no que diz respeito a ações que comprometam ou ameacem a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia
- Retrospetiva dos acórdãos marcantes do ano

Focus
Pacote Mobilidade 2020: concorrência leal e melhoria das condições de trabalho para um setor rodoviário mais seguro, sustentável e equitativo
Acórdão Lituânia e o./Parlamento e Conselho de 4 de outubro de 2024 (C‑541/20 a C‑555/20)
Pacote Mobilidade 2020
Em 2020, a União Europeia adotou um conjunto de reformas no setor dos transportes rodoviários para realizar dois objetivos principais:
1. Melhorar as condições de trabalho dos condutores:
-
– proibindo o repouso semanal nos veículos;
– garantindo o regresso regular ao domicílio ou ao centro operacional (de três em três ou de quatro em quatro semanas) para aí passarem os seus períodos de repouso;
– antecipando a data de entrada em vigor da obrigação de instalar tacógrafos inteligentes de segunda geração.
2. Estabelecer uma concorrência leal:
-
– exigindo o regresso dos veículos a um centro operacional situado no Estado‑Membro de estabelecimento da empresa de transporte de oito em oito semanas;
– introduzindo um período de carência de quatro dias após um ciclo de cabotagem num Estado‑Membro de acolhimento (durante o qual os transportadores de mercadorias não residentes não estão autorizados a efetuar operações de cabotagem com o mesmo veículo nesse Estado‑Membro);
– qualificando os condutores de «trabalhadores destacados» em certos casos específicos, de modo a beneficiarem das condições de trabalho e de remuneração em vigor no Estado‑Membro de acolhimento.
A cabotagem é uma operação de transporte realizada no interior de um Estado‑Membro por um transportador não estabelecido no mesmo. É permitida desde que não seja realizada de uma forma que constitua uma atividade permanente nesse Estado‑Membro.
O tacógrafo inteligente de segunda geração é um dispositivo eletrónico que regista os tempos de condução, as pausas e os períodos de repouso dos condutores. Contribui para garantir a segurança rodoviária, o respeito das condições de trabalho dos condutores e a prevenção das fraudes.
O Pacote Mobilidade é composto por três atos legislativos que dizem respeito ao regime jurídico do transporte rodoviário. Esta reforma ambiciosa criou intensos debates que conduziram a uma série de ações judiciais. Assim, sete Estados‑Membros – a Lituânia, a Bulgária, a Roménia, Chipre, a Hungria, Malta e a Polónia – interpuseram no Tribunal de Justiça quinze recursos de anulação de certas disposições do Pacote Mobilidade.
O acórdão do Tribunal de Justiça confirmou amplamente a validade das mesmas.
Embora reconhecendo que a melhoria das condições de trabalho dos condutores se pode traduzir num aumento dos custos a cargo das empresas de transporte, o Tribunal de Justiça sublinhou que estas regras, indistintamente aplicáveis em toda a União, não discriminam as empresas de transporte estabelecidas em Estados‑Membros situados «na periferia da União». A eventual repercussão mais importante dessas regras em determinadas empresas depende da sua opção económica de prestarem os seus serviços a destinatários situados em Estados‑Membros distantes do seu próprio local de estabelecimento.
Quanto à qualificação de «trabalhadores destacados» (que permite aos condutores beneficiarem das condições de trabalho e de remuneração mínimas do Estado‑Membro de acolhimento, em vez das condições, eventualmente menos favoráveis, do Estado de estabelecimento do transportador), trata‑se de uma medida destinada a garantir condições de trabalho equitativas e a lutar contra as práticas de concorrência desleal. Esta evolução, embora benéfica para os trabalhadores, suscitou debates entre os Estados‑Membros, alguns dos quais, nomeadamente os que têm custos salariais baixos, recearam um aumento dos custos para as suas empresas e a complexidade administrativa das novas regras. O Tribunal de Justiça confirmou esta medida tomada pelo legislador da União com o objetivo de alcançar um justo equilíbrio entre os diversos interesses em causa.
Quanto à obrigação de respeitar um período de carência de quatro dias após um ciclo de cabotagem num Estado‑Membro de acolhimento, o Tribunal de Justiça sublinhou que a mesma visa proteger as empresas locais e prevenir a concorrência desleal, evitando que as operações de cabotagem repetidas conduzam, de facto, a uma atividade permanente no Estado‑Membro de acolhimento. Alguns Estados‑Membros contestaram esta obrigação, uma vez que limitaria a flexibilidade das empresas, obrigando‑as a ajustar os seus itinerários com o objetivo de evitar períodos de inatividade que conduzam a perdas de rendimentos. O Tribunal de Justiça rejeitou estes argumentos, sublinhando que a medida se limita a proibir durante esse período as operações de cabotagem no mesmo Estado‑Membro de acolhimento, o que não impede a realização de outras operações de transporte internacional ou de cabotagem noutros Estados‑Membros.
O Tribunal de Justiça anulou, todavia, a obrigação de os veículos regressarem ao centro operacional da empresa de transporte de oito em oito semanas. Declarou que o Parlamento e o Conselho não tinham demonstrado que dispunham de elementos suficientes para apreciar a proporcionalidade desta medida e as suas repercussões sociais, ambientais e económicas.

Focus
Produção biológica e rotulagem dos produtos biológicos
Acórdão Herbaria Kräuterparadies II (C‑240/23)
A empresa alemã Herbaria produz a bebida «Blutquick», que é comercializada como suplemento alimentar. Esta bebida contém ingredientes provenientes da produção biológica mas também vitaminas de origem não vegetal e gluconato de ferro adicionados. A sua embalagem ostenta o logótipo de produção biológica da União e uma referência a «agricultura biológica controlada».
Em janeiro de 2012, as autoridades alemãs tinham proibido a Herbaria de fazer referência à produção biológica protegida, uma vez que o direito da União só permite adicionar vitaminas e minerais aos produtos transformados com o termo «biológico» se a sua utilização for exigida por lei.
O Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se a título prejudicial no âmbito de um primeiro processo (processo C‑137/13), tinha declarado que a utilização destas substâncias só é considerada exigida por lei se uma norma do direito da União ou uma norma nacional conforme exigir diretamente a sua adição a um alimento para que este possa ser comercializado. Dado que o caso das vitaminas e do gluconato de ferro adicionados ao «Blutquick» não satisfazia esta exigência, a ação da Herbaria foi julgada improcedente pelo órgão jurisdicional alemão que se tinha dirigido ao Tribunal de Justiça.
O processo foi seguidamente submetido ao Supremo Tribunal Administrativo Federal alemão, no qual a Herbaria já não contestou a proibição de ostentar o logótipo de produção biológica da União Europeia, mas invocou uma desigualdade de tratamento entre o seu produto e um produto semelhante importado dos Estados Unidos.
Com efeito, os Estados Unidos são reconhecidos pelo direito europeu como país terceiro cujas regras de produção e de controlo são equivalentes às da União Europeia. Segundo a Herbaria, tal permitiria comercializar na União produtos provenientes dos Estados Unidos, conformes às suas regras de produção, como produtos biológicos. Esta situação implicaria uma desigualdade de tratamento, visto que os produtos concorrentes americanos poderiam ostentar o logótipo de produção biológica da União sem respeitarem as regras de produção biológica aplicáveis na União.
O Supremo Tribunal Administrativo Federal alemão interrogou o Tribunal de Justiça a este respeito.
No seu acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que só os produtos conformes com todos os requisitos do Regulamento relativo à produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos podem utilizar o logótipo biológico da União. Este logótipo não pode, portanto, ser utilizado para produtos fabricados num país terceiro segundo regras apenas equivalentes às previstas pelo direito da União. Esta proibição é igualmente extensiva à utilização dos termos que fazem referência a esta produção.
O Tribunal de Justiça sublinha que permitir a utilização desse logótipo e destes termos tanto para produtos – fabricados na União ou em países terceiros – conformes com as normas europeias de produção biológica como para produtos fabricados em países terceiros segundo normas apenas equivalentes a estas, prejudicaria a concorrência leal no mercado interno. Além disso, poderia induzir os consumidores em erro, embora a razão de ser do logótipo seja informar os consumidores, de forma clara e sem ambiguidades, sobre o facto de o produto ser plenamente conforme com os requisitos estabelecidos no regulamento.
Em contrapartida, o Tribunal de Justiça declara que o logótipo de produção biológica do país terceiro pode ser utilizado para produtos fabricados nesse país, mesmo quando contenha termos que façam referência à produção biológica.

Logótipo biológico da União Europeia
O logótipo biológico da União Europeia confere uma identidade visual coerente aos produtos biológicos produzidos na União. Permite que os produtos biológicos sejam mais facilmente identificados pelos consumidores e ajuda os agricultores a comercializá‑los em todos os Estados-Membros.
O logótipo biológico é reservado aos produtos certificados como biológicos por um organismo autorizado, garantindo o cumprimento de normas rigorosas de produção, transformação, transporte e armazenamento. O logótipo só pode ser utilizado em produtos que contenham, no mínimo, 95 % de ingredientes biológicos, devendo cumprir condições rigorosas também no que respeita aos restantes 5 %. O mesmo ingrediente não pode estar presente em forma biológica e não biológica.
Regulamento 2018/848
O Regulamento 2018/848, relativo à produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos, visa garantir uma concorrência leal, o bom funcionamento do mercado interno neste setor e a confiança dos consumidores nos produtos rotulados como biológicos.
Estabelece regras de produção gerais e pormenorizadas. Em matéria de rotulagem, impõe o respeito das regras relativas à informação dos consumidores, nomeadamente para evitar qualquer confusão ou engano. Estabelece ainda disposições específicas relativas à rotulagem dos produtos biológicos e em conversão, para proteger tanto os interesses dos operadores – desejosos de ver os seus produtos serem identificados corretamente e de beneficiar de concorrência leal – como os dos consumidores.
Outros acórdãos do Tribunal de Justiça relativos aos produtos biológicos
Acórdão de 12 de outubro de 2017, Kamin und Grill Shop (C‑289/16)
Nos termos do Regulamento n.º 834/2007, relativo à produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos, um operador que comercialize produtos biológicos é obrigado a submeter a sua empresa a um sistema de controlo. Os operadores que vendam produtos diretamente ao consumidor ou ao utilizador final podem ficar isentos desta obrigação, em determinadas condições. O Tribunal de Justiça declarou que é necessário que a venda seja efetuada na presença simultânea do operador ou do seu pessoal encarregado da venda e do consumidor final. Por conseguinte, os operadores que comercializem estes produtos eletronicamente não podem beneficiar desta isenção.
Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Œuvre d’assistance aux bêtes d’abattoirs (C‑497/17)
O Regulamento n.º 834/2007 não autoriza a aposição do logótipo biológico da União em produtos provenientes de animais que tenham sido objeto de abate religioso sem atordoamento prévio, realizado nas condições fixadas pelo Regulamento n.º 1099/2009, relativo à proteção dos animais no momento da occisão.
Acórdão de 29 de abril de 2021, Natumi (C‑815/19)
O Regulamento n.º 889/2008, que estabelece normas de execução do Regulamento n.º 834/2007 opõe‑se à utilização de um pó obtido a partir dos sedimentos da alga Lithothamnium calcareum que são limpos, secos e triturados, como ingrediente não biológico de origem agrícola, na transformação de géneros alimentícios biológicos (nomeadamente bebidas biológicas à base de arroz e de soja), para o seu enriquecimento em cálcio.

Focus
Acesso do público aos contratos de compra de vacinas contra a COVID‑19
Acórdãos Auken e o./Comissão e Courtois e o./Comissão (T‑689/21 e T‑761/21)
Em junho de 2020, a União Europeia lançou a sua estratégia em matéria de aquisição de vacinas contra a COVID‑19. Neste contexto, a Comissão assinou um acordo com os 27 Estados-Membros, que a autorizava a celebrar em seu nome acordos prévios de aquisição com fabricantes.
Sendo o recurso precoce à vacinação efetuado no interesse da saúde pública, o prazo de desenvolvimento de vacinas pelas empresas farmacêuticas foi encurtado. Para compensar os riscos incorridos por estas empresas, a Comissão e os Estados‑Membros integraram na sua estratégia de vacinação o princípio da partilha dos riscos entre fabricantes e Estados‑Membros, reduzindo, assim, a responsabilidade do fabricante em caso de efeitos indesejáveis do seu produto.
As versões dos contratos tornadas públicas foram expurgadas, omitindo informações sobre os riscos financeiros, as doações ou as revendas, bem como declarações de inexistência de conflitos de interesses.
Em 2021, cidadãos e deputados europeus contestaram a recusa parcial da Comissão Europeia de facultar um acesso total a determinados documentos relacionados com os contratos de aquisição de vacinas de 2020. Os pedidos de acesso diziam respeito a cláusulas de indemnização para as empresas farmacêuticas. Nos termos destas cláusulas, os laboratórios deviam indemnizar as vítimas em caso de falha associada a uma conduta dolosa ou a um incumprimento grave durante o fabrico, ao passo que, nos outros casos, essa responsabilidade recaía sobre os Estados‑Membros.
Os cidadãos e deputados também exigiam acesso às declarações de inexistência de conflito de interesses dos membros da equipa de negociação para a aquisição de vacinas. Pretendiam esclarecer a forma como tinham sido conduzidas as negociações, nomeadamente sobre um «gigacontrato» de maio de 2021, para a compra de 1,8 mil milhões de doses adicionais de vacina pelo montante de 35 mil milhões de euros.
A Comissão só tinha concedido acesso parcial a estes documentos e tinha publicado versões expurgadas dos mesmos, invocando a confidencialidade dos negócios e a proteção da vida privada.
Chamado a conhecer de dois recursos das decisões da Comissão, o Tribunal Geral anulou‑as parcialmente.
No que respeita ao pedido de acesso mais amplo às cláusulas de indemnização, o Tribunal Geral recordou que a razão da sua inclusão nos contratos – a saber, compensar os riscos incorridos pelas empresas farmacêuticas ligados à redução do prazo de desenvolvimento das vacinas – tinha sido assumida pelos Estados‑Membros e era do domínio público. Declarou que a Comissão não tinha demonstrado de que modo um acesso mais amplo a estas cláusulas, a certas definições presentes nos contratos (como as de «conduta dolosa» e de «todos os esforços razoáveis possíveis») bem como às estipulações relativas às doações e às revendas das vacinas, prejudicaria concretamente os interesses comerciais das empresas farmacêuticas em causa.
Quanto ao pedido relativo à divulgação – nas declarações de inexistência de conflito de interesses – da identidade dos membros da equipa de negociação, o Tribunal Geral confirmou que esta divulgação prosseguia um objetivo de interesse público. Só a divulgação dessa identidade permite, com efeito, verificar a inexistência de uma situação de conflito de interesses em relação aos membros da equipa de negociação. Ora, esta transparência do processo de negociação dos contratos reforça a confiança dos cidadãos da União na estratégia de vacinação da Comissão e ajuda a lutar contra a difusão de falsas informações. Por conseguinte, o Tribunal Geral declarou que a Comissão não tinha ponderado corretamente os interesses envolvidos, relacionados com a inexistência de conflitos de interesses e com um risco de prejuízo para a vida privada.
Acesso do público aos documentos: um elemento‑chave da transparência
O Regulamento (CE) n.º 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho visa conceder ao público um direito de acesso o mais amplo possível aos documentos do Parlamento, do Conselho e da Comissão. Visa reforçar a transparência, a legitimidade e a responsabilidade das instituições.
Contudo, este direito não é absoluto. Abre exceções para proteger determinados interesses públicos ou privados, como a segurança pública, a confidencialidade das deliberações internas e dos pareceres jurídicos, os interesses financeiros, económicos ou comerciais ou, ainda, a proteção dos dados pessoais.
As instituições devem conciliar a transparência e a proteção desses interesses, avaliando em cada caso se a divulgação é suscetível de os prejudicar. A divulgação pode, por último, ser exigida se for demonstrado um interesse público superior.
Em caso de recusa de acesso, o requerente pode solicitar uma revisão à instituição em causa e seguidamente – em caso de nova recusa – recorrer ao Provedor de Justiça Europeu ou interpor recurso no Tribunal Geral da União Europeia.
Alguns princípios consagrados pelo Tribunal Geral e pelo Tribunal de Justiça
No Acórdão De Capitani/Parlamento (T‑540/15), o Tribunal Geral considerou que as instituições da União só podem recusar o acesso a determinados documentos do processo legislativo em casos devidamente justificados.
A instituição ou o órgão que recusa o acesso deve demonstrar de que modo tal acesso comprometeria de forma «concreta, efetiva e razoavelmente previsível» o interesse protegido por uma das exceções previstas no Regulamento n.º 1049/2001. Como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P), um prejuízo hipotético ou vago não basta para justificar tal recusa.
A questão do acesso aos articulados apresentados por um Estado‑Membro ou por uma instituição no âmbito de processos judiciais no Tribunal de Justiça da União Europeia foi abordada em vários acórdãos dignos de nota. No processo Comissão/Breyer (C‑213/15 P), o Tribunal de Justiça considerou que os articulados de um Estado‑Membro, que estejam na posse da Comissão, são abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.º 1049/2001. Embora a confidencialidade destes articulados deva ser preservada durante o processo judicial, a Comissão não pode, sem outro motivo, recusar o acesso aos mesmos após o encerramento do processo.
O Tribunal de Justiça já tinha consagrado esta presunção geral de não divulgação durante o processo judicial no Acórdão Suécia e o./API e Comissão (C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P) relativamente aos articulados apresentados por uma instituição da União. No entanto, uma vez encerrado o processo, cada pedido deve ser avaliado de forma casuística para verificar se se aplicam as exceções previstas no regulamento.

Focus
Medidas restritivas tomadas no que diz respeito a ações que comprometam ou ameacem a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia
Acórdãos Mazepin/Conselho de 20 de março de 2024 (T‑743/22); Fridman e o./Conselho e Timchenko e Timchenko/Conselho de 11 de setembro de 2024(T‑635/22 e T‑644/22); NSD/Conselho de 11 de setembro de 2024(T‑494/22)
As medidas restritivas, ou «sanções», são um instrumento fundamental da política externa e de segurança da União Europeia. Podem assumir a forma de congelamento de bens, de proibições de entrar no território da União ou de sanções económicas. Têm por objetivo defender os valores fundamentais, os interesses essenciais e a segurança da União, exercendo pressão sobre as pessoas ou entidades visadas, incluindo Governos de países terceiros, para que alterem a sua política ou o seu comportamento.
As ações que comprometem a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia tomadas pela Rússia desde 2014 e, sobretudo, a sua guerra de agressão iniciada contra este Estado em 2022, intensificaram as sanções da União contra pessoas singulares e coletivas que prestam apoio ao Governo Russo. Suscitando contestações sobre a sua legitimidade e o seu alcance, as decisões do Conselho nesta matéria foram objeto de dezenas de processos submetidos ao Tribunal Geral da União Europeia.
Estes processos ilustram a procura de uma conciliação entre a firmeza das sanções impostas, necessária para a sua eficácia, e a proteção dos direitos individuais. O Tribunal Geral confirmou os amplos poderes da União para agir contra o apoio económico e material do Governo Russo, exigindo simultaneamente provas e uma justificação sólida das medidas adotadas.
Acórdão NSD/Conselho (T‑494/22)
O Tribunal Geral confirmou as sanções impostas à sociedade russa National Settlement Depository (NSD). Considerada pelo Conselho como sendo essencial para o sistema financeiro na Rússia, esta sociedade prestava apoio material e financeiro tanto ao Governo Russo como ao Banco Central russo.
O Tribunal Geral observou que, enquanto instituição financeira de importância sistémica, a NSD facilitou a mobilização pelo Governo Russo de recursos consideráveis, utilizados para ações de desestabilização da Ucrânia. Rejeitou ainda os argumentos da NSD segundo os quais as medidas restritivas conduziram ao congelamento de fundos pertencentes a clientes não visados pelas sanções, sublinhando que estes podem recorrer aos órgãos jurisdicionais nacionais para contestar uma violação do seu direito de propriedade, enquanto efeito colateral das medidas aplicadas contra a NSD.
Acórdão Mazepin/Conselho (T‑743/22)
O Tribunal Geral da União Europeia anulou a manutenção do nome de Nikita Mazepin, antigo piloto de Fórmula 1, na lista das pessoas visadas pelas sanções. O seu nome foi inscrito nessa lista pelo Conselho devido à associação com o seu pai, Dmitry Mazepin, que é um homem de negócios influente cuja atividade gera receitas significativas para o Governo Russo e que terá sido o principal patrocinador das atividades do seu filho como piloto de corridas na equipa Haas.
O Tribunal Geral considerou que a associação entre Dmitry Mazepin e o seu filho não foi suficientemente provada, salientando, nomeadamente, que no momento da adoção da decisão impugnada este último já não era piloto na equipa de Fórmula 1 em questão. Por outro lado, o Tribunal Geral sublinhou que a mera relação familiar não basta, enquanto tal, para provar que existem interesses comuns suscetíveis de justificar a manutenção das sanções em relação a Nikita Mazepin.
Acórdãos Fridman e o./Conselho e Timchenko e Timchenko/Conselho (T‑635/22 e T‑644/22)
O Tribunal Geral confirmou a obrigação de as pessoas e entidades sancionadas comunicarem os seus fundos e colaborarem com as autoridades competentes para evitar a evasão ao congelamento de fundos através de esquemas jurídicos e financeiros. Estas obrigações, implementadas pelo Conselho, foram consideradas necessárias para garantir a eficácia e a uniformidade das sanções em todos os Estados‑Membros. O Tribunal Geral também rejeitou as contestações segundo as quais o Conselho exerceu competências penais reservadas aos Estados‑Membros, considerando que essas medidas não revestem natureza penal e que a sua adoção respeita, no seu conjunto, o quadro previsto no direito da União.
Sanções da União Europeia contra a Rússia
Desde março de 2014 que a União impôs progressivamente medidas restritivas específicas à Rússia, em resposta, nomeadamente, à anexação ilegal da Crimeia (2014) e à agressão militar contra a Ucrânia (2022).
Estas medidas visam enfraquecer a base económica da Rússia, privando‑a de tecnologias e de mercados críticos e reduzindo significativamente a sua capacidade de guerra. A União também adotou sanções contra a Bielorrússia, o Irão e a Coreia do Norte em resposta ao seu apoio à Rússia na guerra contra a Ucrânia.
Mais de 2 300 pessoas e entidades (bancos, partidos políticos, empresas, grupos paramilitares) são visadas pelas sanções. As sanções incluem:
- a proibição de entrar na União Europeia;
- o congelamento de bens;
- o congelamento de fundos.
O Conselho estima o valor dos bens privados congelados na União em 24,9 mil milhões de euros. Os ativos do Banco Central da Rússia bloqueados na União ascendem a 210 mil milhões de euros.
As medidas restritivas, impostas por força das decisões do Conselho, ficam sujeitas a reapreciação permanente. São prorrogadas ou, sendo caso disso, alteradas se o Conselho considerar que os seus objetivos não foram alcançados.
Retrospetiva dos acórdãos marcantes do ano
Direitos fundamentais
A União Europeia assegura a proteção dos direitos fundamentais, nomeadamente através da Carta dos Direitos Fundamentais, que enumera os direitos individuais, cívicos, políticos, económicos e sociais dos cidadãos europeus. O respeito pelos direitos do Homem constitui um dos valores nos quais a União se baseia e uma obrigação essencial no âmbito da execução das suas políticas e dos seus programas.

A Carta dos Direitos Fundamentais da UE — regras vinculativas com impacto na vida real
Dados pessoais
A União Europeia possui uma regulamentação detalhada no que respeita à proteção dos dados pessoais. O tratamento e o armazenamento destes dados devem corresponder aos requisitos de licitude previstos na regulamentação, de se limitar ao estritamente necessário e de não violar de forma desproporcionada o direito à vida privada.

O Tribunal de Justiça no mundo digital
Igualdade de tratamento e direito do trabalho
Trabalham na União Europeia mais de 200 milhões de pessoas. Por conseguinte, um grande número de cidadãos beneficia diretamente das disposições do direito do trabalho europeu, que estabelece normas mínimas em matéria de condições de trabalho e de emprego, completando assim as políticas instituídas pelos Estados‑Membros.

O Tribunal de Justiça: garantir um tratamento igual e proteger os direitos das minorias
Cidadania europeia
Qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro é automaticamente cidadão da União Europeia. A cidadania europeia acresce à cidadania nacional e não a substitui. Os cidadãos da União beneficiam de direitos específicos garantidos pelos Tratados Europeus.
Consumidores
A política europeia dos consumidores visa proteger a saúde, a segurança, bem como os interesses económicos e jurídicos dos consumidores no espaço da União, independentemente do local onde vivam, para o qual se desloquem ou no qual façam as suas compras.

O Tribunal de Justiça: garantir os direitos dos consumidores da União Europeia
Ambiente
A União Europeia está empenhada em preservar e melhorar a qualidade do ambiente e em proteger a saúde humana. A sua abordagem baseia‑se nos princípios da precaução e da prevenção, bem como no princípio do «poluidor‑pagador».

O Tribunal de Justiça e o ambiente
Sociedade da informação
A União Europeia desempenha um papel determinante no desenvolvimento da sociedade da informação, para criar um ambiente favorável à inovação e à competitividade, protegendo simultaneamente os direitos dos consumidores e proporcionando segurança jurídica. Garante mercados digitais equitativos e abertos, e elimina os obstáculos aos serviços em linha transfronteiriços no mercado interno, para assegurar a sua livre circulação.

O Tribunal de Justiça no mundo digital
Concorrência, Auxílios de Estado e tax rulings
A União Europeia garante o cumprimento das normas que protegem a livre concorrência. São proibidas as práticas que têm por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno e que podem ser sancionadas através da aplicação de coimas. Por outro lado, os auxílios de Estado são proibidos quando forem incompatíveis com o mercado interno, tendo os Tratados atribuído à Comissão a este respeito uma importante missão de controlo.

O Tribunal Geral da União Europeia — Garantir que as Instituições da UE respeitam o direito da União
Propriedade intelectual
A regulamentação adotada pela União Europeia para proteger a propriedade intelectual (direitos de autor) e industrial (direito das marcas, proteção dos desenhos e modelos) melhora a competitividade das empresas ao favorecer um ambiente propício à criatividade e à inovação.

Propriedade intelectual no Tribunal Geral da União Europeia
Política comercial
A política comercial comum é uma competência exclusiva da União Europeia, ao abrigo da qual celebra acordos comerciais internacionais. O facto de a União se expressar a uma só voz na cena mundial coloca‑a numa posição de força em matéria de comércio internacional. A ação da União nesta matéria deve, no entanto, respeitar o quadro constitucional da União.
Migração e asilo
A União Europeia adotou um conjunto de normas para estabelecer uma política migratória europeia eficaz, humanitária e segura. O Sistema Europeu Comum de Asilo define normas mínimas para o tratamento de todos os requerentes de asilo e dos seus pedidos na União.
Cooperação judiciária
O espaço de liberdade, segurança e justiça inclui medidas para promover a cooperação judiciária entre os Estados‑Membros. Esta cooperação assenta no reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e visa harmonizar as legislações nacionais para combater a criminalidade transnacional, garantindo a proteção dos direitos das vítimas, dos suspeitos e dos detidos na União.
Política Externa e de Segurança Comum
Instrumento essencial da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) da União Europeia, as medidas restritivas ou «sanções» são utilizadas no âmbito de uma ação integrada e global que inclui, designadamente, um diálogo político. A União recorre às mesmas, nomeadamente, para preservar os valores, os interesses fundamentais e a segurança da União, para prevenir conflitos e reforçar a segurança internacional. Com efeito, as sanções procuram provocar uma mudança política ou de comportamento por parte das pessoas ou entidades visadas, para promover os objetivos da PESC.
A Direção da Investigação e Documentação propõe aos profissionais do direito, no âmbito da sua Coletânea dos Resumos, uma «Seleção dos principais acórdãos» e um «Boletim mensal de jurisprudência» do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral.