A atividade judiciária

A | O Tribunal de Justiça em 2022
B | O Tribunal Geral em 2022
C |A jurisprudência em 2022

 
Start Scroll

A | O Tribunal de Justiça em 2022

O Tribunal de Justiça pode principalmente ser chamado a conhecer de

  • Pedidos de decisão prejudicial
    Quando um juiz nacional tem dúvidas sobre a interpretação ou a validade de uma norma da União, suspende a instância no tribunal nacional e submete a questão ao Tribunal de Justiça. Depois de esclarecido pela decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, o juiz nacional pode resolver o litígio que lhe foi submetido. Nos processos que requerem uma resposta num prazo muito curto (por exemplo, em matéria de asilo, de controlo nas fronteiras, de rapto de crianças, etc.), está prevista uma tramitação prejudicial urgente («PPU»);
  • Ações e recursos diretos, que visam:
    • obter a anulação de um ato da União («recurso de anulação»), ou
    • obter a declaração do incumprimento do direito da União por um Estado-Membro («ação por incumprimento»). Se o Estado-Membro não der execução ao acórdão que declarou o incumprimento, numa segunda ação, denominada ação por «duplo incumprimento», o Tribunal de Justiça pode aplicar-lhe uma sanção pecuniária;
  • Recursos das decisões proferidas pelo Tribunal Geral, na sequência dos quais o Tribunal de Justiça pode anular a decisão do Tribunal Geral;
  • Pedidos de parecer sobre a compatibilidade com os Tratados de um projeto de acordo que a União pretenda celebrar com um Estado terceiro ou uma organização internacional (apresentados por um Estado-Membro ou por uma instituição europeia).

Atividade e evolução do Tribunal de Justiça

A composição do Tribunal de Justiça não sofreu alterações em 2022, nem os textos que regem as suas atividades, o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo.

Após dois anos perturbados pela crise sanitária, 2022 foi o ano da reintegração generalizada do pessoal nas instalações da instituição e do regresso às condições normais de funcionamento, designadamente no que respeita à realização das audiências. Os desenvolvimentos tecnológicos ditados pelas medidas sanitárias dos dois anos anteriores foram, todavia, aproveitados para concretizar certos projetos importantes destinados a aproximar a justiça europeia do cidadão.

O Tribunal de Justiça oferece assim, desde 26 de abril de 2022, um sistema de streaming das audiências que, à imagem do projeto de visitas à distância lançado em 2021, pretende reforçar a sua dimensão de «Tribunal de Justiça cidadão», mais acessível ao público geral. As transmissões são concebidas para permitir a qualquer pessoa acompanhar as audiências nas mesmas condições de alguém que esteja fisicamente no Luxemburgo, na sala de audiências, graças a uma interpretação simultânea dos debates nas línguas necessárias para a boa realização da audiência.

No plano estatístico, o ano de 2022 foi novamente marcado por uma atividade intensa. Assim, 806 processos deram entrada no Tribunal de Justiça. Como nos anos anteriores, trata-se, essencialmente, de pedidos de decisão prejudicial e de recursos de decisões do Tribunal Geral que, com respetivamente 546 e 209 processos, representam, por si só, mais de 93 % da totalidade dos processos instaurados em 2022. Abordam domínios tão variados e sensíveis como a preservação dos valores fundamentais da União Europeia, a proteção dos dados pessoais e a proteção dos consumidores ou do ambiente, sem esquecer a fiscalidade, a concorrência e os auxílios de Estado. Por outro lado, cabe salientar vários processos relacionados com a crise sanitária ou com a guerra na Ucrânia.

Foram concluídos 808 processos pelas diferentes formações de julgamento do Tribunal de Justiça. Um número elevado (78) foi julgado pela Grande Secção e dois deles, que tinham por objeto a relação entre o respeito pelo Estado de direito e a execução do orçamento da União, foram decididos pelo Tribunal Pleno (processos C‑156/21, Hungria/Parlamento e Conselho, e C‑157/21, Polónia/Parlamento e Conselho).

Devido a uma utilização frequente de despachos, particularmente em matéria de recursos de decisões do Tribunal Geral, a duração global dos processos (16,4 meses) manteve-se semelhante à do ano anterior (16,6 meses), mas, sinal do aumento da complexidade das questões submetidas ao Tribunal de Justiça, salienta-se um prolongamento da duração média da tramitação dos processos prejudiciais (17,3 meses, contra 16,7 meses em 2021

Em 31 de dezembro de 2022, o número de processos pendentes no Tribunal de Justiça ascendia a 1 111 processos, ou seja, uma diferença de apenas dois processos em relação ao número de 31 de dezembro de 2021 (1 113 processos).

Atendendo a estas estatísticas, e tendo em conta o facto de que, desde julho de 2022, o Tribunal Geral dispõe de 54 juízes (dois por Estado-Membro), dada a conclusão da reforma da arquitetura jurisdicional da União decidida em 2015, o Tribunal de Justiça dirigiu ao legislador da União um pedido de alteração do Estatuto no que respeita a dois pontos. A respetiva finalidade é permitir ao Tribunal de Justiça preservar a sua capacidade de proferir decisões de qualidade num prazo razoável mas também concentrar se mais nas suas missões centrais de jurisdição constitucional e suprema da União.

Em primeiro lugar, o pedido de alteração consiste em transferir para o Tribunal Geral a competência prejudicial em cinco matérias claramente circunscritas, que raramente suscitam questões de princípio, beneficiam de uma base sólida de jurisprudência do Tribunal de Justiça e representam, além disso, um número de processos suficientemente importante para que a transferência pretendida produza um efeito real no seu volume de trabalho: o regime comum do IVA, os impostos especiais de consumo, o código aduaneiro e a classificação pautal das mercadorias na nomenclatura combinada, a indemnização e a assistência aos passageiros e o regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa.

A competência prejudicial do Tribunal Geral num processo não prejudicaria a faculdade de este último remeter esse processo ao Tribunal de Justiça se considerasse que o mesmo exigia uma decisão de princípio suscetível de afetar a unidade ou a coerência do direito da União. O Tribunal de Justiça teria igualmente a possibilidade de proceder, a título excecional, à reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal Geral em caso de risco sério de lesão dessa unidade ou dessa coerência.

Em segundo lugar, num contexto marcado por um número elevado de recursos de decisões do Tribunal Geral, a fim de manter a eficácia deste processo e permitir ao Tribunal de Justiça concentrar-se nos recursos que suscitam questões de direito importantes, o pedido legislativo preconiza uma extensão do mecanismo de recebimento prévio dos recursos de decisões do Tribunal Geral que entrou em vigor em 1 de maio de 2019 (artigo 58.o-A do Estatuto).

Esta extensão seria referente aos recursos dos acórdãos ou dos despachos do Tribunal Geral respeitantes às decisões das câmaras de recurso independentes de certos órgãos da União que não foram mencionados inicialmente no artigo 58.o-A do Estatuto quando da sua entrada em vigor em 1 de maio de 2019 (por exemplo, a Agência Ferroviária da União Europeia e a Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia, a Autoridade Bancária Europeia, ou ainda a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados e a Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma).

Koen Lenaerts

Presidente do Tribunal de Justiça da União Europeia

806 processos entrados

546 reenvios prejudiciais dos quais 5 PPU

Principais Estados Membros de origem dos pedidos:

Alemanha 98

Itália 63

Bulgária 43

Espanha 41

Polónia 39

37 ações e recursos diretos dos quais: ações por incumprimento e 2 ações por «duplo incumprimento»

209 recursos de decisões do Tribunal Geral

6 pedidos de assistência judiciária

Uma parte no processo que esteja impossibilitada de fazer face aos encargos da instância pode pedir para beneficiar de assistência judiciária.

808 processos findos

546 processos prejudiciais dos quais 7 PPU

36 ações e recursos diretos dos quais 17 incumprimentos declarados contra 12 Estados Membros

196 recursos de decisões do Tribunal Geral dos quais 38 anularam a decisão do Tribunal Geral

1 parecer

Duração média dos processos: 16,4 meses

Duração média dos processos prejudiciais urgentes: 4,5 meses

1 111 processos pendentes em 31 de dezembro de 2022

Principais matérias tratadas:

State aid 58

Competition 64

Law governing the institutions 38

Ambiente 46

Espaço de liberdade, segurança e justiça 132

Fiscalidade 80

Política social 73

Propriedade intelectual 33

Proteção dos consumidores 77

Aproximação das legislações 89

Membros do Tribunal de Justiça

O Tribunal de Justiça é composto por 27 juízes e 11 advogados-gerais.

Os juízes e os advogados-gerais são designados de comum acordo pelos Governos dos Estados‑Membros, após consulta de um comité encarregado de dar parecer sobre a adequação dos candidatos propostos ao exercício das funções em causa. Os seus mandatos são de seis anos, renováveis.

São escolhidos de entre pessoas que ofereçam todas as garantias de independência e possuam a capacidade requerida para o exercício, nos respetivos países, de altas funções jurisdicionais ou que tenham reconhecida competência.

Os juízes exercem as suas funções com toda a imparcialidade e independência.

Os juízes do Tribunal de Justiça elegem, entre si, o presidente e o vice-presidente. Os juízes e os advogados-gerais nomeiam o secretário para um mandato de seis anos.

Compete aos advogados-gerais apresentar, com total imparcialidade e independência, um parecer jurídico, denominado «conclusões» nos processos que lhes sejam submetidos. Este parecer não é vinculativo, mas fornece uma perspetiva complementar sobre o objeto do litígio.

Em 2022, não foi nomeado nenhum novo membro no Tribunal de Justiça.

K. Lenaerts

Presidente

L. Bay Larsen

Vice-Presidente

A. Arabadjiev

Presidente da Primeira Secção

A. Prechal

Presidente da Segunda Secção

K. Jürimäe

Presidente da Terceira Secção

C. Lycourgos

Presidente da Quarta Secção

E. Regan

Presidente da Quinta Secção

M. Szpunar

Primeiro Advogado‑Geral

M. Safjan

Presidente da Oitava Secção

P. G. Xuereb

Presidente da Sexta Secção

L. S. Rossi

Presidente da Nona Secção

D. Gratsias

Presidente da Décima Secção

M. L. Arastey Sahún

Presidente da Sétima Secção

J. Kokott

Advogada-Geral

M. Ilešič

Juiz

J.-C. Bonichot

Juiz

T. von Danwitz

Juiz

S. Rodin

Juiz

F. Biltgen

Juiz

M. Campos Sánchez‑Bordona

Advogado-Geral

N. J. Cardoso da Silva Piçarra

Juiz

G. Pitruzzella

Advogado-Geral

I. Jarukaitis

Juiz

P. Pikamäe

Advogado-Geral

A. Kumin

Juiz

N. Jääskinen

Juiz

N. Wahl

Juiz

J. Richard de la Tour

Advogado-Geral

A. Rantos

Advogado-Geral

I. Ziemele

Juíza

J. Passer

Juiz

A. M. Collins

Advogado-Geral

M. Gavalec

Juiz

N. Emiliou

Advogado-Geral

Z. Csehi

Juiz

O. Spineanu‑Matei

Juíza

T. Ćapeta

Advogada-Geral

L. Medina

Advogada-Geral

A. Calot Escobar

Greffier

Ordem protocolar a partir de 07/10/2022

B | O Tribunal Geral em 2022

O Tribunal Geral pode, principalmente, ser chamado a conhecer, em primeira instância, das ações e recursos diretos iniciados pelas pessoas singulares ou coletivas, quando lhes digam individual e diretamente respeito (indivíduos, sociedades, associações, etc.) e pelos Estados‑Membros contra os atos das instituições, órgãos ou organismos da União Europeia, bem como das ações e recursos diretos destinados a obter a reparação dos prejuízos causados pelas instituições ou pelos seus agentes.

Uma grande parte do seu contencioso é de natureza económica: propriedade intelectual (marcas, desenhos e modelos da União Europeia), concorrência, auxílios estatais e supervisão bancária e financeira.

O Tribunal Geral é igualmente competente para decidir em matéria de função pública sobre os litígios entre a União Europeia e os seus agentes.

As decisões do Tribunal Geral podem ser objeto de recurso para o Tribunal de Justiça, limitado às questões de direito. Nos processos que já beneficiaram de uma dupla apreciação (por uma câmara de recurso independente e, depois, pelo Tribunal Geral), o Tribunal de Justiça só recebe o recurso se este suscitar uma questão importante para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União.

Atividade e evolução do Tribunal Geral

O ano de 2022 marcou o regresso da guerra ao nosso continente. Este terrível acontecimento deve ser um momento de tomada de consciência coletiva para todos os europeus. A paz nunca está adquirida e requer o compromisso de todos. A nossa instituição está no cerne deste compromisso. Com efeito, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral têm por missão assegurar o respeito pela norma de direito e trabalhar em prol da proteção da dignidade humana. Na União, os conflitos não se resolvem com ameaças e armas, mas com o debate e o direito. Neste contexto, o Tribunal Geral é nomeadamente chamado a fiscalizar, por vezes em prazos muito curtos, a legalidade das medidas restritivas adotadas pela União contra pessoas ou entidades ligadas à agressão perpetrada pela Federação da Rússia desde fevereiro de 2022. Desta forma, a Grande Secção do Tribunal Geral pôde proferir o seu acórdão no processo RT France/Conselho no âmbito de uma tramitação acelerada, cinco meses após a sua instauração. Até à data, foram instaurados mais de 70 processos de medidas restritivas relacionadas com o conflito armado. É ponto de honra para a nossa União que tais medidas não sejam marcadas com o selo da arbitrariedade e sejam, portanto, objeto de fiscalização por juízes independentes e imparciais.

Mais do que nunca, os processos submetidos ao Tribunal Geral refletiram os grandes desafios sociais com que o nosso continente é confrontado. Além das medidas restritivas, que dizem apenas respeito à agressão da Ucrânia, trata-se, especialmente, da regulação concorrencial dos gigantes do digital e do enquadramento dos auxílios de Estado, sobretudo no domínio fiscal e no setor da energia e do ambiente. Trata-se igualmente do direito bancário e financeiro, da proteção dos dados pessoais, da política comercial comum ou ainda da regulação dos mercados da energia. Tendo em conta os desenvolvimentos legislativos recentes e o contexto internacional marcado por tensões cada vez mais importantes, a fiscalização da legalidade dos atos das instituições da União pode vir a intensificar-se.

Que ninguém se engane: o Tribunal Geral está plenamente consciente das suas responsabilidades e dispõe dos recursos para as enfrentar. A jurisdição viu, nomeadamente, chegar oito novos membros durante o ano passado, concluindo se assim a reforma iniciada pelo Regulamento 2015/2422. Constituído atualmente por 54 membros, a jurisdição dispõe, por fim, de dois juízes por Estado-Membro. Com vista ao novo período trienal que começou em setembro de 2022, intensificou as reflexões sobre a sua organização e os seus métodos de trabalho, pondo a tónica no aprofundamento da fiscalização jurisdicional, no acompanhamento das partes no litígio ao longo de toda a instância e na duração dos processos (16,2 meses, em média, em 2022). Assim reforçado e reorganizado, o Tribunal Geral traçou um rumo: proferir uma justiça de qualidade, compreensível para os particulares e dentro de prazos coerentes com as expetativas do mundo atual.

A arquitetura jurisdicional da União deve adaptar-se continuamente aos desafios do nosso tempo. Foi neste estado de espírito que o Tribunal de Justiça apresentou, em novembro de 2022, um pedido legislativo destinado, nomeadamente, a definir as matérias específicas em que o Tribunal Geral poderia ser competente para conhecer das questões prejudiciais submetidas pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros (artigo 256.o TFUE). O Tribunal Geral está disponível para apoiar o Tribunal de Justiça, que tem de fazer frente a um volume de trabalho crescente. Estreitamente envolvido nas reflexões que conduziram a esta iniciativa, o Tribunal Geral prepara desde já a sua implementação.

Marc van der Woude

Presidente do Tribunal Geral

904 processos entrados

858 processos findos

760 ações e recursos diretos dos quais

1 474 processos pendentes (em 31 de dezembro de 2022)

Principais matérias:

Inovações jurisprudenciais

No Tribunal Geral, como em qualquer outro lugar, a atualidade está em constante mudança. Ao mesmo tempo que os litígios decorrentes da pandemia de Covid-19 o continuam a conduzir por caminhos inexplorados, como testemunha o Acórdão Roos e o./Parlamento, de 27 de abril de 2022 (T‑710/21, T‑722/21 e T‑723/21) que examinou pela primeira vez a legalidade de certas restrições impostas pelas instituições da União Europeia para proteger a saúde do seu pessoal, a agressão militar perpetrada pela Federação Russa contra a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 deu origem a uma nova fonte de contencioso. No seu Acórdão RT France/Conselho, de 27 de julho de 2022 (T‑125/22), o Tribunal Geral, reunido em Grande Secção, pronunciou se de forma inédita, no termo de uma tramitação acelerada, sobre a legalidade das medidas restritivas adotadas pelo Conselho e destinadas a proibir a radiodifusão de conteúdos audiovisuais.

No entanto, por mais rica que seja, esta atualidade não pode eclipsar os inúmeros avanços jurisprudenciais realizados pelo Tribunal Geral em contextos mais tradicionais.

Assim, em matéria institucional, o Tribunal Geral, no Acórdão Verelst/Conselho, de 12 de janeiro de 2022 (T‑647/20), examinou pela primeira vez a legalidade da Decisão de Execução 2020/1117, que nomeia os Procuradores Europeus da Procuradoria Europeia, adotada em aplicação do Regulamento 2017/1939, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia. Na sua apreciação, o Tribunal Geral concluiu que o Conselho dispunha de uma ampla margem de apreciação na avaliação e na comparação dos méritos dos candidatos ao cargo de Procurador Europeu de um Estado Membro, acrescentando que, no caso em apreço, a seleção e a nomeação do candidato escolhido tinha respeitado os limites desse amplo poder de apreciação. No domínio dos contratos públicos, o Tribunal Geral, no Acórdão Leonardo/Frontex, de 26 de janeiro de 2022 (T‑849/19), examinou a admissibilidade de um recurso de anulação interposto contra um anúncio de concurso e os seus anexos por uma empresa que não tinha participado no concurso lançado por esse anúncio. Pronunciando-se em formação alargada, declarou que uma empresa que demonstrasse que a sua participação num procedimento de concurso tinha sido impossibilitada pelas prescrições do caderno de encargos poderia justificar um interesse em agir judicialmente contra vários documentos de um concurso. Por último, em matéria de concorrência, no Acórdão Illumina/Comissão, de 13 de julho de 2022 (T‑227/21), o Tribunal Geral pronunciou-se pela primeira vez sobre a aplicação do mecanismo de remessa, previsto no artigo 22.° do Regulamento 139/2004, sobre as concentrações, a uma operação cuja notificação não era exigida no Estado que pediu a sua remessa, mas que implicava a aquisição de uma empresa cuja importância para a concorrência não se refletia no seu volume de negócios. No caso em apreço, o Tribunal admitiu, em substância, que a Comissão se podia considerar competente nessa situação.

Savvas S. Papasavvas

Vice-Presidente do Tribunal Geral

Membros do Tribunal Geral

O Tribunal Geral é composto por dois juízes por Estado-Membro.

Os juízes são escolhidos de entre pessoas que ofereçam todas as garantias de independência e possuam a capacidade requerida para o exercício de altas funções jurisdicionais. São nomeados de comum acordo pelos Governos dos Estados‑Membros, após consulta de um comité encarregado de dar um parecer sobre a adequação dos candidatos. Os seus mandatos são de seis anos, renováveis. Designam entre si, por um período de três anos, o presidente e o vice-presidente. Nomeiam o secretário para um mandato de seis anos.

Os juízes exercem as suas funções com toda a imparcialidade e independência.

Em janeiro de 2022, entraram em funções como juízes no Tribunal Geral, Ioannis Dimitrakopoulos (Grécia), Damjan Kukovec (Eslovénia) e Suzanne Kingston (Irlanda).

Em julho de 2022, entraram em funções como juízes no Tribunal Geral, Tihamér Tóth (Hungria) e Beatrix Ricziová (Eslováquia).

Em setembro de 2022, entraram em funções como juízes no Tribunal Geral, Elisabeth Tichy-Fisslberger (Áustria), William Valasidis (Grécia) e Steven Verschuur (Países Baixos).

M. van der Woude

Presidente

S. Papasavvas

Vice-Presidente

D. Spielmann

Presidente da Primeira Secção

A. Marcoulli

Presidente da Segunda Secção

F. Schalin

Presidente da Terceira Secção

R. da Silva Passos

Presidente da Quarta Secção

J. Svenningsen

Presidente da Quinta Secção

M. J. Costeira

Presidente da Sexta Secção

K. Kowalik‑Bańczyk

Presidente da Sétima Secção

A. Kornezov

Presidente da Oitava Secção

L. Truchot

Presidente da Nona Secção

O. Porchia

Presidente da Décima Secção

M. Jaeger

Juiz

S. Frimodt Nielsen

Juiz

H. Kanninen

Juiz

J. Schwarcz

Juiz

M. Kancheva

Juíza

E. Buttigieg

Juiz

V. Tomljenović

Juíza

S. Gervasoni

Juiz

L. Madise

Juiz

V. Valančius

Juiz

N. Półtorak

Juíza

I. Reine

Juíza

P. Nihoul

Juiz

U. Öberg

Juiz

C. Mac Eochaidh

Juiz

G. De Baere

Juiz

R. Frendo

Juíza

T. R. Pynnä

Juíza

J. C. Laitenberger

Juiz

R. Mastroianni

Juiz

J. Martín y Pérez de Nanclares

Juiz

G. Hesse

Juiz

M. Sampol Pucurull

Juiz

M. Stancu

Juíza

P. Škvařilová‑Pelzl

Juíza

I. Nõmm

Juiz

G. Steinfatt

Juíza

R. Norkus

Juiz

T. Perišin

Juíza

D. Petrlík

Juiz

M. Brkan

Juíza

P. Zilgalvis

Juiz

K. Kecsmár

Juiz

I. Gâlea

Juiz

I. Dimitrakopoulos

Juiz

D. Kukovec

Juiz

S. Kingston

Juíza

T. Tóth

Juiz

B. Ricziová

Juíza

E. Tichy‑Fisslberger

Juíza

W. Valasidis

Juiz

S. Verschuur

Juiz

E. Coulon

Secretário

Ordem protocolar a partir de 07/10/2022

C | A jurisprudência em 2022

Focus

O regulamento que condiciona o pagamento dos fundos europeus ao respeito pelo Estado de direito é válido

Acórdãos Hungria/Parlamento e Conselho e Polónia/Parlamento e Conselho, de 16 de fevereiro de 2022 (C‑156/21 e C‑157/21)

Estado de direito

É um dos valores fundamentais da União, que abrange:

  • o princípio da legalidade, que pressupõe um processo legislativo transparente, responsável, democrático e pluralista;
  • o princípio da segurança jurídica;
  • o princípio da proibição da arbitrariedade dos poderes executivos;
  • o princípio da tutela jurisdicional efetiva (acesso a uma justiça independente e imparcial);
  • o princípio da separação de poderes;
  • o princípio da não discriminação e da igualdade perante a lei.

Para proteger o orçamento e os interesses financeiros da União contra lesões resultantes de violações do Estado de direito enquanto valor fundamental no qual esta se funda, a União dotou se de um novo regime de condicionalidade.

Este regime, instituído pelo Regulamento 2020/2092 do Parlamento Europeu e do Conselho, sujeita o benefício de financiamentos provenientes do orçamento da União ao respeito pelos Estados Membros dos princípios do Estado de direito. Este regulamento permite ao Conselho, após uma investigação conduzida pela Comissão, tomar medidas — como a suspensão dos pagamentos ou das correções financeiras — para proteger o orçamento da União e os seus interesses financeiros quando possam ser lesados por essas violações.

Este regulamento foi impugnado pela Hungria e pela Polónia no Tribunal de Justiça. Atendendo à sua importância excecional, os processos foram julgados pelo Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça.

Em 16 de fevereiro de 2022, o Tribunal de Justiça negou provimento aos recursos da Hungria e da Polónia.

O Tribunal de Justiça sublinha que a União assenta em valores comuns aos Estados Membros, entre os quais o Estado de direito. Esses valores comuns definem a própria identidade da União enquanto ordem jurídica comum e foram aceites por todos os Estados Membros quando da sua adesão à União. O respeito pelos princípios do Estado de direito constitui, assim, uma obrigação de resultado para os Estados Membros, que decorre diretamente da sua pertença à União. Condiciona o gozo por estes Estados de todos os outros direitos decorrentes da aplicação dos Tratados.

Os interesses financeiros da União podem ser gravemente postos em causa por violações dos princípios do Estado de direito praticadas num Estado Membro. Os Estados‑Membros só podem assegurar uma boa gestão financeira se as autoridades públicas agirem em conformidade com o direito, se as violações do direito forem efetivamente objeto de investigação e repressão, e se as decisões arbitrárias ou ilegais das autoridades públicas puderem ser sujeitas a uma fiscalização jurisdicional efetiva por um poder judicial independente e imparcial. Deste modo, a União deve poder defender os seus interesses financeiros, designadamente através de medidas de proteção do orçamento da União. Consequentemente, o Tribunal de Justiça declara que o regime instituído pelo regulamento impugnado é abrangido pelo conceito de regras financeiras que definem, nomeadamente, as modalidades de execução do orçamento da União [artigo 322.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)]. Por conseguinte, o regulamento foi corretamente adotado com esta base jurídica.

O Tribunal de Justiça explica igualmente, em resposta a certos argumentos da Hungria e da Polónia, que o mecanismo de condicionalidade não elude o procedimento previsto no artigo 7.o do Tratado da União Europeia (TUE). Os dois procedimentos prosseguem uma finalidade diferente e têm um objeto distinto. Particularmente, o artigo 7.o TUE permite responder a qualquer violação grave e persistente de um dos valores fundadores da União ou a qualquer risco manifesto de tal violação, ao passo que o regulamento impugnado só se aplica às violações dos princípios do Estado de direito e apenas se existirem motivos razoáveis para considerar que essas violações têm impacto orçamental.

O Tribunal de Justiça também afastou o argumento segundo o qual os princípios do Estado de direito não têm conteúdo material concreto em direito da União. Estes princípios foram amplamente desenvolvidos na sua jurisprudência e estão assim especificados na ordem jurídica da União. Têm origem em valores comuns reconhecidos e aplicados pelos Estados‑Membros nas suas próprias ordens jurídicas. Consequentemente, os Estados Membros estão em condições de determinar com suficiente precisão o conteúdo essencial e os requisitos que decorrem de cada um destes princípios.

Por último, a aplicação do mecanismo de condicionalidade exige que seja estabelecido um nexo real entre a violação de um princípio do Estado de direito e a afetação ou o risco sério de afetação da boa gestão financeira da União. Esta aplicação impõe igualmente exigências processuais rigorosas à Comissão. Por conseguinte, a Hungria e a Polónia não têm fundamento para alegar que os poderes conferidos à Comissão e ao Conselho são demasiado amplos. O Tribunal de Justiça conclui que o regulamento impugnado satisfaz as exigências do princípio da segurança jurídica.

Artigo 7.o TUE

Esta disposição descreve o procedimento que permite suspender certos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados a um Estado Membro em caso de violação grave e persistente dos valores comuns aos Estados Membros referidos no artigo 2.o TUE, entre os quais figura o Estado de direito. A Hungria e a Polónia alegavam que o regulamento «condicionalidade» permitia ilegalmente, ao instituir um procedimento paralelo, eludir as condições precisas previstas no artigo 7.o TUE com vista a sancionar um Estado Membro.

O respeito pelo Estado de direito foi objeto de muitos acórdãos do Tribunal de Justiça, entre os quais:

  • Acórdão Associação Sindical dos Juízes Portugueses (Independência dos juízes – Redução das remunerações na função pública nacional) de 27 de fevereiro de 2018 (C‑64/16) ;
  • Acórdão Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes – Limitação do direito e da obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais submeterem pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça) de 15 de julho de 2021 (C‑791/19) ;
  • Acórdão Repubblika (Independência dos juízes de um Estado Membro – Processo de nomeação – Poder do Primeiro Ministro – Participação de um Comité de Nomeações Judiciais) de 20 de abril de 2021 (C‑896/19).

Princípio da segurança jurídica

Este princípio exige que as regras jurídicas sejam claras e precisas e que a sua aplicação seja previsível para os particulares, particularmente quando possam ter consequências desfavoráveis. Assim, a legislação deve permitir aos interessados conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade.

Focus

Acórdão Deutsche Umwelthilfe (Homologação dos veículos a motor) de 8 de novembro de 2022 (C‑873/19)

A fim de proteger o ambiente e melhorar a qualidade do ar, o Regulamento da União Europeia relativo à homologação de veículos a motor proíbe a utilização de dispositivos que atuam no sistema de controlo das emissões de gases poluentes para reduzir a sua eficácia (dispositivos ditos «manipuladores»). No entanto, esta interdição tem três exceções, sobretudo se «se justificar a necessidade desse dispositivo para proteger o motor de danos ou acidentes e para garantir um funcionamento seguro do veículo».

A Deutsche Umwelthilfe, uma associação alemã de proteção do ambiente, considera que o Organismo Federal dos Veículos a Motor alemão violou a proibição em causa ao autorizar, para determinados veículos da marca Volkswagen, a utilização de um software que reduzia a recirculação dos gases poluentes, designadamente o óxido de azoto (NOx). Este software, denominado «janela térmica», permitia adaptar a taxa de purificação dos gases de escape em função da temperatura exterior. O resultado da instalação desse software era, assim, que a recirculação dos gases poluentes só era plenamente eficaz se a temperatura exterior fosse superior a 15 graus Celsius. Ora, em 2018, a temperatura média anual na Alemanha foi de 10,4 graus Celsius.

A Deutsche Umwelthilfe impugnou a autorização num órgão jurisdicional alemão. Este último recorreu ao Tribunal de Justiça para obter esclarecimentos sobre duas questões.

1. O órgão jurisdicional alemão salienta que, de acordo com o direito alemão, não existe a possibilidade de a Deutsche Umwelthilfe interpor recurso da autorização dada pelo Organismo Federal, uma vez que o regulamento europeu invocado não visa proteger os cidadãos individualmente. O órgão jurisdicional alemão pergunta ao Tribunal de Justiça se esta impossibilidade é compatível com a Convenção de Aarhus e com o direito à ação garantido pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

No seu Acórdão de 8 de novembro de 2022, o Tribunal de Justiça declara que, em conformidade com a Convenção de Aarhus, lida à luz da Carta, uma associação de proteção do ambiente, com legitimidade processual, não pode ser privada da possibilidade de pedir a fiscalização pelos órgãos jurisdicionais nacionais do respeito de determinadas normas do direito da União em matéria de ambiente. Essa associação deve, assim, poder impugnar judicialmente uma autorização concedida para dispositivos manipuladores.

2. O órgão jurisdicional alemão pergunta, igualmente, se a «necessidade» de recorrer ao dispositivo de «janela térmica», que permite excecionalmente justificar a sua instalação para proteger o motor ou para o seu funcionamento em total segurança, deve ser avaliada tendo em conta a tecnologia existente à data da autorização ou se devem ser tidas em consideração outras circunstâncias.

O Tribunal de Justiça sublinha que um dispositivo manipulador, como uma «janela térmica», pode excecionalmente if the following conditions are met:

  • o dispositivo deve responder estritamente à necessidade de evitar os riscos imediatos de danos ou de acidente no motor, causados por um mau funcionamento de um componente do sistema de recirculação dos gases de escape;
  • esses danos devem ser de uma gravidade tal, que gerem um perigo concreto durante a condução do veículo;
  • no momento da autorização do dispositivo ou do veículo com ele equipado, nenhuma solução técnica permite evitar esses riscos.

Por último, mesmo que se demonstre a necessidade, o dispositivo manipulador deve, de qualquer modo, ser proibido se a sua conceção tiver como resultado a ativação, em condições normais de circulação, do seu funcionamento durante a maior parte do ano. Com efeito, neste caso, a exceção seria aplicada com mais frequência do que a proibição, o que conduziria a uma violação desproporcionada do próprio princípio da limitação das emissões de óxido de azoto (NOx).

O Tribunal de Justiça pronuncia-se regularmente sobre processos no domínio do ambiente. Entre os mais recentes, encontram-se

  • Acórdão «Ville de Paris e o.» (Homologação dos veículos - Valores de emissões de óxidos de azoto - Procedimento de ensaio das emissões em condições reais de condução) de 13 de janeiro de 2022 (C‑177/19 P e ο) ;
  • Acórdãos GSMB Invest, Volkswagen e Porsche Inter Auto e Volkswagen (Veículos Diesel - Emissões de óxido de azoto (NOx) - Dispositivos manipuladores proibidos - «Janela térmica») de 14 de julho de 2022 (C‑128/20 e ο) ;
  • Acórdão Comissão/Espanha (Valores limites – NO2), de 22 de dezembro de 2022 (C‑125/20) ;
  • Acórdão Ministre de la Transition écologique e Premier ministre(Responsabilidade do Estado pela poluição atmosférica) de 22 de dezembro de 2022 (C‑61/21).

Focus

O direito a ser esquecido face ao direito à informação

Acórdão Google (Supressão de um conteúdo pretensamente inexato) de 8 de dezembro de 2022 (C‑ 460/20)

Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD)

O RGPD, que entrou em vigor em 2008, dá aos cidadãos mais controlo sobre os seus dados pessoais e responsabiliza quem os detém.

Entre os direitos consagrados no RGPD figuram:

  • o direito à informação sobre o tratamento dos dados;
  • o direito de acesso aos dados detidos;
  • o direito de obter a correção dos dados inexatos ou incompletos;
  • o direito ao apagamento dos dados que foram tratados de forma ilícita ou que já não são necessários à luz das finalidades do seu tratamento (mais conhecido como «direito a ser esquecido»);
  • o direito à portabilidade dos dados (recuperar os dados fornecidos a um responsável pelo tratamento).

A proteção dos dados pessoais é regulada, ao nível da União Europeia, pelo Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados.

O direito à proteção dos dados pessoais não é, porém, absoluto. Deve ser ponderado com outros direitos fundamentais, em conformidade com o princípio da proporcionalidade. De entre estes outros direitos, figura o direito à liberdade de informação.

No Acórdão Google, proferido em 8 de dezembro de 2022, o Tribunal de Justiça recordou a importância desta ponderação e aplicou-a em resposta a uma questão do Supremo Tribunal de Justiça Federal alemão sobre o direito a ser esquecido.

O litígio era referente a dois dirigentes de um grupo de sociedades de investimentos que pediram à Google que suprimisse os resultados das pesquisas efetuadas a partir dos seus nomes. O resultado destas pesquisas incluía hiperligações para artigos de imprensa que apresentavam de forma crítica o modelo de investimento desse grupo. Os dois dirigentes argumentavam que esses artigos continham alegações inexatas. Além disso, pediam que as suas fotografias, exibidas em forma de imagens de pré-visualização (thumbnails) sem elemento contextual, fossem suprimidas da lista dos resultados.

A Google recusou dar seguimento a esses pedidos, remetendo para o contexto profissional em que se inseriam esses artigos e fotografias, e alegando que desconhecia se as informações contidas nos artigos eram ou não exatas.

O Supremo Tribunal de Justiça Federal alemão, ao qual foi submetido o litígio, solicitou ao Tribunal de Justiça a interpretação do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados à luz da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Com efeito, este regulamento prevê expressamente que o direito a ser esquecido é excluído quando o tratamento dos dados pessoais em causa é necessário para o exercício do direito à liberdade de informação.

O Tribunal de Justiça sublinha que o direito à proteção da vida privada e à proteção dos dados pessoais prevalece, regra geral, sobre o interesse legítimo dos internautas em aceder à informação. Contudo, este equilíbrio pode depender da natureza dessa informação e da sua sensibilidade para a vida privada da pessoa em causa. Depende, ainda, do interesse do público em dispor da informação. Este interesse pode variar em função do papel desempenhado por essa pessoa na vida pública.

No entanto, o direito à liberdade de expressão e de informação não pode ser tido em conta quando informações constantes do conteúdo exibido (e que não apresentam uma importância menor) se revelam inexatas.

Quando uma pessoa apresenta um pedido de supressão de referências, são impostas obrigações ao operador do motor de busca:

  • Deve verificar se um conteúdo pode continuar a ser incluído na lista de resultados das pesquisas efetuadas por intermédio do seu motor de busca. Se o pedido apresentar elementos de prova suficientes, o operador do motor de busca é obrigado a deferir esse pedido.
  • Se o pedido não demonstrar de modo manifesto a inexatidão das informações, o operador não está obrigado a proceder à supressão. Neste caso, o requerente deve, contudo, poder submeter o assunto à autoridade de controlo da proteção de dados ou aos tribunais, para que estes façam as verificações necessárias e ordenem, sendo o caso, ao operador a tomada de medidas em conformidade.
  • Deve avisar os internautas da existência de um processo administrativo ou judicial relativo ao caráter pretensamente inexato de um conteúdo.
  • Deve verificar se a exibição das fotografias em forma de imagens de pré-visualização (thumbnails) é necessária para o exercício do direito à liberdade de informação dos internautas potencialmente interessados em aceder às mesmas. Com efeito, a exibição de fotografias de uma pessoa constitui uma ingerência particularmente importante na sua vida privada. O facto de esse acesso contribuir para um debate de interesse geral constitui um elemento primordial a tomar em consideração na ponderação dos outros direitos fundamentais.

A proteção dos dados pessoais é uma matéria que está na origem de um grande número de processos no Tribunal de Justiça.

Alguns acórdãos recentes relacionados com a evolução das tecnologias de informação e de comunicação:

  • Acórdão Facebook Ireland e Schrems de 16 de julho de 2020, relativo ao nível de proteção a assegurar em caso de transferência de dados pessoais para um país terceiro (C‑311/18);
  • Acórdão La Quadrature du Net e o. de 6 de outubro de 2020, sobre a proibição de uma regulamentação nacional que impõe a transmissão ou a conservação generalizada e indiferenciada de dados de tráfego e de localização (C‑511/18 e o.);
  • Acórdão Prokuratuur, de 2 de março de 2021, relativo ao acesso pelas autoridades públicas aos dados de tráfego ou de localização para efeitos de luta contra a criminalidade grave (C‑746/18) ;
  • Acórdão Facebook Ireland e o. de 15 de junho de 2021, sobre os poderes das autoridade de controlo nacionais (C‑645/19) ;
  • Acórdão Vyriausioji tarnybinės etikos komisija, de 1 de agosto de 2022, relativo à transparência das declarações de interesses privados de trabalhadores ou dirigentes do setor público (C‑184/20).

Focus

Guerra na Ucrânia: proibição de difundir imposta a meios de comunicação social pró-russos e liberdade de expressão

Acórdão RT France/Conselho de 27 de julho de 2022 (T‑125/22)

Processo de medidas provisórias

Enquanto aguardava a decisão final do Tribunal Geral, a RT France pediu ao presidente do Tribunal Geral, em 8 de março de 2022, a suspensão imediata dos efeitos da decisão de proibição de atividades de radiodifusão. Este pedido, designado de processo de medidas provisórias, foi indeferido em 30 de março. O presidente considerou, nomeadamente, que a RT France não tinha demonstrado que a proibição lhe causava um prejuízo irreparável. Não existia, portanto, uma urgência particular que justificasse essa suspensão antes da resolução definitiva do processo.

Em 24 de fevereiro de 2022, a Federação da Rússia iniciou uma guerra de agressão contra a Ucrânia. No âmbito da sua política externa e de segurança comum, a União Europeia reagiu a esta violação do direito internacional, designadamente com a imposição de sanções à Federação da Rússia. Em 1 de março de 2022, o Conselho da União Europeia proibiu as atividades de radiodifusão de certos meios de comunicação social na União ou dirigidas à União para conter as ações de propaganda russa.

A proibição visou, nomeadamente, a RT France, um canal de televisão financiado pelo orçamento do Estado russo, que recorreu ao Tribunal Geral da União Europeia, em 8 de março de 2022, a fim de obter a anulação dessa decisão do Conselho.

Dada a importância e a urgência do processo, o Tribunal Geral reuniu-se em Grande Secção (15 juízes) e aplicou, oficiosamente, pela primeira vez, a tramitação acelerada, o que lhe permitiu pronunciar-se em menos de 5 meses.

No seu Acórdão de 27 de julho, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na íntegra. O acórdão baseia-se em três elementos essenciais:

  • O Conselho dispõe de uma grande margem para definir medidas restritivas em matéria de política externa e de segurança comum. Pode recorrer a uma proibição temporária de radiodifusão de conteúdos de certos meios de comunicação social financiados pelo orçamento do Estado russo, se esses meios de comunicação social apoiarem a agressão militar pela Rússia. A aplicação uniforme de uma proibição deste tipo é mais bem realizada no âmbito da União do que no âmbito nacional.
  • A proibição de radiodifusão, que foi decidida sem ouvir previamente a RT France, não constitui uma violação dos direitos de defesa. O contexto excecional e de extrema urgência ligado ao desencadeamento de uma guerra nas fronteiras da União exigia uma reação rápida. A aplicação imediata das medidas de proibição de um vetor de propaganda a favor da agressão militar era essencial para assegurar a sua eficácia.
  • A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática. Esta liberdade é aplicável não só às ideias acolhidas favoravelmente ou consideradas inofensivas mas também às que ofendem, chocam ou inquietam. Tal decorre das exigências do pluralismo, da tolerância e do espírito de abertura sem as quais não existe sociedade democrática.

Porém, pode revelar-se necessário, nas sociedades democráticas, sancionar as formas de expressão que propaguem justifiquem ou incitem ao ódio com base na intolerância, na utilização e na apologia da violência.

A medida de proibição tomada contra a RT France prossegue este objetivo. Visa proteger a ordem e a segurança públicas da União, ameaçadas pela campanha sistemática de propaganda desenvolvida pela Rússia, e exercer pressão sobre as autoridades russas para que ponham termo à agressão militar. Esta medida é igualmente proporcionada por ser adequada e necessária aos objetivos prosseguidos. Existem indícios suficientemente concretos, precisos e concordantes que demonstram que a RT France apoiava ativamente a política desestabilizadora e agressiva levada a cabo pela Federação da Rússia que acabou por conduzir a uma forte ofensiva militar contra a Ucrânia. Nenhum dos elementos apresentados pela RT France permite comprovar que assegurava um tratamento globalmente equilibrado das informações relativas à guerra em curso e respeitoso dos princípios em matéria de «deveres e responsabilidades» dos meios de comunicação audiovisuais.

As medidas restritivas ou sanções

São instrumentos de que a União Europeia dispõe para promover os objetivos da sua política externa e de segurança comum. Trata-se, nomeadamente, de salvaguardar os valores da UE, os seus interesses fundamentais e a sua segurança, de consolidar e apoiar a democracia, o Estado de direito, os direitos humanos e os princípios do direito internacional, de preservar a paz, prevenir os conflitos e reforçar a segurança internacional.

Estas medidas podem visar os governos de países terceiros ou entidades não estatais (por exemplo, empresas) e pessoas (como grupos terroristas). Na maioria dos casos, as medidas visam pessoas ou entidades e consistem no congelamento de ativos e na proibição de viajar na UE.

O Tribunal Geral é chamado a conhecer de um grande número de processos que implicam medidas restritivas: trata-se, nomeadamente, de sanções no contexto de ações que comprometem ou ameaçam a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia, ou em razão da situação na Síria e na Bielorrússia, ou ainda na República Democrática do Congo.

Focus

Coima recorde de 4,125 mil milhões de euros aplicada à Google por restrições impostas aos fabricantes de dispositivos móveis Android

Acórdão Google e Alphabet/Comissão (Google Android) de 14 de setembro de 2022 (T‑604/18)

A Google é uma empresa do setor das tecnologias da informação e da comunicação especializada nos produtos e serviços relacionados com a Internet. Obtém o essencial dos seus rendimentos do seu principal produto, o motor de busca Google Search. O seu modelo comercial baseia-se na interação entre, por um lado, um determinado número de produtos e serviços propostos, a maior parte das vezes, sem encargos para os utilizadores e, por outro, serviços de publicidade em linha que utilizam os dados recolhidos junto desses utilizadores. Além disso, a Google propõe o sistema operativo Android, de que estavam equipados, em julho de 2018, cerca de 80 % dos dispositivos móveis inteligentes utilizados na Europa, segundo a Comissão Europeia.

Na sequência de denúncias apresentadas na Comissão, esta instaurou, em 2015, um processo contra a Google. Esse processo resultou, em 2018, na aplicação de uma sanção de 4,343 mil milhões de euros à Google por ter imposto restrições ilegais aos fabricantes de dispositivos móveis Android e aos operadores de redes móveis. Estas restrições consistiam na imposição aos fabricantes de dispositivos móveis:

  • de pré-instalar o Google Search e o Chrome para poder obter a licença de exploração da Play Store;
  • de não vender dispositivos equipados com versões Android não aprovadas pela Google;
  • de renunciar a pré-instalar um serviço de pesquisa concorrente para poder obter uma parte dos rendimentos publicitários da Google.

Segundo a Comissão, estas restrições tinham por objetivo consolidar a posição dominante do motor de busca da Google e os seus rendimentos obtidos através dos anúncios publicitários relacionados com essas pesquisas.

O que é um abuso de posição dominante?

A posição dominante é uma situação de poder económico detido por uma empresa, que lhe permite impedir a manutenção de uma concorrência efetiva e lhe possibilita comportar-se independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes, dos seus fornecedores e do consumidor final.

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia proíbe as empresas de abusarem da sua posição dominante para restringir ou falsear a concorrência, impondo, por exemplo, preços abusivos, acordos de venda exclusiva ou prémios de fidelidade destinados a desviar os fornecedores dos seus concorrentes.

Trata-se da coima mais elevada que alguma vez foi aplicada na Europa por uma autoridade da concorrência. A Google interpôs recurso no Tribunal Geral para impugnar a decisão da Comissão.

No processo Google e Alphabet, os autos continham mais de 100 000 páginas. Na audiência, estavam presentes 72 advogados e representantes, para 13 partes (a recorrente, a Google e Alphabet; a recorrida, a Comissão europeia; 11 intervenientes em apoio da recorrente ou da recorrida). A audiência prolongou-se por 5 dias.

O processo foi decidido no Acórdão Google e Alphabet/Comissão de 14 de setembro de 2022. O Tribunal Geral confirmou amplamente a decisão da Comissão e negou, essencialmente, provimento ao recurso. No entanto, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha demonstrado suficientemente a capacidade de restrição da concorrência de certos comportamentos da Google e que não devia ter recusado à Google a possibilidade de apresentar os seus argumentos sobre este aspeto numa audição. Na sequência da sua própria apreciação de todas as circunstâncias, o Tribunal Geral reduziu finalmente o montante da coima aplicada à Google para 4,125 mil milhões de euros.

Verificação dos factos e da boa aplicação do direito pelo Tribunal Geral

Os processos em matéria de concorrência no Tribunal Geral são frequentemente complexos e volumosos. O Tribunal Geral decide em primeira instância: examina, portanto, não só se a Comissão aplicou corretamente o direito mas também se foi feita prova bastante dos factos. Os autos podem incluir elementos de prova e estudos económicos detalhados que se destinam a provar ou contestar os efeitos dos comportamentos das empresas no mercado.

Acórdão Qualcomm/Comissão de 15 de junho de 2022 (T‑235/18)

Noutro processo de abuso de posição dominante, o Tribunal Geral anulou integralmentea decisão da Comissão que tinha aplicado à Qualcomm uma coima de cerca de mil milhões de euros por ter abusado da sua posição dominante no mercado dos chipsets LTE (componentes eletrónicos que equipam os smartphones e os tablets). Segundo a Comissão, este abuso caracterizava-se pela existência de acordos que previam pagamentos a título de incentivo, por força dos quais a Apple devia abastecer-se em chipsets LTE exclusivamente junto da Qualcomm. O Tribunal Geral declarou que diversas irregularidades processuais afetaram os direitos de defesa da Qualcomm, designadamente a falta de registo de certas audições durante o inquérito. Por outro lado, o Tribunal Geral salientou, igualmente, que a análise da Comissão sobre os efeitos anticoncorrenciais dos acordos não tinha tido em conta todas as circunstâncias factuais pertinentes, nomeadamente que a Apple não tinha alternativa técnica aos chipsets LTE.

Retrospetiva sobre os grandes acórdãos do ano

Ambiente



O Tribunal de Justiça e o ambiente
Ver vídeo no YouTube


A proteção da flora e da fauna, a poluição do ar, da terra e da água, bem como os riscos associados às substâncias perigosas constituem desafios que a União Europeia ajuda a enfrentar adotando regras estritas. É o caso da fixação de valores-limite para a emissão de poluentes, nomeadamente nas zonas urbanas.

  • No âmbito de um procedimento por infração contra a Itália, a Comissão pediu ao Tribunal de Justiça que declarasse que esse Estado-Membro violou as suas obrigações devido ao incumprimento, sistemático e continuado, dos valores-limite anuais para a emissão de dióxido de azoto (NO2) em diferentes zonas, a saber, as cidades de Turim, Milão, Bérgamo, Brescia, Génova, Florença, Roma e Catânia. No seu acórdão, o Tribunal de Justiça julgou procedente a ação da Comissão, declarando que a Itália violou as suas obrigações decorrentes da Diretiva 2008/50, uma vez que não garantiu que fosse evitada a excedência sistemática e persistente dos valores-limite anuais fixados para o dióxido de azoto. A Itália também não cumpriu as suas obrigações ao não adotar, a partir de 11 de junho de 2010, medidas — como planos mais adequados para melhorar a qualidade do ar ou medidas adicionais específicas para proteger as categorias de população sensíveis — que garantissem o cumprimento dos valores-limite de NO2 nas zonas em causa.
    Acórdão Comissão/Itália (valores-limite de NO2) de 12 de maio de 2022 (C‑573/19)

  • Em novembro de 2002, o naufrágio do petroleiro Prestige ao largo das costas da Galiza (Espanha) provocou uma grande maré negra que atingiu as costas espanholas e francesas. Trata-se da mais grave catástrofe ambiental sofrida por Espanha. No âmbito de um processo relativo aos danos causados pela maré negra ligada a esse naufrágio, o Tribunal de Justiça declarou que um acórdão proferido por um órgão jurisdicional britânico, que confirmou uma sentença proferida num processo de arbitragem instaurado no Reino Unido, não podia impedir o reconhecimento de um acórdão espanhol que condenou uma seguradora na reparação desses danos. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que uma sentença arbitral só podia obstar ao reconhecimento de decisões judiciais de outros Estados‑Membros se o seu conteúdo pudesse, igualmente, ter sido objeto de uma decisão judicial proferida no respeito pelo Regulamento 44/2001. No caso em apreço, o Tribunal de Justiça não admitiu que o acórdão britânico pudesse obstar ao reconhecimento do acórdão proferido em Espanha na sequência de uma ação direta intentada pela vítima contra a seguradora com vista a obter a reparação efetiva do dano sofrido.
    Acórdão London Steam-Ship Owners’ Mutual Insurance Association de 20 de junho de 2022 (C‑700/20)

A Direção da Investigação e Documentação propõe aos profissionais do direito, no âmbito da sua Coletânea dos Resumos, uma «Seleção dos grandes acórdãos» e um «Boletim mensal de jurisprudência» do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral

Energia

Num contexto marcado pela guerra na Ucrânia e pela dependência energética do continente europeu em relação ao resto do mundo, a União Europeia assegura o abastecimento e a segurança energética no seu território. Contribui para garantir o funcionamento do mercado da energia e controlar o forte aumento dos preços da energia, sobretudo do gás e da eletricidade. Adicionalmente, assegura a interligação das redes energéticas dos Estados‑Membros. Além disso, a União promove o desenvolvimento das energias renováveis e a redução da dependência dos combustíveis fósseis. Uma vez que os investimentos dos Estados‑Membros são suscetíveis de comprometer a concorrência no mercado da energia, a sua compatibilidade com o direito da União está sujeita à apreciação do Tribunal Geral.

  • A Áustria impugnou a decisão da Comissão que aprovou o auxílio ao investimento concedido pela Hungria a favor de uma empresa pública, para o desenvolvimento de dois reatores nucleares em construção nas instalações da central de Paks. O Tribunal Geral examinou os argumentos da Áustria, que sustentava, nomeadamente, que o auxílio causava distorções desproporcionadas da concorrência e desigualdades de tratamento que conduziam à exclusão dos produtores de energia renovável do mercado da eletricidade. O Tribunal Geral concluiu que a análise efetuada pela Comissão estava correta, completa e permitia demonstrar a compatibilidade do auxílio de Estado concedido com o direito da União. Com efeito, a eletricidade produzida pelos novos reatores estaria disponível no mercado grossista para todos os operadores do mercado e de forma transparente. Assim, não havia, o risco de a eletricidade produzida pela sociedade Paks II ser monopolizada mediante contratos de longo prazo, que representam um risco para a liquidez do mercado.
    Acórdão Áustria/Comissão de 30 de novembro de 2022 (T‑101/18)

  • Em 2015, a operadora da rede de transporte de gás húngaro (FGSZ) iniciou um projeto de cooperação regional destinado a aumentar a independência energética através da introdução do gás do mar Negro na rede. Este projeto previa a criação de capacidades suplementares, nomeadamente entre a Hungria e a Áustria. Em 2018, a entidade reguladora austríaca aprovou a proposta da operadora da rede de transporte de gás austríaco (GCA) relacionada com esta parte do projeto, ao passo que o seu homólogo húngaro (MEKH), sob proposta da FGSZ, adotou uma decisão contrária. Em agosto de 2019, na falta de decisão coordenada entre as entidades reguladoras nacionais em causa, a Agência de Cooperação dos Reguladores de Energia (ACER) declarou-se competente nesta matéria e aprovou a parte do projeto tal como proposta pela GCA. Na sequência dos dois recursos interpostos pela MEKH e pela FGSZ contra a decisão da ACER, o Tribunal Geral declarou inaplicáveis as disposições do Regulamento 2017/459 relativas ao processo de criação de capacidades suplementares para o transporte de gás. A ACER não era, portanto, competente para adotar a decisão de aprovação e, consequentemente, o Tribunal Geral anulou esta decisão.
    Acórdão MEKH e FGSZ/ACER de 16 de março de 2022 (processos apensos T‑684/19 e T‑704/19)

Consumidores



O que faz o Tribunal de Justiça por nós?
Ver vídeo no YouTube
O Tribunal de Justiça: garantir os direitos dos consumidores da União Europeia
Ver vídeo no YouTube

O respeito dos direitos dos consumidores, da sua prosperidade e do seu bem-estar são valores fundamentais no desenvolvimento das políticas da União. O Tribunal de Justiça fiscaliza a aplicação das regras que protegem os consumidores, a fim de garantir a preservação da sua saúde, da sua segurança e dos seus interesses económicos e jurídicos, independentemente do local dentro da União onde residem ou para onde viajam ou de onde efetuam as suas compras.

  • Nos termos do direito da União, um consumidor que tenha celebrado com um profissional um contrato através da Internet ou por telefone dispõe, em princípio, de 14 dias para se retratar, sem ter de indicar as razões da sua decisão. No entanto, este direito de retratação está excluído no caso de eventos culturais ou desportivos, visando proteger os organizadores contra o risco de lugares não vendidos. O Tribunal de Justiça precisou que esta exclusão se aplica, igualmente, no caso de compra de bilhetes em linha para um concerto junto de um prestador de serviços de bilheteira, quando o risco económico recaia sobre o organizador do concerto.
    Acórdão CTS Eventim de 31 de março de 2022 (C‑96/21)

  • O Tribunal de Justiça declarou que uma transportadora aérea não UE (no caso em apreço, a United Airlines) que não celebrou um contrato de transporte com os passageiros, mas que realizou o voo, pode ser devedora da indemnização a pagar aos passageiros em caso de atraso considerável do voo. Com efeito, a transportadora que, no âmbito da sua atividade de transporte de passageiros, toma a decisão de realizar um voo preciso é considerada a transportadora aérea operadora. Considera-se assim que esta transportadora atua em nome da transportadora contratual (Lufthansa). O Tribunal de Justiça salienta, todavia, que a transportadora aérea operadora (United Airlines), que tem de pagar uma indemnização a um passageiro, conserva o direito de pedir uma indemnização a qualquer pessoa, incluindo a terceiros, em conformidade com o direito nacional aplicável.
    Acórdão United Airlines de 7 de abril de 2022 (C‑561/20)

  • Na sequência de um atraso de mais de três horas do seu voo com partida de Nova Iorque e destino a Budapeste, os passageiros recorreram à autoridade húngara responsável pela execução do Regulamento Relativo aos Direitos dos Passageiros Aéreos, a fim de obter o pagamento pela transportadora LOT da indemnização prevista neste regulamento. Essa autoridade declarou efetivamente uma violação do regulamento e impôs à LOT o pagamento de uma indemnização no montante de 600 euros a cada passageiro afetado. Esta decisão foi impugnada pela LOT num órgão jurisdicional húngaro. Esse órgão jurisdicional pediu ao Tribunal de Justiça que determinasse se a autoridade em causa podia impor a uma transportadora aérea o pagamento de uma indemnização ou se esta prerrogativa estava reservada aos órgãos jurisdicionais nacionais. O Tribunal de Justiça considerou que a autoridade nacional responsável pela execução do regulamento podia, na sequência de queixas individuais, obrigar uma transportadora a indemnizar os passageiros, desde que o Estado-Membro em causa lhe tivesse conferido competência para esse efeito.
    Acórdão (Indemnização imposta pela autoridade administrativa) de 29 de setembro de 2022 (C‑597/20)

  • Num processo prejudicial submetido por um órgão jurisdicional lituano, o Tribunal de Justiça interpretou a Diretiva relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos que, não possuindo a aparência do que são, comprometem a saúde ou a segurança dos consumidores. No caso em apreço, tratava-se de vários tipos de bombas de banho efervescentes com a aparência de géneros alimentícios e que comportavam um risco de intoxicação para os consumidores, especialmente para as crianças. O Tribunal de Justiça declarou que um Estado-Membro pode, sob certas condições, restringir a distribuição de produtos cosméticos suscetíveis de serem confundidos com géneros alimentícios, por terem a sua aparência, e de implicarem assim riscos para a saúde. Precisou que o interesse em proteger a saúde e a segurança dos consumidores pode prevalecer sobre o direito de comercializar certos produtos cosméticos.
    Acórdão Get Fresh Cosmetics de 2 de junho de 2022(C‑122/21)

Igualdade de tratamento



O Tribunal de Justiça: garantir a igualdade de tratamento e proteger os direitos das minorias
Ver vídeo no YouTube

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra a igualdade perante a lei de todas as pessoas enquanto seres humanos, trabalhadores, cidadãos ou partes num processo judicial. A Diretiva 2000/78 garante, particularmente, um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, proibindo quaisquer formas de discriminação baseadas na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual. O Tribunal de Justiça decidiu diversos processos relativos a alegados casos de discriminação direta ou indireta, sublinhando o dever de se respeitar o princípio da proporcionalidade entre o objetivo prosseguido pelas normas em causa e o princípio da igualdade de tratamento.

  • Num processo prejudicial submetido por um órgão jurisdicional espanhol, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a compatibilidade da legislação nacional relativa às prestações de segurança social dos trabalhadores do serviço doméstico com a Diretiva da União sobre a igualdade em matéria de segurança social. O regime especial de segurança social espanhol aplicável aos trabalhadores do serviço doméstico não abrangia a prestação de desemprego. Realçando que os trabalhadores do serviço doméstico são principalmente pessoas do sexo feminino, o Tribunal de Justiça declarou que a diretiva se opõe a esta exclusão que prejudica especialmente os trabalhadores do sexo feminino comparativamente com os trabalhadores do sexo masculino e que constitui, assim, uma discriminação indireta em razão do sexo. Além disso, não é justificada por fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão desse critério.
    Acórdão TGSS (Desemprego dos trabalhadores do serviço doméstico) de 24 de fevereiro de 2022 (C‑389/20)

  • Num processo prejudicial submetido por um órgão jurisdicional português, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a compatibilidade da legislação nacional relativa ao cálculo da compensação devida a título das férias anuais não gozadas com a Diretiva da União relativa ao trabalho temporário. Declarou que o método de cálculo desta compensação e do subsídio de férias correspondente previsto no regime especial aplicável aos trabalhadores temporários implicava para eles uma desvantagem do ponto de vista do número de dias de férias pagos e do montante do subsídio. A compensação em questão deve ser pelo menos igual à que seria concedida aos trabalhadores se tivessem sido recrutados diretamente pela empresa utilizadora para aí ocuparem as mesmas funções durante o mesmo período.
    Acórdão Luso Temp de 12 de maio de 2022 (C‑426/20)

  • O Tribunal do Trabalho de Língua Francesa de Bruxelas questionou o Tribunal de Justiça sobre se os termos «a religião ou as convicções», que figuram na Diretiva relativa à igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, devem ser interpretados como as duas facetas de um mesmo critério protegido ou, pelo contrário, como dois critérios distintos. Também perguntou ao Tribunal de Justiça se a proibição do uso do lenço, constante do regulamento interno de uma sociedade, constitui uma discriminação direta baseada na religião. O litígio era referente à não tomada em consideração da candidatura espontânea de L.F., uma jovem mulher de religião muçulmana, após ter indicado, durante uma entrevista, que se recusaria a retirar o lenço contrariamente ao previsto na política de neutralidade promovida nesse regulamento interno.
    No seu acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a religião e as convicções (designadamente filosóficas ou espirituais) constituem um só e único motivo de discriminação. No entanto, a regra interna de uma empresa que proíbe o uso visível de sinais religiosos, filosóficos ou espirituais não constitui uma discriminação direta se for aplicada de maneira geral e indiferenciada a todos os trabalhadores. Porém, pode comportar uma discriminação indireta se se demonstrar que a obrigação aparentemente neutra que contém conduz, de facto, a uma desvantagem específica para as pessoas que professam uma religião ou determinadas convicções. Contudo, esta discriminação indireta pode ser justificada, em determinadas condições, por um objetivo legítimo. Na apreciação da existência de uma justificação, o órgão jurisdicional nacional pode conceder, no âmbito da ponderação dos interesses divergentes, uma maior importância aos da religião ou das convicções do que aos que resultam, nomeadamente, da liberdade de empresa, desde que tal decorra do seu direito interno.
    Acórdão SCRL (Vestuário com conotação religiosa) de 13 de outubro de 2022 (C‑344/20)

  • Um órgão jurisdicional italiano questionou o Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade com o direito da União, nomeadamente com o princípio da não discriminação, do limite de idade de 30 anos, previsto pela legislação nacional como limite máximo de admissão ao concurso público para o recrutamento de comissários da polícia. O Tribunal de Justiça considerou que esta limitação constitui uma diferença de tratamento em razão da idade, deixando ao órgão jurisdicional nacional o cuidado de verificar se é justificada por uma necessidade profissional essencial e determinante, como a exigência de capacidades físicas específicas ligadas às funções efetivamente exercidas por um comissário da polícia. Cabe igualmente ao órgão jurisdicional nacional verificar se essa mesma limitação prossegue um objetivo legítimo e se é proporcionada a esse objetivo, avaliando, designadamente, se a prova de condição física eliminatória prevista pelo concurso constitui uma medida adequada e menos restritiva.
    Acórdão Ministero dell’Interno (Limite de idade para o recrutamento dos comissários da polícia) de 17 de novembro de 2022 (C‑304/21)

  • A foi eleita presidente de uma organização de trabalhadores em 1993. Esta função política, que se baseava na confiança, incluía no entanto determinados elementos característicos de uma relação de trabalho: A trabalhava a tempo inteiro, recebia uma remuneração mensal e era-lhe aplicável a Lei relativa a férias remuneradas. Reeleita de quatro em quatro anos, A exerceu as funções de presidente desta organização até 2011, altura em que, com 63 anos de idade, tinha ultrapassado o limite de idade previsto para se recandidatar à eleição para a presidência prevista para esse mesmo ano. O órgão jurisdicional dinamarquês, no qual foi interposto recurso pela Ligebehandlingsnævnet (Comissão para a Igualdade de Tratamento), que atuava em representação de A, contra a HK/Danmark e a HK/Privat, submeteu ao Tribunal de Justiça a questão de saber se a Diretiva relativa à igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional era aplicável a esta situação. O Tribunal de Justiça declarou que um limite de idade previsto pelos estatutos de uma organização de trabalhadores para ser elegível para o cargo de presidente está abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva. Nem a natureza política de tal cargo nem o método de recrutamento (eleição) têm incidência para efeitos da sua aplicação neste contexto.
    Acórdão HK/Danmark e HK/Privat de 2 de junho de 2022 (C‑587/20)

Família

A União Europeia estabelece regras para a coordenação dos sistemas de segurança social, a fim de que os cidadãos europeus e, nomeadamente, as famílias não sejam incomodados no exercício dos seus direitos, porque vivem em diferentes Estados‑Membros da União ou porque se mudaram de um Estado-Membro para outro no decurso da sua vida. No mesmo sentido, o Regulamento «Bruxelas II-A» rege a cooperação judiciária na União em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental.

  • No âmbito de um processo prejudicial relativo à transferência da residência de uma criança da Suécia para a Rússia, o Tribunal de Justiça declarou que um órgão jurisdicional de um Estado-Membro não mantém a sua competência para decidir em matéria de guarda da criança com base no Regulamento «Bruxelas II-A», quando a residência habitual da criança tenha sido transferida legalmente, no decurso da instância, para o território de um Estado terceiro que é parte da Convenção de Haia de 1996.
    Acórdão CC (Transferência da residência habitual da criança para um Estado terceiro) de 14 de julho de 2022 (C‑572/21)

  • As autoridades alemãs indeferiram o pedido de concessão do abono de família a uma cidadã da União, que não tinha a nacionalidade alemã, durante os três primeiros meses da sua residência na Alemanha. Este indeferimento baseava-se no facto de essa pessoa não auferir rendimentos na Alemanha. Uma vez que este requisito não se aplicava aos nacionais alemães que regressavam após terem permanecido noutro Estado-Membro, a cidadã da União impugnou esse indeferimento num órgão jurisdicional alemão, que questionou o Tribunal de Justiça. O Tribunal de Justiça declarou que esta diferença de tratamento constitui uma discriminação proibida pelo direito da União. No entanto, sublinhou que decorre da regulamentação da União que, contrariamente ao caso em que (como neste processo) a pessoa estabelece a sua residência habitual no Estado Membro em causa, uma estada que seja apenas temporária não basta para poder reivindicar esta igualdade de tratamento.
    Acórdão Familienkasse Niedersachsen-Bremen de 1 de agosto de 2022 (C‑411/20)

  • Em janeiro de 2019, a Áustria implementou um mecanismo de adaptação para calcular o montante fixo dos abonos de família e de diversas vantagens fiscais que concedia aos trabalhadores cujos filhos residiam permanentemente noutro Estado-Membro. A adaptação podia ser positiva ou negativa e dependia do nível geral dos preços no Estado-Membro em causa. A Comissão considerou que este mecanismo de adaptação e a diferença de tratamento que dele resultava, principalmente para os trabalhadores migrantes relativamente aos cidadãos nacionais, eram contrários ao direito da União. Intentou, assim, no Tribunal de Justiça uma ação por incumprimento contra a Áustria. No seu acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que esse mecanismo de adaptação, que tinha em conta o Estado de residência dos filhos dos trabalhadores, era contrário ao direito da União na medida em que constituía uma discriminação indireta, não justificada, em razão da nacionalidade dos trabalhadores migrantes.
    Acórdão Comissão/Áustria de 16 de junho de 2022 (C‑328/20)

Dados pessoais



O Tribunal de Justiça no mundo digital
Ver vídeo no YouTube

A União Europeia está dotada de uma regulamentação que forma um alicerce sólido e coerente para a proteção dos dados pessoais, independentemente do modo e do contexto da recolha, armazenamento, processamento e transferência desses dados. O Tribunal de Justiça assegura que os dados pessoais tratados ou armazenados se limitam ao estritamente necessário e não violam de forma desproporcionada o direito à vida privada.

  • A Proximus, prestadora de serviços de telecomunicações na Bélgica, edita igualmente listas telefónicas que contêm o nome, o endereço e o número de telefone dos assinantes dos diferentes fornecedores de serviços telefónicos acessíveis ao público Estes dados de contacto são comunicados à Proximus pelos operadores, salvo se o assinante tiver manifestado a vontade de não figurar nas listas. No âmbito de um pedido deretirada do consentimento de um assinante um órgão jurisdicional belga questionou o Tribunal de Justiça sobre as obrigações da Proximus, enquanto responsável pelo tratamento de dados pessoais. Segundo o Tribunal de Justiça, este responsável deve aplicar medidas técnicas e organizacionais adequadas para informar os outros responsáveis pelo tratamento da retirada do consentimento da pessoa em causa. Estes outros responsáveis são os que lhe forneceram esses dados ou aos quais transmitiu tais dados. O responsável é igualmente obrigado a tomar medidas razoáveis para informar os operadores de motores de busca na Internet de um pedido de apagamento formulado pela pessoa interessada.
    Acórdão Proximus (Listas eletrónicas públicas) de 27 de outubro de 2022 (C‑129/21)

  • O Tribunal de Justiça pronunciou-se de novo sobre a possibilidade para o Estado de impor aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas a obrigação de conservar de forma generalizada e indiferenciada os dados de tráfego e de localização. Precisou que, embora, como previa uma lei alemã, os dados relativos ao tráfego só fossem conservados durante dez semanas e os dados de localização durante quatro semanas, o número considerável de dados recolhidos permitia, ainda assim, determinar o perfil completo das pessoas em causa. Esta ingerência grave na vida privada só pode ser admitida em caso de ameaça grave e atual para a segurança nacional, designadamente em caso de ameaça terrorista. Na falta de tais ameaças, as autoridades de segurança dispõem de outras medidas para combater a criminalidade, como a conservação generalizada e indiferenciada dos endereços IP (ou seja, um número de identificação atribuído a um aparelho ligado à rede Internet), a conservação seletiva e a conservação rápida (o «quick freeze», que resulta de uma injunção de conservar temporariamente os dados atualmente tratados e armazenados).
    Acórdão SpaceNet e o. de 20 de setembro de 2022 (processos apensos C‑793/19 e C‑794/19)

  • A Ligue des droits humains (LDH) é uma associação sem fins lucrativos que interpôs no Tribunal Constitucional belga, em julho de 2017, um recurso de anulação da Lei de 25 de dezembro de 2016, que transpôs para o direito belga, simultaneamente, a Diretiva PNR (relativa à utilização dos dados dos registos de identificação dos passageiros aéreos), a Diretiva API (relativa à obrigação de comunicação de dados dos passageiros pelas transportadoras) e a Diretiva 2010/65 (relativa às formalidades exigidas aos navios à chegada e/ou à partida dos portos dos Estados‑Membros). Segundo a LDH, esta lei viola o direito ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, garantido pelo direito belga e pelo direito da União. O Tribunal de Justiça considerou que o respeito pelos direitos fundamentais impõe uma limitação dos poderes previstos pela Diretiva PNR ao estritamente necessário. Entendeu que, não estando um Estado-Membro perante uma ameaça terrorista real e atual ou previsível, o direito da União se opõe a uma legislação nacional que prevê a transferência e o tratamento dos dados PNR dos voos intra-UE e dos transportes efetuados por outros meios no interior da União.
    Acórdão Ligue des droits humains de 21 de junho de 2022 (C‑817/19)

  • O Tribunal de Cassação francês questionou o Tribunal de Justiça sobre a articulação das disposições pertinentes da Diretiva relativa à privacidade e às comunicações eletrónicas, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, da Diretiva e do Regulamento relativos ao abuso de mercado. As medidas legislativas nacionais em causa obrigavam os prestadores de serviços de comunicações eletrónicas a conservar a título preventivo, de forma generalizada e indiferenciada, os dados relativos ao tráfego durante um ano a contar do dia do registo. Estas medidas visavam contribuir para a luta contra as infrações de abuso de mercado, incluindo as operações de informação privilegiada. O Tribunal de Justiça declarou que o direito da União não autoriza uma conservação generalizada e indiferenciada dos dados relativos ao tráfego e dos dados de localização para efeitos da luta contra as infrações de abuso de mercado e, designadamente, as operações de informação privilegiada. As medidas que preveem essa conservação excedem os limites do estritamente necessário e não podem ser justificadas numa sociedade democrática.
    Acórdão VD e SR de 20 de setembro de 2022 (processos apensos C‑339/20 e C‑397/20)

Espaço de liberdade, segurança e justiça

O espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas constrói-se em torno de vários eixos: a cooperação judiciária entre os Estados‑Membros em matéria civil e penal, a cooperação policial, o controlo das fronteiras externas, o asilo e a imigração. A cooperação judiciária entre os Estados‑Membros concretiza se, nomeadamente, através do mandado de detenção europeu, decisão judicial de um Estado-Membro com vista à detenção de uma pessoa procurada noutro Estado-Membro e à sua entrega em razão de um processo penal ou para execução de uma pena privativa de liberdade. No que diz respeito ao asilo, o direito da União estabelece as condições que os nacionais de países terceiros ou apátridas devem preencher para poder beneficiar de uma proteção internacional (a Diretiva sobre os refugiados). O Tribunal de Justiça é regularmente chamado a clarificar o alcance das regras aplicáveis.

  • No contexto da crise migratória, a Áustria reintroduziu um controlo nas suas fronteiras com a Hungria e a Eslovénia a partir de meados de setembro de 2015. Posteriormente, este controlo foi prorrogado várias vezes. Um órgão jurisdicional austríaco, perante o qual um cidadão contestava esse controlo, questionou o Tribunal de Justiça sobre a sua compatibilidade com o direito da União. O Tribunal de Justiça declarou que, ]em caso de ameaça grave à sua ordem pública ou à sua segurança interna, um Estado Membro pode reintroduzir um controlo nas suas fronteiras com outros Estados‑Membros, sem, no entanto, ultrapassar uma duração total máxima de seis meses. Só no caso de se verificar uma nova ameaça grave pode ser justificado aplicar novamente tal medida.
    Acórdão Landespolizeidirektion Steiermark e o. (Duração máxima do controlo nas fronteiras internas) de 26 de abril de 2022 (C‑368/20)

  • Em 6 de junho de 2016, as autoridades judiciárias italianas emitiram um mandado de detenção europeu (MDE) contra KL, cidadão italiano residente em França, para a execução de uma pena de prisão de doze anos e seis meses. Esta pena corresponde ao cúmulo jurídico de quatro penas aplicadas a título de quatro infrações cometidas em Itália, entre as quais a de «destruição e dano qualificado». O Tribunal de Recurso de Angers (França) recusou a entrega de KL às autoridades judiciais italianas porque dois dos comportamentos não constituem infração em França. Com efeito, os elementos constitutivos da infração de «destruição e dano qualificado» são diferentes nos dois Estados Membros em causa: no direito italiano, esta infração visa atos de destruição e danos múltiplos, substanciais, em resultado dos quais é, nomeadamente, violada a ordem pública, ao passo que, no direito francês, o facto de pôr em perigo a ordem pública através da destruição substancial de bens móveis ou imóveis não é especificamente punido. O Tribunal de Justiça declarou que não é exigida uma correspondência exata entre os elementos da infração em causa no Estado-Membro de emissão e no Estado Membro de execução. A autoridade judiciária de execução não pode, portanto, recusar a execução do mandado de detenção europeu pelo facto de apenas uma parte dos factos correspondentes à referida infração no Estado-Membro de emissão constituir igualmente uma infração no Estado-Membro de execução.
    Acórdão Procureur général près la cour d’appel d’Angers de 14 de julho de 2022(C‑168/21)

  • Um nacional russo que desenvolveu aos dezasseis anos de idade uma forma rara de cancro do sangue recebe tratamento nos Países Baixos. O seu tratamento médico, que não é autorizado na Rússia, consiste, nomeadamente, na administração de canábis terapêutica, a fim de aliviar o seu sofrimento. O Tribunal de Primeira Instância de Haia questionou o Tribunal de Justiça sobre se o direito da União se opõe a que umareturn decision from being taken or a decisão de regresso ou uma medida de afastamento seja tomada nessa situação. O Tribunal de Justiça considerou que o direito da União se opõe a tal quando existam motivos sérios e comprovados para crer que o regresso dessa pessoa a exporia, em razão da indisponibilidade no país de destino de cuidados adequados a fins antálgicos, a um risco real de aumento significativo, irremediável e rápido da dor causada pela sua doença grave, o que seria contrário à dignidade humana.
    Acórdão Staatecretaris van Justitie en Veiligheid (Afastamento – Canábis terapêutica) de 22 de novembro de 2022 (C‑69/21)

  • Em 2019, I, nacional egípcio, pediu proteção internacional na Grécia quando ainda era menor. No seu pedido, manifestou o desejo de se reunir com S, seu tio, igualmente nacional egípcio, que residia regularmente nos Países Baixos. O Secretário de Estado neerlandês indeferiu o pedido de tomada a cargo de I formulado pelas autoridades gregas, porque a identidade de I e, portanto, a relação de parentesco alegada com S não podiam ser demonstradas. O mesmo Secretário de Estado indeferiu a reclamação de I e de S, por a considerar manifestamente inadmissível, com o fundamento de que o Regulamento Dublim III não prevê a possibilidade de os requerentes de proteção internacional impugnarem uma decisão de indeferimento de um pedido de tomada a cargo adotada pelas autoridades nacionais competentes. Este indeferimento foi impugnado no Tribunal de Primeira Instância de Haia (Países Baixos) que questionou o Tribunal de Justiça, o qual respondeu que o Regulamento Dublim III, lido em conjugação com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, impõe a obrigação de conferir um direito a um recurso jurisdicional ao menor não acompanhado contra uma decisão de recusa de tomada a cargo. Em contrapartida, o familiar deste menor não beneficia desse direito de recurso.
    Acórdão Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Recusa de tomada a cargo de um menor egípcio não acompanhado) de 1 de agosto de 2022(C‑19/21)

Salvamento no mar

No âmbito de operações de salvamento no mar, pôs-se a questão do alcance dos poderes das autoridades do Estado-Membro do porto para efeitos de controlo de navios que arvoram pavilhão de outro Estado-Membro da União europeia em matéria de segurança marítima e ambiental.

  • Α Sea Watch é uma organização humanitária alemã que exerce uma atividade sistemática de busca e de salvamento de pessoas no mar Mediterrâneo com navios. Na sequência da realização de operações de salvamento em 2020, dois dos seus navios foram objeto de inspeções e de medidas de imobilização pelas capitanias dos portos de Palermo e de Porto Empedocle (Itália), que foram impugnadas pela Sea Watch. Um órgão jurisdicional italiano pediu ao Tribunal de Justiça que esclarecesse o alcance dos poderes de controlo e de detenção do Estado do porto relativamente aos navios operados pelas organizações humanitárias. O Tribunal de Justiça declarou que estes navios podem ser objeto de controlo pelo Estado do porto. No entanto, o Estado do porto só pode adotar medidas de imobilização em caso de risco manifesto para a segurança, a saúde ou o ambiente, o que lhe cabe demonstrar. O Tribunal de Justiça sublinhou igualmente a importância do princípio da cooperação leal, que obriga os Estado-Membros, designadamente o Estado do porto e o Estado de bandeira, a cooperarem e se consultarem no exercício dos respetivos poderes.
    Acórdão Sea Watch de agosto de 2022 (processos apensos C‑14/21 e C‑15/21)

Acesso aos documentos

A transparência da vida pública é um princípio fundamental da União. Por conseguinte, qualquer cidadão ou pessoa coletiva da União pode, em princípio, aceder aos documentos das instituições. No entanto, em alguns casos, esse acesso pode ser negado.

  • A Agrofert é uma sociedade holding checa inicialmente constituída por Andrej Babiš, primeiro-ministro da República Checa entre 2017 e 2021. Numa resolução, o Parlamento Europeu afirmou que A. Babiš continuava a controlar o grupo Agrofert, inclusivamente após a sua designação como primeiro-ministro. Considerando esta afirmação imprecisa e pretendendo conhecer as fontes e as informações detidas pelo Parlamento, a Agrofert apresentou um pedido de acesso a vários documentos. Na sua resposta, o Parliamentο identificou certos documentos como estando publicamente acessíveis e recusou o acesso a uma carta da Comissão dirigida ao primeiro-ministro checo e a um relatório elaborado pela Comissão. Em sede de recurso interposto pela Agrofert contra esta decisão do Parlamento, o Tribunal Geral confirmou a sua validade. O Tribunal Geral concluiu pela perda de interesse em agir da sociedade Agrofert contra a decisão de recusa de acesso ao relatório que lhe tinha entretanto sido comunicado, e negou provimento ao recurso contra a decisão de recusa de acesso à carta dirigida ao primeiro-ministro com o fundamento de que a sua divulgação era suscetível de prejudicar os objetivos das atividades de inquérito da Comissão.
    Acórdão Agrofert/Parliamentο de 28 de setembro de 2022 (T‑174/21)

Concorrência e auxílios de Estado

A União Europeia aplica regras para proteger a livre concorrência. São proibidas as práticas que têm por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado interno. Mais especificamente, o direito da União proíbe determinados acordos ou trocas de informação entre uma empresa e os seus concorrentes que possam ter tal objetivo ou efeito, bem como a exploração de forma abusiva de uma posição dominante, num determinado mercado, por uma empresa. Na mesma perspetiva, os auxílios de Estado são, em princípio, proibidos, salvo se forem justificados e não falsearem a concorrência de forma contrária ao interesse geral.

  • Em 2009, a Comissão aplicou uma coima de 1,06 mil milhões de euros à Intel Corporation por ter abusado da sua posição dominante no mercado mundial dos processadores entre 2002 e 2007. Em 2014, o Tribunal Geral confirmou esta decisão. A Intel interpôs recurso do acórdão do Tribunal Geral para o Tribunal de Justiça que, em 2017, o anulou por erro de direito. O Tribunal Geral tinha-se limitado, erradamente, a concluir que os descontos controvertidos tinham por natureza a capacidade de restringir a concorrência sem analisar se esses descontos tinham concretamente esse efeito. O Tribunal de Justiça remeteu, então, o processo ao Tribunal Geral para nova decisão. No seu Acórdão de 26 de janeiro de 2022, o Tribunal Geral considerou que a análise da Comissão relativa à capacidade dos descontos controvertidos para restringir a concorrência estava incompleta e, portanto, anulou parcialmente a decisão da Comissão. No que respeita ao impacto dessa anulação parcial da decisão impugnada sobre o montante da coima aplicada pela Comissão à Intel, o Tribunal Geral considerou que não estava em condições de identificar o montante da coima relativo unicamente às restrições diretas. Consequentemente, anulou na totalidade o artigo da decisão impugnada que aplicou à Intel uma coima no montante de 1,06 mil milhões de euros pela infração declarada.
    Acórdão Intel Corporation/Comissão de 26 de janeiro de 2022 (T‑286/09 RENV)

  • Em 27 de setembro de 2017, a Comissão Europeia considerou que as sociedades Scania AB, Scania CV AB e Scania Deutschland GmbH, três entidades do grupo Scania, ativas no setor da produção e da venda de camiões pesados para transporte de longo curso, tinham violado o direito da concorrência da União. A Comissão acusava essas sociedades de terem participado com os seus concorrentes, de janeiro de 1997 a janeiro de 2011, em cartéis no mercado dos camiões médios e pesados do Espaço Económico Europeu (EEE). Essa decisão foi adotada na sequência de um procedimento denominado «híbrido», que combina o procedimento de transação e o procedimento administrativo ordinário em matéria de cartéis. O procedimento de transação permite às partes nos processos relativos a cartéis reconhecerem a sua responsabilidade e receberem, como contrapartida, uma redução do montante da coima aplicada. As sociedades do grupo Scania tinham confirmado à Comissão a sua vontade de participarem em conversações com vista a uma transação. No entanto, retiraram-se posteriormente desse procedimento. Assim, a Comissão adotou uma decisão de transação relativamente às empresas que tinham apresentado um pedido nesse sentido e prosseguiu a investigação em relação às sociedades do grupo Scania, às quais foi aplicada uma coima de 880 523 000 euros. O Tribunal Geral negou provimento ao recurso interposto pelas sociedades do grupo contra a decisão da Comissão na sua totalidade, pelo que se manteve a coima aplicada pela Comissão.
    Acórdão Scania e o./Comissão de 2 de fevereiro de 2022 (T‑799/17)

  • Em 4 de maio de 2022, o Tribunal Geral confirmou a decisão da Comissão que aprovou o auxílio de emergência de 36 660 000 euros concedido pela Roménia à companhia aérea romena TAROM, ativa, principalmente, no transporte nacional e internacional de passageiros, carga e correio. A companhia aérea Wizz Air Hungary impugnou esta decisão no Tribunal Geral. Este confirmou a decisão da Comissão com o fundamento de que o o auxílio tinha por objetivo evitar as dificuldades sociais que uma interrupção dos serviços prestados pela companhia aérea romena provocaria, tendo em conta o mau estado das infraestruturas rodoviária e ferroviária romenas.
    Acórdão Wizz Air Hungary/Comissão de 4 de maio de 2022(T‑718/20)

  • O Governo da Região Autonómica de Valência concedeu à Fundación Valencia, uma associação ligada ao clube de futebol Valencia CF, um aval para um empréstimo bancário de 75 milhões de euros, com o qual adquiriu 70,6 % das ações do Valencia CF. Este aval foi posteriormente aumentado em 6 milhões de euros. Em 2016, a Comissão considerou que eram auxílios de Estado incompatíveis com o direito da União e ordenou a sua recuperação. O Valencia CF impugnou esta decisão da Comissão no Tribunal Geral que, em 2020, a anulou (T‑732/16). A Comissão interpôs então recurso no Tribunal de Justiça contra o acórdão do Tribunal Geral. O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso ao concluir que o (T‑732/16). A Comissão interpôs então recurso no Tribunal de Justiça contra o acórdão do Tribunal Geral. O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso ao concluir que o Tribunal Geral não tinha imposto à Comissão um ónus da prova excessivo e se tinha limitado a constatar, acertadamente, que essa instituição não tinha respeitado os requisitos que tinha imposto a si mesma através da adoção, na forma de uma comunicação, das regras relativas à análise das garantias oferecidas pelos Estados‑Membros.
    Acórdão Comissão/Valencia Club de Fútbol ode 10 de novembro de 2022 (C‑211/20 P)

Propriedade intelectual



A propriedade intelectual e o Tribunal Geral da União Europeia
Ver vídeo no YouTube

O Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral asseguram a interpretação e a aplicação da regulamentação adotada pela União para proteger o conjunto dos direitos exclusivos sobre as criações intelectuais. A proteção da propriedade intelectual (direitos de autor) e industrial (direito das marcas, proteção dos desenhos e modelos, direito das patentes) melhora a competitividade das empresas ao favorecer um ambiente propício à criatividade e à inovação. O direito da União protege também o método de elaboração reconhecido de um produto numa zona geográfica da União através das denominações de origem protegidas (DOP).

  • A denominação «Feta» foi registada como denominação de origem protegida (DOP) em 2002. Desde então, esta denominação só pode ser utilizada para queijo originário de uma área geográfica delimitada na Grécia e em conformidade com o caderno de especificações aplicável a esse produto. A Dinamarca considerava que o Regulamento 1151/2012 só se aplicava aos produtos vendidos na União e não dizia respeito às exportações para países terceiros. Por conseguinte, não proibiu os seus produtores de exportarem os seus produtos com a denominação «Feta». A Comissão intentou uma ação por incumprimento contra a Dinamarca, por considerar que não tinha cumprido as obrigações decorrentes do regulamento. O Tribunal de Justiça declarou que o regulamento não exclui os produtos para exportação dos comportamentos proibidos, designadamente as violações do direito de propriedade intelectual que protege as DOP. Consequentemente, declarou que a Dinamarca não tinha cumprido as suas obrigações ao não impedir a utilização da denominação «FETA» para queijos destinados à exportação para países terceiros.
    Acórdão Comissão/Dinamarca de 14 de julho de 2022 (C‑159/20)

  • Em junho de 2017, o Governo do Principado de Andorra apresentou um pedido para registar enquanto marca da União Europeia, para um amplo leque de produtos e de serviços, o seguinte sinal figurativo:


    Uma vez que o registo desta marca foi indeferido pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), o Governo do Principado de Andorra interpôs recurso no Tribunal Geral. Para poder ser registada, uma marca da União não deve, nomeadamente, ter caráter descritivo, o que excluiu que se limite a uma simples descrição dos produtos ou serviços a que se refere. No seu acórdão, o Tribunal Geral concluiu que a marca Andorra tem caráter descritivo. O público relevante pode entendê-la como uma indicação da proveniência dos produtos ou dos serviços em causa. Trata-se de um motivo absoluto de recusa que justifica só por si que o sinal não possa ser registado como marca da União Europeia.
    Acórdão Govern d'Andorra/EUIPO (Andorra) de 23 de fevereiro de 2022 (T‑806/19)

  • O Tribunal Geral negou provimento aos três recursos interpostos pela Apple Inc. contra as decisões do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) que declararam a extinção do sinal nominativo «THINK DIFFERENT». Em 1997, 1998 e 2005, a Apple Inc. tinha obtido o registo do sinal nominativo «THINK DIFFERENT» como marca da União Europeia, designadamente para produtos informáticos e de telecomunicação. A pedido da Swatch AG, o EUIPO, ao constatar que as marcas controvertidas não tinham sido objeto de utilização séria para os produtos em questão durante um período ininterrupto de cinco anos, declarou a extinção das marcas controvertidas. O Tribunal Geral confirmou a decisão do EUIPO: entendeu que cabia à Apple Inc. fazer prova da utilização séria destas marcas para os produtos em questão durante os cinco anos anteriores à data de apresentação dos pedidos de extinção, o que não logrou fazer.
    Acórdãos Apple/EUIPO – Swatch (Think different) de 8 de junho de 2022 (processos apensos T‑26/21, T‑27/21 e T‑28/21)

  • Em 2017, a sociedade britânica Golden Balls apresentou ao Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) um pedido de extinção da marca BALLON D’OR pelo facto de, segundo ela, esta marca não ter sido suficientemente utilizada para determinados produtos e serviços. A marca BALLON D'OR tinha sido previamente registada a favor da sociedade francesa Les Éditions P. Amaury, detentora dos direitos associados à Bola de ouro (Ballon d’or) (uma recompensa atribuída ao melhor jogador de futebol do ano). Em 2021, o EUIPO declarou a extinção desta marca para a maioria dos produtos e dos serviços para os quais tinha sido registada. Em sede de recurso interposto pela Les Éditions P. Amaury contra a decisão do EUIPO, o Tribunal Geral anulou esta decisão no que respeita à declaração de extinção para os serviços de entretenimento. Em contrapartida, o Tribunal Geral confirmou a extinção desta marca para os serviços relativos à difusão ou montagem de programas de televisão, à produção de espectáculos ou de filmes e à publicação de livros, revistas ou jornais.
    Acórdão Les Éditions P. Amaury/EUIPO – Golden Balls (BALLON D’OR) de 6 de julho de 2022 (T‑478/21)

Fiscalidade

Os impostos diretos são, em princípio, da competência dos Estados‑Membros. No entanto, devem, como por exemplo a tributação das sociedades, respeitar as regras de base da União Europeia, nomeadamente a proibição dos auxílios de Estado. Assim, as decisões fiscais antecipadas («tax rulings») de certos Estados‑Membros que concederam a empresas multinacionais um tratamento fiscal particular são objeto de controlos por parte da Comissão e o juiz da União é chamado a pronunciar-se.

  • As decisões fiscais antecipadas são decisões adotadas, a pedido das empresas, pela administração fiscal de certos Estados‑Membros, que determinam antecipadamente o imposto a que essas empresas estarão sujeitas. Com a sua sede social no Grão-Ducado do Luxemburgo, a Fiat Chrysler Finance Europe obteve das autoridades fiscais luxemburguesas uma decisão antecipada que avalizava um método de determinação da remuneração da Fiat Chrysler Finance Europe, enquanto sociedade integrada, para os serviços prestados às outras sociedades do grupo Fiat/Chrysler. Em 2015, a Comissão considerou que esta decisão antecipada constituía um auxílio ao funcionamento incompatível com o mercado interno na aceção do direito da União. Foram interpostos recursos pela Fiat Chrysler Finance Europe e pelo Luxemburgo no Tribunal Geral que, em 2019, validou a abordagem da Comissão e negou provimento aos recursos. A Fiat Chrysler Finance Europe e a Irlanda contestaram, em vários aspetos, a análise efetuada pelo Tribunal Geral para determinar a existência de uma vantagem económica, mais especificamente na perspetiva das regras aplicáveis em matéria de auxílios de Estado. O Tribunal de Justiça anulou o acórdão do Tribunal Geral e a decisão da Comissão. Segundo o Tribunal de Justiça, a Comissão aplicou um princípio de plena concorrência diferente do definido em direito luxemburguês, quando, na falta de harmonização a este respeito no direito da União, apenas as disposições nacionais são pertinentes para analisar se determinadas transações devem ser examinadas à luz do princípio de plena concorrência.
    Acórdão Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão e Irlanda/Comissão de 8 de novembro de 2022 (processos apensos C‑885/19 P e C‑898/19 P)

Estado de direito



Fazer respeitar o Estado de direito na União
Ver vídeo no YouTube

A Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia – regras vinculativas com efeitos concretos
Ver vídeo no YouTube

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, tal como o Tratado da União Europeia, faz expressamente referência ao Estado de direito, um dos valores comuns aos Estados‑Membros da União em que esta se funda. O Tribunal de Justiça é levado, cada vez mais frequentemente, a pronunciar-se sobre a questão do respeito do Estado de direito pelos Estados‑Membros, quer no âmbito de ações por incumprimento intentadas contra estes pela Comissão Europeia quer no âmbito de pedidos de decisão prejudicial provenientes dos órgãos jurisdicionais nacionais. O Tribunal de Justiça deve então examinar se este valor fundador é respeitado ao nível nacional, designadamente no que concerne ao poder judicial e, mais especificamente, no âmbito do processo de nomeação ou do regime disciplinar dos juízes.

  • Em resposta a uma questão prejudicial submetida pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia), o Tribunal de Justiça declarou que o simples facto de um juiz ter sido nomeado numa época em que o Estado-Membro a que pertence ainda não constituíra um regime democrático não põe em causa a independência e a imparcialidade desse juiz quando do exercício das suas funções judiciais posteriores. Principalmente, as circunstâncias que rodearam a primeira nomeação desse juiz não permitem, por si só, criar dúvidas legítimas e sérias no espírito dos particulares.
    Acórdão Getin Noble Bank de março de 2022 (C‑132/20)

Medidas restritivas e política externa

As medidas restritivas ou «sanções» constituem um instrumento essencial da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) da União Europeia. São utilizadas no âmbito de uma ação integrada e global que inclui, designadamente, um diálogo político. A União recorre particularmente às mesmas para preservar os valores, os interesses fundamentais e a segurança da União e para prevenir conflitos e reforçar a segurança internacional. Com efeito, as sanções procuram suscitar uma mudança política ou de comportamento por parte das pessoas ou entidades visadas, a fim de promover os objetivos da PESC.

  • Na sequência de graves violações dos direitos humanos na Líbia, o Conselho da União Europeia adotou, em outubro de 2020, medidas restritivas contra Mr Yevgeniy Viktorovich Prigozhin, um empresário russo que mantém relações estreitas com o Wagner Group, implicado em operações militares nesse Estado. A decisão foi prorrogada em julho de 2021. Estas medidas consistem no congelamento de fundos de pessoas que pratiquem ou apoiem atos que ponham em perigo a paz, a estabilidade ou a segurança na Líbia. Y. Prigozhin interpôs recurso contra estas medidas no Tribunal Geral com o objetivo de obter a sua anulação. O Tribunal Geral negou provimento ao recurso. Considerou, nomeadamente, que os elementos de prova fornecidos, designadamente excertos do relatório do Secretário-Geral das Nações Unidas e de artigos de imprensa (incluindo fotografias e testemunhos) provenientes de fontes variadas, como agências de imprensa ou meios de comunicação social, permitiam identificar o grupo Wagner e continham informações precisas e concordantes sobre as atividades deste grupo que punham em perigo a paz, a segurança e a estabilidade na Líbia. O dossiê probatório continha igualmente elementos concretos, precisos e concordantes que estabeleciam as relações estreitas e múltiplas de Y. Prigozhin com o grupo Wagner.
    Acórdão Prigozhin/Conselho de 1 de junho de 2022 (T‑723/20)

go to top