A | O Tribunal de Justiça em 2023
O Tribunal de Justiça pode principalmente ser chamado a conhecer de:
- Pedidos de decisão prejudicial
Quando um juiz nacional tem dúvidas sobre a interpretação ou a validade de uma norma da União, suspende a instância no tribunal nacional e submete a questão ao Tribunal de Justiça. Depois de esclarecido pela decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, o juiz nacional pode resolver o litígio que lhe foi submetido. Nos processos que requerem uma resposta num prazo muito curto (por exemplo, em matéria de asilo, de controlo nas fronteiras, de rapto de crianças, etc.), está prevista uma tramitação prejudicial urgente («PPU»);
-
Ações e recursos diretos, que visam:
- obter a anulação de um ato da União («recurso de anulação») ou
- obter a declaração do incumprimento do direito da União por um Estado-Membro («ação por incumprimento»). Se o Estado-Membro não der execução ao acórdão que declarou o incumprimento, numa segunda ação, denominada ação por «duplo incumprimento», o Tribunal de Justiça pode aplicar-lhe uma sanção pecuniária;
- Recursos das decisões proferidas pelo Tribunal Geral, na sequência dos quais o Tribunal de Justiça pode anular a decisão do Tribunal Geral;
- Pedidos de parecer sobre a compatibilidade com os Tratados de um projeto de acordo que a União pretenda celebrar com um Estado terceiro ou uma organização internacional (apresentados por um Estado-Membro ou por uma instituição europeia).
Atividade e evolução do Tribunal de Justiça
Os últimos meses do ano 2023 ficaram marcados pelas negociações relativas ao pedido legislativo que, em novembro de 2022, o Tribunal de Justiça enviou ao Parlamento Europeu e ao Conselho, para, por um lado, transferir para o Tribunal Geral a competência prejudicial do Tribunal de Justiça em seis matérias específicas (imposto sobre o valor acrescentado, impostos especiais sobre o consumo, Código Aduaneiro, classificação pautal de mercadorias na Nomenclatura Combinada, indemnização e assistência de passageiros, bem como o sistema de troca de quotas de emissão de gases com efeito de estufa) e, por outro, alargar o âmbito de aplicação do mecanismo, que entrou em vigor em maio de 2019, de recebimento prévio dos recursos de decisões do Tribunal Geral interpostos no Tribunal de Justiça. Este pedido legislativo tem por objetivo permitir assegurar, atento o interesse dos sujeitos de direito a uma justiça de qualidade proferida dentro de prazos razoáveis, um melhor equilíbrio do volume de trabalho entre o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral, sendo este último composto, desde julho de 2022, por dois juízes por Estado-Membro (ou seja, um total de 54).
O Tribunal de Justiça poderá assim concentrar-se ainda mais nas suas missões centrais de jurisdição constitucional e suprema da União. À semelhança dos últimos anos, o contencioso entrado no Tribunal de Justiça, através da via prejudicial ou de ações ou recursos diretos (nomeadamente ações por incumprimento), tem com efeito sido marcado por temas sensíveis, que em regra mobilizam a Grande Secção, como sejam a preservação dos valores do Estado de direito no contexto das reformas judiciais nacionais, a política de asilo e de imigração, a proteção dos dados pessoais e a aplicação das regras da concorrência na era do digital, a luta contra as discriminações ou ainda os desafios ambientais, energéticos ou climáticos.
No que se refere à transferência parcial da competência prejudicial para o Tribunal Geral, esta assentará em dois princípios de base, ditados por considerações de segurança jurídica, de celeridade e de transparência: o princípio do «balcão único», segundo o qual qualquer pedido de decisão prejudicial deverá sempre ser dirigido ao Tribunal de Justiça, que determinará se um processo prejudicial diz, ou não, exclusivamente respeito a uma ou a várias das matérias específicas acima referidas, e o princípio de uma transferência integral de todos os processos prejudiciais que digam exclusivamente respeito a uma ou a outra destas matérias específicas. Se, em contrapartida, o processo não disser exclusivamente respeito a esta, se suscitar nomeadamente questões independentes de interpretação do direito primário ou da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, esse processo será tratado pelo Tribunal de Justiça.
A transferência de um processo prejudicial para o Tribunal Geral não afetará contudo a faculdade de este último remeter o processo prejudicial ao Tribunal de Justiça se entender que a resposta impõe que seja proferida uma decisão de princípio, nem a possibilidade de o Tribunal de Justiça proceder, a título excecional, a um reexame da decisão proferida pelo Tribunal Geral no caso de ser seriamente afetada a unidade ou a coerência do Direito da União.
Depois de vários meses de exame e de negociações, foi alcançado um acordo político sobre este pedido legislativo em dezembro de 2023. No âmbito deste acordo, ficou nomeadamente previsto que as alegações ou as observações escritas apresentadas por uma parte que participou no processo prejudicial serão publicadas no sítio Internet do Tribunal de Justiça num prazo razoável após o encerramento do processo, salvo se essa parte se opuser a essa publicação.
No momento em que estas linhas são escritas, o calendário concreto da adoção formal das alterações do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e a data da entrada em vigor destas alterações não são ainda conhecidos de modo definitivo, sendo ainda muitos os trabalhos que têm de ser levados a cabo, no que se refere concretamente à alteração dos Regulamentos de Processo do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral imposta pela aplicação desta reforma. Esta aprovação de princípio abre no entanto a porta a uma redefinição dos contornos do funcionamento das jurisdições da União nos próximos anos.
No plano da sua composição, verificaram-se alterações no Tribunal de Justiça em 2023, na sequência da partida do advogado-geral Giovanni Pitruzzella, no seguimento da sua nomeação como juiz no Tribunal Constitucional italiano.
No que se refere às estatísticas do ano transato, estas traduzem, novamente, o elevado nível das atividades do Tribunal de Justiça dos últimos anos. Assim, em 2023, deram entrada no Tribunal de Justiça 821 processos, ou seja, mais alguns processos do que em 2022, e foram findos 783 processos, ou seja, um número muito semelhante ao dos três últimos anos. A duração média dos processos, independentemente da natureza dos processos, ascendeu a 16,1 meses e o número de processos pendentes em 31 de dezembro 2023 era de 1 149 processos.
Koen Lenaerts
Presidente do Tribunal de Justiça da União Europeia
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Membros do Tribunal de Justiça
O Tribunal de Justiça é composto por 27 juízes e 11 advogados-gerais.
Os juízes e os advogados-gerais são designados de comum acordo pelos Governos dos Estados‑Membros, após consulta de um comité encarregado de dar um parecer sobre a adequação dos candidatos propostos ao exercício das funções em causa. Os seus mandatos são de seis anos, renováveis.
São escolhidos de entre pessoas que ofereçam todas as garantias de independência e possuam a capacidade requerida para o exercício, nos respetivos países, de altas funções jurisdicionais ou que tenham reconhecida competência.
Os juízes exercem as suas funções com toda a imparcialidade e independência.
Os juízes do Tribunal de Justiça elegem, entre si, o presidente e o vice-presidente. Os juízes e os advogados-gerais nomeiam o secretário para um mandato de seis anos.
Compete aos advogados-gerais apresentar, com total imparcialidade e independência, um parecer jurídico denominado «Conclusões» nos processos que lhes sejam submetidos. Este parecer não é vinculativo, mas fornece uma perspetiva complementar sobre o objeto do litígio.
Em 2023, não foi nomeado nenhum novo membro no Tribunal de Justiça.
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K. Lenaerts
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L. Bay Larsen
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A. Arabadjiev
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A. Prechal
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K. Jürimäe
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C. Lycourgos
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E. Regan
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M. Szpunar
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T. von Danwitz
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F. Biltgen
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N. J. Cardoso da Silva Piçarra
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Z. Csehi
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O. Spineanu‑Matei
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J. Kokott
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M. Ilešič
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J.-C. Bonichot
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M. Safjan
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S. Rodin
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M. Campos
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P. G. Xuereb
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L. S. Rossi
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I. Jarukaitis
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P. Pikamäe
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A. Kumin
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N. Jääskinen
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N. Wahl
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J. Richard de la Tour
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A. Rantos
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I. Ziemele
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J. Passer
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D. Gratsias
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M. L. Arastey Sahún
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A. M. Collins
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M. Gavalec
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N. Emiliou
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T. Ćapeta
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L. Medina
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A. Calot Escobar
Ordem protocolar a partir de 15/11/2023
B | O Tribunal Geral em 2023
O Tribunal Geral pode, principalmente, ser chamado a conhecer, em primeira instância, das ações e recursos diretos iniciados pelas pessoas singulares ou coletivas (indivíduos, sociedades, associações, etc.), quando lhes digam individual e diretamente respeito, e pelos Estados‑Membros contra os atos das instituições, órgãos ou organismos da União Europeia, bem como das ações e recursos diretos destinados a obter a reparação dos prejuízos causados pelas instituições ou pelos seus agentes.
Grande parte do seu contencioso é de natureza económica: propriedade intelectual (marcas, desenhos e modelos da União Europeia), concorrência, auxílios de Estado e supervisão bancária e financeira.
O Tribunal Geral é igualmente competente para decidir em matéria de função pública sobre os litígios entre a União Europeia e os seus agentes.
As decisões do Tribunal Geral podem ser objeto de recurso para o Tribunal de Justiça, limitado às questões de direito. Nos processos que já beneficiaram de uma dupla apreciação (por uma câmara de recurso independente e, depois, pelo Tribunal Geral), o Tribunal de Justiça só recebe o recurso se este suscitar uma questão importante para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União.
Atividade e evolução do Tribunal Geral
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Marc van der Woude
Presidente do Tribunal Geral
No decurso do ano de 2023, a reforma do Tribunal Geral que prevê a duplicação do número dos seus juízes (Regulamento 2015/2422) produziu plenamente os efeitos pretendidos. As estatísticas judiciárias da jurisdição comprovam isto mesmo. O Tribunal Geral encerrou 904 processos e deram entrada 868 processos (não estando neste número contabilizados 404 processos idênticos que deram entrada no final do ano), tendo-se assim reduzido o número de processos pendentes. Por outro lado, a duração média dos processos manteve-se num nível satisfatório: 18,2 meses em média, o que é um indicador de uma gestão eficaz dos processos.
Em simultâneo, o Tribunal Geral consolidou a sua prática que consiste em remeter mais processos para secções alargadas. Em 2023, 13,6 % dos processos findos foram decididos pelas secções alargadas e não menos de 120 processos foram remetidos a estas secções. O Tribunal Geral já não hesita em remeter alguns processos de importância excecional para a sua Grande Secção, composta de 15 juízes. Em especial, foi nesta formação solene que o Tribunal Geral proferiu o Acórdão no processo Venezuela/Conselho respeitante a medidas restritivas aprovadas pelo Conselho da União Europeia contra empresas e nacionais venezuelanos (T-65/18 RENV; v. capítulo «Retrospetiva sobre os Grandes Acórdãos do Ano»). Também foram remetidos para a Grande Secção quatro processos intentados pelas quatro organizações europeias de juízes relativos ao Plano Nacional de Retoma e de Resiliência polaco (T-530/22 a T-533/22), e dois processos respeitantes às medidas restritivas implementadas pela União Europeia contra a Rússia devido à guerra na Ucrânia (processos T-635/22 e T-644/22).
Estes resultados satisfatórios ficam parcialmente a dever-se à estabilidade da composição da jurisdição. Com efeito, em 2023, só dois juízes deixaram de exercer as suas funções, a saber, os juízes S. Frimodt Nielsen e V. Valančius, que foram respetivamente substituídos pelo juiz S. L. Kalėda e pela juíza L. Spangsberg Grønfeldt. Aproveito esta oportunidade para agradecer aos dois a contribuição que deram para a boa administração da justiça da União. Em 2023, assistimos também à cessação de funções do secretário E. Coulon, depois de 18 anos de bons e leais serviços, bem como à chegada do seu sucessor, V. Di Bucci. Por ocasião da partida de E. Coulon, foi organizado um colóquio dedicado ao direito processual da União, que serviu de palco para homenagens e intervenções de alto nível.
Ao longo de todo o ano de 2023, o Tribunal Geral prosseguiu o seu processo de modernização, nomeadamente para melhorar o tratamento dos processos mais volumosos e complexos. Estes processos, que em regra dizem respeito ao direito económico e financeiro, merecem que lhes seja dedicada uma abordagem proativa e adaptada, tanto ao nível da atribuição de recursos como no âmbito da planificação do trabalho. Esta abordagem, à qual os representantes das partes serão associados, permitirá reduzir a duração da instância e responder de forma mais específica às expectativas das partes.
Além disso, para responder plenamente às expectativas legítimas dos sujeitos de direito na perspetiva de uma transferência parcial da competência prejudicial para certas áreas específicas e da extensão do mecanismo de recebimento prévio dos recursos de decisões do Tribunal Geral, este trabalhou ao longo de 2023 para implementar as evoluções necessárias das suas modalidades de organização e das suas futuras regras processuais.
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Inovações jurisprudenciais
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Savvas S. Papasavvas
Vice-Presidente do Tribunal Geral
O contencioso do Tribunal Geral está em constante evolução. Sob o impulso das ações intentadas e dos recursos interpostos pelos sujeitos de direito, cada acórdão constitui mais um tijolo para o edifício jurisprudencial. O ano de 2023 não constituiu uma exceção à regra e no decurso do ano o Tribunal Geral abordou questões novas em domínios clássicos, ao mesmo tempo que assentou as bases de contencioso em pleno desenvolvimento. O ano de 2023 constituiu também a ocasião para a Grande Secção se reunir para analisar uma questão singular de Política Externa e de Segurança Comum.
O controlo da aplicação das regras da concorrência faz parte do contencioso atribuído ao Tribunal Geral desde a criação deste último. O Tribunal Geral tem assim uma grande experiência neste domínio. Contudo, por o ambiente jurídico estar em constante evolução, nesta matéria como noutras, são constantemente submetidas questões inéditas ao Tribunal Geral. Foi o que sucedeu nomeadamente com o Acórdão de 24 de maio de 2023, Meta Platforms Ireland/Comissão (T-451/20), no qual o Tribunal Geral examinou, pela primeira vez, a legalidade de um pedido de informações através de termos de pesquisa ao abrigo do Regulamento n.º 1/2003, bem como a legalidade de um procedimento de sala de dados virtual para o tratamento de documentos que contêm dados pessoais sensíveis. Estava em causa o Tribunal Geral certificar-se de que a Comissão tinha limitado o seu pedido apenas às informações necessárias para verificar presunções de infrações que justificavam a condução do seu inquérito (v. artigo «Focus»).
De igual modo, por muito clássico e delimitado que possa ser e estar, o regime da responsabilidade extracontratual da União Europeia deu origem a questões interessantes e inéditas. Com efeito, deu entrada no Tribunal Geral uma ação de indemnização dos danos materiais e morais supostamente sofridos pelo International Management Group depois de uma fuga de informação, através da imprensa, de um relatório de investigação do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) sobre o seu estatuto jurídico. O demandante invocou a ilegalidade do comportamento da Comissão, com a qual tinha celebrado vários acordos, bem como o do OLAF. Nesta ocasião, num Acórdão de 28 de junho de 2023, IMG/Comissão (T‑752/20), o Tribunal Geral especificou as condições que têm de estar verificadas para se determinar se existiu uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares.
No palmarés do contencioso em pleno desenvolvimento, o contencioso dos processos bancários e financeiros ocupa uma boa posição. Mais especificamente, tem sido submetido ao Tribunal Geral um número crescente de recursos que têm origem na criação, em 2014, do Mecanismo Único de Resolução. Este mecanismo prevê um quadro de gestão das crises bancárias para a resolução dos bancos importantes em determinados Estados‑Membros. Baseia-se nomeadamente no Conselho Único de Resolução, que tem por missão preparar e implementar a resolução dos bancos cujo incumprimento é provável ou certo. Em especial, através de vários Acórdãos proferidos em 22 de novembro de 2023, o Tribunal Geral pronunciou-se de forma inédita sobre um pedido de anulação de uma decisão do Conselho Único de Resolução respeitante a uma eventual indemnização dos acionistas e dos credores afetados por uma resolução bancária (processos apensos T‑302/20, T‑303/20 e T‑307/20 Del Valle Ruíz e o./CUR, bem como processos T‑304/20 Molina Fernández/CUR, T‑330/20 ACMO e o./CUR e T‑340/20 Galván Fernández-Guillén/CUR).
Por último, não pode deixar de se assinalar, de entre as novidades jurisprudenciais que marcaram o ano transato, o Acórdão de 13 de setembro de 2023, Venezuela/Conselho (T-65/18 RENV; v. capítulo «Retrospetiva sobre os Grandes Acórdãos do Ano»). Em formação de Grande Secção, o Tribunal Geral pronunciou-se sobre a legalidade de medidas restritivas que visam um Estado terceiro, no caso concreto a Venezuela, devido à constante degradação, neste país, da situação em termos de Democracia, de Estado de direito e de Direitos do Homem. Neste âmbito, o Tribunal Geral foi levado a analisar as delicadas questões do direito a ser ouvido deste Estado terceiro e as pretensas violações do direito internacional invocadas por este.
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Membros do Tribunal Geral
O Tribunal Geral é composto por dois juízes por Estado-Membro.
Os juízes são escolhidos de entre pessoas que ofereçam todas as garantias de independência e possuam a capacidade requerida para o exercício de altas funções jurisdicionais. São nomeados de comum acordo pelos Governos dos Estados‑Membros, após consulta de um comité encarregado de dar um parecer sobre a adequação dos candidatos. Os seus mandatos são de seis anos, renováveis. Designam entre si, por um período de três anos, o presidente e o vice-presidente. Nomeiam o secretário para um mandato de seis anos.
Os juízes exercem as suas funções com toda a imparcialidade e independência.
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M. van der Woude
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S. S. Papasavvas
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D. Spielmann
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A. Marcoulli
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F. Schalin
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R. da Silva Passos
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J. Svenningsen
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M. J. Costeira
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K. Kowalik‑Bańczyk
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A. Kornezov
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L. Truchot
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O. Porchia
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M. Jaeger
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H. Kanninen
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J. Schwarcz
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M. Kancheva
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E. Buttigieg
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V. Tomljenović
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S. Gervasoni
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L. Madise
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N. Półtorak
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I. Reine
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P. Nihoul
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U. Öberg
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C. Mac Eochaidh
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G. De Baere
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R. Frendo
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T. R. Pynnä
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J. C. Laitenberger
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R. Mastroianni
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J. Martín y Pérez de Nanclares
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G. Hesse
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M. Sampol Pucurull
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M. Stancu
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P. Škvařilová-Pelzl
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I. Nõmm
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G. Steinfatt
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R. Norkus
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T. Perišin
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D. Petrlík
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M. Brkan
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P. Zilgalvis
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K. Kecsmár
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I. Gâlea
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I. Dimitrakopoulos
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D. Kukovec
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S. Kingston
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T. Tóth
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B. Ricziová
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E. Tichy‑Fisslberger
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W. Valasidis
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S. Verschuur
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S. L. Kalėda
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L. Spangsberg Grønfeldt
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V. Di Bucci
Ordem protocolar a partir de 27/09/2023
C | Jurisprudência em 2023
- Focus Interação entre a proteção de dados pessoais e o direito da concorrência
- Focus Poder de regulação da FIFA e da UEFA e direito da União
- Focus Proteção dos dados pessoais e combate às infrações em matéria de concorrência entre empresas
- Focus Proteção das empresas europeias contra as sanções extraterritoriais dos Estados Unidos
- Retrospetiva sobre os grandes acórdãos do ano
![](../assets/img/photos-2023/focus_courte_icon.jpg)
Focus
Interação entre a proteção de dados pessoais e o direito da concorrência
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Acórdão Meta Platforms e o. de 4 de julho de 2023 (C‑252/21)
A Autoridade Federal da Concorrência alemã proibiu as sociedades do grupo Meta de subordinarem a utilização da rede social Facebook por parte dos seus utilizadores na Alemanha ao tratamento dos seus dados «off-Facebook» sem obter o respetivo consentimento. Esta autoridade considerou que o tratamento de dados em causa não era conforme com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e constituía assim um abuso de posição dominante por parte do grupo Meta.
O Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se por um tribunal alemão no âmbito de um processo instaurado pelo grupo Meta contra aquela proibição, declarou que as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros podem, no âmbito de uma investigação de um abuso de posição dominante, declarar que existe uma violação do RGPD. No entanto, essas autoridades devem cooperar lealmente com as respetivas autoridades de controlo específicas criadas por este regulamento. Se a conduta investigada já tiver sido objeto de uma decisão das autoridades de controlo ou do Tribunal de Justiça, as autoridades da concorrência ficam vinculadas pelas respetivas apreciações sobre o RGPD.
O Tribunal de Justiça pronunciou-se também sobre a questão de saber se o tratamento de dados ditos «sensíveis», que é em princípio proibido pelo RGPD, pode excecionalmente ser admitido nas situações em que estes dados tenham sido manifestamente tornados públicos pelo respetivo titular. O Tribunal declarou que o simples facto de o utilizador consultar sítios Internet ou aplicações que possam revelar dados sensíveis, como a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou a orientação sexual, não significa que o utilizador torna os seus dados manifestamente públicos, na aceção do RGPD. Sucede o mesmo nos casos em que os utilizadores inserem dados ou ativam botões de seleção integrados, a menos que tenham previamente manifestado de forma expressa a sua escolha de tornar estes dados publicamente acessíveis a um número ilimitado de pessoas.
O facto de o operador da rede social ocupar uma posição dominante não obsta a que os utilizadores possam prestar um consentimento válido e livre ao tratamento dos seus dados. Contudo, uma vez que esta posição dominante é suscetível de afetar a liberdade de escolha dos utilizadores, constitui um elemento importante para determinar se o consentimento foi efetivamente prestado de forma válida. O Tribunal de Justiça esclarece ainda que incumbe ao operador fazer prova de que esse consentimento foi prestado.
RGPD
O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) uniformiza e compila o direito da União em matéria de proteção de dados pessoais sob um único regime.
O RGPD prescreve obrigações a todos os organismos, públicos ou privados quando esteja em causa a recolha de dados pessoais no território da União. Os organismos que violem as obrigações do RGPD estão sujeitos a diferentes tipos de sanções.
Na era digital, a União consagra, por intermédio do RGPD, vários direitos a favor dos particulares, como o direito à informação, ao esquecimento, ao acesso ou à eliminação de dados pessoais recolhidos, contribuindo para reforçar a proteção da vida privada dos particulares. Estas regras são consideradas as mais rigorosas ao nível mundial no que respeita à proteção de dados.
Dados «off-Facebook»
A Meta Platforms Ireland gere a oferta em linha da rede social Facebook no espaço da União. Quando se registam no Facebook, os seus utilizadores aceitam as condições gerais estabelecidas por esta sociedade, as quais contêm as políticas de utilização dos dados e das cookies. Segundo estas políticas, a Meta Platforms Ireland recolhe dados relativos às atividades dos utilizadores dentro e fora da rede social e cruza-os com as contas Facebook dos utilizadores em causa. Estes dados, também designados por dados «off-Facebook», referem-se nomeadamente à consulta de páginas Internet e de aplicações terceiras, bem como à utilização dos outros serviços em linha que pertencem ao grupo Meta (entre os quais o Instagram e o WhatsApp). Os dados recolhidos permitem personalizar os anúncios publicitários dirigidos aos utilizadores do Facebook.
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Focus
Poder de regulação da FIFA e da UEFA e direito da União
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Acórdão European Superleague Company, de 21 de dezembro de 2023 (C‑333/21)
A FIFA e a UEFA são federações internacionais de futebol que supervisionam o futebol profissional na Europa. Adotaram regras que lhes conferem o poder de autorizar as competições europeias de futebol interclubes e de explorar os diferentes direitos de transmissão correspondentes. A UEFA organiza também competições entre clubes europeus, como, por exemplo, a Liga dos Campeões.
Doze clubes de futebol europeus pretenderam lançar um projeto de nova competição de futebol: a Superleague. Este projeto é suscetível de afetar o desenrolar das competições interclubes da UEFA e a exploração dos direitos de transmissão correspondentes. A FIFA e a UEFA opuseram-se ao projeto e ameaçaram aplicar sanções aos clubes e aos jogadores que decidissem participar no mesmo.
A empresa responsável pelo projeto, a European Superleague Company, impugnou as regras da FIFA e da UEFA num tribunal de Madrid, que questionou o Tribunal de Justiça sobre a sua compatibilidade com o direito da União, o qual proíbe os obstáculos à livre concorrência e à livre prestação de serviços.
Na senda da sua jurisprudência «Bosman», o Tribunal de Justiça salientou que a organização das competições desportivas e a exploração dos correspondentes direitos de transmissão constituem atividades económicas abrangidas pelo direito da União.
O Tribunal de Justiça declarou que os poderes de regulamentação, de fiscalização e de sanção de que dispõem a FIFA e a UEFA no que respeita à organização de competições de futebol potencialmente concorrentes, como o projeto Superleague, têm, sob pena de infringir o direito da concorrência da União e a livre prestação de serviços, de ser exercidos de maneira transparente, objetiva, não discriminatória e proporcionada.
Por outro lado, o Tribunal de Justiça considerou que as regras da FIFA e da UEFA relativas à exploração dos direitos de transmissão são suscetíveis de colidir com o direito da concorrência da União se não beneficiarem os outros intervenientes do futebol, assegurando, por exemplo, uma redistribuição solidária das receitas geradas. O Tribunal salientou que essas regras eram passíveis de prejudicar os clubes de futebol europeus, as empresas que operam no mercado da comunicação social, bem como os consumidores e os telespectadores, impedindo-os de usufruir de novas competições potencialmente inovadoras ou interessantes.
Jurisprudência «Bosman»
No seu histórico Acórdão Bosman, de 15 de dezembro de 1995 (C-415/93), o Tribunal de Justiça declarou que a prática de um desporto constitui, regra geral, uma atividade económica abrangida pelo direito da União. Considerou também que a livre circulação de trabalhadores se opõe:
- às clausulas de nacionalidade adotadas por federações desportivas segundo as quais os clubes desportivos só podem fazer alinhar um número limitado de jogadores profissionais nacionais de outros Estados‑Membros, e
- às cláusulas de transferência estabelecidas por essas federações, segundo as quais um jogador profissional nacional de um Estado-Membro, no termo do contrato que o vincula a um clube, só pode ser contratado por um clube de outro Estado-Membro se este último pagar uma indemnização ao clube de origem.
O Tribunal de Justiça e o desporto
Desde a prolação do Acórdão Bosman que o Tribunal de Justiça se pronunciou diversas vezes sobre as condições de exercício de um desporto à luz do direito económico da União:
- as cláusulas de nacionalidade referidas no Acórdão Bosman no que respeita aos desportistas nacionais dos Estados‑Membros também não podem ser aplicadas aos desportistas provenientes de um Estado com o qual a União celebrou um acordo de associação ou de parceria [Acórdãos Deutscher Handballbund, de 8 de maio de 2003 (C-438/00), e Simutenkov, de 12 de abril de 2005 (C-265/03)],
- a regulamentação antidopagem do Comité Olímpico Internacional está abrangida pelo direito da concorrência da União mas não é contrária ao mesmo porque é necessária para assegurar o bom desenrolar das competições desportivas [Acórdão Meca-Medina and Majcen/Comissão, de 18 de julho de 2006 (C-519/04 P)],
- os clubes de futebol podem pedir uma indemnização proporcionada às despesas da formação, pelos jovens jogadores que formaram, quando estes jogadores pretendam celebrar o seu primeiro contrato profissional com um clube de outro Estado-Membro [Acórdão Olympique Lyonnais, de 16 de março de 2010 (C-325/08)].
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Focus
Proteção dos dados pessoais e combate às infrações em matéria de concorrência entre empresas
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Acórdão Meta Platforms Ireland/Comissão de 24 de maio de 2023 (T-451/20)
Poderes de inquérito da Comissão
As regras de concorrência da União Europeia proíbem os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno [artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)]. Estas regras proíbem também as empresas que detêm uma posição dominante num determinado mercado de abusar desta posição, praticando por exemplo preços desleais, limitando a produção ou impedindo o desenvolvimento técnico em detrimento dos consumidores (artigo 102.º TFUE).
O Regulamento da UE n.º 1/2003 desempenha um papel essencial na implementação das regras de concorrência. Atribui à Comissão Europeia amplos poderes de inquérito. A Comissão pode nomeadamente proceder a inspeções e ouvir qualquer pessoa que possa ter informações úteis.
Em 2020, no âmbito de um inquérito relativo a um alegado comportamento anticoncorrencial por parte do grupo Facebook quanto à utilização feita por este dos dados pessoais e à gestão da sua plataforma de rede social, a Comissão solicitou à Meta Platforms Ireland que lhe fornecesse todos os documentos preparados ou recebidos por três dos seus responsáveis e que contivessem um ou vários termos específicos.
Entre estes termos figuravam nomeadamente as expressões «big question» (grande questão), «for free» (gratuitamente), «not good for us» (que nos é desfavorável) e «shut* down» (desligar).
Uma vez que não forneceu estas informações, a Meta estava potencialmente sujeita a uma coima diária de 8 milhões.
A Meta contestou a legalidade deste pedido de informações da Comissão Europeia no Tribunal Geral da União Europeia. No entender da Meta, aqueles termos de pesquisa eram manifesta e excessivamente vagos e gerais e faziam parte de uma «pesca de informações» de grande dimensão.
A Meta apresentou em simultâneo um pedido de medidas provisórias para suspender o pedido da Comissão enquanto aguardava que o Tribunal Geral se pronunciasse quanto ao mérito.
Em 29 de outubro de 2020, o presidente do Tribunal Geral pronunciou-se sobre o pedido de medidas provisórias. Ordenou a suspensão da decisão da Comissão Europeia até à instituição de um procedimento específico para a apresentação dos documentos pedidos que não tivessem ligação com as atividades comerciais da Meta e que contivessem, além disso, dados pessoais sensíveis («documentos protegidos»). Dando seguimento a esse despacho, a Comissão implementou um procedimento de sala de dados virtual para esses documentos protegidos. No âmbito desse procedimento, os documentos só podiam ser juntos ao processo de inquérito depois de terem sido examinados numa sala de dados virtual por um número limitado de membros da equipa de inquérito e pelos advogados da Meta.
Em 24 de maio de 2023, o Tribunal Geral pronunciou-se quanto ao mérito do processo. O Tribunal Geral negou integralmente provimento ao recurso interposto pela Meta.
No seu acórdão, o Tribunal Geral recordou os amplos poderes de investigação da Comissão Europeia para controlar se as empresas respeitam as regras da concorrência. Neste contexto, a utilização de termos de pesquisa específicos pode revelar‑se útil.
META
A Meta é uma empresa multinacional de tecnologia sediada nos Estados Unidos. Além do Instagram e do WhatsApp, um dos seus principais produtos é a rede social Facebook, que permite aos utilizadores registados criar perfis, carregar fotografias e vídeos, enviar mensagens e estabelecer contactos com outras pessoas. A Meta também oferece um serviço de publicidade em linha, denominado Facebook Marketplace, que permite aos utilizadores comprar e vender bens.
Processo de medidas provisórias
Um pedido de medidas provisórias tem por objetivo que seja decretada a suspensão imediata da execução de um ato de uma instituição, enquanto se aguarda pela tramitação do recurso e pela decisão definitiva. Para que esta medida provisória possa ser decretada pelo presidente do Tribunal Geral, é necessário que, à primeira vista, o recurso não se afigure como sendo desprovido de fundamento sério. O requerente deve também demonstrar que, na ausência de suspensão da execução, sofrerá um prejuízo grave e irreparável. Por último, a decisão deve proceder a uma ponderação entre, por um lado, o interesse do requerente e, por outro, os interesses das outras partes e o interesse público.
Em resposta ao argumento da Meta de que um inquérito que utilize termos de pesquisa constituía uma ingerência na vida privada dos trabalhadores em causa, o Tribunal Geral considerou que se tratava de uma medida adequada para alcançar os objetivos de interesse geral, nomeadamente, a manutenção do regime concorrencial pretendido pelos Tratados da União.
A este respeito, o Tribunal Geral sublinhou as medidas de acompanhamento que foram adotadas. Com efeito, os documentos protegidos deviam ser transmitidos à Comissão num suporte eletrónico separado e colocados numa sala de dados virtual. Só podia aceder a esta a um número restrito de membros da equipa responsável pelo inquérito. A seleção dos documentos a juntar ao processo dever-se-ia efetuar na presença dos advogados da Meta. Em caso de desacordo persistente quanto à qualificação de um documento, procedia-se a arbitragem.
Processo T-452/20
Na mesma data, a Comissão adotou, em relação à Meta Platforms Ireland Ltd, um pedido de informações no âmbito do seu inquérito paralelo sobre certas práticas relativas à plataforma Marketplace. O Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação dessa decisão interposto pela Meta Platforms Ireland Ltd no seu acórdão proferido no mesmo dia no âmbito do processo T-452/20.
A Meta interpôs recursos no Tribunal de Justiça contra os Acórdãos T-451/20 e T-452/20 do Tribunal Geral (processos pendentes C-497/23 P e C-496/23 P).
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Focus
Proteção das empresas europeias contra as sanções extraterritoriais dos Estados Unidos
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Acórdão IFIC Holding/Comissão de 12 de julho de 2023 (T-8/21)
Efeito extraterritorial de legislação adotada por países terceiros
Verifica-se extraterritorialidade da legislação quando o seu efeito se estende para lá das fronteiras do Estado que a adotou. O Estatuto de Bloqueio da União Europeia [Regulamento (CE) n.º 2271/96 do Conselho] protege os operadores económicos da União contra a aplicação extraterritorial de legislação de países terceiros. A União Europeia adotou este estatuto em 1996 para proteger as empresas europeias cujas atividades comerciais com Cuba, o Irão ou a Líbia eram visadas pelos Estados Unidos.
Em 2018, em resposta à retirada dos EUA do Acordo Nuclear com o Irão, a União atualizou o seu Estatuto de Bloqueio por forma a nele incluir as sanções extraterritoriais novamente reimpostas. Esta medida faz parte do apoio da União à aplicação contínua e integral do Acordo Nuclear iraniano, apoiando nomeadamente as relações comerciais e económicas entre a União e o Irão.
Em 2018, os Estados Unidos retiraram-se do Acordo Nuclear com o Irão, que tem por objeto controlar o programa nuclear iraniano e levantar as sanções económicas contra o Irão. Na sequência dessa retirada, os Estados Unidos voltaram a aplicar sanções ao Irão e a restabelecer uma lista de pessoas cujos bens foram bloqueados. Foi também novamente proibido o comércio com qualquer pessoa ou entidade que figure da lista elaborada pelas autoridades americanas. Esta proibição aplica-se, também, às empresas estabelecidas fora dos Estados Unidos, entre as quais se incluíam empresas europeias.
Em resposta a esta reintrodução de sanções, a União Europeia atualizou a sua lei denominada «Estatuto de Bloqueio» para salvaguardar os interesses das suas empresas. Do mesmo modo, para proteger as empresas europeias dos efeitos da aplicação extraterritorial das sanções americanas, estas foram proibidas de as cumprir, salvo se autorizadas pela Comissão Europeia. É de salientar que esta autorização pode ser concedida quando a inobservância das sanções estrangeiras é suscetível de prejudicar seriamente os interesses da empresa em causa ou os da União.
A IFIC Holding AG é uma sociedade alemã indiretamente detida pelo Estado iraniano que foi adicionada à lista em 2018. Na sequência desta inscrição, a Clearstream Banking AG, único banco depositário de títulos autorizado na Alemanha, interrompeu o pagamento à IFIC dos dividendos que esta recebia de várias sociedades alemãs nas quais detinha participações e bloqueou-os numa conta separada.
A Clearstream, por outro lado, pediu autorização à Comissão para cumprir as sanções americanas no que respeita aos títulos ou aos fundos da IFIC. A Comissão concedeu inicialmente esta autorização em abril de 2020, por um período de 12 meses, tendo-a posteriormente renovado em 2021 e 2022. A IFIC contestou estas decisões interpondo um recurso de anulação no Tribunal Geral.
O Tribunal Geral negou provimento ao recurso interposto pela IFIC, autorizando deste modo a Clearstream Banking AG a cumprir as sanções americanas impostas ao Irão. O Tribunal Geral considerou que embora a Comissão estivesse obrigada a ter em conta os interesses da empresa que pediu a autorização (Clearstream), não estava obrigada a ter em conta os interesses da empresa inscrita na lista (IFIC) nem estava obrigada a explorar alternativas menos restritivas para esta. Também entendeu que os objetivos prosseguidos pela União Europeia no âmbito das sanções extraterritoriais de um país terceiro justificavam a limitação do direito da IFIC a ser ouvida, pela Comissão, durante o processo de decisão que precedeu a adoção da sua autorização.
Recurso de anulação
No âmbito dos recursos de anulação é pedida a anulação dos atos das instituições da União contrários ao direito da União. Desde que verificadas determinadas condições, os Estados‑Membros, as Instituições Europeias e os particulares podem interpor recurso de anulação no Tribunal de Justiça ou no Tribunal Geral. Se o recurso for julgado procedente, o ato é anulado. A instituição em causa deve então providenciar no sentido de colmatar o eventual vazio jurídico criado pela anulação do ato.
Processo Bank Melli Iran (C-124/20)
Neste outro processo, o BMI, um banco do Estado iraniano, invocou o Estatuto de Bloqueio nos tribunais alemães para contestar a aplicação das sanções americanas na Alemanha. O Tribunal de Justiça, chamado pela primeira vez a pronunciar-se no âmbito do Estatuto de Bloqueio da União Europeia, declarou que a proibição, prevista no direito da União, do cumprimento das sanções impostas pelos Estados Unidos contra o Irão pode ser invocada perante os tribunais nacionais no âmbito de uma ação cível.
Retrospetiva sobre os grandes acórdãos do ano
Consumidores
A política europeia dos consumidores visa proteger a saúde, a segurança e os interesses económicos e jurídicos dos consumidores no espaço da União, independentemente do local onde vivam, para o qual se desloquem ou no qual façam as suas compras.
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O Tribunal de Justiça: garantir os direitos dos consumidores da União Europeia
Ambiente
A União está empenhada em preservar e melhorar a qualidade do ambiente e em proteger a saúde humana. Baseia-se nos princípios da precaução e da prevenção, bem como no princípio do «poluidor-pagador».
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O Tribunal de Justiça e o ambiente
Dados pessoais
A regulamentação da União Europeia forma um alicerce sólido e coerente para a proteção dos dados pessoais. O tratamento e o armazenamento desses dados devem corresponder aos requisitos de licitude previstos na regulamentação, nomeadamente de se limitar ao estritamente necessário e de não violar de forma desproporcionada o direito à vida privada.
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O Tribunal de Justiça no mundo digital
Igualdade de tratamento e direito do trabalho
Trabalham na União Europeia mais de 240 milhões de pessoas. Por conseguinte, um grande número de cidadãos beneficia diretamente das disposições do direito do trabalho europeu que estabelece normas mínimas em matéria de condições de trabalho e de emprego, completando assim as políticas instituídas pelos Estados‑Membros.
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O Tribunal de Justiça: garantir a igualdade de tratamento e proteger os direitos das minorias
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O Tribunal de Justiça no local de trabalho – Proteger os direitos dos trabalhadores
Cidadania europeia
Qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado da União é automaticamente cidadão da União Europeia. A cidadania europeia acresce à cidadania nacional e não a substitui. Os cidadãos da União Europeia beneficiam de direitos específicos garantidos pelos Tratados Europeus.
Migrações
A União Europeia adotou um conjunto de normas para estabelecer uma política migratória europeia eficaz, humanitária e segura. O Sistema Europeu Comum de Asilo define normas mínimas para o tratamento de todos os requerentes de asilo e dos seus pedidos na União.
Estado de direito
A Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia, à semelhança do Tratado da União Europeia, refere-se expressamente ao Estado de direito, que é um dos valores comuns aos Estados‑Membros. A independência e a imparcialidade dos tribunais são elementos essenciais do Estado de direito.
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Proteger o Estado de direito na União Europeia
Propriedade intelectual
A regulamentação adotada pela União para proteger a propriedade intelectual (direitos de autor) e industrial (direito das marcas, proteção dos desenhos e modelos) melhora a competitividade das empresas ao favorecer um ambiente propício à criatividade e à inovação.
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Propriedade intelectual no Tribunal Geral da União Europeia
Medidas restritivas e política externa
As medidas restritivas ou «sanções» constituem um instrumento essencial da Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia para salvaguardar os seus valores, os seus interesses fundamentais e a sua segurança. As sanções têm como objetivo provocar uma mudança de política ou de comportamento por parte das entidades ou pessoas em causa.
Política comercial
A política comercial é uma competência exclusiva da UE. A União legisla em matéria de política comercial e celebra acordos comerciais internacionais. O facto de a União agir de forma concertada, expressando-se a uma única voz na cena mundial, coloca-a numa posição de força em matéria de comércio internacional.
Tax rulings
Os impostos diretos são, em princípio, da competência dos Estados‑Membros. No entanto, têm de respeitar as regras de base da União Europeia, nomeadamente a proibição dos auxílios de Estado. Assim, a União fiscaliza a legalidade das decisões fiscais antecipadas (tax rulings) de certos Estados‑Membros que concedem um tratamento fiscal especial a empresas multinacionais.
Concorrência
A União Europeia garante o cumprimento das normas que protegem a livre concorrência. São proibidas as práticas que têm por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno e que podem ser sancionadas através da aplicação de coimas.
Acesso aos documentos
A transparência da vida pública é um princípio fundamental da União. Qualquer cidadão ou pessoa coletiva da União pode, em princípio, aceder aos documentos das instituições. Todavia, em certos casos, esse acesso pode ser recusado, se tal se justificar.
A Direção da Investigação e Documentação propõe aos profissionais do direito, no âmbito da sua Coletânea dos Resumos, uma «Seleção dos grandes acórdãos» e um «Boletim mensal de jurisprudência» do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral.